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Terapia de Contrapulsação Aórtica em Pacientes com Insuficiência Cardíaca Avançada: Análise do Registro TBRIDGE

Resumo

Fundamento:

A utilização da terapia de contrapulsação aórtica na insuficiência cardíaca avançada é controversa.

Objetivos:

Avaliar o efeito hemodinâmico e metabólico do balão intra-aórtico (BIA) e seu impacto sobre a mortalidade em 30 dias em pacientes com insuficiência cardíaca.

Métodos:

Estudo prospectivo histórico, unicêntrico, avaliando todos os pacientes tratados com BIA entre agosto/2008 e julho/2013, incluídos em registro institucional denominado TBRIDGE (The Brazilian Registry of Intra-aortic balloon pump in Decompensated heart failure - Global Evaluation). Analisaram-se variações na saturação venosa central de oxigênio (SVO2), lactato arterial e uso de fármacos vasoativos 48 horas após instalação do dispositivo. A mortalidade em 30 dias foi estimada pelo método de Kaplan-Meier e diferenças entre subgrupos foram avaliadas pelo teste de Log-rank.

Resultados:

Foram incluídos 223 pacientes com idade média de 49 ± 14 anos, fração de ejeção do ventrículo esquerdo média de 24 ± 10%, sendo 30% acometidos por Doença de Chagas. Em comparação à pré-instalação do BIA, após a instalação, houve aumento da SVO2 (51% vs. 66%, p < 0,001) e no uso de nitroprussiato (34% vs. 48%, p < 0,001), além de redução do lactato (31 vs. 17 mg/dL, p < 0,001) e no uso de vasopressores (36% vs. 26%, p = 0,003). A sobrevida em 30 dias foi de 69%, com menor mortalidade nos pacientes chagásicos comparativamente aos não chagásicos (p = 0,008).

Conclusão:

Nas primeiras 48 horas de utilização, o BIA promoveu mudança no uso de fármacos vasoativos e melhora da perfusão tecidual. A etiologia chagásica associou-se a menor mortalidade em 30 dias. A terapia de contrapulsação aórtica mostrou-se opção eficaz de suporte circulatório em pacientes candidatos a transplante cardíaco.

Palavras-chave:
Choque Cardiogênico / mortalidade; Insuficiência Cardíaca; Cardiomiopatia Chagásica; Balão Intra-Aórtico; Transplante de Coração; Contrapulsação

Abstract

Background:

The use of aortic counterpulsation therapy in advanced heart failure is controversial.

Objectives:

To evaluate the hemodynamic and metabolic effects of intra-aortic balloon pump (IABP) and its impact on 30-day mortality in patients with heart failure.

Methods:

Historical prospective, unicentric study to evaluate all patients treated with IABP betwen August/2008 and July/2013, included in an institutional registry named TBRIDGE (The Brazilian Registry of Intra-aortic balloon pump in Decompensated heart failure - Global Evaluation). We analyzed changes in oxygen central venous saturation (ScvO2), arterial lactate, and use of vasoactive drugs at 48 hours after IABP insertion. The 30-day mortality was estimated by the Kaplan-Meier method and diferences in subgroups were evaluated by the Log-rank test.

Results:

A total of 223 patients (mean age 49 ± 14 years) were included. Mean left ventricle ejection fraction was 24 ± 10%, and 30% of patients had Chagas disease. Compared with pre-IABP insertion, we observed an increase in ScvO2 (50.5% vs. 65.5%, p < 0.001) and use of nitroprusside (33.6% vs. 47.5%, p < 0.001), and a decrease in lactate levels (31.4 vs. 16.7 mg/dL, p < 0.001) and use of vasopressors (36.3% vs. 25.6%, p = 0.003) after IABP insertion. Thirty-day survival was 69%, with lower mortality in Chagas disease patients compared without the disease (p = 0.008).

Conclusion:

After 48 hours of use, IABP promoted changes in the use of vasoactive drugs, improved tissue perfusion. Chagas etiology was associated with lower 30-day mortality. Aortic counterpulsation therapy is an effective method of circulatory support for patients waiting for heart transplantation.

Keywords:
Shock, Cardiogenic / mortality; Heart Failure; Chagas Cardiomyopathy; Intra-Aortic Balloon Pump; Heart Transplanation; Counterpulsation

Introdução

O choque cardiogênico é uma condição clínica de elevada mortalidade.11 Sanborn TA, Sleeper LA, Bates EE, Jacobs AK, Boland J, French JK, et al. Impact of thrombolysis, intra-aortic balloon pump counterpulsation, and their combination in cardiogenic shock complicating acute myocardial infarction: a report from the SHOCK Trial Registry. Should we emergently revascularize Occluded Coronaries for cardiogenic shocK? J Am Coll Cardiol. 2000;36(3 Suppl A):1123-9.,22 Ferguson JJ 3rd, Cohen M, Freedman RJ Jr, Stone GW, Miller MF, Joseph DL, et al. The current practice of intra-aortic balloon counterpulsation: results from Benchmark Registry. J Am Coll Cardiol. 2001;38(5):1456-62. Pacientes com disfunção ventricular grave e insuficiência cardíaca avançada frequentemente são internados em unidades de terapia intensiva (UTIs) para suporte hemodinâmico. Apesar do tratamento farmacológico com diuréticos, vasodilatadores e inotrópicos, muitos pacientes persistem com sinais de choque e necessitam de terapias adicionais até a recuperação ou o transplante cardíaco.

Introduzido na década de 1960, o balão intra-aórtico (BIA) ainda é o dispositivo de suporte circulatório mais utilizado no mundo para o tratamento do choque cardiogênico.33 Stone GW, Ohman EM, Miller MF, Joseph DL, Christenson JT, Cohen M, et al. Contemporary utilization and outcomes of intra-aortic balloon counterpulsation in acute myocardial infarction: the benchmark registry. J Am Coll Cardiol. 2003;41(11):1940-5.,44 Cohen M, Urban P, Christenson JT, Joseph DL, Freedman RJ Jr, Miller MF, et al; Benchmark Registry Collaborators. Intra-aortic balloon counterpulsation in US and non-US centres: results of the Benchmark Registry. Eur Heart J. 2003;24(19):1763-70. Seus benefícios hemodinâmicos relacionados ao aumento do débito cardíaco, melhora da perfusão coronária e redução de pós-carga ventricular esquerda, além da sua rápida inserção no ambiente de terapia intensiva, o tornam útil no manejo desses pacientes.55 Santa-Cruz RA, Cohen MG, Ohman EM. Aortic counterpulsation: a review of the hemodynamic effects and indications for use. Catheter Cardiovasc Interv. 2006;67(1):68-77.,66 Bolooki H. Clinical application of intra-aortic balloon pump. 3rd ed. Denver (CO): Wiley; 1998.

Apesar de não haver na literatura estudos randomizados que demonstrem redução de mortalidade, o BIA é frequentemente indicado em pacientes com síndrome coronária aguda com instabilidade hemodinâmica, em que se espera recuperação do miocárdio atordoado.77 Hochman JS. Cardiogenic shock complicating acute myocardial infarction: expanding the paradigm. Circulation. 2003;107(24):2998-3002.

8 Bates ER, Stomel RJ, Hochman JS, Ohman EM. The use of intraaortic balloon counterpulsation as an adjunct to reperfusion therapy in cardiogenic shock. Int J Cardiol. 1998;65 Suppl 1:S37-42.
-99 Ryan TJ, Antman EM, Brooks NH, Califf RM, Hillis LD, Hiratzka LF, et al. 1999 Update: ACC/AHA guigelines for the management of pacients with acute myocardial infarction: executive summary and recommendations: a report of the American College of Cardiology / American Heart Association Task Force on Practice Guidelines (Committee on Management of Acute Myocardial Infarction). Circulation. 1999;100(9):1016-30. Outrossim, sua indicação na miocardiopatia avançada carece de evidências, porém está associada à estabilização clínica e manutenção da perfusão tecidual durante as fases avançadas da doença. O objetivo desse estudo foi avaliar o efeito hemodinâmico e metabólico e seu impacto sobre a mortalidade em 30 dias em pacientes com miocardiopatia avançada.

Métodos

Realizou-se um estudo prospectivo histórico, unicêntrico, avaliando todos os pacientes tratados com BIA entre agosto/2008 e julho/2013, em uma unidade de terapia intensiva dedicada ao tratamento de pacientes com insuficiência cardíaca. Esses dados foram obtidos a partir de um registro institucional denominado TBRIDGE (The Brazilian Registry of Intra-aortic ballon pump in Decompensated heart failure - Global Evaluation), criado com a finalidade de avaliar a eficácia do BIA na assistência circulatória de pacientes com miocardiopatia avançada e que concentra dados coletados através de prontuário eletrônico institucional.

Avaliou-se a saturação venosa central de oxigênio (SVO2), pH, bicarbonato, excesso de bases, lactato arterial, hemoglobina, leucograma, plaquetas, ureia, creatinina, sódio, peptídeo natriurético cerebral (BNP), proteína C reativa (PCR) e dados ecocardiográficos - fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE), diâmetro diastólico final do ventrículo esquerdo, diâmetro sistólico final do ventrículo esquerdo, pressão sistólica da artéria pulmonar, presença e graduação de disfunção do ventrículo direito, presença e graduação da insuficiência mitral. Verificou-se a taxa de uso de fármacos vasoativos (dobutamina, milrinona, nitroprussiato de sódio) e vasopressores (noradrenalina e dopamina). Os pacientes foram classificados em relação ao grau de assistência respiratória (ar ambiente, cateter nasal de oxigênio, ventilação não invasiva ou ventilação mecânica invasiva) e ao grau de comprometimento de função renal. A insuficiência renal (IR) foi definida como a necessidade de hemodiálise ou o clearence estimado de creatinina menor que 60 mL/min, calculado pelo método de Cockroft-Gault. Informações clínicas e laboratoriais imediatamente antes da inserção do BIA (pré-BIA) foram comparadas àquelas 48 horas após (pós-BIA). Analisamos a mortalidade em 30 dias, as taxas de transplante cardíaco e reinternação após a alta hospitalar, complicações relacionadas ao BIA (pseudoaneurisma, sangramentos, fístula arteriovenosa, embolia arterial ou venosa), além da taxa de uso de anticoagulação.

Os dados foram descritos como média e desvio-padrão, mediana e intervalo interquartil (IQ) para as variáveis quantitativas e frequências absolutas e porcentagens para as variáveis qualitativas. Variáveis quantitativas nos momentos pré e pós BIA foram comparados pelo teste t de Student pareado (para dados com distribuição normal) ou o teste não-paramétrico de Wilcoxon (para dados cuja suposição de normalidade foi rejeitada), e o teste de McNemar foi usado para as variáveis qualitativas.

A curva de sobrevida foi estimada pelo método de Kaplan-Meier e diferenças entre subgrupos foram avaliadas pelo teste de Log-rank. A avaliação clínica de seguimento tardio dos pacientes que receberam alta hospitalar foi baseada na última consulta ambulatorial. O nível de significância adotado foi de 5%. Os dados foram analisados por meio do software SPSS versão 17.0 para Windows (SPSS Inc., Chicago, Estados Unidos). O estudo foi aprovado pelo comitê de ética para análise de projetos de pesquisa da instituição.

Resultados

No período de cinco anos, 2892 pacientes foram admitidos na UTI de hospital cardiológico quaternário, sendo que 223 pacientes (7,7%) receberam 302 balões intra-aórticos. As características clínicas dos pacientes que utilizaram o BIA encontram-se na tabela 1. As principais causas da insuficiência cardíaca foram doença de Chagas (30%), miocardiopatia isquêmica (29%) e miocardiopatia dilatada idiopática (15%) (Tabela 2). A indicação mais frequente para o uso do BIA foi síndrome de baixo débito cardíaco (93%), e as indicações menos comuns foram angina refratária (1,7%), tempestade elétrica (2,2%) e suporte para procedimentos de alto risco (3,1%).

Tabela 1
Características dos pacientes que utilizaram balão intra-aórtico
Tabela 2
Causas da insuficiência cardíaca (%)

A mediana do tempo de suporte circulatório com o BIA foi de 10 dias (IQ: 4 - 22,5). O tempo máximo em uso do dispositivo foi de 263 dias. O uso de dois ou mais balões intra-aórticos durante a hospitalização ocorreu em 52 pacientes (23,3%).

A média da FEVE avaliada pelo ecocardiograma foi de 24 ± 10%, com diâmetro diastólico ventricular esquerdo de 69 mm. Insuficiência mitral moderada ou importante esteve presente em 62% dos pacientes, e disfunção ventricular direita moderada ou grave esteve presente em 70,8% (Tabela 3).

Tabela 3
Características ecocardiográficas

Os exames laboratoriais pré e pós-intervenção estão representados na tabela 4. Comparando-se ao pré-BIA, após 48 horas de assistência, houve melhora nos parâmetros laboratoriais de avaliação microhemodinâmica, como redução do lactato sérico (32,9 vs. 17,1 mg/dL, p < 0,01), além do aumento da SVO2 (50,6 vs. 66%, p < 0,01), do pH (7,37 vs. 7,39, p < 0,001), da concentração sérica de bicarbonato (21,1 vs. 23,8 mg/dL, p < 0,001) e do excesso de bases (-3,31 vs. -0,5, p < 0,001). Não houve alteração significativa da creatinina entre os dois momentos, no entanto, ocorreu diminuição significativa dos níveis de ureia.

Tabela 4
Comparação de exames laboratoriais entre os momentos pré e pós-inserção do balão intra-aórtico (BIA)

No pós-BIA, observou-se um aumento na utilização do vasodilatador nitroprussiato de sódio (33,7 vs. 47,5%, p = 0,0002) e redução no uso de vasopressores noradrenalina ou dopamina (36,2 vs. 25,5%, p = 0,0036). Não houve diferença significativa na taxa de uso de dobutamina e milrinona (Tabela 5).

Tabela 5
Comparação da frequência de utilização dos fármacos vasoativos pelos pacientes entre os momentos pré e pós-inserção do balão intra-aórtico (BIA)

Não houve modificação significativa no grau de assistência respiratória entre os dois momentos avaliados. Antes da inserção do BIA, 51 pacientes (23%) encontravam-se em ar ambiente, 84 (38%) em uso de cateter nasal de oxigênio, 23 (10%) em uso de ventilação não-invasiva e 65 (29%) em ventilação mecânica.

Antes da inserção do BIA, 172 pacientes (77,1%) apresentavam quadro de IR, sendo que 20 pacientes (8%) estavam em hemodiálise. Observou-se diminuição significativa do número de pacientes com IR com ou sem necessidade de hemodiálise após 48 horas de suporte circulatório em comparação ao pré-BIA (62,3%, vs. 77,1% p = 0,001).

A mediana do tempo de internação hospitalar foi de 37 dias. A taxa de sobrevida em trinta dias foi de 63,9% (Figura 1). O transplante cardíaco (Tx) foi realizado em 14% dos pacientes. A mortalidade intra-hospitalar na população geral foi de 75%, 82% nos pacientes não transplantados e de 29% nos pacientes que receberam o Tx (Figura 2). O tempo mediano entre a instalação do BIA e o Tx foi de 28 dias, com o tempo máximo de 217 dias. No seguimento dos 56 pacientes que receberam alta hospitalar, observamos taxas de 80% de reinternação e 20% de mortalidade tardia. Analisando as diversas causas da IC (Figura 3), constatamos que os pacientes chagásicos apresentaram maior sobrevida em 30 dias em comparação àqueles com outras causas de miocardiopatia (77,5% vs. 58,7%, p = 0,008).

Figura 1
Curva de sobrevida em 30 dias.
Figura 2
Comparação da mortalidade em 30 dias entre pacientes transplantados (com Tx) e pacientes não transplantados (sem Tx). n: número de pacientes em risco; I.C. 95%: intervalo de confiança de 95%. O valor de p foi calcudado pelo teste de Log-rank: p < 0,001.
Figura 3
Comparação da mortalidade em 30 dias entre pacientes chagásicos e pacientes com outras miocardiopatias. n: número de pacientes em risco. I.C. 95%: Intervalo de confiança de 95%. O valor de p foi calculado pelo teste de Log-rank: p = 0,008.

Em relação à segurança do BIA, queda na contagem de plaquetas acima de 50 mil/mm3 ocorreu em 39% dos casos, sendo que plaquetopenia absoluta inferior a 100 mil/mm3 ocorreu em apenas 15%. Queda de hemoglobina maior que 3 g/dL foi observada em 8% dos pacientes, e apenas um paciente foi diagnosticado com hematoma de retroperitôneo. Eventos tromboembólicos arteriais e venosos ocorreram em 6% dos pacientes, incluindo acidente vascular cerebral, embolia arterial periférica e tromboembolismo venoso.

Em nossa casuística, a maioria dos pacientes (50,6%) não estava em uso de anticoagulação plena; 2,7% foram anticoagulados pela presença do BIA e 46,6% receberam anticoagulação plena por outras indicações (tromboembolismo venoso, fibrilação atrial, acidente vascular cerebral, trombo intra-cavitário).

Discussão

O presente estudo avaliou as características clínicas de uma população com cardiopatia avançada, internada na UTI de um hospital cardiológico quaternário. Diferente de outros estudos que abordaram choque cardiogênico em infarto agudo do miocárdio,1010 Hochman JS, Sleeper LA, Webb JG, Sanborn TA; White HD; Talley JD; et al. Early revascularization in acute myocardial infarction complicated by cardiogenic shock. SHOCK Investigators. Should We Emergently Revascularize Occluded Coronaries for Cardiogenic Shock. N Engl J Med. 1999;341(9):625-34.,1111 Thiele H, Zeymer U, Neumann FJ, Ferenc M, Olbrich HG, Hausleiter J, et al; IABP-SHOCK II Trial Investigators. Intra-aortic balloon support for myocardial infarction with cardiogenic shock. N Engl J Med. 2012;367(14):1287-96. nossa população era formada predominantemente por pacientes em fase avançada da IC crônica, refratários às terapêuticas habitualmente empregadas para essa condição. A disfunção ventricular esquerda importante, frequentemente associada à disfunção do ventrículo direito, hiponatremia, hipertensão arterial pulmonar e níveis elevados de BNP, caracteriza o grau avançado da miocardiopatia dessa população.

O uso do BIA promoveu uma redução no uso de vasopressores, medicações reconhecidamente deletérias para pacientes com disfunção ventricular esquerda devido ao aumento da pós-carga. Também ocorreu aumento significativo na utilização do nitroprussiato de sódio, um potente vasodilatador arterial sabidamente benéfico para pacientes com IC. A evolução dos exames laboratoriais após 48 horas foi consistentemente favorável em relação aos coletados imediatamente antes da inserção do BIA, com redução do lactato e da ureia, aumento da SVO2, melhora do pH, bicarbonato e excesso de bases. Atribuímos essa melhora laboratorial significativa tanto aos efeitos hemodinâmicos quanto à mudança na utilização dos fármacos vasoativos associados ao uso do BIA.

Observamos uma elevada prevalência de IR nessa população. Embora a média da creatinina não tenha se modificado após 48 horas de contrapulsação aórtica, houve uma redução significativa no percentual de pacientes com diagnóstico de IR e na concentração sérica de ureia. O desempenho do BIA na preservação e recuperação da função renal de pacientes em choque cardiogênico necessita de avaliação em estudos adicionais.

A IC de etiologia chagásica está associada à evolução desfavorável.1212 Bertolino ND, Villafanha DF, Cardinalli-Neto A, Cordeiro JA, Arcanjo MJ, Theodoropoulos TA, et al. Prognostic impact of Chagas' disease in patients awaiting heart transplantation. J Heart Lung Transplant. 2010;29(4):449-53.,1313 Bestetti RB, Theodoropoulos TA, Cardinalli-Neto A, Cury PM. Treatment of chronic systolic heart failure secondary to Chagas heart disease in the current era of heart failure therapy. Am Heart J. 2008;156(3):422-30. Entretanto, em nossa população, o paciente com doença de Chagas em uso de BIA apresentou maior chance de sobrevida precoce. Dados da literatura mostram que entre os pacientes transplantados, os chagásicos também apresentam melhor prognóstico em relação aos não chagásicos, apresentando no seguimento de 1 mês, 1 ano, 4 anos e 10 anos, probabilidade de sobrevida de 83%, 71%, 57% e 46%, respectivamente.1414 Bestetti RB, Theodoropoulos TA.A systematic review of studies on heart transplantation for patients with end-stage Chagas' heart disease. J Card Fail. 2009;15(3):249-55. Este paradoxo de maior sobrevida do paciente chagásico após Tx também foi demonstrado em estudo multicêntrico brasileiro com 720 pacientes.1515 Bocchi EA, Fiorelli A. The paradox of survival results after heart transplantation for cardiomyopathy caused by Trypanosoma cruzi. First Guidelines Group for Heart Transplantation of the Brazilian Society of Cardiology. Ann Thorac Surg. 2001;71(6):1833-8.

Apesar da melhora clínica inicial trazida pelo BIA, mais de 80% dos pacientes não transplantados evoluíram para óbito durante a internação, o que reflete a necessidade de tratamentos definitivos para a melhora no prognóstico. Tal fato ficou claro com a diferença de mortalidade encontrada entre pacientes transplantados e não-transplantados.

Outro ponto importante foi o elevado número de pacientes (50,6%) que não recebiam anticoagulação plena e a baixa incidência de eventos tromboembólicos. O uso do BIA nessa população reforça seu papel como suporte circulatório prolongado em pacientes com miocardiopatia avançada candidatos a Tx. Um paciente utilizou o BIA por 217 dias até ser transplantado com sucesso. Em consonância com o maior estudo randomizado sobre o tema, no IABP SHOCK II trial que incluiu 600 pacientes, o uso do BIA mostrou-se seguro, uma vez que não causou aumento de complicações, como isquemia periférica, infecção ou sangramento.1111 Thiele H, Zeymer U, Neumann FJ, Ferenc M, Olbrich HG, Hausleiter J, et al; IABP-SHOCK II Trial Investigators. Intra-aortic balloon support for myocardial infarction with cardiogenic shock. N Engl J Med. 2012;367(14):1287-96.

Por fim, os dados aqui expostos consistem no maior registro brasileiro de assistência circulatória em pacientes com miocardiopatia avançada. No entanto, pelo caráter observacional e unicêntrico, o presente estudo tem o papel de gerar hipóteses que ajudem no manejo desses pacientes de elevada mortalidade.

Conclusão

O uso do BIA mostrou benefícios nas primeiras 48 horas, possibilitando a mudança no perfil de fármacos vasoativos e melhora da perfusão tecidual. A etiologia chagásica associou-se a menor mortalidade em 30 dias para os pacientes chagásicos. A terapia de contrapulsação aórtica mostrou-se opção eficaz de suporte circulatório mecânico para pacientes em espera do transplante cardíaco.

  • Fontes de financiamento
    O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.
  • Vinculação acadêmica
    Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.

References

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Dez 2015
  • Data do Fascículo
    Jan 2016

Histórico

  • Recebido
    18 Jul 2015
  • Revisado
    13 Out 2015
  • Aceito
    14 Out 2015
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