Acessibilidade / Reportar erro

Insuficiência Cardíaca com Fração de Ejeção do Ventrículo Esquerdo Preservada em Pacientes com Infarto Agudo do Miocárdio

Resumo

Fundamento:

A prevalência e os desfechos clínicos em pacientes com insuficiência cardíaca com fração de ejeção do ventrículo esquerdo preservada pós-infarto agudo do miocárdio ainda não foram bem elucidados.

Objetivo:

Analisar a prevalência de insuficiência cardíaca com fração de ejeção do ventrículo esquerdo preservada no infarto agudo do miocárdio e sua associação com a mortalidade.

Métodos:

Pacientes com infarto agudo do miocárdio (n = 1.474) foram incluídos prospectivamente. Pacientes admitidos sem insuficiência cardíaca (Killip = 1), com insuficiência cardíaca com fração de ejeção do ventrículo esquerdo preservada (Killip > 1 e fração de ejeção do ventrículo esquerdo ≥ 50%) e com insuficiência cardíaca sistólica (Killip > 1 e fração de ejeção do ventrículo esquerdo < 50%) foram comparados. A associação entre insuficiência cardíaca sistólica e com fração de ejeção do ventrículo esquerdo preservada, com a mortalidade hospitalar foi testada em modelos ajustados.

Resultados:

Dentre os incluídos, 1.256 (85,2%) pacientes foram admitidos sem insuficiência cardíaca (72% homens, 67 ± 15 anos), 78 (5,3%) com insuficiência cardíaca com fração de ejeção do ventrículo esquerdo preservada (59% homens, 76 ± 14 anos) e 140 (9,5%) com insuficiência cardíaca sistólica (69% homens, 76 ± 14 anos), com mortalidade, respectivamente, de 4,3; 17,9 e 27,1% (p < 0,001). A regressão logística (ajustada para sexo, idade, troponina, diabetes e índice de massa corporal) demonstrou que insuficiência cardíaca com fração de ejeção do ventrículo esquerdo preservada (odds ratio de 2,91; intervalo de confiança de 95% de 1,35-6,27; p = 0,006) e insuficiência cardíaca sistólica (odds ratio de 5,38; intervalo de confiança de 95% de 3,10-9,32; p < 0,001) se associaram à mortalidade intra-hospitalar.

Conclusão:

Um terço dos pacientes com infarto agudo do miocárdio admitidos com insuficiência cardíaca apresentou fração de ejeção do ventrículo esquerdo preservada. Apesar de esse subgrupo ter evolução mais favorável que os pacientes com insuficiência cardíaca sistólica, ele apresentou risco de morte três vezes maior do que o grupo sem insuficiência cardíaca. Pacientes com infarto agudo do miocárdio e insuficiência cardíaca com fração de ejeção do ventrículo esquerdo preservada apresentaram elevado risco em curto prazo e mereceram especial atenção e monitorização durante a internação hospitalar.

Palavras-chave
Insuficiência Cardíaca; Infarto do Miocárdio; Volume Sistólico; Prevalência

Abstract

Background:

The prevalence and clinical outcomes of heart failure with preserved left ventricular ejection fraction after acute myocardial infarction have not been well elucidated.

Objective:

To analyze the prevalence of heart failure with preserved left ventricular ejection fraction in acute myocardial infarction and its association with mortality.

Methods:

Patients with acute myocardial infarction (n = 1,474) were prospectively included. Patients without heart failure (Killip score = 1), with heart failure with preserved left ventricular ejection fraction (Killip score > 1 and left ventricle ejection fraction ≥ 50%), and with systolic dysfunction (Killip score > 1 and left ventricle ejection fraction < 50%) on admission were compared. The association between systolic dysfunction with preserved left ventricular ejection fraction and in-hospital mortality was tested in adjusted models.

Results:

Among the patients included, 1,256 (85.2%) were admitted without heart failure (72% men, 67 ± 15 years), 78 (5.3%) with heart failure with preserved left ventricular ejection fraction (59% men, 76 ± 14 years), and 140 (9.5%) with systolic dysfunction (69% men, 76 ± 14 years), with mortality rates of 4.3%, 17.9%, and 27.1%, respectively (p < 0.001). Logistic regression (adjusted for sex, age, troponin, diabetes, and body mass index) demonstrated that heart failure with preserved left ventricular ejection fraction (OR 2.91; 95% CI 1.35–6.27; p = 0.006) and systolic dysfunction (OR 5.38; 95% CI 3.10 to 9.32; p < 0.001) were associated with in-hospital mortality.

Conclusion:

One-third of patients with acute myocardial infarction admitted with heart failure had preserved left ventricular ejection fraction. Although this subgroup exhibited more favorable outcomes than those with systolic dysfunction, this condition presented a three-fold higher risk of death than the group without heart failure. Patients with acute myocardial infarction and heart failure with preserved left ventricular ejection fraction encounter elevated short-term risk and require special attention and monitoring during hospitalization.

Keywords
Heart Failure; Myocardial Infarction; Stroke Volume; Prevalence

Introdução

A Insuficiência Cardíaca (IC) diastólica consiste em uma síndrome clínica definida pela presença de sinais e sintomas de IC, Fração de Ejeção do Ventrículo Esquerdo (FEVE) preservada e função diastólica anormal11 Zile MR, Brutsaert DL. New concepts in diastolic dysfunction and diastolic heart failure: Part I: diagnosis, prognosis, and measurements of diastolic function. Circulation. 2002;105(11):1387-93.. A disfunção diastólica caracteriza-se por uma anormalidade na distensibilidade, no relaxamento e no enchimento ventricular − fenômenos que podem ser indiretamente mensurados pelo ecocardiograma22 Wang J, Nagueh SF. Current perspectives on cardiac function in patients with diastolic heart failure. Circulation. 2009;119(8):1146-57.. Na ausência de detalhamentos ecocardiográficos da função diastólica, a IC com FEVE ≥ 50% pode ser denominada apenas “IC com FEVE preservada”. Apesar de, geralmente, pacientes com IC com FEVE preservada apresentarem prognóstico mais favorável do que aqueles com IC sistólica, existe crescente morbidade relacionada à IC com FEVE preservada, em virtude do envelhecimento populacional e das limitações terapêuticas associadas a essa patologia.

Particularmente no Infarto Agudo do Miocárdio (IAM), a disfunção sistólica é um importante marcador de pior prognóstico33 Pfeffer MA, Braunwald E, Moye LA, Basta L, Brown EJ Jr, Cuddy TE, et al. Effect of captopril on mortality and morbidity in patients with left ventricular dysfunction after myocardial infarction. Results of the survival and ventricular enlargement trial. The SAVE Investigators. N Engl J Med. 1992;327(10):669-77.,44 Volpi A, De Vita C, Franzosi MG, Geraci E, Maggioni AP, Mauri F, et al. Determinants of 6-month mortality in survivors of myocardial infarction after thrombolysis. Results of the GISSI-2 data base. The Ad hoc Working Group of the Gruppo Italiano per lo Studio della Sopravvivenza nell'Infarto Miocardico (GISSI)-2 Data Base. Circulation. 1993;88(2):416-29.. Por outro lado, a presença de disfunção diastólica, associada ou não à sistólica, nesse cenário, é um agravante clínico e associa-se ao pior prognóstico55 Oh JK, Ding ZP, Gersh BJ, Bailey KR, Tajik AJ. Restrictive left ventricular diastolic filling identifies patients with heart failure after acute myocardial infarction. J Am Soc Echocardiogr. 1992;5(5):497-503.,66 Nijland F, Kamp O, Karreman AJ, van Eenige MJ, Visser CA. Prognostic implications of restrictive left ventricular filling in acute myocardial infarction: a serial Doppler echocardiographic study. J Am Coll Cardiol. 1997;30(7):1618-24.. Estudos prévios sugeriram que o desenvolvimento de IC após o IAM esteja relacionado com o tamanho do infarto, a doença multiarterial coronariana, a eficiência da reperfusão e o uso de medicações adjuvantes77 Sanz G, Castaner A, Betriu A, Magrina J, Roig E, Coll S, et al. Determinants of prognosis in survivors of myocardial infarction: a prospective clinical angiographic study. N Engl J Med. 1982;306(18):1065-70.

8 Nicod P, Gilpin E, Dittrich H, Chappuis F, Ahnve S, Engler R, et al. Influence on prognosis and morbidity of left ventricular ejection fraction with and without signs of left ventricular failure after acute myocardial infarction. Am J Cardiol. 1988;61(15):1165-71.
-99 Spencer FA, Meyer TE, Gore JM, Goldberg RJ. Heterogeneity in the management and outcomes of patients with acute myocardial infarction complicated by heart failure: the National Registry of Myocardial Infarction. Circulation. 2002;105(22):2605-10.. Apesar do emprego crescente da revascularização miocárdica precoce88 Nicod P, Gilpin E, Dittrich H, Chappuis F, Ahnve S, Engler R, et al. Influence on prognosis and morbidity of left ventricular ejection fraction with and without signs of left ventricular failure after acute myocardial infarction. Am J Cardiol. 1988;61(15):1165-71., a prevalência de IC pós-IAM ainda é elevada (em torno de 20 a 30%), representando a principal causa de morbimortalidade intra-hospitalar66 Nijland F, Kamp O, Karreman AJ, van Eenige MJ, Visser CA. Prognostic implications of restrictive left ventricular filling in acute myocardial infarction: a serial Doppler echocardiographic study. J Am Coll Cardiol. 1997;30(7):1618-24.,1010 Greenberg H, McMaster P, Dwyer EM Jr. Left ventricular dysfunction after acute myocardial infarction: results of a prospective multicenter study. J Am Coll Cardiol. 1984;4(5):867-74.. A disfunção ventricular sistólica após o IAM tem sido extensivamente estudada em sua relação com desenvolvimento de IC e aumento da mortalidade. Por outro lado, dados relacionados à prevalência e ao prognóstico de pacientes com IC com FEVE preservada pós-IAM ainda são limitados na literatura1111 Poulsen SH, Jensen SE, Gotzsche O, Egstrup K. Evaluation and prognostic significance of left ventricular diastolic function assessed by Doppler echocardiography in the early phase of a first acute myocardial infarction. Eur Heart J. 1997;18(12):1882-9.. Existem poucos registros prévios que avaliaram especificamente a IC com FEVE preservada pós-IAM, sendo que, em geral, não avaliaram simultaneamente pacientes com IAM Com e Sem Supradesnivelamento do ST (IAMCST e IAMSST, respectivamente) e utilizaram critérios de corte de FEVE heterogêneos para determinar o diagnóstico de IC com FEVE preservada1212 Bennett KM, Hernandez AF, Chen AY, Mulgund J, Newby LK, Rumsfeld JS, et al. Heart failure with preserved left ventricular systolic function among patients with non-ST-segment elevation acute coronary syndromes. Am J Cardiol. 2007;99(10):1351-6.

13 Steg PG, Dabbous OH, Feldman LJ, Cohen-Solal A, Aumont MC, Lopez-Sendon J, et al. Determinants and prognostic impact of heart failure complicating acute coronary syndromes: observations from the Global Registry of Acute Coronary Events (GRACE). Circulation. 2004;109(4):494-9.
-1414 Wu AH, Parsons L, Every NR, Bates ER. Hospital outcomes in patients presenting with congestive heart failure complicating acute myocardial infarction: a report from the Second National Registry of Myocardial Infarction (NRMI-2). J Am Coll Cardiol. 2002;40(8):1389-94.. Nosso objetivo, neste trabalho, foi avaliar prevalência, características clínicas e desfechos clínicos de pacientes admitidos com IAM e IC com FEVE preservada.

Métodos

Entre janeiro de 2005 e dezembro de 2012, 1.474 pacientes com IAM (71% homens, 73 ± 14 anos, 39% com IAMCST) foram consecutivamente incluídos em um registro unicêntrico de um hospital terciário. Detalhes acerca do desenho, da condução e do controle de qualidade do registro foram publicados previamente1515 Makdisse M, Katz M, Correa Ada G, Forlenza LM, Perin MA, de Brito Junior FS, et al. Effect of implementing an acute myocardial infarction guideline on quality indicators. Einstein. 2013;11(3):357-63.. O IAM foi definido de acordo com critérios de diretrizes internacionais1616 Alpert JS, Thygesen K, Antman E, Bassand JP. Myocardial infarction redefined--a consensus document of The Joint European Society of Cardiology/American College of Cardiology Committee for the redefinition of myocardial infarction. J Am Coll Cardiol. 2000;36(3):959-69.. A FEVE foi mensurada ao longo da internação hospitalar, a critério da equipe assistencial. Para essa análise, selecionamos a pior FEVE de cada paciente durante a internação. Características clínicas basais e desfechos intra-hospitalares (tempo de internação e mortalidade hospitalar) foram comparados entre três grupos de pacientes: admitidos sem IC (Killip = 1); admitidos com IC com FEVE preservada (Killip > 1 e FEVE ≥ 50%); e admitidos com IC sistólica (Killip > 1 e FEVE < 50%). O diagnóstico de IAM, bem como todas as decisões acerca do tratamento instituído, ficaram a cargo da equipe médica responsável, com base em diretrizes atuais e rotinas da instituição. Uma equipe específica de enfermagem foi designada para coletar todas as variáveis incluídas nesse registro. A aprovação para o estudo foi fornecida pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Israelita Albert Einstein.

Análise estatística

As variáveis numéricas de distribuição normal foram apresentadas na forma de média ± Desvio Padrão (DP), ou mediana e variação interquartil, quando a distribuição não era normal. As variáveis categóricas foram apresentadas na forma de frequências absolutas e relativas. A comparação entre variáveis numéricas foi realizada por meio dos testes de Análise de Variância (ANOVA) ou Kruskal-Wallis, seguida de comparações múltiplas de Bonferroni e Dunn, quando necessárias. O teste qui quadrado foi utilizado para variáveis categóricas e foram realizadas comparações múltiplas de Bonferroni via modelos lineares generalizados com função de ligação logito quando as diferenças entre os grupos foram significativas. Um modelo de regressão logística ajustado para sexo, idade, troponina, diabetes melito, índice de massa corporal, tipo de IAM e presença de Acidente Vascular Cerebral (AVC)/Ataque Isquêmico Transitório (AIT) prévio foi utilizado para testar a associação entre IC e mortalidade intra-hospitalar. O valor de p < 0,05 foi considerado estatisticamente significativo. Todas as análises estatísticas foram realizadas utilizando STATA 11 Edição Especial (StataCorp LP, CollegeStation, Texas, Estados Unidos).

Resultados

Dentre os 1.474 incluídos, 1.256 (85,2%) pacientes foram admitidos sem IC (72% homens, 67 ± 15 anos), 78 (5,3%) com IC com FEVE preservada (59% homens, 76 ± 14 anos), e 140 (9,5%) com IC sistólica (69% homens, 76 ± 14 anos). As características clínicas basais desses três subgrupos podem ser observadas na tabela 1. Observamos que, em relação aos pacientes sem IC, pacientes com IC com FEVE preservada e com IC sistólica eram mais velhos e apresentaram maior risco Thrombolysis in Myocardial Infarction (TIMI). Em relação aos pacientes com IC sistólica, os pacientes com IC com FEVE preservada apresentaram maior FEVE e, mais frequentemente, IAMSST.

Tabela 1
Características clínicas dos pacientes nos três subgrupos estudados

Pacientes admitidos sem IC, com IC com FEVE preservada e com IC sistólica apresentaram, respectivamente, mortalidade de 4,3, 17,9 e 27,1% (p < 0,001) e tempo de internação hospitalar de 6 (5) , 9 (14) e 10 (12,5) dias (p<0,001). A regressão logística demonstrou que a presença de IC com FEVE preservada ( Odds Ratio − OR = 2,91; Intervalo de Confiança de 95% − IC95% 1,35-6,27; p = 0,006) e de IC sistólica (OR = 5,38; IC95% = 3,10-9,32; p < 0,001) foi importantemente associada, de forma independente, à morte intra-hospitalar (Tabela 2).

Tabela 2
Regressão logística multivariada

Discussão

Um terço dos pacientes com IAM admitidos com IC apresentou FEVE preservada. Apesar de ter FEVE preservada (≥ 50%), esse subgrupo apresentou tempo de internação prolongado e risco de morte intra-hospitalar quase três vezes maior do que pacientes sem IC. Por outro lado, os pacientes admitidos com IC sistólica apresentaram taxas de mortalidade ainda maiores, com risco de morte intra-hospitalar cinco vezes maior em comparação com os pacientes sem IC.

A IC diastólica é uma síndrome clínica caracterizada por sinais e sintomas de IC, FEVE preservada e função diastólica anormal. A fisiopatologia da IC diastólica consiste no défice de relaxamento ventricular e no aumento das pressões intraventriculares, com consequente elevação da pressão capilar pulmonar11 Zile MR, Brutsaert DL. New concepts in diastolic dysfunction and diastolic heart failure: Part I: diagnosis, prognosis, and measurements of diastolic function. Circulation. 2002;105(11):1387-93.. De um modo geral, a IC secundária ao IAM é resultado de complexas interações estruturais, hemodinâmicas e neuro-humorais desadaptadas1717 Velazquez EJ, Pfeffer MA. Acute heart failure complicating acute coronary syndromes: a deadly intersection. Circulation. 2004;109(4):440-2.. A isquemia e a necrose miocárdica abrupta promovem disfunção contrátil sistólica e diastólica, já que a diástole ventricular é um processo fisiológico ativo que consome oxigênio e glicose1818 Solomon SD, Glynn RJ, Greaves S, Ajani U, Rouleau JL, Menapace F, et al. Recovery of ventricular function after myocardial infarction in the reperfusion era: the healing and early afterload reducing therapy study. Ann Intern Med. 2001;134(6):451-8.. Mesmo que não haja necrose extensa, o miocárdio atordoado ou hibernado também apresenta disfunção contrátil e de relaxamento, ainda que transitória1919 Braunwald E, Kloner RA. The stunned myocardium: prolonged, postischemic ventricular dysfunction. Circulation. 1982;66(6):1146-9..

A avaliação ecocardiográfica da função diastólica e das pressões de enchimento requer aquisição cuidadosa de dados e interpretação adequada pelo operador. Diminuições na magnitude da relação de enchimento diastólico precoce e tardio (relação E/A), aumentos no tempo de desaceleração do perfil da velocidade de enchimento diastólico precoce ou aumentos no tempo de relaxamento isovolumétrico indicam piora do relaxamento ventricular1919 Braunwald E, Kloner RA. The stunned myocardium: prolonged, postischemic ventricular dysfunction. Circulation. 1982;66(6):1146-9.. Esses parâmetros ecocardiográficos podem auxiliar no diagnóstico e mensurar a gravidade da disfunção diastólica. Um consenso europeu de 2007 sugeriu que, além do quadro clínico de IC e da FEVE, parâmetros ecocardiográficos, como o tempo de enchimento ventricular, volume diastólico e massa ventricular, fossem incluídos entre os critérios diagnósticos de IC diastólica2020 Paulus WJ, Tschope C, Sanderson JE, Rusconi C, Flachskampf FA, Rademakers FE, et al. How to diagnose diastolic heart failure: a consensus statement on the diagnosis of heart failure with normal left ventricular ejection fraction by the Heart Failure and Echocardiography Associations of the European Society of Cardiology. Eur Heart J. 2007;28(20):2539-50.. Esses parâmetros não estavam disponíveis em nosso registro. Apesar disso, de modo semelhante ao nosso estudo, na maioria dos estudos clínicos com IC diastólica pós-infarto, o diagnóstico foi determinado apenas pelo quadro clínico de IC associado à FEVE preservada1212 Bennett KM, Hernandez AF, Chen AY, Mulgund J, Newby LK, Rumsfeld JS, et al. Heart failure with preserved left ventricular systolic function among patients with non-ST-segment elevation acute coronary syndromes. Am J Cardiol. 2007;99(10):1351-6.,2121 Shah RV, Holmes D, Anderson M, Wang TY, Kontos MC, Wiviott SD, et al. Risk of heart failure complication during hospitalization for acute myocardial infarction in a contemporary population: insights from the National Cardiovascular Data ACTION Registry. Circ Heart Fail. 2012;5(6):693-702..

Em pacientes com Síndromes Coronárias Agudas (SCA), a presença de IC é um marcador importante de risco de morte. Stege cols., a partir do registro GRACE, avaliaram as características e o prognóstico da IC após SCA1313 Steg PG, Dabbous OH, Feldman LJ, Cohen-Solal A, Aumont MC, Lopez-Sendon J, et al. Determinants and prognostic impact of heart failure complicating acute coronary syndromes: observations from the Global Registry of Acute Coronary Events (GRACE). Circulation. 2004;109(4):494-9.. Seus resultados demonstraram risco de morte 2,2 vezes maior para pacientes com IC vs. pacientes sem IC. Importante ressaltar que o registro GRACE não diferenciou quais pacientes possuíam IC sistólica ou diastólica, classificando-os apenas em relação ao Killip durante a admissão hospitalar. Além disso, pacientes com Killip IV foram excluídos da análise, o que pode justificar uma menor mortalidade desses pacientes quando comparados aos resultados de nosso registro ou aos de outros já publicados1414 Wu AH, Parsons L, Every NR, Bates ER. Hospital outcomes in patients presenting with congestive heart failure complicating acute myocardial infarction: a report from the Second National Registry of Myocardial Infarction (NRMI-2). J Am Coll Cardiol. 2002;40(8):1389-94.,2222 Kim SA, Rhee SJ, Shim CY, Kim JS, Park S, Ko YG, et al. Prognostic value of N-terminal probrain natriuretic peptide level on admission in patients with acute myocardial infarction and preserved left ventricular ejection fraction. Coron Artery Dis. 2011;22(3):153-7..

Por outro lado, os dados disponíveis especificamente acerca da IC diastólica em pacientes com SCA são mais limitados. Frequentemente pacientes com SCA e IC apresentam FEVE preservada, entretanto a maioria dos estudos clínicos tem analisado somente os desfechos de pacientes com IC sistólica. Recentemente, um estudo epidemiológico demonstrou que, apesar da prevalência da IC sistólica pós-IAM ter declinado nas últimas duas décadas, a da IC com FEVE preservada vem se mantendo estável, assumindo importância comparável à da IC sistólica2323 Gerber Y, Weston SA, Berardi C, McNallan SM, Jiang R, Redfield MM, et al. Contemporary trends in heart failure with reduced and preserved ejection fraction after myocardial infarction: a community study. Am J Epidemiol. 2013;178(8):1272-80.. De modo geral, pacientes com IC com FEVE preservada, quando comparados com pacientes com IC sistólica após SCA, são, em sua maioria, mulheres, idosos, hipertensos e com menor prevalência de diabetes melito1212 Bennett KM, Hernandez AF, Chen AY, Mulgund J, Newby LK, Rumsfeld JS, et al. Heart failure with preserved left ventricular systolic function among patients with non-ST-segment elevation acute coronary syndromes. Am J Cardiol. 2007;99(10):1351-6.. Em nosso estudo, quando comparados com pacientes sem IC, os pacientes com IC com FEVE preservada ou sistólica foram mais idosos e apresentaram infartos de maior risco avaliados pelo escore de TIMI. Em relação aos pacientes com IC sistólica, os pacientes com IC com FEVE preservada apresentaram maior FEVE e, mais frequentemente, IAMSST.

Em relação aos desfechos clínicos, alguns estudos demonstraram que pacientes com IC com FEVE preservada pós-infarto apresentaram maior risco de mortalidade em relação a pacientes sem IC, apesar de não apresentarem disfunção sistólica. Bennett e cols.1212 Bennett KM, Hernandez AF, Chen AY, Mulgund J, Newby LK, Rumsfeld JS, et al. Heart failure with preserved left ventricular systolic function among patients with non-ST-segment elevation acute coronary syndromes. Am J Cardiol. 2007;99(10):1351-6. verificaram resultados similares aos do nosso no registro CRUSADE, especificamente em pacientes com IAMSST. No registro, mais da metade dos pacientes com IC pós-IAM apresentaram IC com FEVE preservada. No entanto, o corte aplicado para determinar que a FEVE fosse preservada foi de 40%. Por isso, pacientes com disfunção ventricular sistólica leve foram considerados portadores de IC diastólica, o que pode ter desfavorecido o prognóstico desse subgrupo de pacientes. Ainda assim, no registro CRUSADE, a mortalidade de pacientes com IC com FEVE preservada foi inferior à de pacientes com disfunção sistólica, mas, de modo semelhante ao nosso estudo, mais do que duas vezes maior do que a de pacientes sem IC1212 Bennett KM, Hernandez AF, Chen AY, Mulgund J, Newby LK, Rumsfeld JS, et al. Heart failure with preserved left ventricular systolic function among patients with non-ST-segment elevation acute coronary syndromes. Am J Cardiol. 2007;99(10):1351-6.. No mesmo registro, esse comportamento também foi verificado em subanálise de curto e longo prazos em pacientes com mais de 65 anos2424 van Diepen S, Chen AY, Wang TY, Alexander KP, Ezekowitz JA, Peterson ED, et al. Influence of heart failure symptoms and ejection fraction on short- and long-term outcomes for older patients with non-ST-segment elevation myocardial infarction. Am Heart J. 2014;167(2):267-73.. Importante enfatizar que o registro CRUSADE não incluiu pacientes com IAMCST, os quais representaram 40% dos pacientes com IC com FEVE preservada em nosso estudo.

Posteriormente, pequeno estudo de Kim e cols.2222 Kim SA, Rhee SJ, Shim CY, Kim JS, Park S, Ko YG, et al. Prognostic value of N-terminal probrain natriuretic peptide level on admission in patients with acute myocardial infarction and preserved left ventricular ejection fraction. Coron Artery Dis. 2011;22(3):153-7. avaliou os preditores de morte, incluindo o NT-proBNP em 555 pacientes com IAM e FEVE preservada. Os preditores independentes de mortalidade cardiovascular e re-hospitalização por IC foram idade e NT-proBNP. Mais recentemente, um amplo registro analisado por Shah e cols.2121 Shah RV, Holmes D, Anderson M, Wang TY, Kontos MC, Wiviott SD, et al. Risk of heart failure complication during hospitalization for acute myocardial infarction in a contemporary population: insights from the National Cardiovascular Data ACTION Registry. Circ Heart Fail. 2012;5(6):693-702. (registro ACTION) demonstrou que, em pacientes com IAM admitidos sem IC, 3,8% desenvolveram IC posteriormente, ao longo da internação. Nesse subgrupo, 35% dos pacientes com IAMSST e 22% com IAMCSST desenvolveram IC com FEVE ≥ 50%. A despeito de descrever a mortalidade nos pacientes com IC pós-IAM, cerca de cinco vezes mais do que naqueles sem IC, os autores não relataram a diferença de mortalidade entre pacientes com IC sistólica e IC com FEVE preservada. No entanto, o estudo sugeriu que FEVE preservada e ausência de IC inicialmente não garantiam que os pacientes com IAM estivessem livres do risco de IC ao longo da internação.

Nosso estudo apresentou uma série de limitações, pois se tratou de um estudo retrospectivo, observacional e unicêntrico, com uma amostra populacional relativamente pequena. Não dispusemos de dados acerca do Killip dos pacientes ao longo da internação, mas apenas a avaliação admissional; portanto, não possuíamos casos de IC que se desenvolveram durante a internação hospitalar. Também não dispusemos de medidas ecocardiográficas referentes à função diastólica em nosso registro, mas apenas do valor da FEVE. Finalmente, não havia dados completos acerca do tratamento farmacológico e intervencionista dos pacientes analisados, e, por isso, não foram possíveis ajustes estatísticos relacionados aos aspectos terapêuticos.

Desse modo, apesar da IC com FEVE preservada pós-IAM ser razoavelmente prevalente e apresentar importantes implicações prognósticas, poucos estudos se dedicaram a avaliar especificamente os desfechos clínicos e as necessidades terapêuticas desse subgrupo de pacientes. A despeito das nossas limitações, o objetivo do presente estudo foi descrever, em nossa população, as características clínicas, a prevalência e prognóstico dos pacientes com IC com FEVE preservada e sistólica pós-IAM.

Conclusão

Um terço dos pacientes com infarto agudo do miocárdio admitidos com insuficiência cardíaca apresentou fração de ejeção do ventrículo esquerdo preservada. Apesar de esse subgrupo ter evolução mais favorável que os pacientes com insuficiência cardíaca sistólica, ele apresentou tempo de internação prolongado e risco de morte três vezes maior do que o grupo sem insuficiência cardíaca. Portanto, pacientes com insuficiência cardíaca com fração de ejeção do ventrículo esquerdo preservada pós-infarto agudo do miocárdio constituem um subgrupo de risco em curto prazo e merecem especial atenção e monitorização durante a internação hospitalar.

  • Fontes de financiamento
    O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.
  • Vinculação acadêmica
    Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.

Agradecimentos

Gostaríamos de agradecer a Rogério Ruscitto Prado, pelo suporte nas análises estatísticas.

References

  • 1
    Zile MR, Brutsaert DL. New concepts in diastolic dysfunction and diastolic heart failure: Part I: diagnosis, prognosis, and measurements of diastolic function. Circulation. 2002;105(11):1387-93.
  • 2
    Wang J, Nagueh SF. Current perspectives on cardiac function in patients with diastolic heart failure. Circulation. 2009;119(8):1146-57.
  • 3
    Pfeffer MA, Braunwald E, Moye LA, Basta L, Brown EJ Jr, Cuddy TE, et al. Effect of captopril on mortality and morbidity in patients with left ventricular dysfunction after myocardial infarction. Results of the survival and ventricular enlargement trial. The SAVE Investigators. N Engl J Med. 1992;327(10):669-77.
  • 4
    Volpi A, De Vita C, Franzosi MG, Geraci E, Maggioni AP, Mauri F, et al. Determinants of 6-month mortality in survivors of myocardial infarction after thrombolysis. Results of the GISSI-2 data base. The Ad hoc Working Group of the Gruppo Italiano per lo Studio della Sopravvivenza nell'Infarto Miocardico (GISSI)-2 Data Base. Circulation. 1993;88(2):416-29.
  • 5
    Oh JK, Ding ZP, Gersh BJ, Bailey KR, Tajik AJ. Restrictive left ventricular diastolic filling identifies patients with heart failure after acute myocardial infarction. J Am Soc Echocardiogr. 1992;5(5):497-503.
  • 6
    Nijland F, Kamp O, Karreman AJ, van Eenige MJ, Visser CA. Prognostic implications of restrictive left ventricular filling in acute myocardial infarction: a serial Doppler echocardiographic study. J Am Coll Cardiol. 1997;30(7):1618-24.
  • 7
    Sanz G, Castaner A, Betriu A, Magrina J, Roig E, Coll S, et al. Determinants of prognosis in survivors of myocardial infarction: a prospective clinical angiographic study. N Engl J Med. 1982;306(18):1065-70.
  • 8
    Nicod P, Gilpin E, Dittrich H, Chappuis F, Ahnve S, Engler R, et al. Influence on prognosis and morbidity of left ventricular ejection fraction with and without signs of left ventricular failure after acute myocardial infarction. Am J Cardiol. 1988;61(15):1165-71.
  • 9
    Spencer FA, Meyer TE, Gore JM, Goldberg RJ. Heterogeneity in the management and outcomes of patients with acute myocardial infarction complicated by heart failure: the National Registry of Myocardial Infarction. Circulation. 2002;105(22):2605-10.
  • 10
    Greenberg H, McMaster P, Dwyer EM Jr. Left ventricular dysfunction after acute myocardial infarction: results of a prospective multicenter study. J Am Coll Cardiol. 1984;4(5):867-74.
  • 11
    Poulsen SH, Jensen SE, Gotzsche O, Egstrup K. Evaluation and prognostic significance of left ventricular diastolic function assessed by Doppler echocardiography in the early phase of a first acute myocardial infarction. Eur Heart J. 1997;18(12):1882-9.
  • 12
    Bennett KM, Hernandez AF, Chen AY, Mulgund J, Newby LK, Rumsfeld JS, et al. Heart failure with preserved left ventricular systolic function among patients with non-ST-segment elevation acute coronary syndromes. Am J Cardiol. 2007;99(10):1351-6.
  • 13
    Steg PG, Dabbous OH, Feldman LJ, Cohen-Solal A, Aumont MC, Lopez-Sendon J, et al. Determinants and prognostic impact of heart failure complicating acute coronary syndromes: observations from the Global Registry of Acute Coronary Events (GRACE). Circulation. 2004;109(4):494-9.
  • 14
    Wu AH, Parsons L, Every NR, Bates ER. Hospital outcomes in patients presenting with congestive heart failure complicating acute myocardial infarction: a report from the Second National Registry of Myocardial Infarction (NRMI-2). J Am Coll Cardiol. 2002;40(8):1389-94.
  • 15
    Makdisse M, Katz M, Correa Ada G, Forlenza LM, Perin MA, de Brito Junior FS, et al. Effect of implementing an acute myocardial infarction guideline on quality indicators. Einstein. 2013;11(3):357-63.
  • 16
    Alpert JS, Thygesen K, Antman E, Bassand JP. Myocardial infarction redefined--a consensus document of The Joint European Society of Cardiology/American College of Cardiology Committee for the redefinition of myocardial infarction. J Am Coll Cardiol. 2000;36(3):959-69.
  • 17
    Velazquez EJ, Pfeffer MA. Acute heart failure complicating acute coronary syndromes: a deadly intersection. Circulation. 2004;109(4):440-2.
  • 18
    Solomon SD, Glynn RJ, Greaves S, Ajani U, Rouleau JL, Menapace F, et al. Recovery of ventricular function after myocardial infarction in the reperfusion era: the healing and early afterload reducing therapy study. Ann Intern Med. 2001;134(6):451-8.
  • 19
    Braunwald E, Kloner RA. The stunned myocardium: prolonged, postischemic ventricular dysfunction. Circulation. 1982;66(6):1146-9.
  • 20
    Paulus WJ, Tschope C, Sanderson JE, Rusconi C, Flachskampf FA, Rademakers FE, et al. How to diagnose diastolic heart failure: a consensus statement on the diagnosis of heart failure with normal left ventricular ejection fraction by the Heart Failure and Echocardiography Associations of the European Society of Cardiology. Eur Heart J. 2007;28(20):2539-50.
  • 21
    Shah RV, Holmes D, Anderson M, Wang TY, Kontos MC, Wiviott SD, et al. Risk of heart failure complication during hospitalization for acute myocardial infarction in a contemporary population: insights from the National Cardiovascular Data ACTION Registry. Circ Heart Fail. 2012;5(6):693-702.
  • 22
    Kim SA, Rhee SJ, Shim CY, Kim JS, Park S, Ko YG, et al. Prognostic value of N-terminal probrain natriuretic peptide level on admission in patients with acute myocardial infarction and preserved left ventricular ejection fraction. Coron Artery Dis. 2011;22(3):153-7.
  • 23
    Gerber Y, Weston SA, Berardi C, McNallan SM, Jiang R, Redfield MM, et al. Contemporary trends in heart failure with reduced and preserved ejection fraction after myocardial infarction: a community study. Am J Epidemiol. 2013;178(8):1272-80.
  • 24
    van Diepen S, Chen AY, Wang TY, Alexander KP, Ezekowitz JA, Peterson ED, et al. Influence of heart failure symptoms and ejection fraction on short- and long-term outcomes for older patients with non-ST-segment elevation myocardial infarction. Am Heart J. 2014;167(2):267-73.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Maio 2015
  • Data do Fascículo
    Ago 2015

Histórico

  • Recebido
    18 Nov 2014
  • Revisado
    20 Fev 2015
  • Aceito
    04 Mar 2015
Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@cardiol.br