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Fatores contributivos para a independência funcional de idosos longevos

Resumos

OBJETIVO

Verificar os fatores socioeconômicos e clínicos que contribuem para a independência funcional dos idosos longevos de uma comunidade.

MÉTODO

Estudo quantitativo transversal cuja amostra foi constituída por 214 longevos cadastrados em Unidades Básicas de Saúde. Os dados foram coletados por meio de entrevista estruturada e aplicação da Medida de Independência Funcional. Utilizou-se estatística descritiva, e para associação das variáveis foram utilizados os testes t de Student e ANOVA, e o teste de Tukey para comparações múltiplas.

RESULTADOS

As variáveis significativas que contribuíram para a independência funcional foram: manter-se economicamente ativo, praticar atividades físicas e de lazer, possuir participação social, consumir frutas, verduras e carne. A orientação para a realização dessas práticas reduz a demanda de cuidados e necessidade de ajuda para as atividades cotidianas.

CONCLUSÃO

A manutenção da independência é primordial para retardar incapacidades e apresenta-se como excelente campo de atuação para a enfermagem.

Idoso; Idoso de 80 anos ou Mais; Atividades Cotidianas; Enfermagem Geriátrica


OBJECTIVE

To investigate the socioeconomic and clinical factors that contribute to the functional independence of the oldest old of a community.

METHOD

Cross-sectional quantitative study whose sample consisted of 214 elderly people registered in Basic Health Units. Data were collected through structured interviews and application of the Functional Independence Measure. We used descriptive statistics, and for association of the variables we used the Student t-test, ANOVA and Tukey's test for multiple comparisons.

RESULTS

The significant variables that contributed to the functional independence were remaining economically active, practicing physical and leisure activities, having a social life, eating fruits, vegetables and meat. The orientation to conduct these practices reduces the demand for care and help needed in everyday activities.

CONCLUSION

Maintaining independence is primordial to delay disability and presents itself as an excellent field of work for nursing.

Aged; Aged, 80 and Over; Activities of Daily Living; Geriatric Nursing


OBJETIVO

Verificar los factores socioeconómicos y clínicos que contribuyen para la independencia funcional de los ancianos longevos de una comunidad.

MÉTODO

Estudio cuantitativo transversal cuya muestra estuvo constituida de 214 longevos registrados en Unidades Básicas de Salud. Los datos fueron recogidos mediante entrevista estructurada y aplicación de la Medida de la Independencia Funcional. Se utilizó una estadística descriptiva y, para la asociación entre las variables, se utilizaron las pruebas t de Student y ANOVA, y la prueba de Tukey para comparaciones múltiples.

RESULTADOS

Las variables significativas que contribuyeron para la independencia funcional fueron: mantenerse económicamente activo, practicar actividades físicas y de ocio, tener participación social, consumir frutas, verduras y carne. La orientación hacia la realización de dichas prácticas reduce la demanda de cuidados y la necesidad de ayuda para las actividades cuotidianas.

CONCLUSIÓN

El mantenimiento de la independencia es primordial para retardar las incapacidades y se presenta como excelente campo de actuación para la enfermería.

Anciano; Anciano de 80 o Más Años; Actividades Cotidianas; Enfermería Geriátrica


Introdução

Os longevos, ou idosos mais velhos, constituem atualmente o segmento etário da população idosa com a maior taxa de crescimento no Brasil e no mundo. Esses indivíduos apresentam características morfofisiológicas, psicológicas e socioeconômicas diferenciadas dos demais idosos. Evidencia-se uma heterogeneidade no próprio grupo etário dos idosos, revelando que há diferenças significativas entre os idosos considerados mais jovens (60-79 anos) e aqueles com idade igual ou superior a 80 anos(1Rosset I, Roriz-Cruz M, Santos JLF, Haas VJ, Fabrício-Wehbe SCC, Rodrigues RAP. Socioeconomic and health differentials between two community-dwelling oldest-old groups. Rev Saúde Pública. 2011;45(2):391-400.-2Marafon LP, Cruz IBM, Schwanke CHA, Moriguchi EH. Preditores cardiovasculares da mortalidade em idosos longevos. Cad Saúde Pública. 2003;19(3): 799-807).

No entanto, pouco se conhece acerca das condições de saúde dos longevos. Os institutos de estatística nacionais trazem dados da faixa etária idosa em geral e poucos especificam as informações acerca dos mais velhos. De acordo com a literatura consultada, o número de estudos encontrados sobre os longevos não acompanha o ritmo acelerado de crescimento desse segmento da população, uma vez que ainda não se pôde constatar uma tendência nacional de crescimento das pesquisas entre esses indivíduos(3Rosset I, Pedrazzi EC, Roriz-Cruz M, Morais EP,. Rodrigues RAP Tendencies of studies addressing the eldest individuals of aged population in the community: a (inter)national systematic review. Rev Esc Enferm USP. 2011;45(1):264-71.).

Como consequência do crescimento acelerado no número de longevos, e das especificidades dessa faixa etária, presume-se menor participação do idoso na sociedade e um aumento significativo da demanda de cuidados. Para determinar essa demanda é primordial a avaliação da capacidade funcional do longevo, que pode ser definida como "a habilidade do indivíduo em desempenhar independentemente as atividades ou tarefas cotidianas, identificadas como essenciais para a manutenção do seu bem-estar"(4Moraes EN. Princípios básicos de geriatria e gerontologia. Belo Horizonte: CoopMed; 2008.).

O idoso, que mantém sua independência e autodeterminação - capacidade de o indivíduo poder exercer sua autonomia - deve ser considerado um idoso saudável, ainda que apresente uma ou mais doenças crônicas(5Veras R. Population aging today: demands, challenges and innovations.. Rev Saúde Pública 2009;43(3):548-54.). Desse modo, do ponto de vista da saúde pública, a capacidade funcional surge como um novo componente do conceito de saúde, adequado para instrumentar e operacionalizar uma política de atenção à saúde do idoso(6Monteiro CR, Faro ACME. Functional evaluation of aged with fractures at hospitalization and at home.. Rev Esc Enferm USP 2010;44(3):719-24.).

Um dos objetivos para realizar a avaliação da funcionalidade na atenção primária à saúde é detectar precocemente o comprometimento funcional, uma vez que a presença de declínio pode sinalizar alterações ainda não percebidas e que podem gerar incapacidade e dependência(7Brasil. Ministério da Saúde; Secretaria de Atenção à saúde, Departamento de Atenção Básica. Envelhecimento e saúde da pessoa idosa. Brasília; 2006. (Cadernos de Atenção Básica, 19).). A avaliação da funcionalidade do idoso é um parâmetro importante na prática da gerontologia por fornecer informações relevantes sobre sua saúde e sobre a necessidade de ajuda de terceiros para a realização das atividades de vida diária(8Scattolin FAA, Colombo RCR, Diogo MJD. Preditores de independência funcional em idosos portadores de insuficiência cardíaca. Acta Fisiátrica. 2007;14(4):219-25.).

A avaliação funcional pode ser realizada por meio de diversos instrumentos, entre eles a Medida da Independência Funcional (MIF), que tem sido utilizada em idosos por contemplar, além do domínio motor, os domínios cognitivo e social, importantes para a avaliação da funcionalidade desses indivíduos(9Cruz KCT,. Diogo MJD Avaliação da capacidade funcional de idosos com acidente vascular encefálico. Acta Paul Enferm. 2009;22(5):666-72.).

Identificar precocemente os idosos com risco para incapacidade funcional possibilita a enfermagem gerontológica planejar intervenções com vistas à potencialização da autonomia e redução da dependência. A inferência sobre aspectos que contribuem ou limitam a independência funcional é significativa para a determinação de planos de cuidados individualizados, de acordo com as potencialidades e dificuldades de cada idoso.

O diferencial do presente estudo é a investigação de fatores que contribuem para a independência funcional dos longevos de maneira positiva. Desta forma, além de conhecer aspectos socioeconômicos e clínicos que interferem na funcionalidade dos idosos, identificaram-se aqueles que são positivos para a independência funcional. Reconhecer esses aspectos facilita o direcionamento das ações em saúde dos profissionais de enfermagem.

Diante do exposto, o objetivo do presente estudo foi verificar os fatores socioeconômicos e clínicos que contribuem para a independência funcional dos idosos longevos de uma comunidade.

Método

Estudo quantitativo com delineamento transversal, realizado no domicílio dos idosos longevos com idade ≥ 80 anos, cadastrados em quatro Unidades Básicas de Saúde (UBS) em Curitiba-PR, eleitas por conveniência.

Nas Unidades Básicas de Saúde foram levantados dados de identificação dos longevos e estabelecidos cronogramas de visitas domiciliares. A população cadastrada nessas UBS foi de 417 longevos. A amostra aleatória simples foi calculada com erro amostral de 4,67% e nível de significância 95%. O tamanho da amostra resultante foi de 214 idosos longevos. Foram critérios de inclusão do idoso: ter idade igual ou superior a 80 anos, estar cadastrado em uma das Unidades de Saúde de realização da pesquisa, residir no domicílio cadastrado nas Unidades de Saúde, apresentar capacidade cognitiva para participar do estudo. Os critérios de exclusão do idoso eram ser residente em instituição de longa permanência, apresentar dificuldades significativas de comunicação e expressar o desejo de retirar sua participação no estudo.

Os dados foram coletados no domicílio dos idosos longevos na presença de cuidador familiar, por meio de entrevista estruturada com questões referentes aos aspectos socioeconômicos e clínicos e aplicação da Medida de Independência Funcional (MIF), no período de março a julho de 2012.

O teste do Miniexame do Estado Mental (MEEM)(1010 Folstein MF, Folstein SE, Mchugh PR. Mini-Mental State: a practical method for grading the cognitive status of patients for the clinician. J Psychiat Res. 1975;12(3): 189-98.) foi aplicado com intuito de triar os idosos com capacidade cognitiva para participar da pesquisa. Para o screening cognitivo foram utilizados os pontos de corte propostos para a população brasileira(1111 Bertolucci PHF, Brucki SM, Campacci SR, Juliano Y. O miniexame do estado mental em uma população geral : impacto da escolaridade. Arq Neuropsiquiatria. 1994;52(1): 1-7.). Nos casos em que o idoso não atingia pontuação de corte no MEEM foi convidado a participar como informante da pesquisa o cuidador familiar.

Para a entrevista elaborou-se um instrumento de coleta de dados, adaptado do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)(1212 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Censo Demográfico 2000 - Migração e Deslocamento: resultados da amostra [Internet]. Rio de Janeiro; 2000. [citado 2011 nov. 2] Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2000/migracao/censo2000_migracao.pdf
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/...
). No Quadro 1 apontam-se as variáveis de interesse do estudo que compõe o perfil socioeconômico, clínico e de convívio social do idoso longevo.

Quadro 1
Variáveis de interesse do estudo - Curitiba-PR, 2012

Para avaliação da funcionalidade do longevo aplicou-se a Medida de Independência Funcional (MIF). O principal objetivo deste instrumento é avaliar quantitativamente a carga de cuidados que demanda uma pessoa para realizar atividades motoras e cognitivas de vida diária. A MIF é composta por um conjunto de 18 tarefas, entre elas o autocuidado, as transferências, a locomoção, o controle esfincteriano, a comunicação e a cognição social, que inclui memória, interação social e resolução de problemas. Cada uma dessas atividades avaliadas recebe uma pontuação de 1 (dependência total) a 7 (independência completa). Desse modo, a pontuação total varia de 18 (totalmente dependentes) a 126 pontos (completamente independentes), que representa os escores de MIF Total (MIFt). O escore de MIFt pode ser subdividido de acordo com os dois domínios da MIF, a saber, domínio motor (MIFm), com pontuação possível entre 13 e 91, e domínio cognitivo (MIFc) que pode variar entre 5 e 35 pontos. Este instrumento de avaliação funcional foi validado no Brasil(1313 Riberto M, Miyazaki MH, Jucá SSH, Sakamoto H, Potiguara P, Pinto N, et al. Validação da versão brasileira da Medida de Independência Funcional.. Acta Fisiátrica 2004;11(2):72-6.).

Os dados coletados foram organizados em planilha sob dupla conferência, para reduzir a possibilidade de erro e as análises foram realizadas no Software R. Para o tratamento dos dados socioeconômicos e clínicos utilizou-se frequência absoluta e relativa, quando as variáveis eram qualitativas, e medidas de posição (média, mínima e máxima) e de dispersão (desvio-padrão) para as variáveis quantitativas.

Na associação dos valores de MIF às variáveis socioeconômicas e clínicas foram utilizados os testes t de Student, para variáveis que apresentavam apenas dois níveis, e ANOVA para as variáveis com mais de dois níveis. Após conduzir a análise de variância nos casos em que houve diferença significativa entre os níveis, utilizou-se o teste Tukey, para comparações múltiplas. Para todos os testes estatísticos utilizados, considerou-se nível de significância 95%, valores de p<0,05 foram considerados estatisticamente significativos.

O estudo obteve parecer favorável do Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos, e da Secretaria Municipal de Saúde sob os registros CAAE 0211.0.091.085-11, e 09/2012. Foram observados os princípios éticos de participação voluntária e consentida de cada sujeito, conforme as recomendações contidas na Resolução nº. 196 do Conselho Nacional da Saúde, de 10 de outubro de 1996(1414 Brasil. Ministério da Saúde; Conselho Nacional de Saúde. Resolução n. 196, de 10 de outubro de 1996. Dispõe sobre as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Bioética. 1996;4(2 Supl):15-25), vigente na data do encaminhamento ao Comitê de Ética.

Resultados

Para a associação entre as variáveis socioeconômicas e clínicas e a medida de independência funcional, utilizou-se como variável dependente a média dos escores atribuídos para cada atividade calculada a partir da MIF total dos longevos.

Tabela 1
Variáveis associadas aos valores médios de MIF total dos idosos longevos - Curitiba, PR, 2012

Observa-se na Tabela 1 que cinco variáveis socioeconômicas e 21 variáveis clínicas apresentaram relação estatisticamente significativa com os escores médios da MIF. O teste de comparação múltipla na associação dessas variáveis significativas aos valores médios obtidos na MIF permitiu sintetizar a relação negativa ou positiva que as variáveis apresentaram em relação à independência funcional (Quadro 2).

Quadro 2
Relação das variáveis significativas de acordo com sua associação à independência funcional - Curitiba, PR, 2012

Serão discutidas apenas as associações entre as variáveis que contribuem para a independência funcional dos idosos longevos, apresentadas na Tabela 2.

Tabela 2
Variáveis significativas, que contribuem para independência funcional, associadas aos valores médios das dimensões da MIF, e teste de comparação múltipla - Curitiba, PR, 2012

Discussão

Verifica-se na Tabela 2 que os longevos aposentados e/ou pensionistas apresentam MIF média significativamente maior (p=0,007) daqueles que contam com a renda de familiares. Nota-se também que os longevos que mantêm uma ocupação atual possuem maiores médias da MIF (p=0,01) comparado aos que não estão mais no mercado de trabalho. Estas observações, aparentemente contraditórias, sugerem que se manter ativo economicamente, seja por meio de aposentadorias e pensões, ou por realização de trabalhos remunerados, contribui para a independência funcional.

Destarte, os longevos que permanecem economicamente ativos não dependem necessariamente de uma terceira pessoa para seu sustento, são evidentemente mais independentes. Na avaliação da MIF, esses idosos tiveram altos escores em atividades como resolução de problemas e interação social, capacidades necessárias para a realização de tarefas como gerir o próprio dinheiro e fazer compras.

A hierarquia do declínio funcional(4Moraes EN. Princípios básicos de geriatria e gerontologia. Belo Horizonte: CoopMed; 2008.,1515 Njegovan V, Man-Son-Hing M, Mitchell SL, Molnar FJ. The Hierarchy of Functional Loss Associated With Cognitive Decline in Older Persons. J Gerontol A Biol Sci Med Sci. 2001;56(10): M638-43) explica, em parte, a relação entre manter-se economicamente ativo e independência funcional. As atividades instrumentais de vida diária são afetadas primeiramente em caso de incapacidade. Portanto, o longevo que ainda é independente para a realização das AIVD dificilmente apresentará dependência para as atividades básicas como tomar banho, ou alimentar-se.

Investigação cujo objetivo foi estudar a relação entre situação econômica e saúde, analisando os impactos de políticas de transferência de renda para idosos de baixa renda no Brasil, revelou uma melhora diferenciada do estado de saúde de pessoas idosas dessa classe econômica, de modo que mudanças de renda causam melhorias nas condições percebidas de saúde(1616 Neri MC, Soares WL. Estimando o impacto da renda na saúde através de programas de transferência de renda aos idosos de baixa renda no Brasil.. Cad Saúde Pública 2007;23(8):1845-56.). Desse modo, os autores verificaram que, além dos ganhos sobre a saúde, as políticas de transferência têm alterado o papel do idoso dentro da família, dando-lhe maior autonomia, tendo em vista que muitos familiares encontram-se dependentes da renda do idoso e compartilham do seu acúmulo patrimonial. Os idosos de hoje têm se revelado os principais provedores da renda familiar, situação que lhes confere maior valorização dentro da família e da sociedade em geral. O aumento das taxas de chefia entre idosos e a redução na proporção que reside na casa de parentes sugerem uma diminuição na dependência dos idosos(1616 Neri MC, Soares WL. Estimando o impacto da renda na saúde através de programas de transferência de renda aos idosos de baixa renda no Brasil.. Cad Saúde Pública 2007;23(8):1845-56.).

Houve relação estatisticamente significativa entre a variável prática de atividade física e os escores médios na MIF dos idosos investigados (p<0,001). Os longevos que praticam atividades físicas apresentaram MIF média significativamente mais elevada que os idosos que não praticam, ou já praticaram exercícios. Não houve diferença estatística entre os que nunca realizaram atividades físicas, e os que a fizeram no passado (Tabela 2).

A prática de atividades físicas, como já discutido anteriormente, precisa ser melhor investigada entre os idosos longevos. No presente estudo identificou-se que as atividades físicas, praticadas por esses idosos foram principalmente a caminhada e o alongamento. Portanto, pode-se considerar que a prática de atividades regulares, mesmo que de menor intensidade, teve associação significativa com a independência funcional.

Estudo de revisão da literatura, realizado com grandes pesquisas de base populacional sobre atividade física em pessoas idosas, teve por objetivo descrever a mudança nos padrões de atividade física habitual no envelhecimento e a relação destas mudanças com a função física e doenças crônicas(1717 DiPietro L. Physical activity in aging: changes in patterns and their relationship to health and function. J Gerontol A Biol Sci Med Sci.2001;56(spec 2):13-22.). O autor observou fortes evidências de que os efeitos para a saúde de níveis moderados de atividade são cumulativos, independentemente da aptidão física alcançada por atividades vigorosas. Deste modo, é vantajosa a prática regular (30 minutos/dia na maioria dos dias da semana) de atividades de intensidade moderada (como caminhar, subir escadas, andar de bicicleta, ou serviços domésticos e jardinagem), que acumulam gasto energético diário e mantêm a força muscular.

Importante ressaltar que a qualidade e quantidade de atividades físicas benéficas para os longevos são diferentes das atividades recomendadas para os demais grupos etários, devido às alterações naturais da senescência. Como consequência da diminuição da tolerância ao exercício, um número grande e crescente de idosos viverá abaixo, ou somente um pouco acima de um limiar de capacidade física, situação em que a presença de uma doença intercorrente poderá torná-los completamente dependentes(1818 Astrand PO. Physical activity and fitness. Am J Clin Nutr. 1992;55(6 Suppl):1231S-1236S.). A atividade física pode ajudar a retardar esse limiar de capacidade física e, desse modo, melhorar o funcionamento físico. Com a melhora da função física, há uma propensão para realizar quantidades maiores de atividades que podem ser essenciais para a qualidade, e talvez, tempo de vida de uma pessoa idosa(1919 Caspersen CJ, Kriska AM, Dearwater SR. Physical activity epidemiology as applied to elderly populations. Baillieres Clin Rheumatol. 1994;8(1):7-27.).

As variáveis atividades de lazer (p<0,001), participa de grupo (p=0,008), frequência que costuma visitar (p<0,001), e frequência que recebe visitas (p=0,03) apresentaram relação estatisticamente significativa com a MIF. Os idosos mais velhos que praticam atividades de lazer e os que participam de grupo possuem maiores escores na MIF; os longevos que não costumam visitar e não recebem visitas apresentam MIF significativamente menor comparada aos demais.

Essas associações sugerem que a participação social e o lazer exercem influência positiva sob a capacidade funcional. Nesse sentido, corrobora a afirmação de que a continuidade do idoso no mercado de trabalho, por exemplo, pode ser uma das estratégias de intervenção para reduzir as incapacidades no idoso(2020 Alves LC, Leite IC, Machado CJ. Factors associated with functional disability of elderly in Brazil: a multilevel analysis.. Rev Saúde Pública 2010;44(3):468-78).

As variáveis consumo de frutas, de verduras e carne apresentaram relação estatisticamente significativa com a MIF (p=0,04; p=0,04; p=0,02, respectivamente). Considerando as três variáveis em conjunto, pode-se inferir: os idosos que possuem como hábito sempre consumir esses alimentos apresentam MIF médias maiores, e aqueles que consomem pouco tiveram menores escores na MIF.

Essa relação sugere que bons hábitos alimentares são importantes para a independência funcional dos idosos longevos. Ressalta-se que no presente estudo foram investigados apenas os hábitos alimentares atuais do idoso mais velho, e que certamente o padrão alimentar durante a vida teria maior influência na capacidade funcional. Outra observação é que, possivelmente, seria mais forte a relação entre a funcionalidade e o estado nutricional, considerando índice de massa corpórea e comportamento alimentar mais detalhado.

Revisão sistemática da literatura internacional foi realizada com objetivo de avaliar se os instrumentos de triagem nutricional poderiam prever mortalidade, declínio funcional e maior necessidade de cuidados(2121 Dent E, Visvanathan R, Piantadosi C, Chapman I. Nutritional screening tools as predictors of mortality, functional decline, and move to higher level care in older people: a systematic review. J Nutr Gerontol Geriatr. 2012;31(2):97-145). Os resultados dessa revisão indicaram que as escalas de avaliação nutricional são preditoras de baixo risco de mortalidade e declínio funcional.

Em investigação realizada com 2.948 idosos taiwaneses, acima de 65 anos, buscou-se examinar a capacidade preditiva do status funcional por meio da Miniavaliação Nutricional(2222 Lee LC, Tsai AC. Mini-Nutritional-Assessment (MNA) without body mass index (BMI) predicts functional disability in elderly Taiwanese. Arch Gerontol Geriatr. 2012;54(3):405-10). Os autores afirmam que estado nutricional e capacidade funcional são mutuamente dependentes, especialmente no idoso, e verificaram que os idosos classificados como desnutridos ou em risco de desnutrição tiveram um risco significativamente maior de dependência nas AVD e AIVD em comparação àqueles que foram classificados normais.

Conclusão

Diante dos resultados pode-se inferir que se manter economicamente ativo, praticar atividades físicas e de lazer, possuir participação social e consumir frutas, verduras e carne são fatores que contribuem para a independência funcional dos longevos. Os que possuem essas características, práticas e hábitos obtiveram maiores escores na MIF. Essa relação sugere que, de maneira geral, idosos que possuem um envelhecimento ativo tendem a permanecer independentes. A manutenção dessa condição é primordial para retardar incapacidades e se apresenta como excelente campo de atuação para a enfermagem, pois a orientação para a realização dessas práticas reduz a demanda de cuidados e necessidade de ajuda para as atividades cotidianas. Acredita-se, portanto, que os resultados obtidos fundamentam a tomada de decisão para prescrições de enfermagem que visem à prática de atividades físicas e de lazer, participação social e econômica, e o consumo regular de frutas, verduras e carne.

Todos os idosos, antes de alcançarem idades avançadas, merecem atenção com vistas à manutenção da independência, mesmo os que, a princípio, não têm nada, vivem em comunidade com seus familiares em condições estáveis de saúde. Esses indivíduos são geralmente esquecidos, pois a atenção é voltada para os que necessitam de cuidados especiais devido a alguma patologia e/ou alteração grave. Desta maneira, a prática de enfermagem gerontológica caminha na contramão do seu objetivo.

Para a implementação de planos de ação para os idosos mais velhos, que mantém alguma independência funcional, são necessários investimentos na área da saúde que permitam essa atuação. Bem como, para alcançarmos o Envelhecimento Ativo e Saudável, é preciso dirigir atenção especial às nossas crianças e jovens, aos seus hábitos e estilos de vida considerados danosos à saúde. Dessa forma, espera-se reverter, em parte, o quadro que se apresenta hoje de polipatologias e comorbidades em idosos mais velhos.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2015

Histórico

  • Recebido
    29 Jun 2014
  • Aceito
    02 Nov 2014
Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 , 05403-000 São Paulo - SP/ Brasil, Tel./Fax: (55 11) 3061-7553, - São Paulo - SP - Brazil
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