Acessibilidade / Reportar erro

Qualidade de vida de mulheres vivendo com o HIV/aids de um município do interior paulista

Calidad de vida de mujeres viviendo con HIV/aids en un municipio del interior paulista

Resumos

A terapia antirretroviral de alta potência beneficia os indivíduos com HIV/aids na sobrevida, cronicidade e qualidade de vida. Este estudo de corte transversal, com abordagem quantitativa, objetivou avaliar a qualidade de vida de mulheres com HIV/aids, utilizando o WHOQOL - HIV bref e sua associação com variáveis sociodemográficas. Foi realizado em dois ambulatórios especializados no atendimento a indivíduos com HIV/aids. De 106 mulheres participantes, 99,1% eram heterossexuais e 92,4% foram infectadas por via sexual. Dentre os domínios de qualidade de vida, espiritualidade obteve maior escore (65,7), seguido pelo físico (64,7), psicológico (60,6), relações sociais (59,5). Menores escores foram atingidos nos domínios nível de independência (58,6) e meio ambiente (54,5). Evidenciou-se que os fatores baixo nível socioeconômico e educacional tiveram associação com diferentes domínios, denotando a relação entre qualidade de vida e condições de vida. Concluiu-se que persistem os desafios no âmbito das relações sociais, afetivas, financeiras, requerendo intervenções efetivas focando o empoderamento das mulheres com HIV/aids.

Síndrome de Imunodeficiência Adquirida; Qualidade de vida; Mulheres


La terapia retroviral de alta potencia es beneficiosa para los individuos con HIV/AIDS en su sobrevida, cronicidad y calidad de vida. Este estudio de corte transversal, con abordaje cuantitativo objetivó evaluar la calidad de vida de mujeres con HIV/AIDS utilizando el WHOQOL-HIV BREF y su asociación con variables sociodemográficas. Fue realizado en dos ambulatorios especializados en la atención a individuos con HIV/AIDS. De 16 mujeres participantes, el 99,1% eran heterosexuales y el 92,4% fueron infectadas por vía sexual. Entre los dominios de calidad de vida, espiritualidad obtuvo el mayor puntaje (65,7), seguido por el físico (64,7), psicológico (60,6), relaciones sociales (59,5). Menores puntajes fueron alcanzados en los dominios nivel de independencia (58,6) y medio ambiente (54,5). Se evidenció que los factores bajo nivel socioeconómico y educacional estuvieron asociados con diferentes dominios, denotando la relación entre calidad de vida y condiciones de vida. Los desafíos persisten en el ámbito de las relaciones sociales, afectivas, financieras, requiriendo intervenciones efectivas, enfocando al empoderamiento de las mujeres con HIV/AIDS.

Síndrome de Inmunodeficiencia Adquirida; Calidad de vida; Mujeres


High potency antiretroviral therapy brings benefits to people with HIV/AIDS, related to survival, chronicity and quality of life. The objective of this quantitative and cross-sectional study was to assess the quality of life of women with HIV/AIDS, using the WHOQOL - HIV bref and its association with sociodemographic variables. The study was performed in outpatient clinics specialized in care to HIV/AIDS patients. Of the 106 interviewed women, 99.1% were heterosexual and 92.4% were infected sexually. Among the domains of quality of life, spirituality had the highest score (65.7), followed by physical (64.7), psychological (60.6), social relationships (59.5). Level of independence (58.6) and environment (54.5) scored the lowest. The factors low socioeconomic and educational levels were associated with different domains of quality of life, showing the relationship between quality of life and living conditions. Challenges persist in the scope of social, affective and financial relations, which require effective interventions regarding empowerment of women with HIV/Aids.

Acquired Immunodeficiency Syndrome; Quality of life; Women


ARTIGO ORIGINAL

Qualidade de vida de mulheres vivendo com o HIV/aids de um município do interior paulista

Calidad de vida de mujeres viviendo con HIV/aids en un municipio del interior paulista

Joice GasparI; Renata Karina ReisII; Fernanda Maria Vieira PereiraIII; Lis Aparecida de Souza NevesIV; Carolina de Castro CastrighiniV; Elucir GirVI

IEnfermeira Graduada pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Integrante do Núcleo de Aids e DST. Ribeirão Preto, SP, Brasil. joicegaspar@yhaoo.com.br

IIDoutora em Enfermagem.Professora Adjunta da Universidade Federal de Alagoas. Maceió, AL, Brasil. renakari2006@hotmail.com

IIIEnfermeira. Mestranda em Enfermagem da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Integrante do Núcleo de Aids e DST. Ribeirão Preto, SP, Brasil. fernanddamaria@hotmail.com

IVEnfermeira. Doutoranda em Enfermagem da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Ribeirão Preto, SP, Brasil. lisapneves@yahoo.com.br

VGraduanda em Enfermagem da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Ribeirão Preto, SP, Brasil. carolcastrousp@hotmail.com

VIEnfermeira. Professora Titular da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Ribeirão Preto, SP, Brasil. egir@eerp.usp.br

Correspondência Correspondência: Joice Gaspar Av. Bandeirantes, 3900 CEP 14040-902 - Ribeirão Preto, SP, Brasil

RESUMO

A terapia antirretroviral de alta potência beneficia os indivíduos com HIV/aids na sobrevida, cronicidade e qualidade de vida. Este estudo de corte transversal, com abordagem quantitativa, objetivou avaliar a qualidade de vida de mulheres com HIV/aids, utilizando o WHOQOL - HIV bref e sua associação com variáveis sociodemográficas. Foi realizado em dois ambulatórios especializados no atendimento a indivíduos com HIV/aids. De 106 mulheres participantes, 99,1% eram heterossexuais e 92,4% foram infectadas por via sexual. Dentre os domínios de qualidade de vida, espiritualidade obteve maior escore (65,7), seguido pelo físico (64,7), psicológico (60,6), relações sociais (59,5). Menores escores foram atingidos nos domínios nível de independência (58,6) e meio ambiente (54,5). Evidenciou-se que os fatores baixo nível socioeconômico e educacional tiveram associação com diferentes domínios, denotando a relação entre qualidade de vida e condições de vida. Concluiu-se que persistem os desafios no âmbito das relações sociais, afetivas, financeiras, requerendo intervenções efetivas focando o empoderamento das mulheres com HIV/aids.

Descritores: Síndrome de Imunodeficiência Adquirida. Qualidade de vida. Mulheres.

RESUMEN

La terapia retroviral de alta potencia es beneficiosa para los individuos con HIV/AIDS en su sobrevida, cronicidad y calidad de vida. Este estudio de corte transversal, con abordaje cuantitativo objetivó evaluar la calidad de vida de mujeres con HIV/AIDS utilizando el WHOQOL-HIV BREF y su asociación con variables sociodemográficas. Fue realizado en dos ambulatorios especializados en la atención a individuos con HIV/AIDS. De 16 mujeres participantes, el 99,1% eran heterosexuales y el 92,4% fueron infectadas por vía sexual. Entre los dominios de calidad de vida, espiritualidad obtuvo el mayor puntaje (65,7), seguido por el físico (64,7), psicológico (60,6), relaciones sociales (59,5). Menores puntajes fueron alcanzados en los dominios nivel de independencia (58,6) y medio ambiente (54,5). Se evidenció que los factores bajo nivel socioeconómico y educacional estuvieron asociados con diferentes dominios, denotando la relación entre calidad de vida y condiciones de vida. Los desafíos persisten en el ámbito de las relaciones sociales, afectivas, financieras, requiriendo intervenciones efectivas, enfocando al empoderamiento de las mujeres con HIV/AIDS.

Descriptores: Síndrome de Inmunodeficiencia Adquirida. Calidad de vida. Mujeres.

INTRODUÇÃO

Em nosso país, de 1980 a junho de 2009, foram notificados 544.846 casos de aids, sendo 356.427 (65,4%) casos no sexo masculino e 188.396 (34,6%) no sexo feminino. Observa-se que a razão de sexo (homem: mulher) no Brasil vem diminuindo ao longo da série histórica, passando de 26,7:1 a proporção masculino/feminino em 1985 para 1,5:1 em 2008(1).

A incidência de aids mantém-se, ainda, em patamares elevados - em 19,5 casos por 100 mil habitantes - basicamente devido à persistência da tendência de crescimento de casos entre as mulheres, o que evidencia sua vulnerabilidade frente a epidemia, enquanto que a taxa de mortalidade vem diminuindo, fato que se observa após a introdução da política de acesso universal ao tratamento anti-retroviral (TARV) que combina drogas com diferentes formas de ação (HAART - highly active antiretroviral therapy)(1).

Apesar do aumento da sobrevida de indivíduos que vivem com HIV/aids, o estudo da qualidade de vida não pode se prender apenas a uma provável vida mais longa. Ao enfrentar esta doença, o individuo é tratado de forma excludente e estigmatizante, sofrendo ruptura nas relações afetivas, problemas com a sexualidade e falta de recursos sociais e financeiros. O que, como conseqüência, compromete sua saúde mental e física, seu bem-estar e sua qualidade de vida(2).

As mulheres são ainda mais vulneráveis a esse comprometimento da qualidade de vida de indivíduos que vivem com HIV/aids. E essa vulnerabilidade feminina refere-se, entre outros fatores, às diferenças marcantes nos aspectos culturais, sociais e econômicos, que conferem às mesmas oportunidades desiguais na proteção, promoção e manutenção à saúde(3).

De forma genérica, a Organização Mundial de Saúde (OMS) define qualidade de vida como a percepção do indivíduo de sua posição na vida, no contexto da cultura e sistemas de valores nos quais ele vive em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações. Esse é um conceito abrangente e multidimensional que envolve diversos domínios (físico, psicológico, social, ambiental, espiritual)(4).

Em relação à área da saúde, o termo qualidade de vida tem como idéia principal a promoção da saúde, apoiando-se na percepção das necessidades humanas fundamentais, materiais e espirituais(2).

Instrumentos que medem a qualidade de vida relacionada tanto à forma genérica quanto à saúde têm sido utilizados para a avaliação da qualidade de vida de pessoas que vivem com o HIV/aids em países desenvolvidos. Estudos evidenciam que a qualidade de vida de mulheres com HIV/aids é prejudicada quando comparada a dos homens; contudo, poucos estudos acerca desta temática foram realizados em países em desenvolvimento, e também poucas pesquisas analisam mulheres(5-6).

Assim, com a feminização da aids, a elevada incidência e queda de óbitos, torna-se imprescindível atentar-se à qualidade de vida das mulheres que vivem com HIV/aids.

Frente ao exposto, realizou-se o presente estudo que teve como objetivo avaliar a qualidade de vida de mulheres com HIV/aids, usuárias do sistema público de saúde, utilizando o WHOQOL - HIV bref e sua associação com variáveis sociodemográficas.

MÉTODO

Trata-se de um estudo de corte transversal, com abordagem quantitativa realizado em dois ambulatórios especializados no atendimento a indivíduos com HIV/aids de um município do interior paulista. A investigação desenvolveu-se no período de maio de 2007 a junho de 2008.

Participaram do estudo mulheres com HIV/aids, usuárias do sistema público de saúde, que se enquadravam nos seguintes critérios de inclusão: ter ciência do seu diagnóstico de infecção pelo HIV/aids há pelo menos seis meses; ter idade superior a 18 anos; estar em acompanhamento clínico ambulatorial nos serviços em estudo; comparecer aos retornos médicos agendados no período de investigação; apresentar condição física e emocional para participar da entrevista; consentir em participar do estudo e assinar o termo de consentimento livre e esclarecido.

Os dados foram obtidos a partir de entrevistas individuais com mulheres infectadas pelo HIV/aids, utilizando-se o WHOQOL HIV bref. Esse instrumento foi elaborado pela Organização Mundial de Saúde, traduzido e validado no Brasil e é utilizado como instrumento específico para avaliar a qualidade de vida de indivíduos com HIV/aids. É uma versão abreviada e consta de 31 questões distribuídas em seis domínios: físico; psicológico; nível de independência; relações sociais; meio ambiente; espiritualidade(7).

A coleta de dados sociodemográficos e clínicos foi norteada por um questionário construído especificamente para este estudo e validado por três especialistas quanto à forma e conteúdo. Contemplou os itens: dados sociais, demográficos e clínicos que podem interferir e se relacionar com a qualidade de vida dos indivíduos.

Os dados foram organizados em planilhas do Excel e exportados para o programa Statistical Package for Social Science, versão 15.0. Foi utilizada a sintaxe para calcular os escores de cada item do instrumento, oferecida pelo Grupo de Pesquisa em Qualidade de Vida no Brasil, versão em português. Foi calculada a consistência interna para os domínios do instrumento, utilizando o coeficiente de fidedignidade de Cronbach. Testamos a normalidade em grupos onde aqueles formados para comparação menor que 30, foi realizado o teste de Kolmogorov-Smirnov objetivando-se testar a Normalidade das distribuições das médias amostrais. Para comparar diferenças entre as médias amostrais dos escores de qualidade de vida foi realizado o teste t de Student e ANOVA.

O projeto de pesquisa foi apreciado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (Protocolo no. 0699/2006 EERP-USP). Os participantes das entrevistas foram informados sobre os objetivos da mesma e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, assegurando-lhes sigilo e anonimato das informações.

RESULTADOS

De 250 mulheres cadastradas nos dois serviços em estudo até junho de 2008, 106 (42,4%) foram entrevistadas. A faixa etária predominante foi entre 30 e 39 anos (44,3%), 48 (45,3%) eram casadas ou viviam como casadas e 88 (83,0%) apresentavam escolaridade até o ensino fundamental. Do total, 55 (51,9%) não tinham vínculo empregatício e 49 (46,2%) possuíam renda mensal de 1,1 a 3 salários mínimos (Tabela 1).

Quanto às características reprodutivas e sexuais, quase todas as mulheres eram heterossexuais (99,1%) e 98 (92,4%) foram infectadas via sexual. Do total, 68 (64,2%) tinham parceiro sexual, 65 (61,3%) consideravam o relacionamento como fixo, 61 (57,5%) tinham vida sexual ativa e 37 (34,9%) sempre tinham o parceiro usando preservativo masculino.

Referente às variáveis clínicas identificou-se que quanto à classificação da infecção pelo HIV/aids, 61 (57.5%) eram assintomáticas, 9(8,5%) encontravam-se sintomáticas e 36 (34%) tinham desenvolvido aids. A maioria das mulheres entrevistadas, ou seja, 85 (80,2%) faziam uso da terapia antirretroviral e 21 (19,8%) não tinham iniciado o uso destes medicamentos.

Através do WHOQOL HIV bref, seis domínios foram avaliados: físico, psicológico, nível de independência, meio ambiente, espiritualidade, relações sociais. A tabela 2 mostra os escores médios obtidos em cada um dos domínios e os respectivos valores do alfa de Cronbach. Observa-se que as mais elevadas médias foram atribuídas aos domínios espiritualidade (65,7) e físico (64,7); enquanto que as médias mais baixas recaíram nos domínios meio ambiente (54,5) e nível de independência (58,6).

Na Tabela 3 observam-se as médias dos escores de qualidade de vida, segundo variáveis sociodemográficas. Identificou-se que as mulheres na faixa etária dos 20 aos 29 anos apresentaram pior avaliação da qualidade de vida no domínio espiritualidade quando comparados com indivíduos nas outras faixas etárias. Ainda com relação à faixa etária verificou-se pior avaliação nos escores de qualidade de vida no domínio nível de independência, entre as mulheres com idade acima de 50 anos.

Com relação à variável nível educacional verificou-se diferença estatisticamente significante nas médias dos escores dos domínios nível de independência, relações sociais, meio ambiente e espiritualidade, sendo que os indivíduos analfabetos tiveram pior escores nestes domínios.

Quanto à renda identificou-se que os indivíduos sem renda ou com renda menor que um salário mínimo apresentaram piores escores de qualidade de vida com diferenças estatisticamente significante em todos os domínios da qualidade de vida. Referente a variável vínculo empregatício encontrou-se que os indivíduos com vínculo tiveram melhores escores de qualidade de vida em todos os domínios do WHOQOL HIV bref, exceto no domínio espiritualidade, conforme Tabela 3.

Com referência às variáveis relacionadas ao uso de antirretrovirais, não foram encontradas diferenças estatisticamente significante entre os escores de qualidade de vida e o uso de antiretrovirais em nenhum dos domínios. No grupo classificação da infecção pelo HIV (assintomático, sintomático e aids) e idade observou-se diferenças apenas no domínio físico, evidenciando-se que as mulheres com aids tiveram pior qualidade de vida (p=0,03) que as assintomáticas.

DISCUSSÃO

No Brasil, estudos sobre qualidade de vida vêm sendo realizados através da utilização de vários instrumentos de avaliação da qualidade de vida(8-10). Fato este que dificulta a comparação dos resultados encontrados.

Dentre os seis domínios do WHOQOL HIV bref, o que apresentou maior escore médio, ou seja, melhor desempenho foi o domínio da espiritualidade (65,7). A espiritualidade é uma estratégia positiva para o enfrentamento do HIV/aids e das alterações biopsicossociais que a doença acarreta na vida dos indivíduos que vivem com ela. Este domínio avaliou os aspectos relacionados ao perdão e a culpa por viver com o HIV/aids e a preocupação com o futuro e a morte.

Outro estudo que avaliou a qualidade de vida de homens e mulheres na África, utilizando o WHOQOL HIV bref, encontrou resultados semelhantes, indicando melhor qualidade de vida no domínio espiritualidade para ambos os sexos(11).

Observou-se também no presente estudo que as mulheres na faixa etária dos 20 a 29 anos, analfabetas e que não tinham renda tiveram piores escores médio de qualidade de vida no domínio espiritualidade.

De forma ampla, a espiritualidade é definida como a procura que alguém faz pela conexão com o sagrado. Ela se enquadra dentro das experiências dos indivíduos e não está limitada à religião ou crenças em um poder divino. Crenças espirituais ligadas à saúde podem ser definidas como crenças específicas de mente e corpo, sendo que estas se referem a crenças generalizadas de uma relação entre a mente ou os processos mentais e os estados ou processos corporais(12).

Em relação a área da saúde, a espiritualidade está ligada a níveis maiores de satisfação na vida, melhor estado de saúde e melhor qualidade de vida e bem-estar, mesmo associados aos sintomas do HIV/aids(13).

Uma pesquisa realizada no nordeste do Brasil encontrou resultado semelhante ao do presente estudo. Mulheres mais jovens estão mais ligadas a questões concretas da aids, enquanto as mais velhas estão mais voltadas à religiosidade, com a esperança e a fé de cura para essa doença. As autoras discutem que a religiosidade pode ser tanto benéfica quanto maléfica para o tratamento, uma vez que pode proporcionar suporte emocional ou estimular a interrupção do tratamento médico, devido à crença da cura pela fé(2).

O segundo domínio do WHOQOL HIV bref com maior escore médio foi o físico (64,7), que avaliou o desempenho das atividades físicas e a presença de dor e/ou limitação física e a presença se cansaço ou limitação para viver socialmente. Os resultados na avaliação deste domínio podem ter sido conferidos pelo uso da TARV, provocando mudanças expressivas no curso da infecção pelo HIV/aids, com impactos e conseqüências positivas na perspectiva de vida e na qualidade de vida destes indivíduos(3).

Resultado encontrado em um estudo realizado na Europa oriental diz que, ao avaliar o domínio físico, as mulheres que tem o diagnóstico de aids tiveram menores escores de qualidade de vida neste domínio quando comparadas com as que estavam assintomáticas. Este resultado está de acordo com outros estudos encontrados na literatura, que apontam que a deteriorização clínica e aparecimento dos sintomas da doença estão associados(14).

Um resultado interessante identificado em nosso estudo é que as piores condições econômicas e a ausência de vínculo empregatício tiveram relação negativa com a avaliação da qualidade de vida no domínio físico.

Piores condições econômicas e a desigualdade de inserção no mercado de trabalho entre homens e mulheres são fatores que contribuem para uma menor qualidade de vida feminina. As mulheres são submetidas a empregos precários e mal remunerados, contribuindo com o aumento do número de mão de obra no mercado informal. Percebe-se então, que estão correlacionadas a baixa renda mensal e a ausência de vínculo empregatício(3).

Em relação aos domínios Psicológico e Relações Sociais, observa-se que os escores médios foram 60,6 e 59,5, respectivamente. O domínio Psicológico avaliou os sentimentos negativos e positivos, a cognição através da capacidade de memória e concentração, a auto-estima, a imagem corporal e a aparência. O domínio Relações Sociais avaliou os relacionamentos sexuais, a inclusão social e o apoio social que recebem dos amigos e familiares.

As mulheres com renda maior que um salário mínimo e possuem vínculo empregatício tiveram melhor escore de qualidade de vida no domínio psicológico. Quanto ao domínio relações sociais, verificou-se que, além dos fatores renda e vínculo empregatício, o fator nível educacional também teve relação com a qualidade de vida. Ou seja, mulheres com alto nível educacional tiveram melhores escores de qualidade de vida no domínio relações sociais do que as com baixo nível educacional ou analfabetas.

É importante considerar que o número de mulheres com HIV/aids tem maiores proporções entre as classes sociais mais baixas e os menores níveis de escolaridade e que isso ocorre, principalmente, pelo fato das mulheres serem tratadas de forma desigual em termos políticos, culturais e socioeconômicos, com menor acesso a bens de consumo, a seguridade social básica e, certamente, à educação, o que justifica o fato da infecção de indivíduos pelo HIV/aids ter sofrido uma transição de alto para baixo nível socioeconômico e cultural(15).

O nível educacional está, muitas vezes, diretamente ligado ao vínculo empregatício e a renda mensal, o que acaba limitando o poder aquisitivo das mulheres, por grandes proporções possuírem níveis baixos de escolaridade. O vínculo empregatício, além de gerar um benefício financeiro, constitui-se fonte de estrutura e apoio social, trazendo significado e sentimento de utilidade para os indivíduos.

Um estudo realizado na Estônia concluiu que o emprego é um fator muito importante que influência na qualidade de vida, capaz de atenuar o estresse vivido na infecção pelo HIV e gerar saúde psicológica e boa relação social(14).

Apesar do impacto da infecção pelo HIV/aids na saúde psicológica e nas relações sociais dos indivíduos infectados, assim como no domínio físico, o uso da TARV provocou conseqüências positivas na saúde psicológica, proporcionando a desconstrução da idéia de morte advinda do diagnóstico de portador do HIV/aids e a construção de melhores perspectivas de vida(3).

Após o advento da TARV, o viver com o HIV/aids, possibilita repensar e ressignificar a infecção pelo HIV, desconstruindo a idéia de morte para uma perspectiva mais humana em que o indivíduo convive cotidianamente com o HIV, sob o prisma da cronicidade(16); o que possibilita a reconstrução de projetos na vida profissional e afetiva, com a inserção no mercado de trabalho e o estabelecimento de vínculos afetivo-sexuais(17-18).

Em relação aos aspectos da vida afetivo sexual, com a redução dos óbitos e o aumento da sobrevida, os indivíduos com HIV/aids puderam reconstruir seus objetivos de vida pós-diagnóstico, o que implicou no aumento da formação de casais com sorologias distintas para o HIV e o desejo de ter filhos(17-18).

Apesar disto, desafios ainda persistem no âmbito das relações sociais e afetivas considerando a avaliação do Domínio Relações Sociais que estão relacionadas com a peculiaridade de viver com o HIV/aids e seu impacto nas relações pessoais, suporte social e atividade sexual(9); sobretudo entre as mulheres com baixo nível social e econômico, visto que a renda, o nível educacional e o vínculo empregatício tiveram relação com piores escores de qualidade de vida neste domínio.

Quanto aos aspectos da vida afetivo-sexual, observa-se que a maioria das mulheres tem poucos parceiros afetivo-sexuais na vida, o que certifica que a epidemia feminina de HIV/aids cresce entre mulheres com relacionamento estável. Grande parte das infectadas seguem mantendo vida sexual e afetiva ativas, porém, ainda apresentam dificuldades na negociação cotidiana do uso de preservativo, o que é mais acentuado nas relações heterossexuais, e as mulheres obtém maior êxito quando ela é feita com parceiros casuais do que com parceiros fixos(19).

A desigualdade do papel social entre o homem e a mulher influencia, negativamente, na qualidade de vida de mulheres vivendo com o HIV/aids(9). Essa influência negativa parece se tornar veemente em conseqüência da dependência econômica e emocional do parceiro, do baixo nível educacional e falta de autonomia sobre seu corpo, da comercialização e violência sexual, da dificuldade em convencer o parceiro a usar preservativo(8); do medo de ser rejeitada e de decidir tornar real o desejo de construir uma família e da mudança na rotina da vida sexual e afetiva em decorrência da dificuldade de expor sua condição de portadora do vírus(9).

Quanto aos aspectos das relações sociais, as mulheres sofrem hostilidade e rejeição no ambiente de trabalho e mesmo das pessoas mais próximas, como integrantes da família e outras importantes pessoas das suas relações sociais(20). Além disto, vivenciam diversas fontes de estresse cotidiano no campo das relações humanas e afetivas, como a discriminação e o preconceito, além da falta de recursos financeiros que tem impacto negativo na qualidade de vida(3).

Os domínios Nível de Independência e Meio Ambiente obtiveram escores médios mais baixos, com valores de 58,6 e 54,4, respectivamente. O domínio Nível de independência avaliou os aspectos que englobam mobilidade física, atividades da vida diária, aptidão para o trabalho e dependência de medicação ou tratamento. Verificou-se que as mulheres com idade acima de 50 anos e com baixo nível social e econômico, também tiveram pior avaliação dos escores de qualidade de vida neste domínio.

A convivência com o HIV/aids leva as mulheres a vivenciarem sintomas variados, o que provoca mudanças em seu cotidiano e estilo de vida. Elas deixam de fazer o que antes era rotina e lazer e passam a não viver com tanta intensidade como antes.

As mulheres com idade maior que 50 anos teve pior avaliação no domínio nível de independência, uma vez que a própria idade é um fator limitante da mobilidade física e da disposição para as atividades diárias e o trabalho.

Por sua vez, o domínio Meio Ambiente avaliou os aspectos relacionados à segurança física, moradia, finanças, acesso e qualidade da saúde e assistência social, informatização, lazer, ambiente físico e transporte. Como era de se esperar, identificou-se que os indivíduos com piores condições socioeconômicas tiveram também escores mais baixos de qualidade de vida neste domínio.

O domínio Meio Ambiente foi o que apresentou pior escore entre as mulheres com HIV/aids. Resultados semelhantes também foram identificados numa amostra de indivíduos com o HIV/aids na cidade de São Paulo de ambos os sexos(9).

O baixo nível socioeconômico e educacional está diretamente relacionado com os menores escores do domínio meio ambiente(3). Como já foi dito anteriormente, o fato das mulheres serem tratadas de forma desigual em termos políticos, culturais e socioeconômicos influencia negativamente seu poder aquisitivo, e conseqüentemente, sua moradia, segurança física, lazer, transporte, acesso e qualidade da saúde, entre outras coisas.

O WHOQOL HIV bref apresentou três domínios com alfa de cronbach abaixo de 0,70. Os coeficientes mais pobres de confiabilidade podem estar relacionados com o número de itens na análise. Em outras palavras, quanto maior o número de itens melhor poderá ser o coeficiente de confiabilidade(22). Entretanto, este instrumento, mostrou-se um instrumento de avaliação global da QV.

Diante dos resultados apresentados, fica evidente a necessidade de melhorar o empoderamento das mulheres como estratégia para o alcance de melhor QV(6); neste sentido é fundamental a assistência integral à saúde destas mulheres, além de políticas públicas de saúde que privilegiam a inclusão social e o combate ao preconceito e à discriminação das pessoas vivendo com o HIV/aids.

CONCLUSÃO

Neste estudo, evidenciou-se que os maiores escores médios de qualidade de vida avaliados pelas mulheres vivendo com HIV/aids foram nos domínios espiritualidade, físico, psicológico e relações sociais. E os piores escores médios de qualidade de vida encontrados foram nos domínios meio ambiente e nível de independência. Identificou-se que os fatores baixo nível socioeconômico e educacional tiveram associação com diferentes domínios da QV, denotando a relação entre qualidade de vida e condições de vida.

Cerca de três décadas desde após a descoberta da infecção pelo HIV/aids, observa-se que o impacto do HIV na vida das pessoas afetadas pelo vírus se modificou, bem como as suas necessidades. Apesar do avanço principalmente relacionado ao tratamento com antirretrovirais, muitos desafios ainda persistem no âmbito da prevenção e assistência. Estes indivíduos convivem e enfrentam inúmeras conseqüências advindas da soropositividade, relacionadas ao estigma e preconceito, com impacto nas suas relações sociais, familiares, afetivas e sexuais.

A compreensão da qualidade de vida das pessoas que vivem com HIV/aids é fundamental, considerando a evolução crônica da infecção, a possibilidade de tratamento e maior sobrevida e convívio com uma doença estigmatizante, transmissível e incurável até o momento, com inúmeras conseqüências biopsicossociais que repercutem na qualidade de vida.

A infecção pelo HIV em mulheres merece atenção especial, em decorrência da alta taxa de incidência encontrada nos últimos anos e das desigualdades sofrida em relação aos contextos socioeconômicos, culturais e de gênero, que potencializa vários aspectos que podem influenciar na QV.

Portanto, a avaliação da qualidade de vida de mulheres que vivem com o HIV/aids pode contribuir para o direcionamento de ações e intervenções dos profissionais de saúde, bem como de políticas públicas que promovam a qualidade de vida dessa população.

Recebido: 31/07/2009

Aprovado: 2/07/2010

Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica - PIBIC financiado pelo Santander

  • 1. Boletim Epidemiológico AIDS/DST. Semanas Epidemiológicas. Brasília: Ministério da Saúde; 2008 jun./dez., 2009 jan./jun.
  • 2. Castanha AR, Coutinho MPL, Saldanha AAW, Ribeiro CG. Avaliação da qualidade de vida em soropositivos para o HIV. Est Psicol. 2007;24(1):23-31.
  • 3. Reis RK. Qualidade de vida de portadores do HIV/aids: influência dos fatores demográficos, clínicos e psicossociais [tese doutorado]. Ribeirão Preto: Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo; 2008.
  • 4. World Health Organization (WHO). The WHOQOL Group. Quality of life assessment (WHOQOL): development and general psychometric properties. Soc Sci Med. 1998;46(12):1569-85.
  • 5. Solomon S, Venkatesh KK, Brown L, Verma P, Cecelia AJ, Daly C, et al. Gender-related differences in quality of life domains of persons living whit HIV/AIDS in South Índia in the era prior to greater acces to antiretroviral therapy. AIDS Patient Care STDS. 2008;22(12):999-1005.
  • 6. Chandra PS, Satyanarayana VA, Satishchandra P, Satish KS, Kumar M. Do men and women with HIV differ in their quality of life? A study from South India. AIDS Behav. 2009;13(1):110-7.
  • 7. Zimpel RR, Fleck, M P. Quality of life in HIV-positive Brazilians: application and validation of the WHOQOL-HIV, Brazilian version. AIDS Care. 2007;19(7):923-30.
  • 8
    Instituto Patrícia Galvão. Mulheres com HIV/aids: elementos para a construção de direitos e qualidade de vida. São Paulo; 2003.
  • 9. Santos ECM, França Junior I, Lopes F. Qualidade de vida de pessoas vivendo com HIV/Aids em São Paulo, Brasil. Rev Saúde Pública. 2007;41 Supl.2:64-71.
  • 10. Soarez PC, Castelo A, Abrão P, Holmes WC, Ciconelli RM. Tradução e validação de um questionário de qualidade de vida em AIDS no Brasil. Rev Panam Salud Pública. 2009; 25(1):69-76.
  • 11. Fatiregun AA, Mofolorunsho KC, Osagbemi KG. Quality of life people living with HIV/aids in Kogi State, Nigéria. Benin J Postgrad Med. 2009;11(1):21-6.
  • 12. Kremer H, Ironson G, Porr M. Spiritual and mind-body beliefs as barriers and motivators to HIV-treatment decision-making and medication adherence? A qualitative study. Aids Patient Care STDS. 2009;23(2):127-34.
  • 13. Cotton S, Puchalski CM, Sherman SN, Mrus JM, Peterman AH, Feinberg J, et al. Spirituality and religion in patients with HIV/AIDS. J Gen Intern Med. 2006;21 Suppl:5-13.
  • 14. Ruutel K, Pisarev H, Loit HM, Uuskula A. Factors influencing quality of life of people living with HIV in Estonia: a cross-sectional survey. J Int AIDS Soc. 2009;12(1):13.
  • 15. Fonseca MGP, Szwarcwald CL, Bastos FI. Análise sociodemográfica da epidemia de Aids no Brasil, 1989-1997. Rev Saúde Pública. 2002;36(6):678-85.
  • 16. Schaurich D, Coelho DF, Motta GC. A cronicidade no processo saúde-doença: repensando a epidemia da aids após os antiretrovirais. Rev Enferm UERJ. 2006;14(3):455-62.
  • 17. Paiva V, Latorre MR, Gravato N, Lacerda R. Sexualidade de mulheres vivendo com HIV/Aids em São Paulo. Cad Saúde Pública. 2002;18(6):1609-20.
  • 18. Reis RK, Gir E. Dificuldades enfrentadas por casais sorodiscordantes para manutenção do sexo seguro. Rev Lat Am Enferm. 2005;13(1):32-7.
  • 19. Santos NJS, Buchalla CM, Filipe EV, Bugamelli L, Garcia S, Paiva V. Mulheres HIV positivas: reprodução e sexualidade. Rev Saúde Pública. 2002;36(4 Supl):12-23.
  • 20. Botti ML, Waidman MAP, Marcon SS, Scochi MJ. Conflitos e sentimentos de mulheres portadoras de HIV/Aids: um estudo bibliográfico. Rev Esc Enferm USP. 2009;43(1):75-82.
  • 21. Carvalho CML, Galvão MTG, Silva RMS. Alteração na vida de mulheres com Síndrome da Imunodeficiência Adquirida em face da doença. Acta Paul Enferm. 2010;23(1):94-100.
  • 22. O´Connel K, Skevington S, Saxena S. Preliminary development of the World Health Organization´s Quality of life HIV Instrument (WHOQOL HIV): anlysis. Soc Sci Med. 2003; 57(7):1259-75.
  • Correspondência:

    Joice Gaspar
    Av. Bandeirantes, 3900
    CEP 14040-902 - Ribeirão Preto, SP, Brasil
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Mar 2011
    • Data do Fascículo
      Mar 2011

    Histórico

    • Recebido
      31 Jul 2009
    • Aceito
      02 Jul 2010
    Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 , 05403-000 São Paulo - SP/ Brasil, Tel./Fax: (55 11) 3061-7553, - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: reeusp@usp.br