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A violência como objeto de pesquisa e intervenção no campo da saúde: uma análise a partir da produção do Grupo de Pesquisa Gênero, Saúde e Enfermagem* * Grupo de Pesquisa do Departamento de Enfermagem em Saúde Coletiva da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (EEUSP). Cadastrado no Diretório Nacional de Grupos de Pesquisa do Centro Nacional de desenvolvimento Científico de Tecnológico (CNPq) ** ** Artigo baseado no trabalho: Fonseca RMGSF, Oliveira RNG. Gênero como categoria fértil para a pesquisa em violência. Apresentação oral. 3o Congresso Ibero Americano em investigação Qualitativa. 15 a 17 de Julho de 2014. Badajoz(ES).

Resumos

O estudo tem como objetivo descrever como a violência se revela na produção do Grupo de Pesquisa Gênero, Saúde e Enfermagem. Trata-se de pesquisa histórica, de abordagem qualitativa, que avaliou a produção do Grupo de Pesquisa, por meio de análise de conteúdo. Os resultados apontam gênero como categoria central na determinação da violência e das práticas em saúde. Esse aspecto determina limitações nas práticas profissionais de enfrentamento, a exemplo da invisibilidade do problema. A autonomia feminina, o uso de álcool e drogas e a vulnerabilidade social assumem importante relação com o fenômeno e o vínculo é revelado enquanto potencialidade das práticas em saúde para o enfrentamento do problema. Conclusão: A perspectiva de gênero na pesquisa em Enfermagem constitui um campo inovador e contra-hegemônico, com possibilidade assumir um significado práxico pelo potencial transformador da compreensão e dos modos de intervenção no fenômeno da violência de gênero.

Pesquisa; Enfermagem; Gênero; violência contra a mulher; Feminismo


The study aimed to describe how violence is revealed in the production of the Research Group on Gender, Health and Nursing. This is a historical research of qualitative approach, which evaluated the production of the Research Group, through content analysis. The results show gender as a central category in determining violence and health practices. This aspect determines limitations on professional practices of coping, such as the invisibility of the problem. The female autonomy, the use of alcohol and drugs and social vulnerability play an important relation with the phenomenon and the bond is revealed as potentiality of health practices to address the problem. Conclusion: The gender perspective in nursing research is an innovative field and counter-hegemonic, a possibility to assume a meaning of praxis by transforming potential of understanding and modes of intervention in the phenomenon of gender violence.

Research; Nursing; violence against women; Feminism health knowledge


El estudio tiene como objetivo describir cómo la violencia se manifiesta en la producción del Grupo de Investigación de Género, Salud y Enfermería. Se trata de investigación histórica, enfoque cualitativo, que evaluó la producción del grupo de investigación, mediante análisis de contenido. Los resultados indican el género como una categoría central en la determinación de las prácticas de salud y violencia. Este aspecto determina limitaciones en las prácticas de afrontamiento profesionales, como la invisibilidad del problema. La autonomía de la mujer, el uso de alcohol y drogas y la vulnerabilidad social desempeñan una importante relación con el fenómeno y el enlace se revela como una potencialidad de las prácticas de salud para abordar el problema. La perspectiva de género en la investigación en enfermería es un campo innovador y contra-hegemónica, con la posibilidad de asumir una práxis con potencial transformador de la comprensión y modos de intervención en el fenómeno de la violencia de género.

Investigación; Enfermería; violencia contra la mujer; Feminismo


Introdução

No processo de construção de uma base teórica para o subsídio de pesquisas e intervenções no campo da prevenção da violência, destaca-se a produção científica do grupo de pesquisa Gênero, Saúde e Enfermagem da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo sobre a determinação de gênero no fenômenos da violência.

A partir da década de 1990, a categoria gênero foi apropriada pelo campo da saúde e vem sendo utilizada como importante ferramenta de análise da determinação dos fenômenos da vida de mulheres e homens. Enquanto categoria elaborada pelo feminismo, depois agregada à academia, intrinsecamente, carrega em si a politicidade e o compromisso com as transformações sociais relacionadas às mulheres, assim como um novo olhar sobre as relações de poder estabelecidas entre mulheres e homens, homens e homens e mulheres e mulheres.

A pertinência da discussão sobre a categoria gênero como central para compreender e intervir frente à violência contra as mulheres se baseia no pressuposto que, na hierarquia de poderes presente na sociedade, a mulher sempre ocupou posição social inferior ao homem, em virtude das desigualdades construídas e naturalizadas historicamente. Desse modo, embora as relações de poder tenham-se modificado, ao longo da história, no âmbito social e do Estado, a realidade estrutural ainda está distante da equidade entre os sexos e, no âmbito do espaço privado, as desigualdades continuam sendo reproduzidas, permanecendo os pequenos exercícios de poder no cotidiano, a exemplo das violências domésticas.

A desigualdade de gênero tem comprometido sobremaneira a qualidade de vida das meninas e mulheres, apresentando-se transversal a todos os aspectos da realidade, autorizando e legitimando a opressão que se manifesta nas diversas violências de gênero traduzidas em violência física, emocional e social, materializadas de diferentes modos. Em oposição a essa realidade, a igualdade de direitos entre os sexos é uma possibilidade muito recente, inscrita nas lutas pela emancipação e pelo reconhecimento dos direitos das mulheres como direitos humanos, aspirações que, mesmo nos dias atuais, ainda é, em grande parte, utopia.

O modo dominante de explicar as relações de gênero tem base na historicidade das instituições e dos modos de vida social que permitiram a explicação do universo feminino através da abordagem, sobretudo, biológica, em uma interpretação que atende a interesses sociais dominantes. A esse discurso opõe-se aquele que afirma que a humanidade do ser humano é socialmente construída nas relações sociais. Tal compreensão do mundo pressupõe que todos os fenômenos sociais sejam produtos da ação humana e possam ser por ela transformados.

A perspectiva de gênero tem permitido, aos pesquisadores, enfrentar o desafio de repensar as desigualdades nas relações produzidas entre os sexos à luz da produção e reprodução dos diferentes contextos sociais e históricos, nos quais a submissão e a desigualdade contribuem para determinação e manutenção da violência de gênero. O grupo de pesquisa Gênero, Saúde e Enfermagem, da Universidade de São Paulo, é o primeiro, da área de enfermagem e quiçá, da saúde, a assumir gênero como campo de estudos específico para a análise dos fenômenos da vida das mulheres. O trabalho da enfermagem, o processo saúde-doença das mulheres e a violência de gênero contra mulheres e adolescentes são temas que têm delineado a trajetória de pesquisa do referido grupo, em especial, a partir do ano de 2005, quando a violência de gênero passou a ser objeto específico de investigação dos estudos.

A produção de novos projetos de pesquisa e intervenção tem permitido o olhar dos pesquisadores para um panorama global dos estudos em relação ao fenômeno da violência à luz de gênero. O momento é de indagar se o campo conceitual construído e consolidado pelo grupo de pesquisa abre aos pesquisadores e à sociedade elementos potentes para uma consolidada base teórica que subsidie a intervenção na realidade para a prevenção e enfrentamento da violência de gênero contra meninas e mulheres.

Assim, este trabalho tem como objetivos refletir, a partir da produção científica do referido Grupo de Pesquisa, sobre a perspectiva de gênero na pesquisa para a compreensão e intervenção no fenômeno da violência; e descrever como o fenômeno da violência se revela nas realidades estudadas.

Método

Trata-se de uma pesquisa histórica, realizada por meio de revisão da produção do grupo de pesquisa Gênero, Saúde e Enfermagem, cadastrado no CNPq. A base dados foi constituída pelas teses e dissertações produzidas pelo grupo de pesquisa, defendidas desde o período de formação do grupo, até os dias atuais. Para inclusão no estudo, foram consideradas todas as teses e dissertações produzidas pelos docentes e discentes dos cursos de pós-graduação (mestrado e doutorado) pertencentes ao Grupo de Pesquisa, no período de 1990 a 2014 que tiveram o fenômeno da violência como objeto específico de investigação.

Foram excluídos da amostra os estudos que mencionavam a violência como um dos achados da pesquisa (o que não é raro em pesquisas sobre os fenômenos da vida das mulheres), mas cujo objeto de investigação era outro.

As informações foram obtidas a partir da leitura do material e organizadas em instrumento contendo: dados gerais (autora, tipo, data de defesa), do resumo (tipo de estudo, objeto de estudo e objetivos, referencial metodológico, técnica de coleta de dados, fonte dos dados, tratamento dos dados, tipo de análise, coerência entre objetivos e resultados e palavras-chave). Foram consultados os volumes originais, disponíveis na Biblioteca Wanda de Aguiar Horta, da EEUSP. Para possibilitar uma análise qualitativa em profundidade os estudos foram acessados na íntegra e submetidos a análise de conteúdo(11. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 1997. ).

Resultados

Em 25 anos de existência, a produção do grupo foi de 17 teses de doutorado, 1 de livre-docência e 9 dissertações de mestrado. Foram todos produzidos no contexto da pós-graduação, nos dois programas existentes na Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, a saber: Programa Interunidades de Pós-graduação em Enfermagem dos campi de São Paulo e Ribeirão Preto (existente desde 1982) e Programa de Pós-graduação em Enfermagem, área de concentração em Enfermagem em Saúde Coletiva (Programa criado em 1973 e área iniciada em 1992).

Entre os 27 estudos produzidos pelo grupo de pesquisa, somente a partir de 2005, a violência de gênero passou a ser objeto específico de investigação dos estudos, de modo que até 2014, foram concluídos 10 estudos sobre a temática, conforme especificado na tabela 1. Entretanto, desde a primeira tese produzida no grupo, a violência contra as mulheres apareceu como um fenômeno recorrente, mesmo quando não constituiu objeto de investigação específico.

O mesmo ocorreu em outros trabalhos até que o primeiro estudo específico de violência contra as mulheres foi concluído em 2005(22. Oliveira CC. Práticas profissionais das equipes de saúde da família voltadas para mulheres em situação de violência sexual: uma abordagem de gênero [tese de doutorado]. São Paulo (SP): Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo; 2005. ).

A análise dos estudos sobre violência(22. Oliveira CC. Práticas profissionais das equipes de saúde da família voltadas para mulheres em situação de violência sexual: uma abordagem de gênero [tese de doutorado]. São Paulo (SP): Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo; 2005.

3. Franzoi NM. Concepções de profissionais de equipes de saúde da família sobre violência de gênero [dissertação de mestrado]. São Paulo (SP): Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo; 2007

4. Andrade CJM. As equipes de saúde da família e a violência doméstica contra a mulher: um olhar de gênero. [tese de doutorado]. São Paulo (SP): Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo; 2009.

5. Dias AF. Vivências e percepções de adolescentes em situação de exclusão social sobre a violência [dissertação de mestrado]. São Paulo: Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo; 2009.

6. Okabe I. Violência contra a mulher: uma proposta de indicadores de gênero na família [tese de doutorado]. São Paulo: , Escola de Enfermagem; 2010 [acesso 2014-03-10]. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/7/7136/tde-29042010-105520/.
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7. Oliveira RNG. Violência de gênero e necessidades em saúde: limites e possibilidades da estratégia saúde da família [tese de doutorado]. São Paulo: , Enfermagem; 2011 [acesso 2014-03-10]. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/83/83131/tde-03012012-144510/.
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8. Venâncio KCMP. A magnitude da violência de gênero entre mulheres trabalhadoras de restaurantes universitários [dissertação de mestrado]. São Paulo: Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem; 2012 [acesso 2014-03-10]. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/7/7141/tde-10052012-124820/.
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9. Carnassale VD. Notificação de violência contra a mulher: conhecer para intervir na realidade [dissertação de mestrado]. São Paulo: Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem; 2012 [acesso 2014-03-10]. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/7/7141/tde-22022013-124837/.
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10. Fonseca RMGS. Gender equality and women's health. Rev. esc enferm USP. 2005; 39(supl 4):450-459.
-1111. World Health Organization (WHO). Reducing violence through victim identification, care and support programmes. Series of briefings on violence prevention. Liverpool: John Moores University, Centre for Public Health, 2009.) revelou predominância de estudos sobre violência de gênero contra a mulher, e dois estudos tiveram como objeto de investigação a violência na adolescência. A maioria das pesquisas elegeram a abordagem qualitativa, a análise de dados sob o enfoque da análise de conteúdo e as Oficinas de Trabalho Crítico-emancipatórias (OTC) como estratégia de produção dos dados. Em relação aos cenários de investigação, houve uma predominância de estudos realizados em serviços de Atenção Primária à Saúde, mais especificamente a Estratégia Saúde da Família (ESF), conforme especificado na Tabela 1

Tabela 1
CARACTERIZAÇÃO DOS ESTUDOS DE VIOLÊNCIA DO GRUPO DE PESQUISA GÊNERO, SAÚDE E ENFERMAGEM (UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, BRASIL)

Discussão

As categorias empíricas

  1. A violência nunca está sozinha: a determinação e vivência da violência como uma complexa e multifacetada via de mão dupla.

    Em todos os estudos, os achados confirmam a violência enquanto fenômeno que envolve, na sua determinação, enfrentamento e complexidade, a construção social do masculino e feminino e as relações de dominação-subordinação por ela estabelecidas.

    No que concerne à tipificação da violência revelada nos diversos estudos, ressalta-se que a violência de gênero pode se manifestar de vários modos e em diferentes graus de severidade. Tendo a instituição família como seu lócus privilegiado, a violência acomete as mulheres nas suas mais diversas formas de manifestação, estando, na maioria das vezes, sobrepostas. Sendo a esfera privada aquela que exprime predominantemente a violência de gênero, no âmbito público, a violência de gênero também assume diversas formas de expressão, a exemplo da violência no trabalho e na sociedade. Desse modo, a violência de gênero, aparece nos estudos como um fenômeno que “nunca está sozinho”(88. Venâncio KCMP. A magnitude da violência de gênero entre mulheres trabalhadoras de restaurantes universitários [dissertação de mestrado]. São Paulo: Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem; 2012 [acesso 2014-03-10]. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/7/7141/tde-10052012-124820/.
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    ), uma vez que se manifesta em contextos elencados por problemas relacionados com a violência estrutural e a exclusão social.

    Além disso, os estudos revelaram a violência de gênero vivenciada na vida adulta, na maioria das vezes na relação conjugal, acompanhada por uma história anterior de violência na infância ou adolescência. Um estudo sobre a violência contra adolescentes, vista por eles mesmos(22. Oliveira CC. Práticas profissionais das equipes de saúde da família voltadas para mulheres em situação de violência sexual: uma abordagem de gênero [tese de doutorado]. São Paulo (SP): Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo; 2005. ) impressiona pela conjugação dos vários tipos e intensidades de violência nos grupos marginalizados e a consciência de que isto representa um problema sério para sua vida. As meninas, como é de se esperar, são mais atingidas pela violência sexual que os meninos.

    A violência sexual foi revelada em todos os estudos, mesmo apesar de apenas um deles(22. Oliveira CC. Práticas profissionais das equipes de saúde da família voltadas para mulheres em situação de violência sexual: uma abordagem de gênero [tese de doutorado]. São Paulo (SP): Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo; 2005. ) tratar especificamente dessa tipificação. Quando praticada contra mulheres no âmbito conjugal, a violência sexual assume o sentido de “violência consentida”, porque legitimada pelo casamento. Poucos achados dos estudos revelam a violência sexual cometida por um agressor desconhecido, de modo que, em sua maioria, a violência se revela como fenômeno na vida conjugal ou familiar, cometida por companheiro ou familiar do sexo masculino o que a torna socialmente legitimada, naturalizada e invisibilizada.

    A violência de gênero é um fenômeno que ocorre também em relações permeadas por afeto, nas quais são depositadas as expectativas que giram em torno do ideal de família e de casamento. Sendo o agressor, em geral, uma pessoa com quem a vítima compartilha sua vida, divide e constitui o seu lar, isso faz da violência um fenômeno contraditório ainda mais importante, uma vez que implica em sentimentos de impotência, decepção, desamor e desesperança. Esse aspecto foi um achado comum a todos os estudos.

    Os estudos constatam(22. Oliveira CC. Práticas profissionais das equipes de saúde da família voltadas para mulheres em situação de violência sexual: uma abordagem de gênero [tese de doutorado]. São Paulo (SP): Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo; 2005.

    3. Franzoi NM. Concepções de profissionais de equipes de saúde da família sobre violência de gênero [dissertação de mestrado]. São Paulo (SP): Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo; 2007

    4. Andrade CJM. As equipes de saúde da família e a violência doméstica contra a mulher: um olhar de gênero. [tese de doutorado]. São Paulo (SP): Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo; 2009.

    5. Dias AF. Vivências e percepções de adolescentes em situação de exclusão social sobre a violência [dissertação de mestrado]. São Paulo: Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo; 2009.

    6. Okabe I. Violência contra a mulher: uma proposta de indicadores de gênero na família [tese de doutorado]. São Paulo: , Escola de Enfermagem; 2010 [acesso 2014-03-10]. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/7/7136/tde-29042010-105520/.
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    7. Oliveira RNG. Violência de gênero e necessidades em saúde: limites e possibilidades da estratégia saúde da família [tese de doutorado]. São Paulo: , Enfermagem; 2011 [acesso 2014-03-10]. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/83/83131/tde-03012012-144510/.
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    8. Venâncio KCMP. A magnitude da violência de gênero entre mulheres trabalhadoras de restaurantes universitários [dissertação de mestrado]. São Paulo: Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem; 2012 [acesso 2014-03-10]. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/7/7141/tde-10052012-124820/.
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    9. Carnassale VD. Notificação de violência contra a mulher: conhecer para intervir na realidade [dissertação de mestrado]. São Paulo: Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem; 2012 [acesso 2014-03-10]. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/7/7141/tde-22022013-124837/.
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    10. Fonseca RMGS. Gender equality and women's health. Rev. esc enferm USP. 2005; 39(supl 4):450-459.
    -1111. World Health Organization (WHO). Reducing violence through victim identification, care and support programmes. Series of briefings on violence prevention. Liverpool: John Moores University, Centre for Public Health, 2009.) a idealização dos significados relacionados à família na sociedade, quando se referem à construção do lar como espaço institucional onde os valores dos diferentes tipos de sociedade são introjetados, servindo de base para a reprodução do modelo aprendido cultural e socialmente. Assim, a violência aparece no imaginário social, mas ela é de fato conseqüência de um mecanismo ideológico que visa à manutenção e à reprodução do poder masculino e de sua hegemonia como conseqüências diretas das relações de gênero.

    A produção social concretizada no trabalho remunerado foi revelada neste estudo como um importante determinante de potencialidades para o enfrentamento da violência. Porém, o ingresso no mercado de trabalho não diminuiu, por exemplo, a responsabilização social das mulheres pelos cuidados com o lar e com a família, o que tem como resultado a dupla ou tripla jornada de trabalho, gerando sobrecarga e constituindo mais potencial de desgaste para o processo saúde-doença das mulheres(22. Oliveira CC. Práticas profissionais das equipes de saúde da família voltadas para mulheres em situação de violência sexual: uma abordagem de gênero [tese de doutorado]. São Paulo (SP): Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo; 2005. ,99. Carnassale VD. Notificação de violência contra a mulher: conhecer para intervir na realidade [dissertação de mestrado]. São Paulo: Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem; 2012 [acesso 2014-03-10]. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/7/7141/tde-22022013-124837/.
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    ), subalternizando-as e vulnerabilizando-as.

    Os estudos revelaram conseqüências da violência vivenciada repercutindo em diversos aspectos da vida e da saúde das mulheres. Desgastes decorrentes da violência de gênero, a exemplo da hipertensão arterial, epilepsia, dores difusas, agravos de ordem mental e vulnerabilidade para doenças sexualmente transmissíveis são apresentados nos estudos(44. Andrade CJM. As equipes de saúde da família e a violência doméstica contra a mulher: um olhar de gênero. [tese de doutorado]. São Paulo (SP): Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo; 2009.,77. Oliveira RNG. Violência de gênero e necessidades em saúde: limites e possibilidades da estratégia saúde da família [tese de doutorado]. São Paulo: , Enfermagem; 2011 [acesso 2014-03-10]. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/83/83131/tde-03012012-144510/.
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    ,88. Venâncio KCMP. A magnitude da violência de gênero entre mulheres trabalhadoras de restaurantes universitários [dissertação de mestrado]. São Paulo: Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem; 2012 [acesso 2014-03-10]. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/7/7141/tde-10052012-124820/.
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    ).

    Entre as repercussões da violência na vida das mulheres, vários estudos(44. Andrade CJM. As equipes de saúde da família e a violência doméstica contra a mulher: um olhar de gênero. [tese de doutorado]. São Paulo (SP): Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo; 2009.,77. Oliveira RNG. Violência de gênero e necessidades em saúde: limites e possibilidades da estratégia saúde da família [tese de doutorado]. São Paulo: , Enfermagem; 2011 [acesso 2014-03-10]. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/83/83131/tde-03012012-144510/.
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    ,88. Venâncio KCMP. A magnitude da violência de gênero entre mulheres trabalhadoras de restaurantes universitários [dissertação de mestrado]. São Paulo: Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem; 2012 [acesso 2014-03-10]. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/7/7141/tde-10052012-124820/.
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    ) revelaram a reprodução da violência pelas mulheres como conseqüência determinada pela sua vivência, apontando as mulheres enquanto perpetradoras de violência contra o cônjuge, filhos e outras pessoas de suas relações sociais. Contudo, as entrevistadas compreendem esse comportamento como decorrente de um estado emocional determinado pela violência vivida.

  2. Silenciada e invisibilizada: a violência de gênero é concreta nos serviços de saúde e na vida das mulheres

    Os espaços de busca de cuidados pelas mulheres constituem também espaços de captação da violência que vem implícita entre as demandas que elas trazem, visto que cuidado e violência de gênero são construtos carregados e vivenciados, historicamente, muito mais pelas mulheres.

    Nos estudos(22. Oliveira CC. Práticas profissionais das equipes de saúde da família voltadas para mulheres em situação de violência sexual: uma abordagem de gênero [tese de doutorado]. São Paulo (SP): Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo; 2005. ,44. Andrade CJM. As equipes de saúde da família e a violência doméstica contra a mulher: um olhar de gênero. [tese de doutorado]. São Paulo (SP): Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo; 2009.,66. Okabe I. Violência contra a mulher: uma proposta de indicadores de gênero na família [tese de doutorado]. São Paulo: , Escola de Enfermagem; 2010 [acesso 2014-03-10]. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/7/7136/tde-29042010-105520/.
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    -77. Oliveira RNG. Violência de gênero e necessidades em saúde: limites e possibilidades da estratégia saúde da família [tese de doutorado]. São Paulo: , Enfermagem; 2011 [acesso 2014-03-10]. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/83/83131/tde-03012012-144510/.
    http://www.teses.usp.br/teses/di...
    ,99. Carnassale VD. Notificação de violência contra a mulher: conhecer para intervir na realidade [dissertação de mestrado]. São Paulo: Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem; 2012 [acesso 2014-03-10]. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/7/7141/tde-22022013-124837/.
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    ), a violência se apresenta nos serviços de saúde sempre de forma implícita, ou seja, não é a situação específica, o motivo que levou as mulheres a buscar os serviços de saúde. Há expressões espontâneas das mulheres a respeito de experiências vivenciadas, porém estas muito dificilmente são colocadas em termos de demandas por saúde por elas mesmas ou pelos profissionais. Essas manifestações são compreendidas mais como a presença de possíveis canais de comunicação identificados pelas mulheres na relação com o serviço do que representando a compreensão de usuárias e profissionais em relação à possibilidade de acolhimento e enfrentamento da violência de gênero pelo serviço de saúde. Embora tenha conhecimento da compulsoriedade da notificação da violência(1212. Brasil. Lei n. 10.778, de 24 de novembro de 2003. Estabelece a notificação compulsória, no território nacional, do caso de violência contra a mulher que for atendida em serviços de saúde públicos ou privados. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 25 nov. 2003. [Legislação na internet]. Brasília, 2003 [citado 15 Mai. 2014]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2003/L10.778.htm.
    http://www.planalto.gov.br/ccivi...
    ), os estudos revelam que os serviços comumente não notificam e nem registram(77. Oliveira RNG. Violência de gênero e necessidades em saúde: limites e possibilidades da estratégia saúde da família [tese de doutorado]. São Paulo: , Enfermagem; 2011 [acesso 2014-03-10]. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/83/83131/tde-03012012-144510/.
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    ,99. Carnassale VD. Notificação de violência contra a mulher: conhecer para intervir na realidade [dissertação de mestrado]. São Paulo: Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem; 2012 [acesso 2014-03-10]. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/7/7141/tde-22022013-124837/.
    http://www.teses.usp.br/teses/di...
    ), confundindo notificação com denúncia policial(99. Carnassale VD. Notificação de violência contra a mulher: conhecer para intervir na realidade [dissertação de mestrado]. São Paulo: Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem; 2012 [acesso 2014-03-10]. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/7/7141/tde-22022013-124837/.
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    ). Esse dado revela a produção da invisibilidade da violência enquanto problema de saúde nos cenários investigados. Longe de ser exceção, isso reflete uma lacuna comum à maioria dos serviços de saúde(22. Oliveira CC. Práticas profissionais das equipes de saúde da família voltadas para mulheres em situação de violência sexual: uma abordagem de gênero [tese de doutorado]. São Paulo (SP): Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo; 2005. ,44. Andrade CJM. As equipes de saúde da família e a violência doméstica contra a mulher: um olhar de gênero. [tese de doutorado]. São Paulo (SP): Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo; 2009.,66. Okabe I. Violência contra a mulher: uma proposta de indicadores de gênero na família [tese de doutorado]. São Paulo: , Escola de Enfermagem; 2010 [acesso 2014-03-10]. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/7/7136/tde-29042010-105520/.
    http://www.teses.usp.br/teses/di...
    -77. Oliveira RNG. Violência de gênero e necessidades em saúde: limites e possibilidades da estratégia saúde da família [tese de doutorado]. São Paulo: , Enfermagem; 2011 [acesso 2014-03-10]. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/83/83131/tde-03012012-144510/.
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    ,99. Carnassale VD. Notificação de violência contra a mulher: conhecer para intervir na realidade [dissertação de mestrado]. São Paulo: Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem; 2012 [acesso 2014-03-10]. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/7/7141/tde-22022013-124837/.
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    ) .

    Os profissionais de saúde são capazes de identificar usuárias que vivenciam violência, pelas marcas ou sintomas físicos ou por sintomas associados, como somatizações, queixas infundadas e desconfortos difusos, angústia, depressão, dores não localizadas, entre outras manifestações. Outro elemento que contribui para a identificação da violência é o relato produzido pelas mulheres, ao serem questionadas sobre o tema(22. Oliveira CC. Práticas profissionais das equipes de saúde da família voltadas para mulheres em situação de violência sexual: uma abordagem de gênero [tese de doutorado]. São Paulo (SP): Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo; 2005. ,44. Andrade CJM. As equipes de saúde da família e a violência doméstica contra a mulher: um olhar de gênero. [tese de doutorado]. São Paulo (SP): Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo; 2009.,66. Okabe I. Violência contra a mulher: uma proposta de indicadores de gênero na família [tese de doutorado]. São Paulo: , Escola de Enfermagem; 2010 [acesso 2014-03-10]. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/7/7136/tde-29042010-105520/.
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    -77. Oliveira RNG. Violência de gênero e necessidades em saúde: limites e possibilidades da estratégia saúde da família [tese de doutorado]. São Paulo: , Enfermagem; 2011 [acesso 2014-03-10]. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/83/83131/tde-03012012-144510/.
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    ).

    Fala-se em invisibilidade, mas os achados revelam que a violência de gênero é visível nos serviços de saúde, faz parte da realidade, entretando, por aparecer submersa nas entrelinhas das queixas que as mulheres trazem, é invisibilizada, ou mesmo não reconhecida pelos serviços enquanto problema inerente à sua atenção. Como aspecto potencializador da invisibilização, estudos(22. Oliveira CC. Práticas profissionais das equipes de saúde da família voltadas para mulheres em situação de violência sexual: uma abordagem de gênero [tese de doutorado]. São Paulo (SP): Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo; 2005. ,44. Andrade CJM. As equipes de saúde da família e a violência doméstica contra a mulher: um olhar de gênero. [tese de doutorado]. São Paulo (SP): Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo; 2009.,66. Okabe I. Violência contra a mulher: uma proposta de indicadores de gênero na família [tese de doutorado]. São Paulo: , Escola de Enfermagem; 2010 [acesso 2014-03-10]. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/7/7136/tde-29042010-105520/.
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    -77. Oliveira RNG. Violência de gênero e necessidades em saúde: limites e possibilidades da estratégia saúde da família [tese de doutorado]. São Paulo: , Enfermagem; 2011 [acesso 2014-03-10]. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/83/83131/tde-03012012-144510/.
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    ,99. Carnassale VD. Notificação de violência contra a mulher: conhecer para intervir na realidade [dissertação de mestrado]. São Paulo: Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem; 2012 [acesso 2014-03-10]. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/7/7141/tde-22022013-124837/.
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    ) identificam significativas marcas da construção da identidade de gênero nas práticas e concepções dos profissionais de saúde, homens e mulheres. Ao mesmo tempo, algumas mulheres, profissionais de saúde, também vivenciam situações de violência e apontam esse aspecto como influenciando sua atitude diante da problemática(22. Oliveira CC. Práticas profissionais das equipes de saúde da família voltadas para mulheres em situação de violência sexual: uma abordagem de gênero [tese de doutorado]. São Paulo (SP): Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo; 2005. ,44. Andrade CJM. As equipes de saúde da família e a violência doméstica contra a mulher: um olhar de gênero. [tese de doutorado]. São Paulo (SP): Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo; 2009.,66. Okabe I. Violência contra a mulher: uma proposta de indicadores de gênero na família [tese de doutorado]. São Paulo: , Escola de Enfermagem; 2010 [acesso 2014-03-10]. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/7/7136/tde-29042010-105520/.
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    -77. Oliveira RNG. Violência de gênero e necessidades em saúde: limites e possibilidades da estratégia saúde da família [tese de doutorado]. São Paulo: , Enfermagem; 2011 [acesso 2014-03-10]. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/83/83131/tde-03012012-144510/.
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    ,99. Carnassale VD. Notificação de violência contra a mulher: conhecer para intervir na realidade [dissertação de mestrado]. São Paulo: Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem; 2012 [acesso 2014-03-10]. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/7/7141/tde-22022013-124837/.
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    ).

    Observa-se que, no âmbito da ESF, por um lado, as mulheres não falam, por outro, os profissionais não perguntam sobre a violência. A lógica medicalizadora limita o desenvolvimento de ferramentas que potencializem a captação da violência, o que faz com que também as mulheres desconheçam os serviços de saúde enquanto possibilidade de apoio.

  3. Autonomia das mulheres como possibilidade para a superação da violência

    A conquista da independência financeira e do trabalho no mundo público revelou-se nos estudos como uma necessidade das mulheres para sua transformação e libertação da opressão e violência. Este foi um aspecto convergente em todos os estudos. A produção social, traduzida pelo trabalho remunerado, aparece como uma necessidade intrinsecamente relacionada à autonomia e ao enfrentamento da situação de opressão que marca sua reprodução social.

    A conquista de maior autonomia pressupõe a libertação das mulheres das amarras determinadas pelo gênero, e que incluem a violência de gênero, a sobrecarga pela exclusividade nas responsabilidades reprodutivas e de cuidado, ficando excluídas das atividades produtivas e, conseqüentemente, dependentes financeiramente.

    A desigualdade social é concreta na realidade de sujeitos excluídos do trabalho e quando somada à desigualdade de gênero, que permeia a relação conjugal de violência, compromete exacerbadamente a reprodução social pela intercessão de iniqüidades produzidas por duas categorias: classe e gênero, ambas numa alquimização que produz entraves para a autonomia, para a saúde e para a existência das mulheres.

    A compreensão de que os sujeitos são responsáveis por suas escolhas e condições de vida permeia os serviços de saúde, sendo também um enfoque encontrado em muitos programas. Esse aspecto constitui uma estratégia que nega a construção de um projeto coletivo de transformação social. A capacidade dos sujeitos de fazer suas escolhas tem como pressuposto fundamental a garantia da autonomia e da igualdade, necessidades que não poderiam prescindir de uma transformação da estrutura social vigente(77. Oliveira RNG. Violência de gênero e necessidades em saúde: limites e possibilidades da estratégia saúde da família [tese de doutorado]. São Paulo: , Enfermagem; 2011 [acesso 2014-03-10]. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/83/83131/tde-03012012-144510/.
    http://www.teses.usp.br/teses/di...
    ).

    No entanto, o resgate da autonomia possível é uma necessidade premente, fundamental para a saúde e coloca em discussão tanto o modo como se medicaliza e institucionaliza a vida dos indivíduos, quanto a desconsideração dessa dimensão pelos serviços. É impossível falar em autonomia absoluta, visto que não é possível negar as forças determinantes difíceis de controlar e que os espaços de liberdade são quase privilégios. No entanto, é importante o resgate dessa necessidade de se restaurar uma certa autonomia humana, uma vez que a doença e os processos destrutivos relacionados são determinados também pela alienação do homem(1313. Mandu ENT, Almeida MCP. Necessidades em Saúde: Questões Importantes para o Trabalho da Enfermagem. Revista Brasileira de Enfermagem. 1999; 52(1):54-66. ).

    A conquista da autonomia, entendida como o controle sobre a sua própria vida e corpo e o direito a uma identidade independente e ao auto-respeito, é precedida de duas condições: uma delas é a consideração das necessidades e interesses de homens e mulheres pelas políticas e programas para atingir a equidade de gênero; a outra é apoiar estratégias que tenham como objetivo o fortalecimento e o empoderamento feminino(1414. Loforte A. Políticas e estratégias para a igualdade de género: constrangimentos e ambigüidades. Boletim “Outras Vozes”. [texto na internet] Maputo, Agosto de 2004 [citado 10 jan 2011] No8. Disponível em: http://www.wlsa.org.mz/?__target__=Tex_PoliticasEstrat
    http://www.wlsa.org.mz/?__target...
    ).

    O enfrentamento do desafio colocado para a conquista da equidade de gênero e autonomia das mulheres requer re-olhar, com esmero e cuidado, a situação de milhares de mulheres que sofrem iniqüidades no cotidiano, indignar-se com isso e mover-se para as transformações, mais que na idealização inatingível da felicidade individual e coletiva, descontextualizada e ahistórica. Cidadãs-trabalhadoras devem ser atendidas de acordo com as necessidades do seu perfil de saúde-doença, compreendidas à luz da sua condição de gênero, situação de classe, perfil de geração e outros recortes analíticos(1212. Brasil. Lei n. 10.778, de 24 de novembro de 2003. Estabelece a notificação compulsória, no território nacional, do caso de violência contra a mulher que for atendida em serviços de saúde públicos ou privados. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 25 nov. 2003. [Legislação na internet]. Brasília, 2003 [citado 15 Mai. 2014]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2003/L10.778.htm.
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    ).

  4. Limitações das práticas profissionais frente à violência: impotência e medicalização

    Os estudos revelam a impotência que os profissionais de saúde verbalizam ao se referirem ao enfrentamento da violência. Apontada pelos profissionais em todos os estudos dos quais foram sujeitos(2-4,6-7,9), a impotência é denominada em um dos estudos(88. Venâncio KCMP. A magnitude da violência de gênero entre mulheres trabalhadoras de restaurantes universitários [dissertação de mestrado]. São Paulo: Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem; 2012 [acesso 2014-03-10]. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/7/7141/tde-10052012-124820/.
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    ) como “paralisante” e alimentada pela desinformação e pela falta de qualificação profissional específica.

    Os aspectos identificados nos estudos que compõem esta categoria traduzem a medicalização da atenção à saúde das mulheres e meninas vitimizadas, que está relacionada com a impossibilidades técnicas do profissional frente ao problema e também com limitações do serviço, referidas pelos profissionais como sobrecarga de demanda e atribuições. Constata-se que a lógica medicalizadora predomina nos serviços, mesmo quando atendem situações de violência, com priorização de necessidades previamente determinadas.

    No que concerne às mulheres vitimizadas, elas também buscam os serviços de saúde a partir de demandas físicas, uma vez que transformam a violência vivida em demandas por assistência à saúde na tentativa de serem acolhidas pelo serviço. Em relação aos profissionais, a violência não é compreendida enquanto problema que tem relação com a saúde quando não aparece visivelmente no corpo físico.

    Os estudos(44. Andrade CJM. As equipes de saúde da família e a violência doméstica contra a mulher: um olhar de gênero. [tese de doutorado]. São Paulo (SP): Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo; 2009.,77. Oliveira RNG. Violência de gênero e necessidades em saúde: limites e possibilidades da estratégia saúde da família [tese de doutorado]. São Paulo: , Enfermagem; 2011 [acesso 2014-03-10]. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/83/83131/tde-03012012-144510/.
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    ,88. Venâncio KCMP. A magnitude da violência de gênero entre mulheres trabalhadoras de restaurantes universitários [dissertação de mestrado]. São Paulo: Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem; 2012 [acesso 2014-03-10]. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/7/7141/tde-10052012-124820/.
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    ) apontam para o reconhecimento de necessidades reduzidas à saúde reprodutiva das mulheres, num recorte individual e limitado aos aspectos reprodutivos e biológicos do corpo feminino. Quando não reduzidas ao corpo, a atenção é traduzida em encaminhamentos a ações relacionadas à atenção psiquiátrica ou psicológica, revelando ainda o enfoque fragmentado e fatorial da saúde pública, na ótica dos serviços de saúde.

    A despeito da violência ter intrínseca relação com a saúde física e psíquica, enfim, com todos os aspectos que conformam a saúde das mulheres, a crítica que se faz relaciona-se à limitação da atenção aos agravos em si, desconsiderando a sua determinação, que envolve a opressão, a violência, as relações de gênero e todas as relações que permeiam seu modo de vida. É importante cuidar dos agravos e não se pretende aqui destituir o setor saúde dessa atribuição, que lhe compete. Mas há que ir muito além deles.

    Os serviços de saúde devem constituir-se como locais de acolhimento e apoio e não mais um obstáculo na tentativa empreendida pelas mulheres de transformar sua situação de opressão. O estudos, de um modo geral, apontam para a necessidade de que a violência seja reconhecida enquanto problema e como uma demanda cuja atenção é inerente aos serviços de saúde, considerando a subalternidade de gênero como determinante desse processo. Esse reconhecimento é primordial para a abertura de possibilidades de práticas que fujam da limitação à lógica medicalizadora dominante.

    Além disso, a violência aparece sob uma compreensão desgenerificada e naturalizada. Essa realidade resulta de todo um processo histórico de construção da atenção à saúde na nossa sociedade e por consequência, de uma formação acadêmica ainda nos moldes biomédicos e androcêntricos.

  5. Potencialidades: a escuta e o vínculo como possibilidades de acolhimento

    Os estudos(22. Oliveira CC. Práticas profissionais das equipes de saúde da família voltadas para mulheres em situação de violência sexual: uma abordagem de gênero [tese de doutorado]. São Paulo (SP): Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo; 2005. ,44. Andrade CJM. As equipes de saúde da família e a violência doméstica contra a mulher: um olhar de gênero. [tese de doutorado]. São Paulo (SP): Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo; 2009.,77. Oliveira RNG. Violência de gênero e necessidades em saúde: limites e possibilidades da estratégia saúde da família [tese de doutorado]. São Paulo: , Enfermagem; 2011 [acesso 2014-03-10]. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/83/83131/tde-03012012-144510/.
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    ) apontaram a escuta na relação entre profissionais e usuárias, mediada pela criação de vínculos, como aspecto potente da atenção prestada relacionada à vivência da violência de gênero. Esse tema aparece relacionado ao reconhecimento, tanto de profissionais de saúde, quanto de mulheres vitimizadas, quando se referem ao enfrentamento da violência e o apoio dos serviços de saúde.

    No entanto, é importante que a escuta não se traduza, na prática, em um simples diálogo que permeia a assistência. A escuta qualificada pressupõe a atenção integral, o olhar atento que, na atenção a mulheres que vivenciam violência, deve ser mediado por um saber instrumental generificado, que apreenda as necessidades das usuárias, reconhecidas como sujeitos de sua existência e inseridas em uma sociedade que determina a subalternidade e a violência. A escuta deve estimular a fala não se limitando a ela, atentando também para detalhes que se ocultam sob as falas.

    Considerando a importância dos aspectos relacionais e da rede de conversações que permeiam as práticas da ESF, o fenômeno da violência de gênero necessita de condições específicas para ser conversado na perspectiva do fortalecimento e emancipação. Trata-se de ultrapassar os limites de uma conversa pessoal e de aconselhamentos que se fariam pela amizade ou simpatia pessoal, aspectos esses que foram identificados nos discursos.

    A partir dos vínculos estabelecidos entre profissionais e usuárias, determinado pelo atendimento contínuo e pela proximidade que a ESF possibilita, despontam possibilidades de captação da violência. O diálogo e a escuta estabelecidos nessa relação encerram potência para a superação de traumas e o fortalecimento das mulheres.

    A possibilidade de um cuidado de saúde ampliado para as mulheres implica considerar a saúde-doença como um processo dinâmico relacionado aos diferentes universos de significação, para além da sua generificação e valorização de qualidades como solidariedade, confiança, transformação dos valores hegemonicamente defendidos, relações sociais igualitárias e reconhecimento das diferenças, para que as práticas profissionais possam ser instrumentos com possibilidades de contribuir para a emancipação social.

  6. A violência e o uso problemático de álcool e drogas: uma complexa relação

    Todos os estudos analisados(22. Oliveira CC. Práticas profissionais das equipes de saúde da família voltadas para mulheres em situação de violência sexual: uma abordagem de gênero [tese de doutorado]. São Paulo (SP): Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo; 2005.

    3. Franzoi NM. Concepções de profissionais de equipes de saúde da família sobre violência de gênero [dissertação de mestrado]. São Paulo (SP): Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo; 2007

    4. Andrade CJM. As equipes de saúde da família e a violência doméstica contra a mulher: um olhar de gênero. [tese de doutorado]. São Paulo (SP): Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo; 2009.

    5. Dias AF. Vivências e percepções de adolescentes em situação de exclusão social sobre a violência [dissertação de mestrado]. São Paulo: Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo; 2009.

    6. Okabe I. Violência contra a mulher: uma proposta de indicadores de gênero na família [tese de doutorado]. São Paulo: , Escola de Enfermagem; 2010 [acesso 2014-03-10]. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/7/7136/tde-29042010-105520/.
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    7. Oliveira RNG. Violência de gênero e necessidades em saúde: limites e possibilidades da estratégia saúde da família [tese de doutorado]. São Paulo: , Enfermagem; 2011 [acesso 2014-03-10]. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/83/83131/tde-03012012-144510/.
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    8. Venâncio KCMP. A magnitude da violência de gênero entre mulheres trabalhadoras de restaurantes universitários [dissertação de mestrado]. São Paulo: Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem; 2012 [acesso 2014-03-10]. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/7/7141/tde-10052012-124820/.
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    9. Carnassale VD. Notificação de violência contra a mulher: conhecer para intervir na realidade [dissertação de mestrado]. São Paulo: Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem; 2012 [acesso 2014-03-10]. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/7/7141/tde-22022013-124837/.
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    10. Fonseca RMGS. Gender equality and women's health. Rev. esc enferm USP. 2005; 39(supl 4):450-459.
    -1111. World Health Organization (WHO). Reducing violence through victim identification, care and support programmes. Series of briefings on violence prevention. Liverpool: John Moores University, Centre for Public Health, 2009.) apontaram para uma relação significativa entre o uso problemático de álcool e drogas e a violência. A problemática aparece tanto nos significados produzidos pelos profissionais de saúde, quanto nas vivências relatadas pelas mulheres. O uso problemático de álcool pelos agressores, nos estudos aparece como fenômeno que precede o comportamento violento. O uso de álcool e outras drogas pelas mulheres vitimizadas, aparece nos estudos como mecanismo de fuga das mulheres para escapar dos efeitos físicos e emocionais desencadeados pela violência.

    Vários estudos nacionais e internacionais têm investigado a associação entre a violência doméstica e o uso problemático de álcool, entretanto, uma relação causal direta ainda não foi estabelecida. O consumo excessivo de álcool ainda é uma das maiores controvérsias entre as vertentes que tentam explicar a violência. Ainda não é consensual a relação causal entre álcool e violência(1313. Mandu ENT, Almeida MCP. Necessidades em Saúde: Questões Importantes para o Trabalho da Enfermagem. Revista Brasileira de Enfermagem. 1999; 52(1):54-66. ).

    No que concerne à violência de gênero, a agressão doméstica associada ao uso de álcool continua sendo perpetrada majoritariamente por homens contra mulheres. Portanto, assumir o uso problemático de substâncias psicoativas como causa de um fenômeno social e complexo como a violência seria cair no mesmo reducionismo positivista unicausal que interpretou por muito tempo a determinação da saúde-doença. O uso de álcool e drogas, assim como a violência, são fenômenos sociais complexos que têm uma importante relação, constatada nos diversos estudos mencionados, assumindo uma associação complexa cuja determinação envolve vários outros aspectos sociais, psicológicos e biológicos.

  7. As Oficinas de Trabalho Crítico-emancipatórias como possibilidade de qualificação profissional para o enfrentamento a violência

    Nas pesquisas, de uma forma geral, há uma significativa utilização das OTC (50% dos estudos) como estratégia metodológica nos estudos. O desenvolvimento do método foi uma importante contribuição do grupo, por utilizar as oficinas para coleta e análise de dados, concomitante à reflexão e ao fortalecimento dos participantes. Comprovou-se que essas técnicas chegaram ao espaço acadêmico como instrumento pedagógico e de produção de conhecimento, sendo adaptadas a objetos de pesquisa da área social, buscando a transformação qualitativa dos espaços de aprendizagem(22. Oliveira CC. Práticas profissionais das equipes de saúde da família voltadas para mulheres em situação de violência sexual: uma abordagem de gênero [tese de doutorado]. São Paulo (SP): Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo; 2005.

    3. Franzoi NM. Concepções de profissionais de equipes de saúde da família sobre violência de gênero [dissertação de mestrado]. São Paulo (SP): Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo; 2007
    -44. Andrade CJM. As equipes de saúde da família e a violência doméstica contra a mulher: um olhar de gênero. [tese de doutorado]. São Paulo (SP): Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo; 2009.,77. Oliveira RNG. Violência de gênero e necessidades em saúde: limites e possibilidades da estratégia saúde da família [tese de doutorado]. São Paulo: , Enfermagem; 2011 [acesso 2014-03-10]. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/83/83131/tde-03012012-144510/.
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    ,99. Carnassale VD. Notificação de violência contra a mulher: conhecer para intervir na realidade [dissertação de mestrado]. São Paulo: Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem; 2012 [acesso 2014-03-10]. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/7/7141/tde-22022013-124837/.
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    ).

    Os estudos revelaram a fertilidade desse processo metodológico que possibilita agregar pesquisa e intervenção social. Pode-se afirmar que, nos estudos de gênero, as oficinas constituem um método próprio da episteme feminista, baseando-se nos fundamentos teóricos da educação crítico-emancipatória e nas emoções como construtoras do conhecimento(22. Oliveira CC. Práticas profissionais das equipes de saúde da família voltadas para mulheres em situação de violência sexual: uma abordagem de gênero [tese de doutorado]. São Paulo (SP): Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo; 2005.

    3. Franzoi NM. Concepções de profissionais de equipes de saúde da família sobre violência de gênero [dissertação de mestrado]. São Paulo (SP): Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo; 2007
    -44. Andrade CJM. As equipes de saúde da família e a violência doméstica contra a mulher: um olhar de gênero. [tese de doutorado]. São Paulo (SP): Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo; 2009.,66. Okabe I. Violência contra a mulher: uma proposta de indicadores de gênero na família [tese de doutorado]. São Paulo: , Escola de Enfermagem; 2010 [acesso 2014-03-10]. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/7/7136/tde-29042010-105520/.
    http://www.teses.usp.br/teses/di...
    ,99. Carnassale VD. Notificação de violência contra a mulher: conhecer para intervir na realidade [dissertação de mestrado]. São Paulo: Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem; 2012 [acesso 2014-03-10]. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/7/7141/tde-22022013-124837/.
    http://www.teses.usp.br/teses/di...
    ).

Conclusão

A violência constitui a forma perversa da relação de poder fundamentada no gênero que se traduz em dominação onde quase sempre as mulheres são desfavorecidas. Os estudos analisados trazem a violência como objeto de investigação no campo das práticas em Saúde Coletiva, sendo a maioria, especificamente, na Estratégia Saúde da Família. Tal estratégia possibilita o vínculo e a aproximação dos profissionais com a realidade social, descortinando problemas antes invisibilizados e não considerados como passíveis de investigação e intervenção em saúde. De uma maneira geral, a violência é vista como problema menos da área da saúde que de outras (educação, segurança) e os profissionais se consideram impotentes e despreparados para lidar com ela. As concepções baseiam-se no conhecimento de senso comum e não levam em consideração a historicidade do desequilíbrio na relação de poder entre homens e mulheres na determinação da violência de gênero(15,16). Esta área tem merecido uma grande concentração de estudos na atualidade, movida pela crescente contribuição dos movimentos de mulheres no desvelamento de problemas antes naturalizados e de pouco interesse para a produção acadêmica. Aos poucos vem constituindo um item importante na área da saúde, o que também tem estimulado o aparecimento das pesquisas.

A produção do Grupo de Pesquisa “Gênero, saúde e enfermagem” revela que o aprofundamento da compreensão dos fenômenos sociais, entre eles, a violência, sob o olhar de gênero, tem trazido avanços não só no âmbito da pesquisa como da intervenção. No campo das práticas em saúde tem se mostrado capaz de revelar os limites e as potencialidades que as permeiam.

A utilização da perspectiva de gênero pode ser vista como práxis norteadora da atenção à saúde, transformando a visão sobre a realidade e as intervenções para superar suas contradições. A análise da produção científica em gênero e violência do Grupo de Pesquisa Gênero, Saúde e Enfermagem revelou categorias que evidenciam, mesmo entre estudos com os mais diversos delineamentos metodológicos, achados comuns, que possibilitam a consolidação de um campo conceitual potente para subsidiar novas investigações, intervenções e políticas públicas generificadas para a prevenção e enfrentamento da violência. Essa constatação inaugura nesse cenário uma nova fase de estudos voltados para a intervenção na realidade, com foco na prevenção e enfrentamento da violência.

São estes avanços que têm fortalecido a constituição de um campo de estudos inovador, contra-hegemônico e às vezes contraditório aos demais. Ao mesmo tempo, esse campo constitui solo fértil para a produção de estudos que subsidiam o alcance para a Enfermagem e para as mulheres do lugar ao sol que tanto procuram e merecem.

References

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    Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 1997.
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    Grupo de Pesquisa do Departamento de Enfermagem em Saúde Coletiva da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (EEUSP). Cadastrado no Diretório Nacional de Grupos de Pesquisa do Centro Nacional de desenvolvimento Científico de Tecnológico (CNPq)
  • **
    Artigo baseado no trabalho: Fonseca RMGSF, Oliveira RNG. Gênero como categoria fértil para a pesquisa em violência. Apresentação oral. 3o Congresso Ibero Americano em investigação Qualitativa. 15 a 17 de Julho de 2014. Badajoz(ES).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2014

Histórico

  • Recebido
    30 Abr 2014
  • Aceito
    16 Jul 2014
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