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Declaração de Gramado: o Impacto de 20 Anos de Prevenção Cardiovascular

Palavras-chave
Doenças Cardiovasculares / prevenção & controle; Doenças Cardiovasculares / epidemiologia; Doenças Cardiovasculares / tendências

De 1º a 10 de maio de 1997, realizou-se, na cidade de Gramado (RS), o Primeiro Seminário Brasileiro de Epidemiologia Cardiovascular,11 Seminário de Gramado. 01-10 maio 1997: comemoração 10 anos do Primeiro Seminário Nacional de dez dias sobre Epidemiologia e Prevenção das doenças cardiovasculares. [Acesso em 2016 nov 30]. Disponível em: https://amicor.blogspot.com.br/2007/05/seminrio-de-gramado-01-10-maio-ded-2007.html
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nos moldes em que a Federação Mundial de Cardiologia vinha promovendo em várias partes do mundo desde 1968 com o título Seminários Didáticos Internacionais de Dez Dias sobre Epidemiologia Cardiovascular e Prevenção.22 Ten days Teaching Seminar 2016. [Access in 2016 Nov 30]. Available from: https://professional.heart.org/professional/EducationMeetings/MeetingsLiveCME/TENDAY/UCM_320861_Ten-Day-Seminar-on-the-Epidemiology-and-Prevention-of-Cardiovascular-Disease.jsp
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A iniciativa partiu da Assessoria Científica da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e do Departamento de Cardiologia Clínica e do Comitê de Epidemiologia e Saúde Pública da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), sob patrocínio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), da World Heart Federation (na época ainda chamada International Society and Federation of Cardiology) e da Fundação Interamericana do Coração.

Junto aos dois coordenadores, Aloyzio Achutti e Bruce Duncan, vários professores nacionais (Annick Fontbonne, Eduardo de Azeredo Costa, Emílio Moriguchi, Jorge Pinto Ribeiro, Maria Inês Reinert Azambuja, Maria Inês Schmidt, Paulo Lotufo, Rosely Sichieri e Sérgio Bassanesi), e três convidados internacionais (Teri Manolio, Diretor de Epidemiologia e Biometria do National Heart, Lung and Blood Institute; Ulrich Grueninger, chefe de Pesquisa e Educação Médica do Swiss Federal Office of Public Health; e Woody Chambless, do Departamento de Bioestatística da University of North Carolina) ministraram as atividades. Os 40 participantes eram de 10 Estados brasileiros.

Além de conceitos básicos de epidemiologia e estatística, e de tópicos relacionados à etiologia e à prevenção das doenças cardiovasculares, fizeram parte do programa temas que, embora atualmente consagrados, eram novos no Brasil naquele momento, como medicina baseada em evidências e revisão sistemática/metanálise. Em época do início da implantação do Sistema Único de Saúde (SUS) e da preocupação com as doenças crônicas não transmissíveis como problema de saúde pública, este encontro singular capacitou e incentivou líderes brasileiros no campo de prevenção cardiovascular − vários dos quais posteriormente assumiram posições de liderança nacional. Houve amplo debate e, desde o primeiro dia, dedicou-se um tempo para a elaboração de um documento que apresentou três diferentes perspectivas de prevenção: individual, local e populacional. Este documento recebeu a denominação de Declaração de Gramado33 Sociedade Brasileira de Cardiologia. FUNCOR. Declaração de Gramado - FUNCOR. [Acesso em 2016 nov 30]. Disponível em: http://www.cardiol.br/funcor/epide/gramado.htm
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e teve ampla divulgação nacional e internacional.

Para a consolidação do documento, foi realizada uma discussão pela internet, por meio de e-mail − o qual, naquela ocasião, era usado por somente 23 dos participantes. A partir desta experiência, com mensagens que começavam com a saudação "prezados amigos do coração", teve início um grupo social que foi denominado AMICOR, por sugestão de Eduardo de Azeredo Costa.44 AMICOR.blogspot. [Acesso em 2016 nov 30]. Disponível em: http://www.amicor.blogspot.com.br
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No decorrer do tempo, criou-se um site, e a designação AMICOR também foi utilizada pela ProCOR, lançada 2 meses depois, durante a Terceira Conferência Internacional sobre Cardiologia Preventiva, por iniciativa do Professor Bernard Lown (Boston, Estados Unidos). O nome AMICOR também foi adotado durante algum tempo pela SBC em seu site, com o nome de ProCOR/AMICOR, e posteriormente em 2004, como um blog de nome AMICOR.

De lá para cá, muita coisa aconteceu, em termos de saúde pública brasileira. No entanto, a doença isquêmica do coração se mantém como principal causa de morbimortalidade no Brasil,55 GBD 2015 DALYs and HALE Collaborators. Global, regional, and national disability-adjusted life-years (DALYs) for 315 diseases and injuries and healthy life expectancy (HALE), 1990-2015: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2015. Lancet. 2016;388(10053):1603-58. e as desigualdades sociais continuam tendo enorme impacto direto na mortalidade precoce por doenças cardiovasculares em nosso país.66 Bassanesi SL, Azambuja MI, Achutti A. Premature mortality due to cardiovascular disease and social inequalities in Porto Alegre: from evidence to action. Arq Bras Cardiol. 2008;90(6):370-9.

7 Achutti A. Saúde cardiovascular no Brasil: como poderemos melhorá-la? [Acesso em 2016 nov 30]. Disponível em: http://jornal.cardiol.br/2008/mai-jun/outras/cardiovascular.asp
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-88 AMICOR. Proposta do GEECAB sobre áreas potenciais de desenvolvimento relacionadas com saúde pública e cardiovascular. [Acesso em 2016 nov 30]. Disponível em: http://amicor.blogspot.com.br/2008/06/geecab-sbc-sade-pblica-cv-no-br.html
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Em pleno início de 2017, quando a Declaração de Gramado completa 20 anos, algumas mazelas que acometem a saúde pública brasileira evidenciam que há muito a ser feito a curto, médio e longo prazo, para enfrentar com maior êxito a carga avassaladora da doença cardiovascular no Brasil.

Por outro lado, como já estava evidente no Seminário e é cada vez mais claro hoje, na maioria das vezes, as doenças cardiovasculares podem ser prevenidas por ações de saúde pública que envolvem o controle de fatores de risco, assim como pelo manejo clínico otimizado dos pacientes. Ao se conferir o site do Global Burden of Disease, observa-se que a mortalidade padronizada pelas doenças cardiovasculares no Brasil de 1995 para 2015 caiu 36%.99 Institute for Health Metrics and Evaluation. GBD Compare 2015. [Access in 2016 Nov 30]. Available from: https://vizhub.healthdata.org/gbd-compare/
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Cálculos recentes utilizando metodologia levemente diferente sugerem até declínio maior − acima de 2% ao ano.1010 Ribeiro AL, Duncan BB, Brant LC, Lotufo PA, et al. Cardiovascular health in Brazil: trends and perspectives. Circulation. 2016;133(4):422-33. Esta redução pode ser observada em diferentes estudos brasileiros, em vários contextos e faixas etárias.1111 Mansur AP, Favarato D. Trends in mortality rate from cardiovascular disease in Brazil, 1980-2012. Arq Bras Cardiol. 2016;107(1):20-5.

12 Villela PB, Klein CH, Oliveira GM. Trends in mortality from cerebrovascular and hypertensive diseases in Brazil between 1980 and 2012. Arq Bras Cardiol. 2016;107(1):26-32.

13 Mansur A de P, Favarato D. Mortality due to cardiovascular diseases in women and men in the five Brazilian regions, 1980-2012. Arq Bras Cardiol. 2016;107(2):137-46.

14 Soares GP, Klein CH, Silva NA, Oliveira GM. Evolution of cardiovascular diseases mortality in the countries of the state of Rio de Janeiro from 1979 to 2010. Arq Bras Cardiol. 2015;104(5):356-65.
-1515 Piuvezam G, Medeiros WR, Costa AV, Emerenciano FF, Santos RC, Seabra DS. Mortality from cardiovascular diseases in the elderly: comparative analysis of two five-year periods. Arq Bras Cardiol. 2015;105(4):371-80.

Atribuir causas para mudanças na incidência da doença ao nível populacional é sempre difícil. No entanto, melhoras como as que foram vistas certamente são em parte resultado de milhares de pequenos avanços decorrentes de múltiplas ações e atores no setor de saúde. Gostaríamos de considerar que o Seminário de Gramado, realizado no já longínquo ano de 1997, foi uma destas ações e que pode ter contribuído para os avanços de impacto prático vistos na saúde cardiovascular da população.

A redução das doenças cardiovasculares no Brasil e no mundo é uma tarefa complexa, que depende de inúmeros agentes e de um esforço continuado. Assim, em 2012, foi publicada, nos Arquivos Brasileiros de Cardiologia a "Carta do Rio de Janeiro",1616 Andrade JP, Arnett DK, Pinto F, Piñeiro D, Smith SC Jr, Mattos LA, et al. Brazilian Society of Cardiology: letter from Rio de Janeiro - III Brazil Prevent / I Latin American Prevent. Arq Bras Cardiol. 2013;100(1):3-5. elaborada sob os auspícios da SBC durante o III Brasil Prevent/I América Latina Prevent, referendando a meta global de redução de 25% na mortalidade precoce por doenças não transmissíveis até 2025, estabelecida na World Health Assembly (WHA). A carta foi assinada pela SBC, Sociedad Interamericana de Cardiologia, American Heart Association, European Society of Cardiology e World Heart Federation, e avançou em estabelecer deliberações de ações concretas para atingir metas globais.

Entre estas deliberações, muitas já podiam ser observadas como fundamentais desde a Declaração de Gramado, como "Implementar ações para aquisição de informação epidemiológica, incluindo mortalidade e morbidade cardiovascular, execução e manutenção de registros já existentes em alguns dos signatários, visando o desenvolvimento de estratégias que promovam o planejamento das ações de saúde" e "Criar um fórum internacional de discussão permanente para monitorar as ações voltadas para prevenção, diagnóstico e tratamento dos fatores de risco cardiovascular na América Latina", do qual o grupo AMICOR poderia ser considerado um embrião.

Como consta no final da Declaração do Gramado:33 Sociedade Brasileira de Cardiologia. FUNCOR. Declaração de Gramado - FUNCOR. [Acesso em 2016 nov 30]. Disponível em: http://www.cardiol.br/funcor/epide/gramado.htm
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"Por fim, mesmo tendo em vista os enormes avanços científicos e tecnológicos já alcançados ou em perspectiva na cardiologia, é cada vez mais necessária a construção de um paradigma de saúde e doença que viabilize o benefício de tais conquistas a toda a população. Para tanto, se fazem necessárias uma reforma na educação médica e na educação dos demais profissionais da saúde, paralelamente a uma ampla discussão na qual participe a cultura popular, contribuindo para a evolução do modelo assistencial, do tradicional biomédico, para o biopsicosocial, com ênfase na saúde e não somente na doença".

Assim, cabe a todos nós manter a mobilização por uma prevenção cardiovascular efetiva e baseada em evidências, considerando os valores da sociedade. Ações como a do Seminário Brasileiro, com discussão profunda de tópicos relevantes e objetivos estratégicos, podem se multiplicar e ter impacto significativo no longo prazo.

References

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar 2017
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