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Mudanças dos hábitos alimentares entre os Akwen Xerente

Resumos

A pesquisa objetivou identificar a alimentação atual do povo Xerente, nas aldeias indígenas Porteira e Funil, no município de Tocantínia / TO. Utilizou-se uma abordagem etnográfica qualitativa. Realizada entre setembro de 2013 a agosto de 2014. Os dados foram descritos através de um diário de campo, por meio da observação das práticas alimentares com a orientação de um roteiro. Está ocorrendo um processo de mudança alimentar na cultura deste povo. Fatores como o déficit no plantio das roças, a chegada da energia, e consequentemente a tecnologia, permitiu o acesso a alimentos industrializados. Mas algumas famílias ainda mantem o cultivo de mandioca, inhame, feijão andu. Os principais animais que são caçados na aldeia são caititu, veado e tatu. Foi possível encontrar a presença de alimentos industrializados inseridos na alimentação do Xerente e isso tem provocado alterações nos hábitos desse povo.

Alimentação Indígena; Mudança Alimentar; Alimentos Industrializados


The research aimed to identify the current feed of Xerente people in Indian villages Porteira and Funil in the city of Tocantinia / TO. It was used a qualitative ethnographic approach. Conducted from September 2013 to August 2014. The data were presented in a diary, through participant observation of food practices with the guidance of a script. A process of dietary change that permeates the culture of this people is taking place. Factors such as the deficit in the planting gardens, the recent arrival of energy, and therefore the technology has allowed access to processed foods. But some families still maintain the farming of cassava, yam, and beans. The main animals that are hunted in the village are peccary, deer and armadillo. It was possible to point which foods are inserted in the Xerente feed and factors related to this situation.

Indian Food; Dietary Change; Processed Foods


La investigacion tuvo como objetivo identificar los vinculos actuales de los indios Xerente en las aldeas indias Porteira y Funil en el municipio de Tocantinia / TO . Se utilizo un enfoque cualitativo etnografico. Llevado a cabo entre septiembre de 2013 y agosto de 2014. Los datos fueron presentados em un diario, a traves de la observacion participante de las practicas de los alimentos con la guia de un guion. Esta llevando a cabo un proceso de cambio en la dieta que impregna la cultura de este pueblo. Factores como el deficit de la plantacion de los jardines, la llegada de la energia, y por lo tanto la tecnologia ha permitido el acceso a los alimentos procesados . Pero algunas familias aun mantienen los yuca, name, frijoles de paloma. Los principales animales que se cazan en el pueblo son pecari, venado y armadillo. Fue posible senalar los alimentos que se inseriran en el poder de Xerente y los factores relacionados con esta situacion.

Comida Índia; Cambio en la Dieta; los Alimentos Procesados


Introdução

Alimentação revela origens, civilidade, comportamentos, culturas, crenças, valores espirituais ou materiais transmitidos coletivamente e característicos de uma sociedade. A alimentação brasileira tem heranças africanas, indígenas e do branco europeu(11. Araujo WMC, Botelho RA, Ginani VC, Araujo HMC, Zandonani RP. Da alimentação a gastronomia. Brasília: UNB; 2005. 102p.).

Os hábitos alimentares de uma população estão ligados aos seus costumes, educação e modo de vida. Comer em todas as civilizações é mais do que simplesmente garantir a subsistência, é um ato simbólico cultural, representa um estilo de vida, aprofunda relações familiares e sociais, e enriquece o processo de construção do conhecimento(22. Barreto RLP. Passaporte para o sabor: tecnologias para a elaboração de cardápios. 6a ed. São Paulo: Senac; 2005. p. 11-12.). Verifica-se também que os alimentos tradicionais tem representatividade simbólica, relacionados a cosmologia, formação do corpo, trocas, reciprocidades, ritos, entre outros, diferenciados de acordo com cada grupo(33. Silva SMO da. Alimentos, Restrições e Reciprocidade no Ritual Xavante do Waptemnhono (Terra Indigena Maraiwatsede, Mato Grosso) [dissertação]. Brasília (DF): Universidade de Brasília, Centro de Desenvolvimento Sustentável; 2013. p.19.).

A culinária é uma forma de avaliar a cultura de uma população, e uma linguagem que se deve saber interpretar para melhor compreender os costumes de um povo. Estudos clássicos sobre antropologia da alimentação consideram o ato alimentar não somente biológico, com o intuito de satisfazer as necessidades nutricionais, mas aquele que permite absorver aspectos cognitivos e simbólicos, tornando o alimento um meio de se estudar a cultura de um povo. Para os povos indígenas, a comida é cultura, faz parte de tradição cultural, tradição oral que não é falada, mas praticada e relacionada com a cosmologia(44. SCHMIDT, R. “Nossa cultura e pequi, frutinha do mato”: um estudo sobre as praticas alimentares do povo akwe [dissertação]. Goiânia (GO): Universidade Federal de Goiás, Faculdade de Ciências Sociais; 2011. 128p.).

No Inquérito Nacional de Alimentação realizado entre os anos de 2008 e 2009, os alimentos identificados como os mais consumidos pela população brasileira foram arroz (84,0%), café (79,0%), feijão (72,8%), pão de sal (63,0%) e carne bovina (48,7%), destacando-se também o consumo de sucos e refrescos (39,8%), refrigerantes (23,0%) e menor presença de frutas (16,0%) e hortaliças (16,0%)(77. Souza A, Pereira R., Yokoo E., Levy R., Sichieri R. Alimentos mais consumidos no Brasil: Inquérito Nacional de Alimentação 2008-2009. Rev.Saúde Pública. 2013:47 (1):190S-199S.).

Para os povos indígenas da região Akwe/Xerente sua comida tradicional é a mandioca, a base fundamental de alimentação, ingerida principalmente em forma de grolado, beiju e farinha. A carne de caça ocupa o segundo lugar na importância dada, seguida pelo consumo de peixe e logo os frutos do cerrado. Porém, a alimentação atual se constitui basicamente de arroz, que pode ser acompanhada de peixe, carne de caca, carne de gado e a farinha de puba(44. SCHMIDT, R. “Nossa cultura e pequi, frutinha do mato”: um estudo sobre as praticas alimentares do povo akwe [dissertação]. Goiânia (GO): Universidade Federal de Goiás, Faculdade de Ciências Sociais; 2011. 128p.).

Esses dados são confirmados no I Inquérito de Saúde e Nutrição dos Povos Indígenas, onde se observa que dentre os principais produtos cultivados nas roças ou plantações em áreas indígenas da região norte, a mandioca tem representatividade de 96,6%8. O inquérito aponta também que 96,7% dos povos indígenas da região norte, avaliados no estudo, caçam e pescam para comer e 91,7% coletam para comer(88. Brasil. Ministério do Desenvolvimento Social. I Inquérito Nacional de Saúde e Nutrição dos Povos Indígenas. Rio de Janeiro, RJ: MDS; 2009. [acesso 01 Fev2014] Disponível em: http://www.abrasco.org.br/grupos/arquivos/2013-01-23%2013:44:23.pdf.
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).

Destaca-se que a alimentação dos povos Akwẽ, ainda inclui diversas frutas nativas, tais como a manga, pequi, mangaba e buriti e é complementada com o cultivo de roças onde plantam mandioca, inhame, batata, banana, cana-de-açúcar, cara, feijão-andu, fava, milho, arroz e abobora. Dentre os animais que servem de alimento estão o macaco, quati, cutia, seriema, ema, tamanduá, anta, tatu, marreco e pato(99. Lunardi EA. O Xerente: direito, vida e resistência [tese]. Goiânia (GO): Universidade Federal de Goias/Faculdade de direito/Programa de pós-graduação em direito agrário; 1997. 323 f.).

Portanto, o cerrado é um meio de subsistência ao povo Akwẽ, além da pesca, porém esses recursos estão comprometidos devido às intensas queimadas e ao impacto da construção da Usina Hidrelétrica Luís Eduardo Magalhaes(44. SCHMIDT, R. “Nossa cultura e pequi, frutinha do mato”: um estudo sobre as praticas alimentares do povo akwe [dissertação]. Goiânia (GO): Universidade Federal de Goiás, Faculdade de Ciências Sociais; 2011. 128p.). Dentre outros fatores que podem estar ocasionando mudanças na prática alimentar do indígena está a aproximação deste com a sociedade não indígena, o acesso a políticas públicas assistencialistas que, por vezes, não consideram as práticas tradicionais e consequentemente acabam por modificar a alimentação tradicional desse povo(33. Silva SMO da. Alimentos, Restrições e Reciprocidade no Ritual Xavante do Waptemnhono (Terra Indigena Maraiwatsede, Mato Grosso) [dissertação]. Brasília (DF): Universidade de Brasília, Centro de Desenvolvimento Sustentável; 2013. p.19.).

Os estudos sobre os hábitos alimentares indígenas apontam um aumento do consumo de gordura animal e açúcar e uma diminuição da ingestão de cereais, leguminosas, frutas e hortaliças nessa população. Essas influências podem ser observadas em estudos na população indígena que identificaram aumento no índice de massa corporal (> 25,00 kg/m2) e que atribuíram a essas alterações as mudanças alimentares, com menor consumo de alimentos tradicionais em contrapartida, a maior ingestão dos industrializados. Em decorrência desses achados, as doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) tais como hipertensão arterial sistêmica (HAS), diabetes mellitus (DM) e obesidade passaram a assumir um papel expressivo e preocupante para uma população que não tinham tal preocupação(88. Brasil. Ministério do Desenvolvimento Social. I Inquérito Nacional de Saúde e Nutrição dos Povos Indígenas. Rio de Janeiro, RJ: MDS; 2009. [acesso 01 Fev2014] Disponível em: http://www.abrasco.org.br/grupos/arquivos/2013-01-23%2013:44:23.pdf.
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).

Diante disso, o I Inquérito Nacional de Saúde e Nutrição dos Povos Indígenas mostrou que as prioridades do governo brasileiro na redução das iniquidades de todas as formas, com atenção para a saúde, o conhecimento sobre o estado de saúde, nutricional e alimentar dos povos indígenas no Brasil, ainda necessita de maiores estudos, sendo os já presentes estudos vistos de forma bastante superficial(88. Brasil. Ministério do Desenvolvimento Social. I Inquérito Nacional de Saúde e Nutrição dos Povos Indígenas. Rio de Janeiro, RJ: MDS; 2009. [acesso 01 Fev2014] Disponível em: http://www.abrasco.org.br/grupos/arquivos/2013-01-23%2013:44:23.pdf.
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).

De acordo com o I Inquérito de Saúde e Nutrição dos Povos Indigenas(88. Brasil. Ministério do Desenvolvimento Social. I Inquérito Nacional de Saúde e Nutrição dos Povos Indígenas. Rio de Janeiro, RJ: MDS; 2009. [acesso 01 Fev2014] Disponível em: http://www.abrasco.org.br/grupos/arquivos/2013-01-23%2013:44:23.pdf.
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) observa-se que o consumo de alimentos destes povos esta passando por um processo de mudança, com impacto direto sobre suas culturas e saúde, com maior risco de doenças crônicas, portanto, objetivou observar as mudanças na alimentação atual do povo Xerente, nas aldeias indígenas Porteira e Funil, localizadas no município de Tocantínia/TO.

Método

Tratou-se de uma pesquisa com abordagem etnográfica qualitativa, realizada no período de setembro de 2013 a agosto de 2014, a aldeia Porteira é constituída por aproximadamente 350 indígenas e a aldeia Funil por cerca de 161, a escolha dessas aldeias foi pela proximidade com a cidade(55. Ministério da Saúde. Secretaria Especial de Saúde Indígena. Departamento de Gestão da Saúde Indígena. Dados populacionais de 2013 das etnias cadastradas no SIASI por Distrito Sanitário Especial DSEI [Internet], 2013 [acesso em agosto de 2014]; Disponível em: http://dw.saude.gov.br.
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)-66. Secretaria Especial de Saúde Indígena. Distrito Sanitário Especial Indígena de Palmas. Palestra referente ao DSEI Palmas – Sistema de Informações de Saúde Indígena – SIASI. Palmas, TO; 2013.. Esse tipo de pesquisa possibilita a incorporação de aspectos culturais próprio do objeto de estudo. Segundo Minayo(1010. Minayo MCdeS. Ciência, técnica, arte: o desafio da pesquisa social. In: Minayo MCdeS, Deslandes SF. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 3a ed. Petrópolis: Vozes; 1994. cap. 1. p. 9-29.), a metodologia qualitativa permite o entendimento das relações sociais, pois aborda um universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes do objeto de estudo, trabalha com uma realidade que não pode ser quantificada e se aprofunda nos mundos dos significados das ações e relações humanas.

A metodologia qualitativa produz achados não provenientes de quaisquer procedimentos ou formas de quantificação. Por essa metodologia foi possível compreender sobre o universo simbólico e particular das experiências, comportamentos, emoções e sentimentos vividos, ou ainda, compreender os fenômenos culturais e as interações entre as pessoas, seus grupos sociais e as instituições(1111. Medeiros M. Pesquisa de abordagem qualitativa. Rev.Eletr.Enf. 2012: 14 (2): 224-225.).

Na condução dessa pesquisa o pesquisador esteve no campo de estudo para garantir uma relação de confiança entre o pesquisador e o objeto de estudo, quebrando uma situação de “superioridade” e assim pode aproximar-se e conhecer o mundo simbólico e subjetivo do objeto em estudo. Para o bom desenvolvimento da pesquisa qualitativa o pesquisador precisou se envolver com o campo e os sujeitos da pesquisa, com o objetivo de compreender os processos próprios daquela realidade(1111. Medeiros M. Pesquisa de abordagem qualitativa. Rev.Eletr.Enf. 2012: 14 (2): 224-225.).

A etnografia se refere a pesquisa social que tem características particulares. O comportamento das pessoas foi estudado no seu contexto natural, os dados foram coletados por meio da observação(1212. Gualda DMR, organizadora. Etnografia. Abordagens teórico-metodológicas qualitativas: a vivencia da mulher no período reprodutivo. Rio de Janeiro (Guanabara): Koogan; 2003. p.19-29.).

O elemento ético mais importante em uma pesquisa é a transparência com relação aos procedimentos do trabalho e o aval da comunidade que será estudada. Foram obtidas declarações dos Caciques de que havia interesse no início das pesquisas nas aldeias, para que fossem dados os primeiros passos a fim de contribuir para melhorias na saúde do Povo Akwẽ Xerente.

Por se tratar de uma pesquisa com abordagem etnográfica qualitativa, os dados foram coletados por meio da observação participante das práticas alimentares, descritos por meio de um diário de campo.

A observação participante é um processo pelo qual o pesquisador se coloca como observador de uma situação social, com a finalidade de realizar uma investigação cientifica e conhecer e compreender a realidade(1313. Minayo MCde, organizadora. Trabalho de Campo: contexto de observação, interação e descoberta. In: Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Petrópolis: Vozes; 2002. cap.3. p. 61-77.-1414. Victoria CG, Knath DR, Hassen MNA, organizadores. Técnicas de pesquisa. Pesquisa qualitativa em saúde: uma introdução ao tema. Porto Alegre: Tomo Editorial; 2000. p.61-78.). O pesquisador-observador fica em relação direta com o seu objeto de pesquisa no espaço social da pesquisa, na medida do possível, participando da vida social deles, mas com a finalidade de obter dados e compreender o contexto da pesquisa. Por isso, o observador faz parte do contexto sob sua observação e, sem duvida, modifica esse contexto, pois interfere nele, assim como e modificado pessoalmente.

Para orientação da observação foi elaborado um roteiro estruturado com informações sobre os alimentos tradicionais e industrializados mais habitualmente consumidos, e eletrodomésticos utilizados, com referencia nos cadernos do I Inquérito Nacional de Saúde e Nutrição dos Povos Indigenas(88. Brasil. Ministério do Desenvolvimento Social. I Inquérito Nacional de Saúde e Nutrição dos Povos Indígenas. Rio de Janeiro, RJ: MDS; 2009. [acesso 01 Fev2014] Disponível em: http://www.abrasco.org.br/grupos/arquivos/2013-01-23%2013:44:23.pdf.
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).

Resultados

A partir das idas ao campo, tornou-se evidente que está ocorrendo um processo de mudança na alimentação desse povo que perpassa pelas transformações na cultura, fato este que foi observado pela presença em toda aldeia de embalagens de alimentos industrializados.

Mas fatores como o déficit no plantio das roças, devido a autonomia no mercado com a venda de artesanatos na praça, empregabilidade, benefícios governamentais e de projetos, a presença do gado que por vezes destrói as roças, a energia elétrica que trouxe consigo a tecnologia, a demarcação das terras, entre outros, trouxeram o acesso aos produtos alimentares industrializados e não industrializados disponíveis nos mercados.

Observou nas visitas realizadas, que atividades físicas tradicionais não estão sendo mais praticadas. Os jovens não querem praticar a tradicional corrida de tora, pois tem mais interesse por jogar bola, que não é uma pratica tradicional.

Todavia, ainda não se pode afirmar que a prática alimentar, dos Akwen Xerente, está definida conforme um modelo da sociedade industrial, visto que os dados encontrados pelo I Inquérito de Saúde e Nutrição dos Povos Indígenas e as observações feitas durante as visitas confirmam que esses povos ainda utilizam dos recursos naturais como forma de sobrevivência e manutenção da cultura. Mas nas observações feitas nas aldeias foi possível identificar a presença de vários tipos de alimentos industrializados, como sucos em pós, macarrão instantâneo, óleo de soja, margarina, bolachas doces de pacote, achocolatados em pós, que com certeza vem alterando os hábitos alimentares desse povo.

De acordo com as observações feitas por Silva e Oliveira(1515. Silva AA, Oliveira Sde. Os índios e a tecnologia: uma relação de ressignificacao possivel. In: Albuquerque Fede, Almeida SAde organizadora. Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural. 1a ed. Goiânia: PUC Goiás; 2012. p. 330-344.) ainda esta presente no cenário educacional uma concepção genérica do “ser índio”, traduzida superficialmente numa imagem de pessoas nuas, pintadas, que residem numa mesma casa e que não desenvolvem atividades produtivas. Contrapondo-se a essa visão etnocentrista, os autores tem a compreensão de que os povos indígenas de forma consciente vale-se de artefatos tecnológicos distintos da sua cultura. Este povo no passado se comunicava através de sinais na natureza, hoje se comunicam por meio de rádios amadores que a maioria das aldeias Xerente possui, e também contam com instalações de aparelhos telefônicos ou celulares e internet.

Com a chegada recente da energia, as casas possuem antenas e televisores, dentre outros eletrodomésticos, como geladeira, som, aparelho de DVD, liquidificadores e fogão, mas em alguns casos utilizava-se ainda o fogão a lenha. O mesmo foi constatado por Rodrigues(1616. Rodrigues KS. Saúde reprodutiva das mulheres akwe-xerente: uma perspectiva intercultural [dissertação]. Goiânia (GO): Universidade Federal de Goiás, Faculdade de Ciências Sociais. Programa de pós-graduação em antropologia social; 2014. p. 27, 35-47.) na aldeia Salto: “Casas de alvenaria, parabólica em quase todas elas, energia eletrica, etc”.

Em visita ao campo, observou-se que o conflito entre a criação de gado e a manutenção das roças, descrito por Schmidt(44. SCHMIDT, R. “Nossa cultura e pequi, frutinha do mato”: um estudo sobre as praticas alimentares do povo akwe [dissertação]. Goiânia (GO): Universidade Federal de Goiás, Faculdade de Ciências Sociais; 2011. 128p.) ainda é algo presente, sendo poucas as famílias que mantem cultivo de alimentos como mandioca, inhame. A criação do gado é dificultada devido a criação ser solta, e os criadores não terem condições de fazerem cercas, tal impasse tem provocado alterações na pratica alimentar. O artesanato também é muito presente nas áreas, onde são confeccionados produtos que tem como matéria-prima o capim dourado, sementes e penas, palha do babaçu, e os mesmos são vendidos na cidade ou em eventos especiais, compondo a renda familiar, além do programa bolsa família que todas as famílias recebem. Segundo Schmidt(44. SCHMIDT, R. “Nossa cultura e pequi, frutinha do mato”: um estudo sobre as praticas alimentares do povo akwe [dissertação]. Goiânia (GO): Universidade Federal de Goiás, Faculdade de Ciências Sociais; 2011. 128p.), referindo-se a aldeia Salto: A confecção e o comércio de artesanatos oriundos do capim-dourado tem sido uma das principais atividades econômicas geradoras de renda. Cestaria, arcos e flechas, colares também são comercializados na região. Muitas peças deste artesanato são confeccionadas com matéria-prima extraída do cerrado e ainda acessível: capim-dourado, fibras de buriti, sementes de capim navalha (tiririca), palhas de coco, dentre outros.

Verificou-se nas observações realizadas que a alimentação é um fator de preocupação para aquelas aldeias, em razão das doenças que vem surgindo como a diabetes mellitus, hipertensão arterial sistêmica e a desnutrição infantil. O Xerente considera que a alimentação está comprometida, sendo um dos fatores causadores deste problema a demarcação de terras, que fica cada vez menor. Mas algumas famílias ainda mantem o cultivo de mandioca, inhame e feijão andu. E de acordo com o relato dos moradores os principais animais que são caçados na aldeia são caititu, veado e tatu. Nos dias de observação foi possível visitar uma casa que havia preparado para o almoço uma tartaruga pescada na aldeia. A pesca de tartarugas também é uma característica do regime de subsistência dos povos Javaé da ilha do Bananal-Tocantins(1717. Mattos M., Mattos P., Croniello M., Araújo E. O povo indígena Javaé da ilha do bananal – TO: uma analise sobre o desenvolvimento dessas comunidades. Rev.Cereus. 2013:5(3):101–116. ).

Em relação às casas, em ambas as aldeias estudadas possuem estruturas similares, as quais são feitas de adobe (o tijolo adobe e feito de argila que e retirada do subsolo e cozido no sol) e coberta com a palha da palmeira. Em cada terreno são construídas duas casas de pequeno porte, onde uma é para os quartos e sala, e o outro para cozinha. O banheiro também e construído no quintal, fora da casa, com caixas d’agua, lavatório para mãos, chuveiro e vaso sanitário. Os terrenos em torno das casas são grandes, limpos e cercados de arvores, sendo a maioria de frutas nativas do cerrado, como o caju, a manga, o pequi, coco babaçu, e macaúba. Schmidt(44. SCHMIDT, R. “Nossa cultura e pequi, frutinha do mato”: um estudo sobre as praticas alimentares do povo akwe [dissertação]. Goiânia (GO): Universidade Federal de Goiás, Faculdade de Ciências Sociais; 2011. 128p.) em seu estudo realizado na aldeia Salto encontrou casas semelhantes. Nos povos Xerente: “O banheiro fica do lado de fora da casa, assim como a pia da cozinha e a área de serviço. Os quintais têm variedades de plantas medicinais, ornamentais e árvores frutíferas e são varridos ate certo limite”.

Ha também a criação de alguns animais como galinha, peru, pato, porco que segundo relatos dos moradores a maioria e para a venda e normalmente não se destinava ao consumo pelos criadores e suas famílias.

Uma constatação importante durante visitas as aldeias foi a presença de diversos resíduos sólidos espalhados pela aldeia. Esses resíduos servem como indicativo da mudança na alimentação dessas comunidades indígenas Xerente. Trata-se de embalagens de refresco, biscoitos recheados, biscoitos doces sem recheios e cream cracker, macarrão instantâneo, refrigerante, temperos prontos, flocão de milho, milho em conserva, leite em pó, latas de óleo, sardinha enlatada, margarina, cachaça e cerveja entre outros.

Schmidt(44. SCHMIDT, R. “Nossa cultura e pequi, frutinha do mato”: um estudo sobre as praticas alimentares do povo akwe [dissertação]. Goiânia (GO): Universidade Federal de Goiás, Faculdade de Ciências Sociais; 2011. 128p.) aponta que o aumento do lixo, na aldeia Salto, é considerado um fator preocupante para os professores e moradores da região, que desenvolvem atividades ambientais na tentativa de solucionar ou amenizar o problema. A autora explica tal fator em razão da circulação de dinheiro na aldeia, assalariados e beneficiários que se associam ao sistema capitalista, já que muitos fazem compras nos mercados de Tocantínia.

Conclusão

Foi possível observar um consumo de alimentos industrializados nas aldeias estudadas. A influência na alimentação desse povo tem sido provocada pela proximidade à sociedade não indígena e ao acesso aos alimentos industrializados.

O apoio governamental em parceria com a organização civil é necessário para a mudança do cenário encontrado. Entretanto deve-se compreender que os Akwe Xerente tem uma autonomia que merece ser considerada, respeitando a participação de todos os envolvidos nesse processo é fundamental para o sucesso de qualquer atividade pensada para os indígenas.

Ao discutir sobre a prática alimentar de uma sociedade, vários fatores devem ser considerados, sendo necessário, ainda, o desenvolvimento de mais pesquisas, em razão também da extensão do campo trabalhado.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2016

Histórico

  • Recebido
    26 Mar 2015
  • Aceito
    14 Nov 2015
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