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Intervenção educativa sobre hipertermia maligna com profissionais de enfermagem do centro cirúrgico

Resumos

OBJETIVO

Avaliar a efetividade de uma intervenção educativa sobre a hipertermia maligna com profissionais de enfermagem do centro cirúrgico.

MÉTODO

Estudo quase-experimental, voltado a uma intervenção educativa de curta duração com a equipe de enfermagem do centro cirúrgico da instituição-sede da pesquisa, situada na cidade de São Paulo, com a participação de 96 profissionais. Foram aplicados pré e pós-teste à intervenção, que consistiu em aula expositiva seguida de simulação.

RESULTADOS

Considerando-se os resultados globais da intervenção, houve diferença estatística significativa (p<0,00). Após a intervenção educativa, observou-se um incremento das pontuações mínima e máxima, bem como média de crescimento de 2,64 pontos no conhecimento dos profissionais quando comparado à etapa anterior.

CONCLUSÃO

A estratégia de intervenção educativa favorece a abstração do conteúdo desenvolvido por todos os envolvidos e qualifica os profissionais para atuar com segurança.

Equipe de enfermagem; Conhecimentos; Atitudes e Prática em Saúde; Hipertermia Maligna; Enfermagem Perioperatória; Enfermagem de Centro Cirúrgico


OBJECTIVE

To evaluate the effectiveness of an educational intervention on malignant hyperthermia with operating room nurses.

METHOD

A quasi-experimental study, aimed at an educational intervention of short duration with the nursing staff in the operating room of the institution hosting the research in the city of São Paulo, with the participation of 96 professionals. Pre-intervention tests and post-intervention tests were applied, which consisted of a lecture followed by simulation.

RESULTS

Considering the overall results of the intervention, there was a statistically significant difference (p<0.00). After the educational intervention, there was an increase of the minimum and maximum scores, and average growth of 2.64 points in the knowledge of professionals when compared to the previous step.

CONCLUSION

The educational intervention strategy favors the concept of the content developed by everyone involved and qualifies professionals to work safely.

Nursing Staff; Health Knowledge, Attitudes, Practice; hospital; Malignant Hyperthermia; Perioperative Nursing; Operating Room Nursing


OBJETIVO

Evaluar la efectividad de una intervención educativa acerca de la hipertermia maligna con profesionales de enfermería del quirófano.

MÉTODO

Estudio casi experimental, volcado a una intervención educativa de corta duración con el equipo de enfermería del quirófano de la institución sede de la investigación, ubicada en la ciudad de São Paulo, con la participación de 96 profesionales. Se aplicaron pre y post prueba a la intervención, que consistió en clase expositiva seguida de simulación.

RESULTADOS

Considerándose los resultados globales de la intervención, hubo diferencia estadística significativa (p<0,00). Después de la intervención educativa, se observó un incremento de los puntajes mínimo y máximo, así como promedio de crecimiento de 2,64 puntos en el conocimiento de los profesionales cuando comparado a la etapa anterior.

CONCLUSIÓN

La estrategia de intervención educativa favorece la abstracción del contenido desarrollado por todos los involucrados y cualifica a los profesionales para actuar con seguridad.

Grupo de Enfermería; Conocimientos, Actitudes y Práctica en Salud; Hipertermia Maligna; Enfermería Perioperatoria; Enfermería de Quirófano


Introdução

A hipertermia maligna (HM) é uma doença farmacogenética de herança autossômica dominante, caracterizada por reação hipermetabólica anormal a agentes anestésicos inalatórios do grupo dos halogenados e aos relaxantes musculares despolarizantes, como a succinilcolina. As crises típicas apresentam taquicardia, taquipneia, hipercarbia, rigidez muscular, hipertermia, acidose metabólica e rabdmiólise; entretanto, há grande variabilidade clínica, apresentando desde formas fulminantes, frustras e atípicas até o espasmo de masseter isolado. A hipertermia maligna foi descrita pela primeira vez em 1960 e ocorre em frequência de até 1:10.000 anestesias gerais em crianças e 1:50.000 anestesias gerais em adultos(1Harris M, Chung F. Complications of general anesthesia. Clinic Plastic Surg. 2013;40(4):503-13.). O primeiro relato de hipertermia maligna no Brasil foi publicado em 1975 durante anestesia com halotano, mas não existem dados sobre a sua real incidência no Brasil(2Silva HCA, Almeida CS, Brandao JCM, Silva CAN, Lorenzo MEP, Ferreira CBN, et al. Malignant hyperthermia in Brazil: analysis of hotline activity in 2009. Rev Bras Anestesiol. 2013;63(1):13-9.).

O tratamento consiste em reconhecimento precoce dos agentes desencadeadores, remoção desses agentes e administração de Dantrolene. A hipertermia maligna é uma emergência anestésica e existem protocolos com funções explícitas para cada membro da equipe, que devem ser padronizados e orientados para um atendimento resolutivo(2Silva HCA, Almeida CS, Brandao JCM, Silva CAN, Lorenzo MEP, Ferreira CBN, et al. Malignant hyperthermia in Brazil: analysis of hotline activity in 2009. Rev Bras Anestesiol. 2013;63(1):13-9.).

A anestesia geral é um estado de inconsciência reversível que permite submeter pacientes a procedimentos cirúrgicos de uma forma segura e humanizada. Embora ela seja cada vez mais segura, não está livre de riscos e complicações. A morbidade associada à anestesia geral varia de complicações menores que afetam a experiência do paciente, sem consequências em longo prazo, a complicações que podem resultar em deficiência permanente(1Harris M, Chung F. Complications of general anesthesia. Clinic Plastic Surg. 2013;40(4):503-13.). Contudo, a mortalidade relacionada a esse procedimento é rara, e suas poucas ocorrências têm diminuído significativamente ao longo das últimas cinco décadas(2Silva HCA, Almeida CS, Brandao JCM, Silva CAN, Lorenzo MEP, Ferreira CBN, et al. Malignant hyperthermia in Brazil: analysis of hotline activity in 2009. Rev Bras Anestesiol. 2013;63(1):13-9.).

Portanto, o conhecimento por parte dos profissionais de enfermagem do centro cirúrgico sobre a fisiopatogenia, as complicações e a forma de atendimento da crise de hipertermia maligna é de real importância para que eles possam ser capazes de desempenhar toda a assistência necessária ao paciente com competência e qualidade.

A educação apoia-se no ensino para que o indivíduo aproprie-se do conhecimento, considerando-se aqui também o conhecimento e a vivência que o educando já possui sobre determinado conteúdo. Nesse sentido, o ensino vem se reorganizando para substituir o modelo tradicional por um transformador, descentralizado e integralizado, no qual o docente passa a atuar como agente de mudança, estimulando o desenvolvimento das potencialidades dos discentes e auxiliando-os a enxergar suas limitações(3Dias CL, Alves AM, Ynoue AT, Silva CS. O modo de entender e fazer a Educação: o professor frente à formação critico-reflexiva na educação superior. Colloquium Human. 2010;7(1):50-7.).

Desta forma, a intervenção educativa permeada por simulação pode ser uma estratégia de desenvolvimento de potencialidade do discente. Nesta estratégia o discente não apenas recebe a informação do docente, mas também coloca em prática seu aprendizado, enxerga a sua limitação quando percebe a falha no atendimento demonstrado na simulação. Treinar os profissionais em situações simuladas permite exercitar o atendimento e torna estes profissionais seguros e capacitados para o atendimento, garantindo a segurança do paciente.

A segurança do paciente, do ambiente hospitalar e da anestesia, é uma temática relevante na atualidade e gera muita discussão. Desde a década de 1990, este tema tem sido uma preocupação central para o sistema de saúde em todo o mundo. Pesquisas internacionais indicam que os erros de cuidado à saúde causaram em 1997 de 44 a 98 mil eventos adversos nos hospitais dos Estados Unidos(4Khon L, Corrigan J, Donaldson M. To err is human: building a safer health system [Internet]. Washington: The National Academies Press; 2000 [cited 2014 June 10]. Available from: http://www.nap.edu/catalog.php?record_id=9728
http://www.nap.edu/catalog.php?record_id...
).

Em 2004, a Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou a Aliança Mundial para a segurança do paciente. Um dos itens significativos dessa ação, e que estava relacionado ao risco à segurança do paciente, foi a Cirurgia Segura Salva-Vidas. Implementado entre 2007 e 2008 com a finalidade de reduzir os danos aos pacientes cirúrgicos e definir padrões de segurança para serem aplicados em todos os países-membros dessa organização(5Brasil. Ministério da Saúde; Agência Nacional de Vigilância Sanitária; Organização Pan-Americana da Saúde. Aliança Mundial para a Segurança do Paciente. Cirurgias seguras salvam vidas: segundo desafio global para a segurança do paciente [Internet]. Brasília; 2009 [citado 2014 jun. 10]. Disponível em: http://www.into.saude.gov.br/upload/arquivos/pacientes/cirurgias_seguras/Seguran%C3%A7a_do_Paciente_guia.pdf
http://www.into.saude.gov.br/upload/arqu...
).

Uma ampla gama de temas sobre segurança é abordada pela Association PeriOperative Registered Nursing (AORN) com o intuito de que sejam recomendadas medidas baseadas em evidências. Dentre elas, podemos citar: prevenção de lesões musculoesqueléticas, segurança contra incêndios, equipamentos elétricos, alarmes, mantas térmicas, soluções de aquecimento, armazenamento de cilindro de gases medicinais, resíduos de gases anestésicos, látex, produtos químicos e resíduos perigosos(6Hughes AB. Implementing AORN recommended practices for a safe environment of care. AORN J. 2013;98(2):153-66.). Devido ao crescente número de pessoas submetidas anualmente a cirurgias, a preocupação das instituições de atendimento com a saúde tem se voltado ao paciente cirúrgico(5Brasil. Ministério da Saúde; Agência Nacional de Vigilância Sanitária; Organização Pan-Americana da Saúde. Aliança Mundial para a Segurança do Paciente. Cirurgias seguras salvam vidas: segundo desafio global para a segurança do paciente [Internet]. Brasília; 2009 [citado 2014 jun. 10]. Disponível em: http://www.into.saude.gov.br/upload/arquivos/pacientes/cirurgias_seguras/Seguran%C3%A7a_do_Paciente_guia.pdf
http://www.into.saude.gov.br/upload/arqu...
).

Devido à gravidade da crise, à possibilidade de óbito em pacientes mal conduzidos e à preocupação com a segurança do paciente cirúrgico, preocupou-se em criar uma estratégia educativa para os profissionais de enfermagem da nossa instituição. Dessa forma, este estudo tem por objetivo avaliar a efetividade de uma intervenção educativa sobre a hipertermia maligna com esses profissionais do centro cirúrgico.

Método

Trata-se de um estudo quase-experimental, voltado a uma intervenção educativa de curta duração sobre a HM com técnicos de enfermagem e enfermeiros do centro cirúrgico da instituição-sede da pesquisa, situada na cidade de São Paulo. Recebeu aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa do Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Sírio-Libanês (Processo nº 354.937/2013). Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) antes do início da coleta de dados, respeitando os preceitos éticos de pesquisa com seres humanos fundamentados na Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde(7Brasil. Ministério da Saúde; Conselho Nacional de Saúde. Resolução 466, de 12 de dezembro de 2012. Dispõe sobre as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos [Internet]. Brasília; 2012 [citado 2014 jun.15]. Disponível em: http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2012/Reso466.pdf
http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/...
).

O quadro de profissionais de enfermagem que atuavam diretamente na assistência no centro cirúrgico na instituição pesquisada era composto por 23 enfermeiros e 110 técnicos de enfermagem. Baseado no cálculo amostral com erro alfa de 0,05%, dos 133 profissionais, foram inseridos na amostra desta pesquisa somente 96.

O critério de inclusão contemplou os profissionais de enfermagem com atuação no centro cirúrgico da instituição-sede da pesquisa. Os critérios de exclusão aplicados contemplaram profissionais com formação de auxiliar de enfermagem, bem como os que gozavam de período de férias ou licença médica durante o período de coleta de dados da pesquisa.

A coleta de dados foi realizada nos meses de agosto e setembro de 2013, utilizando instrumento construído pelo pesquisador com base nas práticas recomendadas pela AORN. Essa associação sem fins lucrativos representa os interesses de mais de 160.000 enfermeiros perioperatórios, fornecendo ensino de enfermagem, normas, práticas e publicação mensal sobre a enfermagem perioperatória. O instrumento foi validado por três enfermeiras especialistas em centro cirúrgico por meio de discussão em grupo e submetido à análise de confiabilidade do alfa de Cronbach. O instrumento desenvolvido compreendeu uma avaliação teórica com dez questões, com cinco possíveis respostas para cada, dentre as quais, apenas uma alternativa era correta.

Esse teste compreendeu conhecimento sobre definição da patologia, diagnóstico, tratamento, efeitos colaterais da medicação, existência de protocolo para atendimento à crise, recurso de notificação da ocorrência e profissionais que atuam durante a crise de hipertermia maligna. O coeficiente de alfa de Cronbach do questionário foi de 1,0, indicando consistência interna do instrumento. Ele foi aplicado por uma enfermeira treinada para aplicação do teste e realização da intervenção.

Para cada acerto foi atribuído um ponto, e o escore total do teste de conhecimento correspondeu à soma de todas as respostas corretas. Optou-se por considerar como conhecimento sobre o assunto faixas de escores iguais ou acima de 70%.

O instrumento foi distribuído aos profissionais que aceitaram participar e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Esses responderam individualmente durante o horário de trabalho, devolvendo-o imediatamente à pesquisadora. Apesar de identificação no instrumento, os resultados foram mantidos no anonimato.

Em razão da dinâmica do centro cirúrgico foi combinado previamente com a enfermeira líder desse setor, a disponibilização de alguns profissionais para a sala de treinamento por um período de 40 minutos. A escolha dos profissionais foi baseada na demanda do mapa cirúrgico, sendo encaminhados à sala de treinamento aqueles que tinham a possibilidade de se ausentar pelo período proposto.

Os questionários foram aplicados na fase de pré-intervenção e reaplicados uma semana após a intervenção educativa.

A intervenção educativa sobre hipertermia maligna foi realizada com pequenos grupos. Devido à demanda do centro cirúrgico, cada sessão era iniciada imediatamente após os profissionais serem disponibilizados para aplicação do questionário pré-intervenção. Os grupos continham de cinco a 12 pessoas, e a ação foi conduzida até ser alcançado o número amostral de 96.

Ministrada com aula expositiva e explanação pela pesquisadora, ao final da apresentação de vinte minutos os participantes eram convidados para uma simulação rápida de atendimento, na qual cada um deles poderia escolher o papel que gostaria de interpretar dentro de um atendimento de crise da hipertermia maligna (paciente, anestesiologista, enfermeiro e técnico de enfermagem). Dessa forma, foram realizadas simulações de situações dentro do contexto de uma sala operatória, nas quais os participantes demonstravam como deveriam proceder para um atendimento eficaz. Os participantes assistiam e opinavam sobre o cenário, reforçando o aprendizado recém-adquirido.

A aula expositiva em Microsoft Power Point® abordava os seguintes conceitos: definição de hipertermia maligna, fisiopatologia, agentes desencadeantes da crise, ocorrência dos primeiros casos descritos em literatura, tratamento para crise, preparo da medicação, possíveis efeitos colaterais dos medicamentos administrados, conceito de protocolo, demonstração do protocolo de atendimento de hipertermia maligna criado para esta instituição.

Após uma semana da intervenção educativa, com a finalidade de avaliar o aprendizado, os técnicos de enfermagem e enfermeiros que participaram da intervenção, e fizeram o pré-teste, foram convidados a preencher novamente o mesmo questionário aplicado na fase de pré-intervenção, os quais foram entregues à pesquisadora.

Os dados coletados foram digitados em planilha Microsoft Excel for Mac®2011, utilizando-se a técnica de dupla digitação para análise no programa Statistical Package for Social Science, versão 20.0 (SPSS). A análise considerou os escores dos dois grupos de profissionais, os técnicos de enfermagem e os enfermeiros, e não os escores isolados para cada sujeito. As variáveis relacionadas às características sociodemográficas (idade, sexo e tempo de formação profissional) e respostas do teste de conhecimento foram sumarizadas e apresentadas descritivamente por meio de distribuição de frequências, valores absolutos, médias e desvio-padrão. Para análise estatística, foi usado o teste de Wilcoxon para comparar as médias de antes e depois. O nível de significância adotado foi de p< 0.05.

Resultados

Participaram da pesquisa 96 membros da equipe de enfermagem do centro cirúrgico, correspondente a 67,13% da equipe ativa na unidade, sendo 89 técnicos de enfermagem e sete enfermeiros. A idade média dos profissionais foi de 36±8,1 anos e o tempo de formação 10±7,0 anos. Não foram levantados dados sobre tempo de experiência na área. A distribuição dos participantes, segundo as características sociodemográficas, é apresentada na Tabela 1.

Tabela 1
Características sociodemográficas dos participantes, segundo categoria profissional - São Paulo, SP, 2013

Considerando-se os resultados globais da intervenção, houve diferença estatística significante com relação ao conhecimento após a intervenção educativa sobre a hipertermia maligna com os profissionais do centro cirúrgico (p<0,00). Observou-se um incremento da pontuação mínima e máxima, bem como média de 2,64 pontos no conhecimento dos profissionais quando comparado à etapa anterior (Tabela 2).

Tabela 2
Pontuação da avaliação do conhecimento no pré e pós-teste da intervenção educativa - São Paulo, SP, 2013.

Na análise dos itens que compõem o questionário, houve diferença estatística em oito dos dez itens do conhecimento após a intervenção educativa (p<0,05). É necessário ressaltar que as maiores diferenças de médias estiveram relacionadas aos seguintes itens: tratamento da hipertermia maligna (-0,53), manifestações clínicas inicias (-0,38), notificação para centro de vigilância (-0,36) e disponibilidade do medicamento para tratamento na instituição (-0,35) (Tabela 3).

Tabela 3
Comparação de médias, desvio-padrão e diferença de médias do conhecimento, segundo itens de avaliação do pré e pós-teste da intervenção educativa - São Paulo, SP, 2013.

Discussão

A intervenção educativa baseada em aula expositiva e simulação básica de atendimento permitiu aumentar o conhecimento dos profissionais de enfermagem do centro cirúrgico sobre a hipertermia maligna. Um fator favorável foi a disponibilidade, por parte da equipe de enfermagem, em compor os grupos de estudo. A disponibilidade do aprendiz é considerada um fator interno, no qual o indivíduo sai da condição de ser passivo e entra na de ser ativo, que é inerente a cada pessoa. Não havendo disponibilidade do indivíduo, apesar do material ser potencialmente significativo, o sujeito opta por simplesmente decorá-lo(8De Mattia AL, Barbosa MH, Rocha ADM, Farias HL, Santos CA, Santos DM. Hypothermia in patients during the perioperative period. Rev Esc Enferm USP. 2012;46(1):60-6.).

O uso de simulações de atendimento é um método de ensino criado para facilitar um ambiente seguro para exercícios de aprendizagem, pois fornece um caminho entre a educação formal e a prática profissional, especialmente eficaz para situações raras, mas potencialmente fatais, como a hipertermia maligna(9Cain CL, Riess ML, Gettrust L, Novalija J. Malignant hyperthermia crisis: optimizing patient outcomes through simulation and interdisciplinary collaboration. AORN J. 2014;99(2):301-8; quiz 309-11.).

A capacitação profissional permite também a criação de uma equipe multidisciplinar coordenada, como um time de resposta rápida (TRR)(1010 Hirshey Dirksen SJ, Van Wicklin SA, Mashman DL, Neiderer P, Merritt DR. Developing effective drills in preparation for a malignant hyperthermia crisis.. AORN J 2013;97(3):329-53.), possibilitando as melhores chances de sucesso na recuperação do paciente dentro de uma crise. A criação de times de resposta rápida nas instituições de saúde tem aumentado paralelamente ao maior interesse na melhoria da qualidade de assistência(1111 Veiga VC, Carvalho JC, Amaya LEC, Gentile JKA, Rojas SSO. Atuação do Time de Resposta Rápida no processo executivo de atendimento da parada cardiorespiratória. Rev Soc Bras Clín Méd. 2013;11(3):258-62.).

Dois dados se tornaram relevantes para o presente estudo: sexo e tempo de formação dos participantes. A amostra se caracterizou por uma população do sexo feminino e com experiência na área. A enfermagem tem sido historicamente caracterizada como uma profissão tipicamente feminina, embora a população de enfermeiros do sexo masculino tenha triplicado na ultima década(1212 Mendoza IYQ, Peniche ACG, Araujo Püschel VA. Knowledge of hypothermia in nursing professionals of surgical center.. Rev Esc Enferm USP 2012;46(n.spe):123-9.). O tempo de formação foi de 6-10 anos - 36,5% (35) -, seguido de 11-20 anos - 29,2% (28) - denotando profissionais com experiência.

A efetividade da intervenção educativa foi evidenciada por aumento da média de acerto no teste de conhecimento pós-intervenção - na fase pré, resultou em 5,85, e pós, 8,49 pontos -, com diferença estatística significante. Resultados semelhantes foram encontrados em alguns estudos que avaliaram efetividade dos programas educativos(9Cain CL, Riess ML, Gettrust L, Novalija J. Malignant hyperthermia crisis: optimizing patient outcomes through simulation and interdisciplinary collaboration. AORN J. 2014;99(2):301-8; quiz 309-11.,1313 Mendoza IYQ, Peniche ADG. Educational intervention regarding hypothermia: a teaching strategy for education in the Surgery Department.. Rev Esc Enferm USP 2012;46(4):849-55.-1414 He HG, Jahja R, Lee TL, Ang EN, Sinnappan R, Vehviläinen-Julkunen K, et al. Nurses' use of nonpharmacological methods in children's postoperative pain management: educational intervention study. J Adv Nurs. 2010;66(11):2398-409.). Em geral, a hipertermia maligna é pouco abordada nos cursos de formação profissional. Os resultados de conhecimento prévio obtidos por este estudo foram considerados insatisfatórios, com acerto abaixo de 70%, provavelmente decorrente da falta de informação recebida por esses profissionais durante sua formação.

Um estudo americano com acadêmicos de enfermagem levantou a questão sobre o pouco conhecimento sobre tratamento e gestão da hipertermia maligna pelos graduandos, resultando na criação de uma estratégia educativa para esse grupo(9Cain CL, Riess ML, Gettrust L, Novalija J. Malignant hyperthermia crisis: optimizing patient outcomes through simulation and interdisciplinary collaboration. AORN J. 2014;99(2):301-8; quiz 309-11.).

No Brasil, não há estudos que evidenciem estratégias educativas com esse tema. Entretanto, a AORN recomenda que todos os profissionais dentro do bloco operatório que podem auxiliar na resposta a uma crise de hipertermia maligna devem receber treinamento e realizar atividades de validação e competência aplicáveis às suas funções sobre as ações necessárias para gerenciar de maneira eficaz esse tipo de evento(1515 Association of PeriOperative Registered Nurses. Malignant Hyperthermia Guideline. Perioperative Standards and Recommended Practices. Denver: AORN; 2012. p. 621-41.). A American Association of Nurse Anesthetists (AANA) também recomenda que os enfermeiros anestesistas certificados mantenham a competência por meio de educação contínua no tratamento da hipertermia maligna(1616 American Association of Nurse Anesthetists. Position statement number 2.5: malignant hyperthermia crisis preparedness and treatment [Internet]. Park Ridge: ANA; 2010 [cited 2014 June 10]. Available from: http://www.aana.com/resources2/professionalpractice/Documents/PPM%20PS%202.5%20MH%20Preparedness%20and%20Treatment.pdf
http://www.aana.com/resources2/professio...
).

Destacam-se alguns itens de menor conhecimento na fase pré-teste: patologia, tratamento e diagnóstico. Esse resultado provavelmente pode ser justificado pelo foco educacional do profissional, pois, em geral, os médicos aprofundam seu conhecimento em diagnóstico e tratamento, e a enfermagem, em cuidado.

Um dos itens que nos chamou atenção pelo pouco conhecimento da equipe estava relacionado à notificação aos centros de vigilância. Devido ao pouco conhecimento dos profissionais de enfermagem, a falta de notificação de um paciente com hipertermia maligna leva a uma subnotificação dos casos existentes.

A Resolução SS-20, instituída pelo Estado de São Paulo no dia 22 de fevereiro de 2006, regulamenta a hipertermia maligna como uma doença de notificação compulsória imediata, tendo o profissional de saúde o dever de preencher a Ficha de Notificação Compulsória de Eventos Adversos e encaminhá-la para a Farmacovigilância do seu Estado(1717 São Paulo (Estado). Secretaria de Estado da Saúde. Resolução SS n. 60, de 22 de fevereiro de 2006. Atualiza a lista de doenças de notificação compulsória no estado de São Paulo [Internet]. São Paulo; 2006 [citado 2014 jun. 10]. Disponível em: ftp://ftp.cve.saude.sp.gov.br/doc_tec/nive/dncsp_220206.pdf
ftp://ftp.cve.saude.sp.gov.br/doc_tec/ni...
).

Sobre a disponibilidade do medicamento para tratamento e a existência de protocolos de atendimento, os participantes tinham algum conhecimento, mas não domínio sobre a procedência e guarda do medicamento e atendimento do paciente. Ambos estão relacionados ao conhecimento da sua unidade de trabalho e à oportunidade de atendimento, de forma a garantir a segurança do paciente.

A equipe de enfermagem deve estar ciente de que existe correlação direta entre a gravidade de um episódio de hipertermia maligna e a oportunidade de tratamento. Logo, qualquer atraso no reconhecimento precoce e no tratamento imediato de um paciente com hipertermia maligna pode resultar na morte súbita por parada cardíaca, lesão cerebral, insuficiência de múltiplos órgãos ou coagulação intravascular disseminada (CIVD)(1515 Association of PeriOperative Registered Nurses. Malignant Hyperthermia Guideline. Perioperative Standards and Recommended Practices. Denver: AORN; 2012. p. 621-41.,1818 Escobar DJ . Malignant hyperthermia. Rev Med Clin Condes. 2011;22(3):310-5.-1919 Poore SO, Sillah NM, Mahajan AY, Gutowski KA. Patient safety in the operating room: II. Intraoperative and postoperative. Plast Reconstr Surg. 2012;130(5):1048-58.).

Desde 2000, as ações de centro cirúrgico passam a ter como foco a segurança do paciente. Dessa forma, protocolos e processos de segurança foram inseridos na prática do centro cirúrgico e as competências do enfermeiro se ampliaram(2020 Sousa CS, Diniz TRZ, Cunha ALSM. Malignant hyperthermia: proposing a care protocol for surgical centers. J NursUFPE On Line [Internet]. 2013 [cited 2014 June 10];7(11):6714-8. Available from: http://www.revista.ufpe.br/revistaenfermagem/index.php/revista/article/view/4878/pdf_4061
http://www.revista.ufpe.br/revistaenferm...
). Em 2007, com equipes melhor treinadas, diagnóstico precoce e tratamento rápido, a taxa de mortalidade girou em torno em 5%, uma clara diferença quando comparada aos 80% registrados nos anos 1970(1010 Hirshey Dirksen SJ, Van Wicklin SA, Mashman DL, Neiderer P, Merritt DR. Developing effective drills in preparation for a malignant hyperthermia crisis.. AORN J 2013;97(3):329-53.).

Mesmo com o decréscimo das taxas de mortalidade apresentado nos últimos anos, a competência do enfermeiro do centro cirúrgico ainda apresenta muitos desafios. Portanto, a recomendação de que sejam ministrados treinamentos recorrentes para aprimoramento profissional, bem como sejam criados protocolos de atendimento para esse evento, ainda é de extrema importância(2121 Sousa CS, Gonçalves MC, Lima AM, Turrini RNT. Advances in the role of surgical center nurses.. J NursUFPE On Line [Internet] 2013 [cited 2014 June 10]];7(n.spe):915-23. Available from: http://www.revista.ufpe.br/revistaenfermagem/index.php/revista/article/view/4888/pdf_3820
http://www.revista.ufpe.br/revistaenferm...
).

Conclusão

Apesar de poucos resultados de trabalhos voltados à enfermagem sobre a hipertermia maligna, principalmente no que se refere ao conhecimento da equipe sobre o tema, dificultando a discussão dos achados com a literatura, os resultados mostram a eficácia da intervenção educação realizada com um aumento do conhecimento adquirido pela equipe.

A estratégia de intervenção educativa, além de eficiente, favorece a abstração do conteúdo desenvolvido por todos os envolvidos nesse processo e qualifica os profissionais para atuar com segurança e rapidez no atendimento do paciente em caso de ocorrência relacionada à doença.

Ao enfermeiro, como líder de equipe, cabe tanto se atualizar continuamente através da busca de conhecimento científico, quanto disseminar esse conhecimento entre sua equipe com a finalidade de elevar a competência técnica da categoria profissional, para que, dessa forma, possamos assistir o paciente com excelência.

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    Harris M, Chung F. Complications of general anesthesia. Clinic Plastic Surg. 2013;40(4):503-13.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2015

Histórico

  • Recebido
    15 Out 2014
  • Aceito
    04 Dez 2014
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