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Alterações eletrocardiográficas com padrão de brugada induzidas por hipocalemia

RELATO DE CASO

Alterações eletrocardiográficas com padrão de brugada induzidas por hipocalemia

Guilherme Ferreira GazzoniI; Anibal Pires BorgesI; Luis Carlos Corsetti BergoliII; José Luiz Flores SoaresII; Carlos KalilI; Eduardo BartholomayI

IServiço de Eletrofisiologia Cardíaca - Hospital São Lucas da PUCRS

IIServiço de Medicina Interna - Hospital Nossa Senhora da Conceição, Porto Alegre, RS - Brasil

Correspondência Correspondência: Guilherme Ferreira Gazzoni Rua Martim Aranha, 100, bloco A1, Apt 203, Boa Vista CEP 90520-020, Porto Alegre, RS - Brasil E-mail: ggazzoni@cardiol.br, gazzoni3@gmail.com

Palavras-chave: Síndrome de Brugada, bloqueio de ramo direito e hipocalemia.

Introdução

Desde a sua descrição, em 1992, a síndrome de Brugada tornou-se a segunda causa de morte entre os adultos jovens em alguns países1. A síndrome de Brugada é uma doença autossômica dominante com penetrância incompleta que pode causar síncope e morte súbita cardíaca em indivíduos jovens com o coração normal. É caracterizada por um padrão eletrocardiográfico de bloqueio de ramo direito (BRD) completo ou incompleto e elevação do segmento ST de V1 a V3. Os achados característicos do eletrocardiograma (ECG) estão presentes em alguns pacientes não afetados pela síndrome2. Vários fatores não genéticos foram mencionados na literatura como possíveis indutores do padrão de Brugada do ECG3. Ele pode ser induzido em alguns pacientes durante estados febris, anormalidades eletrolíticas, uso de cocaína e medicamentos que tem efeito de bloqueio dos canais de sódio, tais como antiarrítmicos, anestésicos e antidepressivos tricíclicos, entre outros4. Descrevemos o caso de um homem de 21 anos de idade que apresentou hipocalemia grave e alterações eletrocardiográficas dinâmicas compatíveis com o padrão de Brugada5.

Relato do Caso

Um indivíduo de 21 anos, do sexo masculino, branco, solteiro, com diagnóstico de paralisia periódica hipocalêmica (doença genética associada com perda de potássio), foi trazido à Emergência com tetraparesia de início repentino, após várias horas de sono e dois episódios de vômitos. Não apresentava dificuldades respiratórias ou de deglutição. Não tinha histórico pessoal ou familiar de morte súbita nem havia experimentado quaisquer episódios de síncope. Vinha em uso de espironolactona e negou o uso de outras drogas ou álcool. No exame físico, o pulso era regular e a pressão arterial era de 112/61 mmHg em ambos os braços. A pele estava fria e sudoreica. Distensão da veia jugular, bócio ou linfadenopatias não foram observados. O exame cardíaco revelou um ritmo regular, sem sopros e pulso de 95 bpm. O exame dos pulmões e abdômen foi normal. Não havia deformidades ou edema das extremidades e os pulsos distais estavam presentes e eram simétricos. O exame neurológico revelou paralisia flácida de todas as extremidades que afetava os músculos proximais e distais, incluídos os quadris e os ombros. Os reflexos profundos estavam levemente reduzidos para 2 de 4. A função dos nervos cranianos estava intacta. Exames bioquímicos de rotina, enzimas hepáticas e o hemograma estavam normais, exceto por um nível de potássio de 1,5 (3,5-5,5 mmol/L). A análise da função da tireoide estava normal.

O ECG de 12 derivações revelou, na admissão, ritmo sinusal e BRD incompleto com elevação do segmento ST em V1-V2, com elevação do segmento ST em côncavo consistente com o padrão de Brugada tipo 1 (Figura 1). A radiografia de tórax mostrou um coração de tamanho normal. Seis horas após o início da reposição de potássio por via intravenosa, os sintomas neurológicos do paciente desapareceram por completo. A repetição do ECG mostrou ritmo sinusal normal e as anomalias eletrocardiográficas desapareceram (Figura 2). O ecocardiograma foi normal.



Discussão

Vários fatores não genéticos foram mencionados na literatura como possíveis indutores do padrão de Brugada no ECG. A base do padrão de Brugada no ECG e da síndrome de Brugada continua a ser tema de debate, com argumentos tanto para anormalidades da repolarização quanto da despolarização como sendo responsáveis6,7. Em ambos os eventos, a diminuição da entrada de sódio (Na+) é aceita, de forma geral, como sendo essencial8. A lista de medicamentos ou condições que podem revelar ou induzir um padrão de Brugada no ECG está aumentando9. Os fatores que podem revelar ou modular o padrão de Brugada no ECG são beta-bloqueadores, antidepressivos tricíclicos ou tetracíclicos, lítio, anestésicos locais, febre, hipercalemia, hipercalcemia, hiponatremia, álcool e toxidade por cocaína4,8,10,11. O significado clínico e o risco de arritmias induzidas pelo padrão de Brugada no ECG são desconhecidos. Pesquisas recentes descrevem o risco de eventos cardíacos em pacientes com o padrão de Brugada no ECG, porém sem a síndrome de Brugada, em situações médicas agudas4. Juntilla e cols.4 coletaram dados de 47 pacientes; 26 pacientes com o padrão ECG de Brugada devido a drogas ou medicamentos; 16 com esse padrão de ECG desenvolvido durante um episódio febril e 5 relacionados a desequilíbrios eletrolíticos4. Dos 47 indivíduos com um padrão agudo de Brugada no ECG, 24 (51%) tiveram arritmias malignas, sendo que 18 pacientes desenvolveram morte súbita cardíaca, 3 apresentaram episódios de taquicardia ventricular e 3 tiveram síncope. Tsai e cols.12 descreveram o padrão de Brugada no ECG durante uma paralisia periódica hipocalêmica em um homem com tireotoxicose12.

Em pacientes com a síndrome de Brugada, também existem relatos de indução de taquicardia ventricular e fibrilação ventricular associadas com hipocalemia transitória13,14. A hipocalemia induz o prolongamento do QT e diversas arritmias ventriculares devido à elevação do potencial de repouso da membrana, ao aumento da duração do potencial de ação e ao aumento da automaticidade dos miócitos cardíacos13. A perda do potencial de ação em cúpula devido à saída transitória de potássio mediada pelos canais Ito no epicárdio ventricular direito gera um gradiente de voltagem transmural subjacente à elevação do segmento ST, semelhante ao que é observado na síndrome de Brugada14.

As alterações eletrocardiográficas mais comuns induzidas pela hipocalemia incluem o aumento da amplitude da onda U, a depressão da onda T e a retificação e o aumento da duração do segmento ST com consequente aumento no intervalo QT15. Esses achados são também identificados no ECG de admissão, que mostrou o padrão de Brugada (Figura 1), e poderiam ser úteis para o diagnóstico diferencial. A hipocalemia é geralmente bem tolerada na ausência de doença cardíaca estrutural, especialmente na presença de QT normal no ECG14.

O padrão de Brugada no ECG pode ser um fenômeno transitório em pessoas que não tem determinadas doenças genéticas e não deve ser considerado benigno. Existem algumas evidências propondo que esse padrão transitório no ECG é um fator de risco para o desenvolvimento de arritmias cardíacas potencialmente fatais, devendo ser manejado agressivamente.

Não há conflito de interesses com qualquer organização financeira a respeito do material discutido nesse relato de caso.

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa: Gazzoni GF, Bergoli LCC, Soares JLF, Kalil C, Bartholomay E; Obtenção de dados: Borges AP, Bergoli LCC, Soares JLF; Análise e interpretação dos dados: Gazzoni GF, Borges AP, Bergoli LCC, Soares JLF, Bartholomay E; Redação do manuscrito: Gazzoni GF, Borges AP, Bergoli LCC, Kalil C, Bartholomay E; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual: Gazzoni GF, Borges AP, Bergoli LCC, Soares JLF, Kalil C, Bartholomay E.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.

Artigo recebido em 15/06/12, revisado em 26/08/12, aceito em 05/10/12.

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  • Correspondência:

    Guilherme Ferreira Gazzoni
    Rua Martim Aranha, 100, bloco A1, Apt 203, Boa Vista
    CEP 90520-020, Porto Alegre, RS - Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Abr 2013
    • Data do Fascículo
      Mar 2013
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