Acessibilidade / Reportar erro

Aneurisma Complicado do Seio de Valsalva Inicialmente Diagnosticado como Mixoma Atrial

Palavras-chave
Aneurisma Aórtico / cirurgia; Seio Aórtico; Insuficiência da Valva Aórtica / cirurgia; Insuficiência da Valva Mitral / cirurgia; Ecocardiografia Transesofagiana; Espectroscopia de Ressonância Magnética

Introdução

Mixomas atriais e aneurismas do seio de valsalva (ASV) são condições raras e possivelmente subdiagnosticadas na prática clínica. Relatamos uma apresentação incomum de um ASV esquerdo após um episódio de endocardite infecciosa (EI). O ASV comprimia extrinsecamente o tronco da coronária esquerda (TCE), tendo sido inicialmente diagnosticado como um mixoma atrial esquerdo.

Relato de Caso

Homem de 51 anos de idade encaminhado ao nosso serviço para avaliação de disfunção das válvulas aórtica e mitral após uma EI por Streptococcus viridans tratada clinicamente. O paciente não possuía nenhum antecedente pessoal e seu único sintoma era dispneia aos esforços. O exame físico e o ecocardiograma transtorácico (ETT) eram compatíveis com insuficiência aórtica e mitral importantes, e o ETT mostrava uma imagem sugestiva de um mixoma atrial esquerdo de 6,2 x 3,7 cm (Figura 1) e um jato excêntrico posterior de regurgitação mitral.

Figura 1
Ecocardiograma transtorácico com imagem sugestiva de mixoma atrial esquerdo. VE: ventrículo esquerdo; AE: átrio esquerdo.

Desta forma, cirurgia de troca valvar aórtica e mitral foi indicada, assim como para a retirada do mixoma. Exames pré-operatórios foram realizados, incluindo cateterismo cardíaco, ecocardiograma transesofágico (ETE) e ressonância magnética cardíaca (RMC).

O cateterismo mostrou importante compressão extrínseca do TCE por um ASV esquerdo não antes diagnosticado. Tanto no ETE como na RMC (Figura 2), foi sugerido que tal aneurisma estava repleto de trombo. Além disso, havia disfunção biventricular, espessamento moderado das válvulas aórtica e mitral, e presença de uma imagem hiperecóica no folheto mitral anterior.

Figura 2
Ressonância magnética cardíaca mostrando a presença de aneurisma do seio de valsalva preenchido com trombo. VD: ventrículo direito; VE: ventrículo esquerdo.

Assim sendo, a hipótese de mixoma atrial foi descartada.

A cirurgia consistiu no enxertio de segurança de uma ponte de safena para a artéria descendente anterior; na remoção de 180 g de trombo do aneurisma; e em sua oclusão com um remendo de pericárdio bovino. Também foram removidos 50 g de trombo adjacente ao folheto mitral anterior, no qual uma fístula para o seio de Valsalva foi encontrada e fechada. Por último, houve troca valvar mitral e aórtica por biopróteses. De acordo com o exame histológico realizado posteriormente, os achados anteriores eram todos sugestivos de sequela de EI.

Discussão

ASV geralmente são congênitos e mais frequentes do seio direito (65 a 85%), seguidos pelo não coronariano (10 a 30%) e pelo esquerdo (< 5%).11 Meier JH, Seward JB, Miller FA Jr, Oh JK, Enriquez-Sarano M, et al. Aneurysms in the left ventricular outflow tract: clinical presentation, causes, and echocardiographic features. J Am Soc Echocardiogr. 1998;11(7):729-45. De acordo com alguns pesquisadores, aneurismas do seio esquerdo são mais frequentemente adquiridos, podendo ser decorrentes de aterosclerose ou ainda sequela de doenças, como a sífilis ou EI.22 Chu SH, Hung CR, How SS, Chang H, Wang SS, Tsai CH, et al. Ruptured aneurysms of the sinus of Valsalva in Oriental patients. J Thorac Cardiovasc Surg. 1990;99(2):288-98. Esses aneurismas podem se romper e ser uma ameaça à vida. Geralmente, a ruptura se dá para a câmara cardíaca adjacente ao seio acometido. Suas complicações mais comuns são insuficiência aórtica e defeito do septo ventricular.33 Wang ZJ, Zou CW, Li DC, Li HX, Wang AB, Yuan GD, et al. Surgical repair of sinus of Valsalva aneurysm in Asian patients. Ann Thorac Surg. 2007;84(1):156-60.,44 Moustafa S, Mookadam F, Cooper L, Adam G, Zehr K, Stulak J, et al. Sinus of Valsalva aneurysms-47 years of a single center experience and systematic overview of published reports. Am J Cardiol. 2007;99(8):1159-64. Também pode ocorrer estenose do TCE, devido à compressão extrínseca. Neste caso, ocorreram tanto a compressão do TCE como o rompimento para a câmara adjacente (fistulização).

Por causa da íntima relação entre o trombo e o átrio esquerdo, o ASV foi inicialmente diagnosticado como um mixoma.

O reparo cirúrgico de urgência é recomendado em pacientes com ruptura de ASV, especialmente na ocorrência de shunts intracardíacos.55 Flynn MS, Castello R, McBride LW, Labovitz AJ. Ruptured congenital aneurysm of the sinus of Valsalva with persistent left superior vena cava imaged by intraoperative transesophageal echocardiography. Am Heart J. 1993;125(4):1185-7.,66 Takach TJ, Reul GJ, Duncan JM, Cooley DA, Livesay JJ, Ott DA, et al. Sinus of Valsalva aneurysm or fistula: management and outcome. Ann Thorac Surg. 1999;68(5):1573-7. Para os demais ASV, o reparo cirúrgico geralmente é recomendado devido à associação progressiva com pior prognóstico. A cirurgia apresenta resultados satisfatórios e baixa morbimortalidade relacionada ao procedimento (2%).77 Zikri MA, Stewart RW, Cosgrove DM. Surgical correction for sinus of Valsalva aneurysm. J Cardiovasc Surg (Torino). 1999;40(6):787-91.,88 Harkness JR, Fitton TP, Barreiro CJ, Alejo D, Gott VL, Baumgartner WA, et al. A 32-year experience with surgical repair of sinus of valsalva aneurysms. J Card Surg. 2005;20(2):198-204.

Em nosso caso, o atraso no diagnóstico correto pode ter exposto o paciente a um risco de complicações maior.

Conclusão

O ecocardiograma transesofágico pode ser insuficiente para a pesquisa de complicações pós-endocardite. Complicações incomuns podem não ser reconhecidas. O ecocardiograma transesofágico é obrigatório, no entanto a ressonância magnética cardíaca pode ter grande utilidade.44 Moustafa S, Mookadam F, Cooper L, Adam G, Zehr K, Stulak J, et al. Sinus of Valsalva aneurysms-47 years of a single center experience and systematic overview of published reports. Am J Cardiol. 2007;99(8):1159-64.,99 Blackshear JL, Safford RE, Lane GE, Freeman WK, Schaff HV. Unruptured noncoronary sinus of Valsalva aneurysm: preoperative characterization by transesophageal echocardiography. J Am Soc Echocardiogr. 1991;4(5):485-90.

References

  • 1
    Meier JH, Seward JB, Miller FA Jr, Oh JK, Enriquez-Sarano M, et al. Aneurysms in the left ventricular outflow tract: clinical presentation, causes, and echocardiographic features. J Am Soc Echocardiogr. 1998;11(7):729-45.
  • 2
    Chu SH, Hung CR, How SS, Chang H, Wang SS, Tsai CH, et al. Ruptured aneurysms of the sinus of Valsalva in Oriental patients. J Thorac Cardiovasc Surg. 1990;99(2):288-98.
  • 3
    Wang ZJ, Zou CW, Li DC, Li HX, Wang AB, Yuan GD, et al. Surgical repair of sinus of Valsalva aneurysm in Asian patients. Ann Thorac Surg. 2007;84(1):156-60.
  • 4
    Moustafa S, Mookadam F, Cooper L, Adam G, Zehr K, Stulak J, et al. Sinus of Valsalva aneurysms-47 years of a single center experience and systematic overview of published reports. Am J Cardiol. 2007;99(8):1159-64.
  • 5
    Flynn MS, Castello R, McBride LW, Labovitz AJ. Ruptured congenital aneurysm of the sinus of Valsalva with persistent left superior vena cava imaged by intraoperative transesophageal echocardiography. Am Heart J. 1993;125(4):1185-7.
  • 6
    Takach TJ, Reul GJ, Duncan JM, Cooley DA, Livesay JJ, Ott DA, et al. Sinus of Valsalva aneurysm or fistula: management and outcome. Ann Thorac Surg. 1999;68(5):1573-7.
  • 7
    Zikri MA, Stewart RW, Cosgrove DM. Surgical correction for sinus of Valsalva aneurysm. J Cardiovasc Surg (Torino). 1999;40(6):787-91.
  • 8
    Harkness JR, Fitton TP, Barreiro CJ, Alejo D, Gott VL, Baumgartner WA, et al. A 32-year experience with surgical repair of sinus of valsalva aneurysms. J Card Surg. 2005;20(2):198-204.
  • 9
    Blackshear JL, Safford RE, Lane GE, Freeman WK, Schaff HV. Unruptured noncoronary sinus of Valsalva aneurysm: preoperative characterization by transesophageal echocardiography. J Am Soc Echocardiogr. 1991;4(5):485-90.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Set 2016

Histórico

  • Recebido
    31 Jul 2015
  • Revisado
    29 Out 2015
  • Aceito
    30 Out 2015
Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@cardiol.br