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Facilitadores do processo de transição para o autocuidado da pessoa com estoma: subsídios para Enfermagem* * Extraído da dissertação "Processo de transição da pessoa estomizada da dependência de cuidado ao autocuidado: subsídios à enfermagem", Escola de Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande, 2014

Resumos

OBJETIVO

Conhecer os fatores facilitadores do processo de transição da dependência para o autocuidado da pessoa com um estoma.

MÉTODO

Pesquisa descritiva, com abordagem qualitativa, incluindo 27 pessoas com estomas definitivos por câncer. Os dados foram coletados através de entrevista semiestruturada e submetidos à análise de conteúdo utilizando como referencial teórico a Teoria das Transições.

RESULTADOS

Verificaram-se como facilitadores do autocuidado relacionados à pessoa, a significação positiva da estomização; o preparo para essa experiência ainda no pré-operatório; a estabilidade emocional; a fé; a religiosidade; e a sensação de normalidade adquirida a partir de uma imagem próxima da anterior. Como facilitadores relacionados à comunidade, foram encontrados: receber equipamentos pelo Governo de forma gratuita; apoio da família e da equipe multiprofissional, em especial do enfermeiro; e contato com outras pessoas com estomas.

CONCLUSÃO

Esses resultados permitem que o enfermeiro desenvolva estratégias para auxiliar a pessoa com estoma a retomar seu autocuidado.

Estomia; Autocuidado; Teoria de Enfermagem; Cuidados de Enfermagem


OBJECTIVE

To know the facilitating factors of the transition process from dependency to the self-care of people with a stoma.

METHOD

This is a descriptive study of qualitative approach, including 27 people with permanent stomas due to cancer. The data were collected through semi-structured interviews and submitted to content analysis based on the Transition Theory as theoretical reference.

RESULTS

The self-care facilitators related to the person were the positive significance of ostomy; the preparation for this experience already in the preoperative period; emotional stability; faith; religiousness; and a sense of normalcy acquired from a next image similar to the previous one. The facilitators related to the community were the following: receiving equipment for free from the government; support from family and the multidisciplinary team, especially the nurses; and having contact with other people with stomata.

CONCLUSION

The results allow that nurses develop strategies to help people with stomata to resume their self-care.

Ostomy; Self-care; Nursing Theory; Nursing Care


OBJETIVO

Conocer los factores facilitadores del proceso de transición de la dependencia para el autocuidado de la persona con estoma.

MÉTODO

Investigación descriptiva, con abordaje cualitativo, incluyéndose a 27 personas con ostomías definitivas por cáncer. Los datos fueron recogidos mediante entrevista semiestructurada y sometidos al análisis de contenido utilizando como marco de referencia teórico la Teoría de las Transiciones.

RESULTADOS

Se verificaron como facilitadores del autocuidado relacionados con la persona: la significación positiva de la estomización; la preparación para esa experiencia aún en el preoperatorio; la estabilidad emocional; la fe; la religiosidad; y la sensación de normalidad adquirida a partir de una imagen próxima de la anterior. Como facilitadores relacionados con la comunidad, se encontraron: recibir equipos del gobierno de forma gratuita; apoyo de la familia y del equipo multiprofesional, en especial del enfermero; y el contacto con otras personas estomizadas.

CONCLUSIÓN

Esos resultados permiten que el enfermero desarrolle estrategias para auxiliar a la persona con estoma a retomar su autocuidado.

Estomía; Autocuidado; Teoría de Enfermería; Atención de Enfermería


Introdução

A estomização é um procedimento cirúrgico no qual há a exteriorização de parte de um órgão oco, como o intestino ou a bexiga, por um orifício no abdômen, chamado estoma(1Brasil. Ministério da Saúde. Portaria n. 400 de 16 de novembro de 2009. Estabelecer Diretrizes Nacionais para a Atenção à Saúde das Pessoas Ostomizadas no âmbito do Sistema Único de Saúde -SUS, a serem observadas em todas as unidades federadas, respeitadas as competências das três esferas de gestão [Internet]. Brasília; 2009 [citado 2014 mar. 23]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/sas/2009/prt0400_16_11_2009.html
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). Esse procedimento é realizado para que seja mantida a função de eliminação e provoca várias mudanças que podem afetar negativamente a saúde física, psicológica, social e sexual da pessoa que precisa conviver com essa condição de vida(2Ang SG, Chen HC, Siah RJ, Ele HG, Klainin-Yobas P. Stressors relating to patient psychological health following stoma surgery: an integrated literature review. Oncol Fórum Enferm. 2013;40(6):587-94.-3Altschuler A, Ramirez M, Grant M, Wendel C, Hornbrook MC, Herrinton L, et al. The influence of husbands' or male partners' support on women's psychosocial adjustment to having an ostomy resulting from colorectal cancer. J Wound Ostomy Continence Nurs. 2009;36(3):299-305.). A presença do estoma gera a dependência da bolsa coletora de fezes ou urina.

A cirurgia pode modificar a forma como a pessoa se percebe, tornando-a alguém diferente. O indivíduo pode se sentir estigmatizado pela presença do estoma, escolhendo o isolamento como forma de esconder seu corpo, agora dependente de equipamentos e sem controle esfincteriano(4Danielsen AK, Soerensen EE, Burcharth K, Rosenberg J. Learning to live with a permanent intestinal ostomy: impact on everyday life and educational needs. J Wound Ostomy Continence Nurs. 2013;40(4):407-12.).

No processo de viver, as pessoas com estomas apresentam dificuldades de retomar suas atividades diárias, acarretando diminuição da qualidade de vida; podem existir também dificuldades relacionadas ao autocuidado, à imagem corporal, à sexualidade, aos modos de se vestir e às relações interpessoais(5Mota M, Gomes GC. Changes in the process of living of ostomized patients after surgery. Rev Enferm UFPE On Line [Internet]. 2013 [cited 2014 Mar 23];7(spe): 7074-81. Available from: http://www.revista.ufpe.br/revistaenfermagem/index.php/revista/article/view/3435/pdf_4259
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). As mudanças no viver vão desde a aceitação da nova condição até a necessidade de adaptação a novos materiais e conhecimentos, sendo preciso adquirir habilidades e competências para o autocuidado. Nesse processo, a pessoa com um estoma passa por uma transição.

Segundo a Teoria das Transições de Meleis(6Meleis AI, Sawyer LM, Im EO, Hilfinger Messias DK, Schumacher K. Experiencing transitions: an emerging middle-range theory. ANS Adv Nurs Sci. 2000;23(1):12-28.), "cada período de transformação corresponde a momentos marcantes da vida, demandando que a pessoa desenvolva novos comportamentos nos diversos contextos em que se insere, redefinindo o seu eu"(7Meleis AI. Theoritical nursing: development and progress. 4th ed. Philadelphia: Lippincott William & Wilkins; 2007.), e promovendo transformações em seu estado de saúde, relacionamentos, expectativas e habilidades(8Meleis AI. Transitons theory: middle-range and situation-specific theories in nursing research and practice. New York: Springer; 2010.). De forma simplificada, a transição é dividida em fases, a saber: entrada, passagem e saída(9Chick N,. Meleis AI Transition: a nursing concern. In: Chinn PL, editor. Nursing research methodology. Boulder: Aspen; 1986. p. 237-57.). O processo de transição é concluído quando a pessoa readquire estabilidade, visualizada por indicadores, como bem-estar subjetivo, nas relações e no desenvolvimento satisfatório de seus papéis sociais(1010 Schumacher KL, Meleis AI. Transitions: a central concept in nursing Image J Nurs Sch. 1994;26(2):119-27.).

Tal teoria se apoia em quatro conceitos fundamentais, que se caracterizam da seguinte forma: natureza (tipo, padrões e propriedades da transição), condicionantes da transição (facilitadores ou inibidores do processo e relacionados à pessoa, à comunidade e à sociedade), padrões de resposta (indicadores de processo e resultado da transição, direcionadores da terapêutica de Enfermagem)(6Meleis AI, Sawyer LM, Im EO, Hilfinger Messias DK, Schumacher K. Experiencing transitions: an emerging middle-range theory. ANS Adv Nurs Sci. 2000;23(1):12-28.) e intervenções terapêuticas de Enfermagem propriamente ditas(9Chick N,. Meleis AI Transition: a nursing concern. In: Chinn PL, editor. Nursing research methodology. Boulder: Aspen; 1986. p. 237-57.).

O tipo de transição pode ser dividido em desenvolvimental (alterações do ciclo vital), situacional (modificação de papéis), saúde/doença (mudança de condição saudável para a doença) e organizacional (mudança no meio social, político e/ou econômico)(7Meleis AI. Theoritical nursing: development and progress. 4th ed. Philadelphia: Lippincott William & Wilkins; 2007.). Os padrões de resposta são separados em indicadores de processo visualizados pelo sentir-se ligado, interagir, estar situado e desenvolver confiança e coping, e por indicadores de resultados expressos em mestria/domínio de novas competências e reformulação de identidades/integração fluida. A mestria remete ao alcance de um resultado positivo e saudável, a partir das vivências do processo de transição(6Meleis AI, Sawyer LM, Im EO, Hilfinger Messias DK, Schumacher K. Experiencing transitions: an emerging middle-range theory. ANS Adv Nurs Sci. 2000;23(1):12-28.).

Interagindo com todas as questões apresentadas estão as intervenções terapêuticas de Enfermagem. Essas possibilitam que o enfermeiro determine a melhor estratégia para a manutenção e a promoção da saúde das pessoas(7Meleis AI. Theoritical nursing: development and progress. 4th ed. Philadelphia: Lippincott William & Wilkins; 2007.).

As condicionantes facilitadoras da transição abordadas neste estudo podem ajudar o enfermeiro a motivar a pessoa em transição em direção ao bem-estar e a diminuir os riscos da vivência difícil do processo(1010 Schumacher KL, Meleis AI. Transitions: a central concept in nursing Image J Nurs Sch. 1994;26(2):119-27.). São fatores que promovem a independência do cuidado, partindo de questões da própria pessoa com estomia, utilizadas pelo enfermeiro como pontos-chave a serem empregados na intervenção terapêutica contextualizada, visando à melhoria da qualidade de vida do paciente. Assim, objetivou-se, neste estudo, conhecer os facilitadores do processo de transição da dependência para o autocuidado da pessoa com um estoma.

Método

Estudo descritivo, de natureza qualitativa, realizado no Serviço de Estomaterapia de um hospital universitário na Região Sul do Brasil. O hospital universitário era de médio porte, com 205 leitos, e servia como campo de estágio para cursos técnicos, de graduação e pós-graduação na região. O Serviço de Estomaterapia atendia cerca 100 pessoas com estomas e seus familiares, por meio de consultas de Enfermagem e grupoterapias.

Os critérios de inclusão foram: estar cadastrado no Serviço de Estomaterapia, ser estomizado há mais de 1 mês de forma definitiva por câncer do sistema geniturinário e/ou intestinal, e apresentar bom estado de saúde. Excluíram-se as pessoas com estomas inativos no Serviço de Estomaterapia, com estomas recentes (ou seja, com menos de 1 mês), estomizadas por outros motivos que não o câncer do sistema geniturinário e/ou intestinal, e as que apresentassem mal estado de saúde.

Participaram do estudo 27 pessoas, sendo 16 homens, com idades entre 33 e 77 anos. O tempo de estomização variou entre 2 meses a 11 anos. Quanto ao tipo, 13 possuíam colostomias, sete ileostomias e sete urostomias. A causa da estomização mais recorrente foi o adenocarcinoma de cólon e reto (n=20) e carcinoma de bexiga (n=7). O grau de instrução variou entre Ensino Fundamental incompleto (n=8), completo (n=11), Ensino Médio completo (n=6) e Ensino Superior (n=2). Treze pacientes eram aposentados, 12 desempregados e dois trabalhavam em serviços gerais.

Os dados foram coletados no primeiro semestre de 2014 por meio de entrevistas semiestruturadas(1111 Minayo MCS. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 29ª ed. Petrópolis: Vozes; 2010.)com a seguinte questão norteadora: Que fatores facilitam/inibem a realização do autocuidado? As entrevistas individuais foram realizadas no consultório do Serviço de Estomaterapia, tendo sido gravadas e transcritas.

Os dados foram submetidos à análise de conteúdo(1212 Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2009.), que se compõe de: pré-análise, em que se realiza a leitura flutuante dos dados, elaborando-se as unidades de registro; a exploração do material, na qual os dados são organizados em categorias; e tratamento dos resultados, inferência e interpretação, quando são atribuídos significados aos dados.

A análise foi apoiada em autores estudiosos da temática e nos conceitos da Teoria das Transições de Afaf Meleis(6Meleis AI, Sawyer LM, Im EO, Hilfinger Messias DK, Schumacher K. Experiencing transitions: an emerging middle-range theory. ANS Adv Nurs Sci. 2000;23(1):12-28.), que permitem compreender os processos de transições e suas condicionantes facilitadoras ou inibidoras das pessoas, da comunidade e da sociedade, assegurando o desenvolvimento de ações contextualizadas, para que tais pessoas atinjam a estabilidade de sua saúde e a sensação de bem-estar.

O estudo seguiu as normas nacionais e internacionais de ética em pesquisa com seres humanos e foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal do Rio Grande sob o parecer 002/2014. As pessoas com estomas, que atenderam aos critérios de inclusão, foram convidadas a participar do estudo de forma voluntária.

Resultados

Com base na teoria adotada, a análise dos dados gerou as seguintes categorias: Condicionantes relacionadas à pessoa e Condicionantes relacionadas à comunidade.

Condicionantes relacionadas à pessoa

O autocuidado pode ser facilitado a partir de estratégias estabelecidas com base nas condicionantes relacionadas à pessoa. Assim, observa-se a atribuição de um significado positivo ao estoma quando ele é visto como a possibilidade de viver da pessoa após a cirurgia.

Adaptei-me porque queria viver. Hoje ser uma pessoa estomizada significa ser uma pessoa que sofreu uma mutilação, mas que, aos poucos, vai se adaptando a ser uma pessoa normal novamente (P3).

Estar ou não preparado para a experiência da estomização e suas modificações pode influenciar a aquisição do autocuidado. Pessoas com estomas percebem a necessidade de receber orientações ainda no pré-operatório sobre seu cuidado e as transformações no viver, preparando-as para o que virá. O preparo auxilia na aquisição de habilidades para o autocuidado, ao possibilitar a consciência do que lhes espera após a cirurgia.

Quando ia me operar não tinha nem noção do que realmente iam fazer comigo e de que cuidados eu tinha que ter. Então, fui ao Serviço de Estomaterapia e aprendi até como me alimentar, que bolsa usar. Várias coisas que facilitaram minha vida depois! (P15).

Alguns omitem da sociedade o fato de serem estomizados por receio de atitudes de rejeição. Apesar dessa atitude, parecer uma forma de negação, ela permite que a pessoa tenha um tempo para se fortalecer e conseguir se expor aos outros.

É a mesma coisa. Eu sei que eu uso, mas muita gente nem sabe, porque não falo para ninguém. A roupa esconde. Hoje me sinto bem! Até já conto para algumas pessoas (P12).

A pessoa com estoma reconhece a importância de ter estabilidade psicológica para se autocuidar e aceitar a nova situação de vida, o que é compreendido como um processo difícil, em razão das características de ser estomizado.

Se a pessoa não tiver cabeça boa, não vai se adaptar e se cuidar sozinho! Pois é difícil pensar como vou me adaptar a uma coisa que não nasceu comigo, cheia de cocô, que fede e que deixa todo mundo com nojo de mim (P9).

A fé e a religiosidade são aliadas no processo de transição, na medida em que confortam e tornam a pessoa com estoma mais centrada e focada em seu processo de cuidado e saúde.

Sou muito religioso. Não morri porque o homem de cima não quis. Então, agradeço a Ele todos os dias. Ele me dá força para ficar normal de novo (P4).

Sempre fui católica, mas depois da cirurgia comecei a ir ao centro espírita e isso me ajudou muito, me deu muita fé (P10).

Condicionantes relacionados à comunidade

O fornecimento dos equipamentos pela Secretaria de Saúde de forma gratuita, mediante cadastro no Serviço de Estomaterapia nas consultas de Enfermagem, mostra-se um facilitador do processo, pela certeza de que o paciente receberá seus equipamentos, não necessitando realizar um itinerário em busca do cuidar.

Tinha muito medo de que faltasse a bolsa. Hoje não, eu venho, falo com a enfermeira e ela dá um jeito. No início eu recebia também por Porto Alegre num posto de saúde. Depois que comecei aqui não fui pegar mais lá e ficou bem melhor (P4).

O Serviço de Estomaterapia conta com uma equipe multiprofissional que, por sua vez, conta com um enfermeiro que realiza consultas de Enfermagem, visitas no hospital ou domiciliárias, bem como com o grupo de apoio à pessoa com estomia e à família, para o desenvolvimento de intervenções terapêuticas que auxiliem na aquisição de conhecimentos e de habilidades para o autocuidado.

Não trocava a minha bolsa. Então, vim numa reunião com a enfermeira que perguntou por que eu não trocava. E eu digo: ─ 'Porque não vou conseguir. Tenho minha nora e minha filha que trocam'. Ela disse: ─ 'Vai depender sempre do parceiro ou da tua nora para trocar? Faz o seguinte: quando vê que a bolsa vai descolar, acorda de manhã, faz tua higiene e troca a bolsa. Não vai ter muito líquido para sair e vai conseguir trocar'. Mudou minha vida! Agora eu saio, carrego minha bolsinha na bolsa e tudo bem (P14).

A equipe interdisciplinar mostra-se uma facilitadora do processo de transição rumo à aquisição do autocuidado, visualizando a pessoa com estoma de forma global, auxiliando-a a resolver aspectos que promovam sua saúde, tornando-a autônoma.

No Serviço de Estomaterapia, a gente tem o apoio. Sabe que os profissionais estarão lá para nos auxiliar sempre. Dão-nos muita segurança de que conseguiremos viver bem e autônomos! (P20).

Os primeiros momentos após a estomização mostram-se difíceis. A família apresenta-se como apoio ao realizar inicialmente o cuidado, delegando-o gradativamente à pessoa e fortalecendo-a para a realização do autocuidado.

Primeiro meu marido vinha comigo nas consultas, depois eu passei a vir sozinha. Ele me ajudava a cuidar do estoma, depois nunca mais dependi de ninguém (P14).

A família, ao apoiar a pessoa com estoma nos momentos difíceis, permite que esta se sinta segura de que será auxiliada a contornar todos os momentos complicados e até mesmo constrangedores como, por exemplo, o vazamento da bolsa coletora fora do domicílio.

É difícil quando a bolsa vaza em festa ou reuniões de família, mas ainda bem que meu guri tem moto! Quando acontece, eu o chamo num canto para as outras pessoas não verem e digo o que aconteceu e ele me leva embora (P8).

Ao oferecer ajuda no cuidado e demonstrar carinho, a família torna-se mais próxima da pessoa com estoma, fomentando o sentimento de pertença e apoio e dando ajuda para que ela realize suas atividades de cuidado.

A mais velha até trocava. Dizia: ─ 'Quer que eu troque? Fica deitadinha que eu troco'. Principalmente nesta época de calor. Ela ligava o ventilador em mim. Pegava o secador aquecia a placa, como eu faço para a placa colar bem. Só isso também. Nunca deixei de fazer nada, mas aceito uma ajuda às vezes (P11).

Observa-se que o parceiro, ao compreender as mudanças ocasionadas pela estomização e os períodos de instabilidade emocional, auxilia no desenvolvimento de estratégias de apoio para o cuidado emocional e físico, motivando a pessoa com estoma a viver de forma saudável e autônoma.

Claro que é difícil olhar, mas tenho sorte de ter uma pessoa companheira que viveu junto essa situação toda. Nós estamos superando. Meu esposo conseguiu aceitar (P4).

Para algumas pessoas com estoma, inicialmente pode ser difícil visualizar uma vida plena usando a bolsa coletora. Assim, é importante conversar com outro estomizado, o que auxilia na compreensão do que está acontecendo com sua vida. A pessoa com estoma já adaptada também se fortalece ao mostrar aos outros que é capaz de viver bem e de forma autônoma.

Adaptei-me. Fiquei bem. Cansei da enfermeira do Serviço de Estomaterapia me ligar pedindo para conversar com paciente com problema de aceitação ou que ia colocar a bolsa. O médico também, quando vai operar alguém, pede que eu vá conversar com o paciente. É tranquilo, graças a Deus (P11).

Além das discussões individuais, o fato de integrar um grupo de apoio no Serviço de Estomaterapia propicia a interação das pessoas com estoma, compartilhando experiências, o que facilita o autocuidado, ao mostrar que não se está só nessa caminhada e que é possível se cuidar e viver com qualidade.

O grupo é bom porque a gente vê que não é só a gente. Só de estar ali, passar coisas boas para outros! Nem todos têm a mesma coragem, (...). A gente conversa e, quando não tem o que falar, escuta os outros! Sempre se aprende coisas novas (P27).

Discussão

A transição pode começar com encantamento e emoção ou com medo e luto. Esse processo está entre o que se passou antes e o que está evoluindo. A transição pode promover a capacitação e o crescimento, representando um momento crucial para habilitar e apoiar o desenvolvimento e a resiliência(8Meleis AI. Transitons theory: middle-range and situation-specific theories in nursing research and practice. New York: Springer; 2010.).

Os condicionalismos das transições incluem significados, expectativas, nível de conhecimento e habilidade, meio ambiente, nível de planejamento e do bem-estar físico e emocional(1010 Schumacher KL, Meleis AI. Transitions: a central concept in nursing Image J Nurs Sch. 1994;26(2):119-27.). Os resultados deste estudo indicam condições facilitadoras do autocuidado relacionadas à pessoa, como construção de um significado positivo da estomização, o preparo para essa experiência ainda no pré-operatório, a estabilidade emocional, a fé, a religiosidade, e a sensação de normalidade adquirida a partir de uma imagem próxima da anterior.

As mudanças no estado de saúde podem favorecer o bem-estar, expor as pessoas a riscos aumentados de doenças ou, ainda, desencadear um processo de transição(6Meleis AI, Sawyer LM, Im EO, Hilfinger Messias DK, Schumacher K. Experiencing transitions: an emerging middle-range theory. ANS Adv Nurs Sci. 2000;23(1):12-28.). Dentro desse processo e com relação às condicionantes relacionadas à pessoa, observa-se que a construção de um conceito ou de imagem positiva da cirurgia pode facilitar o processo de aquisição do autocuidado.

A cirurgia de estomização apresenta-se como um momento de transição marcante na existência das pessoas que, por vontade de seguir vivendo, procuram adaptar-se a essa nova condição. A estomização possibilita a continuidade de sua vida e, por isso, pode ser visualizada de forma positiva, como parte da resolução do problema de saúde e uma segunda chance de viver(5Mota M, Gomes GC. Changes in the process of living of ostomized patients after surgery. Rev Enferm UFPE On Line [Internet]. 2013 [cited 2014 Mar 23];7(spe): 7074-81. Available from: http://www.revista.ufpe.br/revistaenfermagem/index.php/revista/article/view/3435/pdf_4259
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).

A transição é um fenômeno individual sem estrutura definida, sendo que a subjetividade e os significados envolvidos podem ser atribuídos a diferentes momentos de transição, que variam conforme as experiências, as reflexões e a cultura, ou seja, as características pessoais. Os processos de transição interagem com as (re)definições de si próprio e da situação de transição originadas na pessoa que as vivencia(9Chick N,. Meleis AI Transition: a nursing concern. In: Chinn PL, editor. Nursing research methodology. Boulder: Aspen; 1986. p. 237-57.).

Observou-se que o preparo para essa experiência, ainda no pré-operatório, facilita o processo de transição e reduz o impacto do evento, permitindo o enfrentamento e o desenvolvimento de estratégias que auxiliem em seu autocuidado(6Meleis AI, Sawyer LM, Im EO, Hilfinger Messias DK, Schumacher K. Experiencing transitions: an emerging middle-range theory. ANS Adv Nurs Sci. 2000;23(1):12-28.). As dimensões físicas e psicológicas podem ser afetadas pela falta de orientações no pré-operatório, dificultando o enfrentamento do pós-operatório(1313 Pereira APS, Cesarino CB, Martins MRI, Pinto MH, Netinho JG. Associations among socio-demographic and clinical factors and the quality of life of ostomized patients. Rev Latino Am Enfermagem. 2012;20(1):93-100.).

A estomização pode impactar negativamente a vida da pessoa com estoma, gerando sentimentos de desorganização emocional e dificultando o exercício do autocuidado(1414 Cheng F, Meng AF, Yang LF, Zhang YN. The correlation between ostomy knowledge and self-care ability with psychosocial adjustment in Chinese patients with a permanent colostomy: a descriptive study. Ostomy Wound Manage. 2013;59(7):35-8.). Pode surgir instabilidade, devido à mudança radical no estilo de vida, trazendo prejuízos fisiológicos e psicológicos, por problemas relacionados com o estoma(1515 Kwiatt M, Kawata M. Avoidance and management of stomal complications. Clin Colon Rectal Surg. 2013;26(2):112-21.). Entretanto, verificou-se que, neste estudo, a estabilidade apresentada pelas pessoas em transição para o autocuidado é uma condicionante facilitadora, que permite a compreensão da necessidade da busca por conhecimentos que qualifiquem suas ações.

O bem-estar espiritual pode modificar-se a partir da construção do estoma(1616 Bulkley J, McMullen CK, Hornbrook MC, Grant M, Altschuler A, Wendel CS , et al. Spiritual well-being in long-term colorectal cancer survivors with ostomies. Psychooncology. 2013;22(11):2513-21.). Esse fato foi evidenciado nas falas dos participantes, que relataram a fé e a religiosidade como condicionantes relacionadas à pessoa. Ter fé facilita o processo de transição ao confortar a pessoa, permitindo que suas forças direcionem a saúde e a autonomia, auxiliando na reflexão acerca do viver e possibilitando a ressignificação da vida(1717 Sousa CF, Brito DC, Branco MZPC. Depois da colostomia...vivências das pessoas portadoras. Enferm Foco [Internet]. 2012 [citado 2014 mar. 25];3(1):12-5. Disponível em: http://revista.portalcofen.gov.br/index.php/enfermagem/article/view/213
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).

A imagem modificada pelo estoma produz a necessidade de readequar a aparência física(1818 Danielsen AK. Life after stoma creation. Dan Med J. 2013;60(10):B4732.). Assim, a pessoa tende a querer omitir seu estoma e, para isso, precisa desenvolver formas de se autocuidar(1414 Cheng F, Meng AF, Yang LF, Zhang YN. The correlation between ostomy knowledge and self-care ability with psychosocial adjustment in Chinese patients with a permanent colostomy: a descriptive study. Ostomy Wound Manage. 2013;59(7):35-8.). A sensação de normalidade decorre de uma imagem aproximada da anterior à cirurgia, sendo uma condicionante facilitadora relacionada à pessoa, além da omissão do estoma propiciar o tempo que o paciente necessita para adquirir segurança e aprender a se cuidar(1919 Vieira LM, Ribeiro BNO, Gatti MAN, Simeão SFAP, Conti MHS, Vitta A. Câncer colorretal: entre o sofrimento e o repensar na vida. Saúde Debate. 2013;37(97):261-9.).

Os processos de transição podem abranger uma ou mais pessoas, inseridas em um determinado contexto e situação, sendo que as características da transição incluem o processo, a percepção da alteração e os padrões de respostas dos envolvidos(9Chick N,. Meleis AI Transition: a nursing concern. In: Chinn PL, editor. Nursing research methodology. Boulder: Aspen; 1986. p. 237-57.). Como seres sociais, as relações entre pessoa e comunidade podem promover o avanço nas fases da transição, à medida que auxiliam no fortalecimento para o autocuidado.

Em relação aos condicionantes facilitadores relacionados à comunidade, foram mencionados o apoio da família, o fornecimento gratuito pela Secretaria de Saúde dos equipamentos para o autocuidado (como bolsas coletoras e adjuvantes), além do acesso a um espaço de referência em cuidados especializados, como o Serviço de Estomaterapia, com consultas de Enfermagem e demais profissionais. Tais condicionantes facilitam a transição, pois evitam que a pessoa com estoma tenha que realizar um itinerário difícil em busca de cuidado.

Nos países em desenvolvimento, em geral, há dificuldades para adquirir os equipamentos, que são importados e de alto custo de mercado. Assim, para os que não têm acesso a esses materiais em programas governamentais, o desafio é grande. Muitas vezes, as famílias não conseguem comprar tais materiais sem o custeio público(2020 Buckley BS, Gonzalez JP, Razon-Gonzalez EV, Lopez MP. The people that the ostomy industry forgot. Br J Gen Pract. 2012;62(603):544-5.).

No Brasil, as Diretrizes Nacionais para a Atenção à Saúde das Pessoas Ostomizadas, no âmbito do Sistema Único de Saúde, garantem a atenção integral à saúde da pessoa com estoma, o que inclui o fornecimento de materiais que favorecem o autocuidado(1Brasil. Ministério da Saúde. Portaria n. 400 de 16 de novembro de 2009. Estabelecer Diretrizes Nacionais para a Atenção à Saúde das Pessoas Ostomizadas no âmbito do Sistema Único de Saúde -SUS, a serem observadas em todas as unidades federadas, respeitadas as competências das três esferas de gestão [Internet]. Brasília; 2009 [citado 2014 mar. 23]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/sas/2009/prt0400_16_11_2009.html
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). Receber o material para o cuidado não significa que a pessoa vá facilmente se adaptar a ele, nem que este terá a durabilidade esperada. É importante que a pessoa com estoma tenha acesso a produtos de boa qualidade e que lhe tragam segurança, conforto e discrição(2121 Williams J. Selecting stoma care appliances and accessories. Nurs Resid Care. 2008;10(3):130-3.).

Além do subsidio de equipamentos, observou-se que o atendimento multidiciplinar é um condicionante da transição relacionado à comunidade em que se está. Isso porque os Serviços de Estomaterapia auxiliam a pessoa com estoma a atingir autonomia, com oficinas educativas e grupos de troca de experiência, entre outros(2222 Fernandes RM, Miguir ELB, Donoso TV. Perfil da clientela estomizada residente no município de Ponte Nova, Minas Gerais, Brasil. Rev Bras Coloproct. 2010;30(4):385-92.). O atendimento interdisciplinar é previsto por meio da Portaria SAS/MS 400, de 16 de novembro de 2009, que estabelece a composição básica dos Serviços de Estomaterapia(1Brasil. Ministério da Saúde. Portaria n. 400 de 16 de novembro de 2009. Estabelecer Diretrizes Nacionais para a Atenção à Saúde das Pessoas Ostomizadas no âmbito do Sistema Único de Saúde -SUS, a serem observadas em todas as unidades federadas, respeitadas as competências das três esferas de gestão [Internet]. Brasília; 2009 [citado 2014 mar. 23]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/sas/2009/prt0400_16_11_2009.html
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).

O enfermeiro compõe a equipe que atende a pessoa com estomas objetivando sua saúde por meio do autocuidado. Dentro do contexto da aquisição para o autocuidado, o enfermeiro é o agente transformador, ao atuar como educador de pessoas com estomas e de suas famílias, utilizando tecnologias educativas que facilitem a aquisição de conhecimentos(2323 Barros EJL, Santos SSC, Gomes GC, Erdmann AL. Gerontotecnologia educativa voltada ao idoso estomizado à luz da complexidade. Rev Gaúcha Enferm [Internet]. 2012 [citado 2014 mar. 25];33(2):95-101. Disponível em: http://seer.ufrgs.br/RevistaGauchadeEnfermagem/article/view/16325
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-2424 Mauricio VC, Souza NVDO, Lisboa MTL. O enfermeiro na reabilitação da pessoa com estoma. Escola Anna Nery Rev Enferm. 2013;17(3):416-22.), intervindo nos problemas que surgem com a estomização e facilitando o processo de transição à aquisição do autocuidado. Esse profissional pode utilizar métodos de promoção da saúde que auxiliem as pessoas com estomas a lidarem com os problemas ou condicionantes inibidores do processo de transição, oferecendo orientação contínua(2Ang SG, Chen HC, Siah RJ, Ele HG, Klainin-Yobas P. Stressors relating to patient psychological health following stoma surgery: an integrated literature review. Oncol Fórum Enferm. 2013;40(6):587-94.-3Altschuler A, Ramirez M, Grant M, Wendel C, Hornbrook MC, Herrinton L, et al. The influence of husbands' or male partners' support on women's psychosocial adjustment to having an ostomy resulting from colorectal cancer. J Wound Ostomy Continence Nurs. 2009;36(3):299-305.). A Teoria das Transições, interligada com a realidade da Enfermagem, busca orientar as ações que resultam no cuidado de Enfermagem(7Meleis AI. Theoritical nursing: development and progress. 4th ed. Philadelphia: Lippincott William & Wilkins; 2007.).

A experiência da estomização é um processo difícil, permeada por medos, constrangimentos, desconfortos e dúvidas, no qual o apoio da família é indispensável para apoiar e fortalecer a pessoa para retomar sua autonomia, ressignificar sua identidade e melhorar sua autoestima e reinsersão social(2525 Nascimento CMS, Trindade GLB, Luz MHBA, Santiago RF. Vivência do paciente estomizado: uma contribuição para a assistência de enfermagem. Texto Contexto Enferm. 2011;2(3):557-64.). Muitas vezes, familiares e amigos assumem o cuidado da pessoa estomizada. Entretanto, se continuarem a fazê-lo por muito tempo podem inibir o processo de transição para o autocuidado, pois a pessoa pode não se tornar autônoma, mas insegura e dependente(2626 Cetolin SF, Beltrame V, Cetolin SK, Presta AA. Social and family dynamic with patients with definitive intestinal ostomy. Arq Bras Cir Dig. 2013;26(3):170-2.).

Na maioria das vezes, a família inicia a realização dos cuidados com o estoma e, gradativamente, repassa tal tarefa à pessoa com estoma, em um processo de compartilhamento de ações de cuidado, respeitando seus limites e sua independência, de acordo com suas possibilidades, fato que promove a autoestima e uma nova identidade autônoma(2525 Nascimento CMS, Trindade GLB, Luz MHBA, Santiago RF. Vivência do paciente estomizado: uma contribuição para a assistência de enfermagem. Texto Contexto Enferm. 2011;2(3):557-64.

26 Cetolin SF, Beltrame V, Cetolin SK, Presta AA. Social and family dynamic with patients with definitive intestinal ostomy. Arq Bras Cir Dig. 2013;26(3):170-2.
-2727 Weiland LA, Cazoli EA, Neuman ABT, Rosanelli CP, Loro MM, Kolankiewich AB. A família e seu ente colostomizado no domicílio. Rev Contexto Saúde. 2010;10(20):77-84.). O apoio da família no enfrentamento da transição, com vistas ao autocuidado, mostra-se um importante condicionante relacionado à comunidade, já que esta se faz presente no dia a dia da pessoa com estoma, visualizando e auxiliando-a a minimizar suas dificuldades.

As dificuldades de manutenção da bolsa coletora, o constrangimento com o odor e os gases, podem desmotivar a pessoa com estoma, levando-a ao isolamento e à dependência. A ajuda da família e dos amigos, o carinho e a atenção nesses momentos podem ser de grande auxílio(2828 Souza PCM, Costa VRM, Maruyama SAT, Costa ALRC, Rodrigues AEC, Navarro JP. As repercussões de viver com uma colostomia temporária nos corpos: individual, social e político. Rev Eletr Enferm [Internet]. 2011 [citado 2014 mar. 23];13(1):50-9. Disponível em: http://www.fen.ufg.br/fen_revista/v13/n1/v13n1a06.htm
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). No núcleo familiar, o parceiro ou cônjuge mostra-se um importante auxiliador da transição. Para desenvolver esse papel, necessita ser apoiado para cuidar da pessoa com estoma(1818 Danielsen AK. Life after stoma creation. Dan Med J. 2013;60(10):B4732.), visto que também pode estar passando por momentos difíceis.

Além do apoio da família, a pessoa com estoma necessita de outras formas para se sentir parte da sociedade. O contato com outras pessoas com estomas, que passaram pelas mesmas experiências, permite antever a possibilidade de viver bem e de forma autônoma. A interação com pessoas em situação semelhante facilita a adesão ao tratamento e a aceitação da nova condição de vida(1515 Kwiatt M, Kawata M. Avoidance and management of stomal complications. Clin Colon Rectal Surg. 2013;26(2):112-21.).

A família é o núcleo central da interação social, entretanto, quando a pessoa com estoma passa a integrar um grupo de apoio, ela também consegue ampliar sua visão no que diz respeito às possibilidades de viver de maneira autônoma. Esse fato transforma o grupo em um importante condicionante facilitador relacionado à comunidade.

Os grupos de apoio propiciam interação, contribuindo para que a pessoa compartilhe experiências e que possa passar fases de forma rápida e menos traumática. Nessas atividades em grupo, há o fortalecimento para o enfrentamento das dificuldades cotidianas, o que contribui para melhorar a aceitação e a qualidade de vida de pessoas com estomas(2222 Fernandes RM, Miguir ELB, Donoso TV. Perfil da clientela estomizada residente no município de Ponte Nova, Minas Gerais, Brasil. Rev Bras Coloproct. 2010;30(4):385-92.). Grupos que desenvolvem intervenções planejadas mostram-se como uma estratégia eficaz de apoio social(2929 Karabulut HK, Dinç L, Karadag A. Effects of planned group interactions on the social adaptation of individuals with an intestinal stoma: a quantitative study. J Clin Nurs. 2014;23(19-20):2800-13.), propiciando um espaço de convívio periódico em um ambiente educativo de fornecimento de informações ligadas ao contexto de vida da pessoa com estomas(2323 Barros EJL, Santos SSC, Gomes GC, Erdmann AL. Gerontotecnologia educativa voltada ao idoso estomizado à luz da complexidade. Rev Gaúcha Enferm [Internet]. 2012 [citado 2014 mar. 25];33(2):95-101. Disponível em: http://seer.ufrgs.br/RevistaGauchadeEnfermagem/article/view/16325
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).

O apoio da família, dos amigos, do trabalho, da religião e dos outros pacientes à pessoa com estoma é um facilitador do processo de transição. Trata-se de uma forma relevante de motivação para a superação das adversidades(3030 Cardoso DH, Muniz RM, Guimarães SRL, Viegas AC, Pinto DK, Laroque MF. Viver com câncer: a percepção de pacientes oncológicos. J Nurse Health. 2012;2(2):461-74.), por meio da qual a pessoa pode visualizar que é possível conviver com o estoma de forma saudável e inserida no meio social, em um ambiente rodeado pelos amigos(1414 Cheng F, Meng AF, Yang LF, Zhang YN. The correlation between ostomy knowledge and self-care ability with psychosocial adjustment in Chinese patients with a permanent colostomy: a descriptive study. Ostomy Wound Manage. 2013;59(7):35-8.). Ao se sentir segura e apoiada, a pessoa com estoma pode realizar o autocuidado de forma plena, o que é importante para ela(2525 Nascimento CMS, Trindade GLB, Luz MHBA, Santiago RF. Vivência do paciente estomizado: uma contribuição para a assistência de enfermagem. Texto Contexto Enferm. 2011;2(3):557-64.).

A transição pressupõe mudanças no estado de saúde, nos relacionamentos, funções, expectativas e habilidades das pessoas(8Meleis AI. Transitons theory: middle-range and situation-specific theories in nursing research and practice. New York: Springer; 2010.). Assim, o enfermeiro, a partir das bases do conhecimento teórico da Teoria das Transições, pode instituir ações subsidiadas em sua reflexão individual para a compreensão do processo, intervindo nas dimensões física e mental. Tais intervenções direcionam a pessoa, a família e a comunidade para a promoção, a recuperação da saúde ou a prevenção do adoecimento. Os cuidados prescritos previnem riscos, detectam problemas, sanando-os ou reduzindo seu impacto.

Conclusão

A pesquisa permitiu conhecer as condicionantes do processo de transição da dependência para a aquisição de autocuidado da pessoa com um estoma a partir da Teoria das Transições de Afaf Meleis. Observou-se que os fatores facilitadores do processo de transição, enquanto condicionantes relacionados à pessoa foram: atribuir significado positivo ao estoma; receber orientações sobre os cuidados com o estoma e as transformações no viver, o preparo para essa experiência ainda no pré-operatório; apresentar estabilidade psicológica; e buscar conforto na fé e na religiosidade. Já os condicionantes relacionados à comunidade foram receber equipamentos pelo governo de forma gratuita; o apoio da família e da equipe multiprofissional, em especial do enfermeiro; e o contato com outras pessoas com estomas.

Os dados do estudo possibilitaram concluir que o processo de transição para o autocuidado é complexo, carregado de subjetividades e dificuldades, sendo que as interações com a família, os amigos e os serviços de saúde podem auxiliar na retomada da autonomia. Esses fatores condicionantes permitem o direcionamento das intervenções terapêuticas de Enfermagem eficazes e eficientes para o (re)desenvolvimento de competências e habilidades para o autocuidado, resultando em um viver independente e saudável.

O fato de este estudo ter sido realizado em um único contexto pode ser uma limitação.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2015

Histórico

  • Recebido
    15 Maio 2014
  • Aceito
    07 Nov 2014
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