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Internação psiquiátrica e a manutenção do tratamento extra-hospitalar

Internación psiquiátrica y continuidad del tratamiento extrahospitalario

Resumos

O objetivo desse trabalho foi identificar características comuns entre pessoas que tiveram alta hospitalar de internação psiquiátrica recente. Foi realizado um estudo quantitativo exploratório em um serviço ambulatorial de saúde mental. A amostra foi composta por pacientes egressos de internação. Utilizou-se um questionário e a pesquisa foi aprovada pelo CEP. Estrevistou-se 48 pacientes com idade média de 39 anos. Diagnósticos de Esquizofrenia e Transtornos Esquizotípicos foram prevalentes em 33,3% da amostra. Em média treze pacientes recebem alta de internação psiquiátrica hospitalar ao mês e 62,5% deles tinham internações anteriores. No período, 12,5% da amostra necessitou de reinternação. A internação psiquiátrica demonstrou ser um recurso necessário aos momentos de crise e parte da manutenção do tratamento psiquiátrico, principalmente dos transtornos mentais graves. O que evidencia a necessidade de uma manutenção adequada do tratamento nos serviços de atendimento comunitário para que a necessidade de reinternações seja evitada.

Enfermagem psiquiátrica; Enfermagem em reabilitação; Serviços de Saúde Mental; Alta do paciente


El objetivo de este trabajo fue identificar características comunes entre personas que tuviesen alta hospitalaria de internación psiquiátrica reciente. Se realizó un estudio cuantitativo exploratorio en un servicio ambulatorio de salud mental. La muestra se compuso de pacientes egresados de internación. Se utilizó un cuestionario, y la investigación fue aprobada por el CEP. Fueron entrevistados 48 pacientes con edad media de 39 años. Los diagnósticos de esquizofrenia y transtornos esquizotípicos prevalecieron en el 33% de la muestra. En promedio, trece pacientes reciben alta de internación psiquiátrica hospitalaria al mes y 62,5% de ellos tenían internaciones anteriores. Durante el período, 12,5% de la muestra necesitó de reinternación. La internación psiquiátrica demostró ser un recurso necesario en los momentos de crisis, y parte de la continuidad del tratamiento psiquiátrico, principalmente de los transtornos mentales graves, lo que pone en evidencia la necesidad de una adecuada continuidad del tratamiento en los servicios de atención comunitaria para que las reinternaciones sean evitadas.

Enfermería psiquiátrica; Enfermería en rehabilitación; Servicios de Salud Mental; Alta del paciente


The objective of this study was to identify common features between people that have been recently discharged from psychiatric hospitalization. A quantitative exploratory study was performed at an outpatient mental health service center. The sample was comprised by patients who had recently been discharged. A questionnaire was used and the study was approved by the Review Board. Interviews were performed with 48 patients who were in average 39 years old. Diagnosis for Schizophrenia and Schyzotypal Disorders were prevalent for 33.3% of the sample. An average 13 patients were discharged from psychiatric hospitalization every month, 62.5% of which had been previously hospitalized. In the studied period, 12.5% of the sample required rehospitalization. Psychiatric hospitalization proved to be a necessary resource in crisis episodes and as part of the psychiatric treatment, especially of severe mental disorders. It is evinced that there is a need for adequate treatment maintenance in community health care services to avoid the need of rehospitalizations.

Psychiatric nursing; Rehabilitation nursing; Mental Health Services; Patient discharge


ARTIGO ORIGINAL

Internação psiquiátrica e a manutenção do tratamento extra-hospitalar

Internación psiquiátrica y continuidad del tratamiento extrahospitalario

Lucilene CardosoI; Sueli Aparecida Frari GaleraII

IDoutora em Enfermagem Psiquiátrica pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Ribeirão Preto, SP, Brasil. lucilenecardoso@usp.br

IIProfessora Doutora do Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Ribeirão Preto, SP, Brasil. sugalera@eerp.usp.br

Correspondência Correspondência: Lucilene Cardoso Rua Itapira, 41 - Apto. 31 - Jardim Paulista CEP 14090-120 - Ribeirão Preto, SP, Brasil

RESUMO

O objetivo desse trabalho foi identificar características comuns entre pessoas que tiveram alta hospitalar de internação psiquiátrica recente. Foi realizado um estudo quantitativo exploratório em um serviço ambulatorial de saúde mental. A amostra foi composta por pacientes egressos de internação. Utilizou-se um questionário e a pesquisa foi aprovada pelo CEP. Estrevistou-se 48 pacientes com idade média de 39 anos. Diagnósticos de Esquizofrenia e Transtornos Esquizotípicos foram prevalentes em 33,3% da amostra. Em média treze pacientes recebem alta de internação psiquiátrica hospitalar ao mês e 62,5% deles tinham internações anteriores. No período, 12,5% da amostra necessitou de reinternação. A internação psiquiátrica demonstrou ser um recurso necessário aos momentos de crise e parte da manutenção do tratamento psiquiátrico, principalmente dos transtornos mentais graves. O que evidencia a necessidade de uma manutenção adequada do tratamento nos serviços de atendimento comunitário para que a necessidade de reinternações seja evitada.

Descritores: Enfermagem psiquiátrica. Enfermagem em reabilitação. Serviços de Saúde Mental. Alta do paciente.

RESUMEN

El objetivo de este trabajo fue identificar características comunes entre personas que tuviesen alta hospitalaria de internación psiquiátrica reciente. Se realizó un estudio cuantitativo exploratorio en un servicio ambulatorio de salud mental. La muestra se compuso de pacientes egresados de internación. Se utilizó un cuestionario, y la investigación fue aprobada por el CEP. Fueron entrevistados 48 pacientes con edad media de 39 años. Los diagnósticos de esquizofrenia y transtornos esquizotípicos prevalecieron en el 33% de la muestra. En promedio, trece pacientes reciben alta de internación psiquiátrica hospitalaria al mes y 62,5% de ellos tenían internaciones anteriores. Durante el período, 12,5% de la muestra necesitó de reinternación. La internación psiquiátrica demostró ser un recurso necesario en los momentos de crisis, y parte de la continuidad del tratamiento psiquiátrico, principalmente de los transtornos mentales graves, lo que pone en evidencia la necesidad de una adecuada continuidad del tratamiento en los servicios de atención comunitaria para que las reinternaciones sean evitadas.

Descriptores: Enfermería psiquiátrica. Enfermería en rehabilitación. Servicios de Salud Mental. Alta del paciente.

INTRODUÇÃO

A humanidade desde os primórdios tem dificuldade em lidar com as diferenças e com as dissonâncias do senso e convivência comum(1). Na psiquiatria, o tratamento da loucura por vezes foi baseado na intolerância frente aos comportamentos dos doentes mentais tendo no cárcere dos indivíduos uma opção para afugentar o diferente e proteger a sociedade.

Mesmo com a evolução do tratamento psiquiátrico e do entendimento da loucura como a representação de sintomas de determinadas doenças mentais a(s) causa(s) destas doenças, a cura para elas ainda é um desafio. Desta maneira, o tratamento psiquiátrico para muitas doenças mentais torna-se prolongado e marcado por sucessivas internações, principalmente no curso do tratamento dos transtornos mentais graves(2-3).

As internações psiquiátricas, assim, perpassam questionamentos diversos, baseados na ambígua finalidade de sua aplicação. Se por um lado se pretende tratar, cuidar e proteger o doente mental de comportamentos perigosos a si e/ou a outros; por outro ocorre também a limitação sua autonomia, podendo estender-se ainda à limitação de seus direitos como cidadão. Não se trata de uma opção simples e prática.

Hoje, a assistência profissional em saúde mental é o reflexo de inúmeras discussões e mudanças que culminaram no processo de desinstitucionalização do cuidado aos doentes. No Brasil, os hospitais psiquiátricos, principais locais para esses tratamentos, têm deixado de constituir a base do sistema assistencial, cedendo terreno a uma rede de serviços extra-hospitalares de crescente complexidade(4-5).

No entanto, por ser um procedimento importantíssimo na configuração da assistência e evolução das principais doenças psiquiátricas, a internação psiquiátrica continua sendo um recurso muito utilizado. Muitas vezes há situações clínicas em que a internação se faz prudente, podendo ser até mesmo imperativa, sobretudo para os mais graves(3).

A internação psiquiátrica é atualmente indicada para casos graves quando foram esgotados os recursos extra-hospitalares para o tratamento ou manejo do problema, sendo a internação de pessoas em instituições com características asilares proibida. São considerados casos graves situações em que há presença de transtorno mental com no mínimo, uma das seguintes condições: risco de auto-agressão, risco de heteroagressão, risco de agressão à ordem pública, risco de exposição social, incapacidade grave de auto-cuidado(3). Sua finalidade centra-se na estabilização do paciente: minimizando riscos, levantando necessidades psicossociais, ajustando o tratamento psicofarmacológico e a reinserção social do paciente em seu meio. Cabe ao profissional médico realizar uma análise criteriosa e ética caso a caso para verificar quando a internação psiquiátrica é necessária.

A Lei 10.216, de 2001 é, em essência, uma carta de princípios(6). O Projeto de Lei 3.657/89, que a antecedeu, representou a justa percepção sobre a necessidade urgente de reformar a assistência psiquiátrica e de lutar pela garantia dos direitos de cidadania dos doentes mentais. Ele desencadeou os debates e embates entre representantes de entidades corporativas de profissionais de saúde, de associações civis, de usuários e familiares e de grupos políticos, cujo resultado é a Lei 10.216.

Em resumo, a lei vigente trata da garantia dos direitos básicos do doente mental, inclusive o de ter acesso aos melhores recursos diagnósticos e terapêuticos disponíveis, numa rede de serviços diversificada; ressalta a necessidade de políticas específicas de desospitalização e reconhece a internação hospitalar como mais um dos recursos terapêuticos válidos, desde que de boa qualidade.

Não há neste artigo a pretensão de simplificar ou polemizar a aplicabilidade da internação no tratamento das doenças mentais. Entendemos que a discussão quanto à sua aplicabilidade é complexa e esbarra também em sua representação social, cultural e econômica. Apesar disso, quando fundamentadas em avaliações médicas criteriosas e suportadas por serviços qualificados, com profissionais especializados e comprometidos, as internações podem ser uma medida terapêutica importante no tratamento das doenças mentais.

OBJETIVO

O objetivo desse trabalho foi conhecer quem são, hoje, as pessoas com transtornos mentais que tiveram alta hospitalar de internação psiquiátrica recente e quais suas características comuns.

MÉTODO

Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Saúde Escola Joel Domingos Machado da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo - USP - (protocolo 254/CEP-CSE-FMRP-USP). Foi realizado um estudo exploratório, descritivo, prospectivo, no período entre 17 de dezembro de 2007 e 17 de abril de 2008.

O Local do estudo foi o Núcleo de Saúde Mental (NSM), unidade de atendimento ambulatorial vinculada ao Centro de Saúde Escola Joel Domingos Machado da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo - USP - Brasil (CSE-FMRP-USP).

A população desse estudo é representada pelo universo de todos os pacientes residentes na região Oeste de Ribeirão Preto, matriculados no referido serviço de saúde mental. A amostra foi composta por todos os clientes deste serviço que saíram de alta de internação psiquiátrica no período. Para a coleta de dados utilizamos um questionário que contemplou as seguintes variáveis: Sexo; Idade (data de nascimento); Escolaridade do paciente; Situação conjugal do paciente; Número de filhos; Situação ocupacional do paciente; Renda pessoal do paciente; Com quem mora, Condições de moradia; Número de pessoas que coabitam; Renda familiar; Diagnóstico(s) psiquiátrico(s); Conhecimento do paciente sobre sua doença; Tempo de manifestação do transtorno psiquiátrico; Crença quanto ao tratamento psicofarmacológico; Conhecimento do nome dos medicamentos prescritos; Prescrição; Internações anteriores (quantidade); Data última internação psiquiátrica, Local da última internação; motivo da internação, Duração da última internação psiquiátrica. A análise dos dados foi realizada através de medidas de tendência central no programa estatístico SPSS, versão 10.0.

RESULTADOS

Pacientes egressos de internação

Num período de quatro meses cinqüenta e quatro pessoas receberam alta de internação psiquiátrica hospitalar e foram atendidas no serviço. Isso representou uma média de treze internações ao mês, isentos os casos em que o mesmo paciente necessitou de reinternação. Fizeram parte da amostra 48 pacientes que concordaram em participar da pesquisa.

Seis pacientes foram excluídos do estudo: dois pacientes se recusaram participar; um foi transferido para outro serviço; uma teve a alta hospitalar suspensa e sua consulta foi adiada; dois faltaram à consulta e o cadastro desatualizado no sistema de informação da rede pública de serviços impossibilitou a busca ativa desses. As características demográficas, sociais e econômicas dos pacientes da amostra estão apresentadas na Tabela 1.

Trinta pacientes eram do sexo feminino e dezoito do sexo masculino com idade média de trinta e nove anos, que variou de dezoito a setenta e cinco anos. Entre os pacientes da amostra 39,6% eram solteiros e 37,5% casados. Pacientes que já haviam sido casados ou amasiados e estavam na condição de separados ou divorciados representaram 16,7% da amostra e 6,3% eram viúvos(as).

Quanto ao número de filhos, 41,7% deles não tinham nenhum filho e 27,0% possuíam três filhos ou mais. Pacientes com um ou dois filhos somaram 31,3% da amostra sendo divididos como: sujeitos com apenas um filho 16,7% e com dois filhos 14,6%.

Verificamos que 31,2% dos pacientes da amostra negaram ter alguma fonte de renda, 37,5% relataram um salário mínimo (380,00 reais, na época) e 18,8% dos pacientes relataram renda de dois salários mínimos. Observamos que entre os pacientes egressos de internação psiquiátrica recente, 87,5% possuíam dois ou menos salários mínimos como renda pessoal. Apenas um paciente declarou renda de três salários mínimos e cinco declaram ter quatro salários ou mais como renda pessoal.

A grande maioria dos pacientes (93,8%) reside com seus familiares. Dois pacientes relataram residirem sozinhos e um deles mora com amigos. Em 78,8% dos casos, os pacientes egressos de internação vivem em casas próprias. Do restante, 27,1% pagam aluguel e um paciente refere morar em seu carro sendo classificado como morador de rua.

A renda familiar foi acima de três salários mínimos para 72,9% dos pacientes. O paciente que afirmou ser morador de rua negou renda familiar e doze pacientes relatam renda familiar mensal de dois salários mínimos.

Entre os sujeitos que tiveram apenas um diagnóstico registrado foram prevalentes os diagnósticos classificados no grupo da Esquizofrenia e Transtornos Esquizotípicos, em 33,3% da amostra. Nesse grupo, se destacou o diagnóstico de Esquizofrenia em dez sujeitos o que corresponde a 20,8 % da amostra, conforme descrito na Tabela 2.

Os Transtornos de Humor (afetivos) agruparam diagnósticos de 29,2% dos pacientes da amostra. Entre todos os pacientes dessa amostra, 29,2% apresentaram comorbidade psiquiátrica. Verificamos que doze tinham dois diagnósticos (25,0%) e dois tinham três diagnósticos (4,2%). Não houve pacientes com mais de três diagnósticos psiquiátricos registrados. Entre aqueles que tinham dois diagnósticos, se observaram três casos em que um dos diagnósticos de doença mental esteve associado ao uso de drogas (substâncias psicoativas, álcool e múltiplas drogas). Em outros cinco casos houve a associação do diagnóstico de transtorno de personalidade a outros transtornos. Houve um diagnóstico de Personalidade com instabilidade emocional associado à Demência na doença do vírus HIV.

O tempo de doença diagnosticada foi verificado em anos completos. Esse tempo de doença variou de menos de um ano a vinte anos completos. Em média, o tempo de doença dos egressos foi de 4,4 anos e 50% deles tinham cerca de 3,5 anos de doença psiquiátrica diagnosticada. Observamos que 41,6% dos pacientes egressos de internação tinham menos de um ano de doença, 20,8% tinham de um a cinco anos, 29,2% tinham de seis a dez anos e 8,4% deles tinham de onze a vinte anos de doença diagnosticada.

O conhecimento dos pacientes sobre o nome da doença mental que os acometia e que por ela estavam em seguimento no serviço de saúde mental não era conhecido por 56% dos egressos. Assim, apenas vinte e um pacientes souberam dizer o nome da doença mental que lhe fora diagnosticada.

Em relação ao conhecimento dos egressos de internação quanto ao tratamento psicofarmacológico a eles prescrito a maioria deles não sabia ou sabia parcialmente o nome e prescrição de todos os remédios a eles prescritos, conforme apresentado na Tabela 3.

Embora não soubessem ou soubessem parcialmente dizer o nome dos medicamentos prescritos, quando questionados acerca da importância da manutenção do tratamento psicofarmacológico, 81,2% dos pacientes consideraram que o tratamento através de medicamentos é importante.

A internação psiquiátrica

Entre os egressos de internação psiquiátrica observamos que 62,5% deles já tinham sido internados ao menos uma vez antes da internação mais recente. A quantidade de internações anteriores variou de uma a treze, conforme descrito na Tabela 4 que segue.

A internação recente foi a primeira internação psiquiátrica de suas vidas para 37,5% dos pacientes da amostra. Entre os egressos, cinco já haviam sido internados dez vezes antes da internação recente e nove já tinham sido internados uma vez. A média de internação foi de 3,14. As informações acerca dos comportamentos que motivaram a internação recente foram coletadas através da guia de referência preenchida aos pacientes na ocasião da alta hospitalar, as quais são entregues no serviço de saúde mental na ocasião da consulta médica. Estes comportamentos estão descritos na Tabela 5.

Um paciente foi internado por ter apresentado acatisia, efeito adverso pelo uso de um medicamento antipsicótico (Haloperidol). Em decorrência do uso de bebida alcoólica um paciente teve grande alteração de humor que resultou em sua internação por comportamento agressivo. Houve uma internação por comportamento hipersexualizado. Em média, estes pacientes permaneceram internados 27 dias. O menor período de internação foi de dois dias e a internação de maior duração foi de 160 dias. Apenas oito pacientes afirmaram ter procurado um serviço emergencial de saúde no mês que antecedeu a internação mais recente.

A reinternação psiquiátrica

Dos quarenta e oito sujeitos entrevistados em quatro meses, seis (12,5%) tiveram reinternação no período de coleta dos dados, sendo quatro homens e duas mulheres. A idade média desses pacientes foi de 32 anos, 50,0% deles eram solteiros e não possuíam filhos, eram aposentados. O baixo grau de escolaridade foi característico em 66,7% dos pacientes reinternados. Apenas um possuía vínculo empregatício e estava afastado do emprego. A renda individual foi de um salário mínimo em 50% dos casos. Cinco residiam com familiares em casa própria. Um era morador de rua e afirmava residir em seu carro. A renda familiar não ultrapassou dois salários mínimos.

Nenhum deles sabia dizer o nome de sua doença. Em média os pacientes que se reinternaram tinham 8,3 anos de doença diagnosticada. Três pacientes tinham o diagnóstico de Esquizofrenia, um paciente diagnóstico de Transtorno Afetivo Bipolar, um deles tinha dois diagnósticos (Personalidade com instabilidade emocional e Episódio depressivo leve) e um deles tinha três diagnósticos (Transtornos Mentais e Comportamentais devidos ao uso de álcool - Síndrome de Dependência junto à Esquizofrenia e Transtorno Afetivo Bipolar). Nenhum dos pacientes que tiveram reinternação sabia dizer o nome de todos os medicamentos com que estava em tratamento.

DISCUSSÃO

O presente trabalho identificou que os egressos de internação psiquiátrica nessa amostra são em sua maioria mulheres (62,5%), residem com familiares (93,8%), com casa própria (70,8%), onde coabitam três ou quatro pessoas (58,4). A renda individual não ultrapassou um salário de 380,00 reais para 66,7% dos pacientes, observando que 54,2% possuem até o primeiro grau completo de escolaridade e apenas 14,6 deles exercem algum tipo de trabalho regularmente. Esses achados são semelhantes a outros estudos realizados com pacientes assistidos por serviços de atendimento comunitário(7-9). Nesse e em outros trabalhos verifica-se que a baixa escolaridade e baixo nível socioeconômico afetam as vidas de muitos pacientes psiquiátricos.

Sabe-se que entre as dez principais condições de saúde, físicas e mentais, que provocam incapacidade, cinco são relacionadas a transtornos mentais, destacando: depressão, alcoolismo, transtorno afetivo bipolar, esquizofrenia e distúrbio obsessivo compulsivo(8). Verificou-se na presente pesquisa que esses transtornos estiveram presentes na amostra, sendo mais prevalente os diagnósticos classificados no grupo da Esquizofrenia, transtornos esquizotípicos, transtornos delirantes e no grupo dos Transtornos de Humor (F20-F29; F31 a 33 do Cid 10), dados que remetem a amostra de diversos trabalhos na área(8-9).

Trata-se de doenças severas, muitas vezes com manifestações de sintomas que limitam a atividade laboral, social e de lazer dos doentes. Além disso, desencadeiam também a discriminação e estigmatização(10-11). Considerando esse aspecto, a baixa escolaridade e nível socioeconômico podem estar relacionados à severidade dos sintomas manifestados nessas doenças. A constante manifestação dos sintomas e os efeitos adversos do tratamento medicamentoso dificultam as relações do doente mental com sua família e meio social(12). Nesse trabalho a ocorrência de efeitos adversos foi tão severa em um paciente que chegou a ser motivo para mais uma internação.

Considerado tamanho prejuízo, verifica-se a necessidade de uma adequada manutenção do tratamento dos pacientes não hospitalizados que são assistidos pelos serviços de atendimento comunitário. Com isso, a prevenção de recaídas pode minimizar danos e favorecer as relações sociais dos pacientes, o que torna a atuação dos serviços, enfermeiros e demais profissionais de saúde imprescindíveis nesse cotidiano.

A comorbidade psiquiátrica esteve presente em 29,2% da amostra. Entre os pacientes que tinham dois diagnósticos, em três casos um dos diagnósticos de doença mental esteve associado ao uso de drogas (substâncias psicoativas, álcool e múltiplas drogas). Entre os dois pacientes que tinham registro de três diagnósticos, um diagnóstico era ligado ao uso de drogas. Sabe-se que a adicção às drogas muitas vezes está ligada a manifestação de doenças mentais e é atualmente um problema de saúde pública(13).

Os pacientes egressos de internação apresentaram baixo conhecimento quanto ao nome de sua doença mental e seu tratamento psicofarmacológico. Apesar de grande parte da amostra, ter apresentado diagnóstico e tratamento recente (menos de um ano), 56% não souberam dizer o nome da doença mental que os acometia e que por ela estavam em seguimento no serviço de saúde mental e 56,2% não sabiam ou sabiam parcialmente obre os medicamentos a eles prescritos.

Embora não soubessem ou soubessem parcialmente dizer o nome dos medicamentos prescritos, quando questionados acerca da importância da manutenção do tratamento psicofarmacológico, 81,2% dos pacientes consideraram que o tratamento através de medicamentos é importante. Tais opiniões pouco coerentes parecem refletir o que é observado na pratica.

Apesar de absorverem as orientações dos profissionais de saúde quanto à importância do tratamento psicofarmacológico observa-se que em geral, a não adesão atinge cerca de 50% dos pacientes(14-15). Entre pacientes tratados com antipsicóticos convencionais, 40% param de tomar sua medicação no primeiro ano de tratamento e 75 % param de tomar esta medicação dentro de dois anos(16).

O tratamento é um elemento fundamental na vida dos pacientes. Para eles que vivem este processo de internação e reinternação, as demais atividades da vida cotidiana organizam-se em torno das possibilidades de tratamento, afinal, o fato de estar internado ou não, muda completamente o cotidiano desta população. A internação não representa apenas uma forma de tratamento para o paciente, pois os familiares relatam a dificuldade em conviver com a desordem da loucura e consideram a internação um momento em que podem descansar e viver com tranqüilidade(17).

A finalidade das internações em estabilizar o paciente (minimizando riscos, levantando necessidades psicossociais, ajustando o tratamento psicofarmacológico e a reinserção social do paciente) precisa ser trabalhada nos serviços extra-hospitalares, sendo a sistematização da assistência uma estratégia bastante correlacionada.

Sintomas como a ansiedade psíquica, a hostilidade e o retraimento emocional foram sintomas com significativo grau de severidade entre os egressos (c2=183,712; p<0,000 - Teste de Friedman). Estes sintomas estiveram inclusive relacionados à internação recente. Os principais motivos de internação foram justamente a hostilidade (agressividade, irritabilidade, agitação psicomotora), ideação suicida ou tentativa de suicídio e os sintomas psicóticos (delírios, alucinações, mania).

Os motivos descritos acima estão adequados ao preconizado na Lei nº. 10.216 de 04 de junho de 2001. Atualmente, a internação psiquiátrica é indicada para casos graves em que as abordagens nos serviços extra-hospitalares não foram suficientes, ou seja, quando foram esgotados os recursos extra-hospitalares para o tratamento ou manejo do problema. São considerados casos graves situações em que há presença de transtorno mental com, no mínimo, uma das seguintes condições: risco de auto-agressão, risco de heteroagressão, risco de agressão à ordem pública, risco de exposição social, incapacidade grave de auto-cuidados(17).

Apesar de grande parte da amostra, ter apresentado diagnóstico e tratamento recente (menos de um ano), 56% não souberam dizer o nome da doença mental que os acometia e que por ela estavam em seguimento no serviço de saúde mental e 56,2% não sabiam ou sabiam parcialmente obre os medicamentos a eles prescritos. Os pacientes egressos de internação apresentaram baixo conhecimento quanto ao nome de sua doença mental e seu tratamento psicofarmacológico.

Outro resultado importante foi que embora não soubessem ou soubessem parcialmente dizer o nome dos medicamentos prescritos, quando questionados acerca da importância da manutenção do tratamento psicofarmacológico, 81,2% dos pacientes consideraram que o tratamento através de medicamentos é importante. Porém, essa opinião parece não ter influência prática sobre a adesão uma vez que 70,8% deles foram classificados com baixa adesão ao tratamento.

CONCLUSÃO

Buscamos no decorrer desse trabalho aprofundar nosso conhecimento sobre aqueles que utilizam a rede pública de serviços em saúde mental vigente e necessitaram de internação psiquiátrica durante seu tratamento. Tal conhecimento visa entre outras coisas, gerar reflexão e subsídios que colaborem na dinâmica entre o saber e o fazer em saúde mental. O comprometimento profissional com o saber em sua relação com a prática é uma importante fonte de evolução.

As inovações geradas pela mudança de paradigmas na assistência psiquiátrica demandam mais estudos e adaptações para que profissionais e serviços de saúde atendam às demandas desta clientela. Com internações psiquiátricas criteriosas e marcadas por períodos mais curtos de institucionalização, pacientes e familiares se tornaram cada vez mais os principais provedores de cuidados em saúde mental. Nesse contexto a cronicidade dos transtornos mentais leva estas pessoas a conviverem com o processo de internação-reinternação, e suas atividades cotidianas se organizam em torno das possibilidades de tratamento do transtorno mental.

Para tanto, conhecer quem são os egressos de internação psiquiátrica, hoje, possibilita identificar características que podem fomentar a determinação do melhor tratamento e suporte profissional aos pacientes e seus cuidadores. Os egressos pesquisados nesse trabalho representam a população assistida por um serviço público de saúde, porém estudos a longo prazo serão realizados para que a internação psiquiátrica e a manutenção do tratamento desses pacientes possam ser considerados em profundidade.

Pesquisas e intervenções acerca das necessidades dos pacientes egressos de internação e de seus cuidadores são importantes para uma atuação sistematizada dos profissionais inseridos em serviços de saúde mental. Os dados obtidos demonstraram que em média treze pacientes ao mês recebem alta de internação psiquiátrica hospitalar e são atendidos no serviço. Observa-se que a manutenção do tratamento para pacientes não institucionalizados, na maioria das vezes, é pautada na psicofarmacologia, sinais e sintomas, recorrendo à internação quando há aumento nos riscos à saúde. Esse tipo de assistência deixa de absorver necessidades cotidianas e coletivas que também interferem na manutenção desses tratamentos e carecem de intervenções.

Considerando toda a evolução do paradigma de assistência à doença mental e toda sua complexidade frente à manifestação de sintomas: limitações do tratamento psicofarmacológico, a sobrecarga familiar, os preconceitos sociais, a carência de serviços e profissionais, este trabalho buscou caracterizar um momento na história de vida de pessoas com doenças mentais para refletir sobre uma atuação sistematizada de enfermagem em saúde mental. Tal sistematização será elaborada a partir de um novo projeto de pesquisa a ser desenvolvido a partir de 2009 em parceria com a Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto-USP.

Sempre haverá novas possibilidades para assistência à pessoa que sofre devido a uma doença. A assistência à saúde mental nesse momento pede que os profissionais busquem entender o micro e o macro contexto cotidiano de sua clientela, o conhecimento integral do mundo do paciente, suas necessidades emocionais e questões de vida, atuando pontualmente ou não no incentivo ao desenvolvimento de habilidades psicossociais.

Recebido: 27/01/2009

Aprovado: 12/04/2010

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  • Correspondência:

    Lucilene Cardoso
    Rua Itapira, 41 - Apto. 31 - Jardim Paulista
    CEP 14090-120 - Ribeirão Preto, SP, Brasil
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Mar 2011
    • Data do Fascículo
      Mar 2011

    Histórico

    • Recebido
      27 Jan 2009
    • Aceito
      12 Abr 2010
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