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Representatividade da mulher negra em cartazes publicitários do Ministério da Saúde

Representatividad de la mujer negra en carteles publicitarios del Ministerio de Salud brasileño

RESUMO

Objetivo:

Descrever e analisar a representatividade da mulher negra nos cartazes utilizados pelo Ministério da Saúde em campanhas publicitárias voltadas para a promoção da saúde sexual e reprodutiva da mulher.

Método:

Estudo descritivo, exploratório e documental dos cartazes publicitários direcionados para a promoção da saúde sexual e reprodutiva da mulher, disponibilizados na Biblioteca Virtual em Saúde. Para a análise dos dados, adotou-se o método de análise de conteúdo na modalidade temática.

Resultados:

Dos 498 cartazes identificados, 161 eram referentes à promoção da saúde sexual e reprodutiva das mulheres. Aplicando os critérios de exclusão, restaram 41 cartazes, dos quais 31 (75,6%) traziam a representação da mulher branca, nove (21,9%) da mulher negra, e um da mulher indígena (2,4%). A análise dos dados convergiu para duas categorias analíticas: a pseudorrepresentação da mulher negra e a saúde sexual e reprodutiva da mulher limitada ao ciclo gravídico e pós-natal.

Conclusão:

A representação da mulher negra nos cartazes publicitários do Ministério da Saúde é baixa, e as temáticas promovidas nos cartazes não contemplam todos os fenômenos que compõem a saúde sexual e reprodutiva feminina durante seu ciclo vital.

DESCRITORES
Saúde da Mulher; População Negra; Comunicação em Saúde; Identidade de Gênero

RESUMEN

Objetivo:

Describir y analizar la representatividad de la mujer negra en los carteles utilizados por el Ministerio de Salud en campañas publicitarias volcadas a la promoción de la salud sexual y reproductiva de la mujer.

Método:

Estudio descriptivo, exploratorio y documental de los carteles publicitarios dirigidos a la promoción de la salud sexual y reproductiva de la mujer, facilitados en la Biblioteca Virtual en Salud. Para el análisis de los datos, se adaptó el método de análisis de contenido en la modalidad temática.

Resultados:

De los 498 carteles identificados, 161 eran referentes a la promoción de la salud sexual y reproductiva de las mujeres. Aplicando los criterios de exclusión, restaron 41 carteles, de los que 31 (75,6%) traían la representación de la mujer blanca, nueve (21,9%) de la mujer negra y uno de la mujer indígena (2,4%). El análisis de los datos convergió a dos categorías analíticas: la pseudorrepresentación de la mujer negra y la salud sexual y reproductiva de la mujer limitada al ciclo del embarazo y post parto.

Conclusión:

La representación de la mujer negra en los carteles publicitarios del Ministerio de la Salud es baja, y las temáticas promovidas en los carteles no contemplan todos los fenómenos que componen la salud sexual y reproductiva femenina durante su ciclo vital.

DESCRIPTORES
Salud de la Mujer; Población Negra; Comunicación en Salud; Identidad de Género

ABSTRACT

Objective:

To describe and analyze the forms of representation of black women in posters used by the Brazilian Ministry of Health for advertising campaigns on women's sexual and reproductive health.

Method:

Descriptive, exploratory and documentary study with advertising posters addressing the promotion of women's sexual and reproductive health, available at the Virtual Health Library - Brazil. For the analysis of data, the thematic content analysis was used.

Results:

Out of the 498 identified posters, 161 addressed women's sexual and reproductive health. After applying the exclusion criteria, 41 posters remained, of which 31 (75.6%) represented a white woman, nine (21.9%) a black woman, and one an indigenous woman (2.4%). Data analysis converged to two analytical categories: the pseudo representation of black women; and women's sexual and reproductive health limited to pregnancy and postpartum.

Conclusion:

The representation of the black woman in the advertising posters of the Brazilian Ministry of Health is low, and the themes addressed in the posters do not contemplate all the phenomena that make up the sexual and reproductive health of women during their life cycle.

DESCRIPTORS
Women's Health; Black Population; Health Communication; Gender Identity

INTRODUÇÃO

As poucas pesquisas acerca da saúde da mulher negra brasileira refletem os impactos das desigualdades raciais presentes no país(11. Werneck J. Racismo institucional e saúde da população negra. Saúde Soc [Internet]. 2016 [citado 2018 jan. 15];25(3):535-49. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/sausoc/v25n3/1984-0470-sausoc-25-03-00535.pdf
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). No Brasil, as mulheres negras apresentam menor escolaridade, nível socioeconômico inferior, têm menos acesso a serviços de saúde de boa qualidade, estando mais expostas a riscos de adoecer e morrer quando comparadas a mulheres brancas(22. Brasil. Presidência da República. Secretaria de Políticas para as Mulheres. Relatório Anual Socioeconômico da Mulher. Brasília; 2015.33. Goes EF, Nascimento ER. Mulheres negras e brancas e os níveis de acesso aos serviços preventivos de saúde: uma análise sobre as desigualdades. Saúde Debate [Internet]. 2013 [citado 2018 jan. 15];37(99):571-9. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/sdeb/v37n99/a04v37n99.pdf
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).

Recentemente, um estudo(44. Leal MC, Gama SGN, Pereira APE, Pacheco VE, Carmo CN, Santos RV. The color of pain: racial iniquities in prenatal care and childbirth in Brazil. Cad Saúde Pública [Internet]. 2017 [cited 2018 Jan 15];33 Suppl. 1:e00078816. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csp/v33s1/en_1678-4464-csp-33-s1-e00078816.pdf
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) que teve como objetivo avaliar as iniquidades na atenção pré-natal e parto de acordo com a raça/cor, cuja fonte de dados foi a pesquisa “Nascer no Brasil: Pesquisa Nacional sobre Parto e Nascimento”, mostrou que, em comparação às mulheres brancas, puérperas de cor preta possuíam maior risco de terem um pré-natal inadequado, falta de vinculação à maternidade, ausência de acompanhante durante o trabalho de parto e parto, peregrinação para o parto e menos anestesia local para episiotomia. Esse efeito cumulativo de desvantagens causadas pela intersecção das discriminações de classe social, raça e gênero provoca o agravamento do cenário no qual se insere a saúde da mulher negra, tornando-a mais vulnerável à gravidez precoce e ao risco de contaminação pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV)(55. Santos NJS. Mulher e negra: dupla vulnerabilidade às DST/HIV/aids. Saude Soc [Internet]. 2016 [citado 2018 jan. 15];25(3):602-18. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/sausoc/v25n3/1984-0470-sausoc-25-03-00602.pdf
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).

Entende-se que para enfrentar as condições desfavoráveis experimentadas pelas mulheres negras brasileiras é necessário, primeiro, reconhecer o racismo como uma das razões centrais na produção das desigualdades em saúde que marcam a vida destas mulheres(11. Werneck J. Racismo institucional e saúde da população negra. Saúde Soc [Internet]. 2016 [citado 2018 jan. 15];25(3):535-49. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/sausoc/v25n3/1984-0470-sausoc-25-03-00535.pdf
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), e, segundo, compreender um pouco mais as múltiplas formas assumidas pelo racismo na conformação das relações de poder na sociedade(11. Werneck J. Racismo institucional e saúde da população negra. Saúde Soc [Internet]. 2016 [citado 2018 jan. 15];25(3):535-49. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/sausoc/v25n3/1984-0470-sausoc-25-03-00535.pdf
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,66. Jones CP. Confronting institutionalized racism. Phylon. 2002;50(1-2):7-22.).

Alguns autores(11. Werneck J. Racismo institucional e saúde da população negra. Saúde Soc [Internet]. 2016 [citado 2018 jan. 15];25(3):535-49. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/sausoc/v25n3/1984-0470-sausoc-25-03-00535.pdf
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,66. Jones CP. Confronting institutionalized racism. Phylon. 2002;50(1-2):7-22.) discutem sobre três principais dimensões adotadas pelo racismo em meio à vida dos indivíduos e grupos - o racismo internalizado, o interpessoal e o institucional. O racismo internalizado pode ser entendido como a incorporação dos padrões racistas estabelecidos socialmente pelos indivíduos, que passam a se perceber como sujeitos inferiores; o racismo interpessoal se dá nas manifestações preconceituosas e discriminatórias entre pessoas; e o racismo institucional é compreendido como a falha de uma instituição em prestar um atendimento profissional e qualificado a uma pessoa devido à sua cor, etnia ou cultura(11. Werneck J. Racismo institucional e saúde da população negra. Saúde Soc [Internet]. 2016 [citado 2018 jan. 15];25(3):535-49. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/sausoc/v25n3/1984-0470-sausoc-25-03-00535.pdf
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,66. Jones CP. Confronting institutionalized racism. Phylon. 2002;50(1-2):7-22.).

Tendo em vista que a cultura de um grupo não se configura como sua característica primária, mas como uma consequência de sua forma de organização(77. Nascimento AS, Fonseca DJ. Classificações e identidades: mudanças e continuidades nas definições de cor ou raça. In: Petruccelli JL, Saboia AL, organizadores. Características étnico-raciais da população: classificações e identidades. Rio de Janeiro: IBGE; 2013. p. 51-82.), e, compreendendo o racismo em todas as suas dimensões enquanto um fenômeno cultural, que é moldado e transmitido historicamente(11. Werneck J. Racismo institucional e saúde da população negra. Saúde Soc [Internet]. 2016 [citado 2018 jan. 15];25(3):535-49. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/sausoc/v25n3/1984-0470-sausoc-25-03-00535.pdf
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), modificar este cenário implica intervir nos agentes influenciadores das construções e formas organizacionais da sociedade. Nesta lógica, torna-se pertinente refletir sobre o papel da cultura midiática na manutenção e reprodução das convenções sociais sobre raça e etnia. Especificamente com relação às mídias de comunicação, estas se destacam como uma fonte significativa de informações disponíveis para o público, informações estas que refletem e influenciam as normas e valores sociais, e que podem também gerar mudanças na estrutura cultural de um país(88. Happer C, Philo G. The role of the media in the construction of public belief and social change. J Soc Polit Psychol [Internet]. 2013 [cited 2018 Jan 15];1(1):321-36. Available from: https://jspp.psychopen.eu/article/view/96/37
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).

O universo midiático abrange uma série de diferentes plataformas que agem como meios para disseminar informações e conteúdos variados. Televisão, rádio, imprensa, indústria fonográfica, publicidade e internet são exemplos a serem citados. Assim, os cartazes utilizados nas campanhas do Ministério da Saúde (MS) integram este universo, configurando-se como instrumentos transmissores de conhecimento e informações.

A construção da realidade pelos sujeitos não é definida apenas por palavras, mas por diversos meios, entre eles, as imagens visuais(99. Terra IG, Nascimento ARA. Imagens e representações sociais: contribuições da análise semiótica. Psicol Estud [Internet]. 2016 [citado 2018 jan. 15];21(2):291-302. Disponível em: http://www.redalyc.org/html/2871/287147424011/
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). Para definir o conteúdo de um cartaz, é preciso partir da mensagem que se deseja transmitir e de qual público se quer atingir(1010. Oliveira VLB, Landim FLP, Collares PM, Mesquita RB, Santos ZMSA. Modelo explicativo popular e profissional das mensagens de cartazes utilizados nas campanhas de saúde. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2007 [citado 2018 jan. 15];16(2):287-93. Disponível em: www.scielo.br/pdf/tce/v16n2/a11v16n2.pdf
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). Deve-se considerar, também, que a mensagem recebida vai além daquela que é transmitida, pois o impacto gerado no receptor é resultado de diversos fatores subjetivos. Portanto, é necessário considerar tudo que envolve o cartaz, desde o texto, contexto e até o leiaute, para que cada um desses elementos possa contribuir para levar o leitor a questionar seus paradigmas e adquirir novos conhecimentos(1010. Oliveira VLB, Landim FLP, Collares PM, Mesquita RB, Santos ZMSA. Modelo explicativo popular e profissional das mensagens de cartazes utilizados nas campanhas de saúde. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2007 [citado 2018 jan. 15];16(2):287-93. Disponível em: www.scielo.br/pdf/tce/v16n2/a11v16n2.pdf
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).

Diante de tal reflexão e utilizando o referencial das Representações Sociais(1111. Morera AJC, Padilha MI, Silva DGV, Sapag J. Theoretical and methodological aspects of social representations. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2015 [cited 2018 Jan 15];24(4):1157-65. Available from: http://www.scielo.br/pdf/tce/v24n4/pt_0104-0707-tce-24-04-01157.pdf
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) articulado à categoria raça e cor, entende-se que, no contexto das campanhas de saúde do MS, estar ou não representada ou a forma que se dá esta representação influencia a construção social da imagem da mulher negra, podendo contribuir para a perpetuação das iniquidades sociais que marcam sua vida.

É pelas vias das representações sociais que os indivíduos se comunicam e constroem os sentidos que atribuem ao mundo. Originadas espontaneamente no cotidiano, essas representações são dinâmicas e se transformam de acordo com tempo e espaço(1111. Morera AJC, Padilha MI, Silva DGV, Sapag J. Theoretical and methodological aspects of social representations. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2015 [cited 2018 Jan 15];24(4):1157-65. Available from: http://www.scielo.br/pdf/tce/v24n4/pt_0104-0707-tce-24-04-01157.pdf
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). Revisão sistemática de literatura(1212. Simoneau AS, Oliveira DC. Representações sociais e meios de comunicação: produção do conhecimento científico em periódicos brasileiros. Psicol Saber Soc [Internet]. 2014 [citado 2018 jan. 15];3(2):281-300. Disponível em: http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/psi-sabersocial/article/view/14478/10957
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) demonstrou que diversos pesquisadores vêm enfatizando o papel dos meios de comunicação de massa na construção e disseminação das representações sociais. Com base em sua revisão, os autores puderam concluir que “1) A mídia tem um importante papel na construção e disseminação de representações sociais, ela é capaz de fabricar, produzir e reproduzir e, ao mesmo tempo, disseminar grande quantidade de informações, reconhecidas como representações sociais; e 2) A mídia tem a função pragmática de formar e orientar os pensamentos e as atitudes dos seres humanos”(1212. Simoneau AS, Oliveira DC. Representações sociais e meios de comunicação: produção do conhecimento científico em periódicos brasileiros. Psicol Saber Soc [Internet]. 2014 [citado 2018 jan. 15];3(2):281-300. Disponível em: http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/psi-sabersocial/article/view/14478/10957
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).

Frente ao exposto, destaca-se a importância, na atualidade, de discussões sobre o racismo com vistas à superação dos obstáculos e desigualdades na assistência em saúde da população negra e das mulheres negras. Enquanto artifícios visuais, os cartazes utilizados nas campanhas de saúde podem difundir valores sociais e étnicos(1010. Oliveira VLB, Landim FLP, Collares PM, Mesquita RB, Santos ZMSA. Modelo explicativo popular e profissional das mensagens de cartazes utilizados nas campanhas de saúde. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2007 [citado 2018 jan. 15];16(2):287-93. Disponível em: www.scielo.br/pdf/tce/v16n2/a11v16n2.pdf
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). Ao se deparar com imagens que não contemplam a sua realidade de vida em cartazes de saúde, as mulheres negras podem sentir-se desmotivadas e inseguras para realizar as práticas de saúde e de autocuidado. Assim, o presente estudo lança luz sobre a importância da representatividade negra para as campanhas de promoção da saúde. O estudo tem como objetivos, a partir de cartazes disponibilizados na Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e utilizados pelo MS, descrever e analisar as formas de representação da mulher negra em campanhas publicitárias voltadas para a saúde sexual e reprodutiva da mulher à luz da teoria das Representações Sociais.

MÉTODO

Tipo de estudo

Estudo descritivo, exploratório, qualitativo e documental dos cartazes publicitários voltados para a promoção da saúde sexual e reprodutiva da mulher, disponibilizados na BVS, cujos dados foram interpretados por meio da teoria das Representações Sociais articulada à categoria raça e cor.

Fonte dos dados

A materialidade do presente estudo foi composta de todos os cartazes elaborados para campanhas publicitárias do MS disponibilizados na BVS. O critério de inclusão foi cartazes voltados para a promoção da saúde sexual e reprodutiva das mulheres. Os critérios de exclusão foram cartazes duplicados, com dificuldade de download, com informações apenas na forma escrita, que não continham a representação do rosto da mulher e cartazes monocromáticos.

Coleta dos dados

Os dados foram coletados on-line no site da BVS do MS, no mês de junho de 2017. A coleta dos dados foi iniciada com a escolha do material a ser analisado, ou seja, os cartazes publicitários sobre promoção da saúde sexual e reprodutiva da mulher. Esta escolha obedeceu aos critérios de inclusão determinados e, para fins de análise, foram considerados apenas os cartazes com representação da mulher negra. Para tanto, a identificação racial foi realizada pelo método da heteroclassificação de pertença racial, que considerou as seguintes características fenotípicas: cor da pele, cabelo e traços faciais (formato do nariz, formato dos olhos, formato da boca e da grossura dos lábios)(1313. Petruccelli JL. Autoidentificação, identidade étnico-racial e heteroclassificação. In: Petruccelli JL, Saboia AL, organizadores. Características étnico-raciais da população: classificações e identidades. Rio de Janeiro: IBGE; 2013. p. 31-50.). A classificação racial utilizada foi a do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No sistema classificatório em questão, são empregadas cinco categorias de cor ou etnia: branca, preta, parda (mistura de cor, miscigenação racial), amarela e indígena, e a população negra brasileira é constituída a partir da agregação dos sujeitos pretos e pardos(1313. Petruccelli JL. Autoidentificação, identidade étnico-racial e heteroclassificação. In: Petruccelli JL, Saboia AL, organizadores. Características étnico-raciais da população: classificações e identidades. Rio de Janeiro: IBGE; 2013. p. 31-50.).

Análise e tratamento dos dado

Para a análise dos dados adotou-se o método de análise de conteúdo na modalidade temática(1414. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2011.). Esta modalidade compreende um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por meio de procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção destas mensagens(1414. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2011.). As etapas da análise de conteúdo foram: pré-análise; exploração do material ou codificação; tratamento dos resultados, inferência e interpretação(1414. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2011.). Na primeira etapa da pesquisa, todos os cartazes disponíveis na BVS foram analisados, realizando-se o download dos que se enquadravam nos critérios de inclusão do estudo. Depois de aplicar os critérios de exclusão, os cartazes restantes foram classificados quanto à representação ou não da mulher negra. Em seguida, agruparam-se os elementos e ideias contidos nos cartazes em torno de conceitos mais amplos, para então realizar sua análise.

Aspectos éticos

Por se tratar de um estudo documental que utilizou apenas dados de domínio público, a pesquisa não necessitou de aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa.

RESULTADOS

Dos 498 cartazes disponibilizados no site da BVS, 161 eram referentes à promoção da saúde sexual e reprodutiva das mulheres. Aplicando-se os critérios de exclusão, restaram 41 cartazes, dos quais 31 (75,6%) traziam a representação da mulher branca, nove (21,9%) a da mulher negra, e um a da mulher indígena (2,4%), tal como demonstra a Figura 1. O Quadro 1 apresenta a descrição das mulheres negras retratadas nos cartazes, segundo o nome do cartaz conforme consta na BVS, ano de publicação e contexto temático.

Figura 1
Coleta e organização dos dados.
Quadro 1
Descrição dos cartazes em que as mulheres negras foram retratadas, segundo o nome do cartaz conforme consta na BVS, ano de publicação, e contexto temático - Ribeirão Preto, SP. Brasil, 2017.

Na maioria dos cartazes, as mulheres negras foram retratadas em contextos de cuidado à saúde relacionados ao período gravídico e pós-natal. Dos nove cartazes que continham a representação da mulher negra, sete (77,7%) versavam sobre os cuidados à mulher durante o período pré-natal, parto e pós-parto. Um (11,1%) cartaz promovia o uso do preservativo durante o Carnaval, e um (11,1%) a prevenção do câncer de colo do útero em mulheres com idade entre 35 e 49 anos. Em relação às características físicas das mulheres negras apresentadas, o cabelo alisado foi observado em três (33,3%) dos nove cartazes, e a pele parda, ou seja, de tonalidade mais clara, em oito (88,8%). Excetuando-se um cartaz, todos os outros traziam a imagem da mulher negra sorrindo.

A análise dos dados permitiu a identificação de unidades temáticas que convergiram para duas categorias analíticas: a pseudorrepresentação da mulher negra e a saúde sexual e reprodutiva da mulher limitada ao ciclo gravídico e pós-natal.

DISCUSSÃO

A pseudorrepresentação da mulher negra

As mulheres representam mais da metade da população brasileira (51,5%), e metade deste contingente feminino total (51,7%) são mulheres da raça negra (que congrega pretas e pardas)(22. Brasil. Presidência da República. Secretaria de Políticas para as Mulheres. Relatório Anual Socioeconômico da Mulher. Brasília; 2015.). Entende-se que a real representação da mulher negra ocorreria caso esta porcentagem se estendesse para as campanhas publicitárias em questão. Ou seja, 51,7% dos cartazes produzidos pelo MS para promoção da saúde sexual e reprodutiva das mulheres deveriam trazer a figura da mulher negra. No entanto, a imagem da mulher negra foi apresentada em 21,9% dos cartazes. Em contrapartida, mulheres brancas, que representam 47,5%(22. Brasil. Presidência da República. Secretaria de Políticas para as Mulheres. Relatório Anual Socioeconômico da Mulher. Brasília; 2015.) da população feminina brasileira, foram observadas em 75,6% dos cartazes.

Os cartazes publicitários, enquanto produtos da indústria cultural, fornecem, por intermédio de imagens e discursos, materiais e modelos para que as pessoas construam seus sensos de classe, etnia, sexualidade, bem como a sua identidade(1616. Winch RR, Escobar GV. Os lugares da mulher negra na publicidade brasileira. Cad Comun [Internet]. 2012 [citado 2018 jan. 15];16(2):227-44. Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/ccomunicacao/article/view/8229/4950
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). Neste sentido, não representar a mulher negra dificulta o seu autorreconhecimento como detentora de um corpo válido e digno de cuidados de saúde.

O apagamento da mulher negra observado nos cartazes publicitárias do MS é uma extensão do que se vê nos locais entendidos como de prestígio na sociedade. Na escala hierárquica social, o lugar reservado para as mulheres negras é o de menor poder, pois, somadas à já perversa dinâmica das relações étnico-raciais, estão as desigualdades de gênero e de classe social(55. Santos NJS. Mulher e negra: dupla vulnerabilidade às DST/HIV/aids. Saude Soc [Internet]. 2016 [citado 2018 jan. 15];25(3):602-18. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/sausoc/v25n3/1984-0470-sausoc-25-03-00602.pdf
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).

Observa-se, então, a contribuição das campanhas do MS para a manutenção de um ambiente social onde as mulheres negras são invisíveis e silenciadas. Este fato, além de dificultar a ascensão social e intelectual, concorre também para a submissão dessas mulheres, que, mesmo não recebendo o mesmo tratamento e as mesmas oportunidades que as pessoas brancas, acabam por não se revoltar com esse cenário, por não se enxergarem como detentoras desses direitos, atribuindo a si, ou à sua cor, a situação à qual estão expostas(1717. Taquette SR, Meirelles ZV. Discriminação racial e vulnerabilidade às DST/Aids: um estudo com adolescentes negras. Physis [Internet]. 2013 [citado 2018 jan. 15]; 23(1):129-42. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-73312013000100008&script=sci_abstract&tlng=pt
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). Essa falta de consciência enquanto sujeito de direito expõe essas mulheres ainda mais às doenças, que repercutem tanto em sua saúde física como psicológica(1717. Taquette SR, Meirelles ZV. Discriminação racial e vulnerabilidade às DST/Aids: um estudo com adolescentes negras. Physis [Internet]. 2013 [citado 2018 jan. 15]; 23(1):129-42. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-73312013000100008&script=sci_abstract&tlng=pt
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).

O contexto de discriminação e estereotipização experimentado pela população negra brasileira, em especial, pelas mulheres negras, é fruto das construções impulsionadas pelo mito da democracia racial, implantado estrategicamente no imaginário social brasileiro(1818. Santos EF, Scopinho RA. A questão étnico-racial no Brasil contemporâneo: notas sobre a contribuição da teoria das representações sociais. Psicol Saber Soc [Internet]. 2015 [citado 2018 jan. 15];4(2):168-82. Disponível em: http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/psi-sabersocial/article/view/11745/14428
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). Essa falsa ideia de harmonia entre as raças negou a existência do racismo instaurado socialmente, que de forma velada acabou se perpetuando até os dias de hoje(1818. Santos EF, Scopinho RA. A questão étnico-racial no Brasil contemporâneo: notas sobre a contribuição da teoria das representações sociais. Psicol Saber Soc [Internet]. 2015 [citado 2018 jan. 15];4(2):168-82. Disponível em: http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/psi-sabersocial/article/view/11745/14428
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). Observa-se, porém, que o mito da democracia racial ainda impera no imaginário social brasileiro.

Investigação sobre os sentidos atribuídos por profissionais de saúde a respeito da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN)(1919. Santos JE, Santos GCS. Narrativas dos profissionais da atenção primária sobre a política nacional de saúde integral da população negra. Saúde Debate [Internet]. 2013 [citado 2018 jan. 15];37(99):563-70. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/sdeb/v37n99/a03v37n99.pdf
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) demonstrou que, na percepção dos participantes do estudo, “ações que visam à igualdade racial são injustificáveis”(1919. Santos JE, Santos GCS. Narrativas dos profissionais da atenção primária sobre a política nacional de saúde integral da população negra. Saúde Debate [Internet]. 2013 [citado 2018 jan. 15];37(99):563-70. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/sdeb/v37n99/a03v37n99.pdf
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), ou seja, que “não existem desigualdades raciais que fundamentem um tratamento diferenciado para a população negra, evidenciando a não percepção da discriminação ou a fixação em sua inexistência, o que acaba por contribuir para a inércia do sistema frente a este cenário e, consequentemente, para sua manutenção e ampliação”(1919. Santos JE, Santos GCS. Narrativas dos profissionais da atenção primária sobre a política nacional de saúde integral da população negra. Saúde Debate [Internet]. 2013 [citado 2018 jan. 15];37(99):563-70. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/sdeb/v37n99/a03v37n99.pdf
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).

A invisibilidade social da mulher negra faz com que suas necessidades biopsicossociais sejam também invisibilidades. Entende-se que as representações identificadas nos discursos dos profissionais participantes do estudo supracitado são cotidianamente reforçadas pela publicidade e pela mídia, à medida que elas excluem e reforçam estereótipos ligados à mulher negra(1919. Santos JE, Santos GCS. Narrativas dos profissionais da atenção primária sobre a política nacional de saúde integral da população negra. Saúde Debate [Internet]. 2013 [citado 2018 jan. 15];37(99):563-70. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/sdeb/v37n99/a03v37n99.pdf
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). A mídia, por meio de um discurso vertical que não escuta, apenas afirma, tem o poder de definir se dado fenômeno é real ou não, se algo é bom ou ruim, sendo ainda capaz de determinar, até certo ponto, o que é discutido no cotidiano da sociedade, destacando ou excluindo aspectos sociais que lhe interessam(1212. Simoneau AS, Oliveira DC. Representações sociais e meios de comunicação: produção do conhecimento científico em periódicos brasileiros. Psicol Saber Soc [Internet]. 2014 [citado 2018 jan. 15];3(2):281-300. Disponível em: http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/psi-sabersocial/article/view/14478/10957
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).

Um estudo(1616. Winch RR, Escobar GV. Os lugares da mulher negra na publicidade brasileira. Cad Comun [Internet]. 2012 [citado 2018 jan. 15];16(2):227-44. Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/ccomunicacao/article/view/8229/4950
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) sobre os lugares das mulheres negras na publicidade brasileira demonstrou como, durante décadas, a publicidade, assim como outros setores da mídia, desprezou a presença da mulher negra. Quando representadas, esta representação vinha carregada de estereótipos que disseminavam ideais históricos preconceituosos(1616. Winch RR, Escobar GV. Os lugares da mulher negra na publicidade brasileira. Cad Comun [Internet]. 2012 [citado 2018 jan. 15];16(2):227-44. Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/ccomunicacao/article/view/8229/4950
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). Achados semelhantes podem ser observados em outro estudo(2020. Navarro LPS. Tudo muito claro: apagamento e pseudoinclusão da mulher negra na publicidade brasileira. Rev Mídia Contexto [Internet]. 2014 [citado 2018 jan. 15];1(2). Disponível em: http://www.faculdadespontagrossa.com.br/revistas/index.php/midiaecontexto/article/view/143/129
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) sobre o apagamiento e a pseudoinclusão das mulheres negras na publicidade brasileira. O estudo chama a atenção para a desproporcionalidade entre a representação de mulheres brancas comparadas às negras, bem como para a negação dos traços identitários relevantes da mulher negra, como a cor da pele, o tipo de boca e os cabelos(2020. Navarro LPS. Tudo muito claro: apagamento e pseudoinclusão da mulher negra na publicidade brasileira. Rev Mídia Contexto [Internet]. 2014 [citado 2018 jan. 15];1(2). Disponível em: http://www.faculdadespontagrossa.com.br/revistas/index.php/midiaecontexto/article/view/143/129
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).

Neste sentido, cabe ressaltar que, entre a baixa aparição da mulher negra nos cartazes analisados, observou-se uma preferência dada a modelos de pele parda e com cabelos não crespos, o que pode remeter à uma visão midiática pautada na questão do embranquecimento da sociedade brasileira(2121. Pinto MCC, Ferreira RF. Relações raciais no Brasil e a construção da identidade da pessoa negra. Pesqui Prat Psicos [Internet]. 2014 [citado 2018 jan. 15];9(2):257-66. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/ppp/v9n2/11.pdf
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). Um passeio histórico pelo período pós-abolicionista retrata a origem desta política de branqueamento, fundamentada em teorias racistas trazidas da Europa, que apregoavam a superioridade da população europeia sobre qualquer outra etnia(2121. Pinto MCC, Ferreira RF. Relações raciais no Brasil e a construção da identidade da pessoa negra. Pesqui Prat Psicos [Internet]. 2014 [citado 2018 jan. 15];9(2):257-66. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/ppp/v9n2/11.pdf
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). Alicerçada nessas construções, que contaram com uma significativa ajuda do meio midiático para se difundir, é que a identidade da mulher negra brasileira foi se estruturando aos longos dos anos(2121. Pinto MCC, Ferreira RF. Relações raciais no Brasil e a construção da identidade da pessoa negra. Pesqui Prat Psicos [Internet]. 2014 [citado 2018 jan. 15];9(2):257-66. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/ppp/v9n2/11.pdf
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). Ao se verem representadas como inferiores, as mulheres negras tendem a internalizar o racismo, negando sua negritude, abandonando suas tradições e assumindo a cultura hegemônica para si, acreditando que assim aumentará sua chance de se integrar à sociedade e de ascender socialmente(1717. Taquette SR, Meirelles ZV. Discriminação racial e vulnerabilidade às DST/Aids: um estudo com adolescentes negras. Physis [Internet]. 2013 [citado 2018 jan. 15]; 23(1):129-42. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-73312013000100008&script=sci_abstract&tlng=pt
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,2121. Pinto MCC, Ferreira RF. Relações raciais no Brasil e a construção da identidade da pessoa negra. Pesqui Prat Psicos [Internet]. 2014 [citado 2018 jan. 15];9(2):257-66. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/ppp/v9n2/11.pdf
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).

Assim, a baixa representação da mulher negra revela aspectos contraditórios entre a informação veiculada nos cartazes e o discurso implícito das imagens, que pode reiterar as desigualdades raciais e representar potenciais desgastes para o processo saúde-doença das mulheres negras.

A saúde sexual e reprodutiva da mulher limitada ao ciclo gravídico e pós-natal

Embora as políticas brasileiras voltadas para a saúde da mulher sejam norteadas por princípios que a consideram em sua totalidade, ou seja, enquanto um ser biológico e social durante todo o ciclo vital, o que se observa é uma dicotomia entre a formulação e a implementação destas políticas(2222. Souto KMB. A política de atenção integral à saúde da mulher: uma análise de integralidade e gênero. SER Soc [Internet] 2008 [citado 2018 jan. 15];10(22):161-82. Disponível em: http://periodicos.unb.br/index.php/SER_Social/article/view/17
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). Da mesma forma, os processos de trabalho em saúde vêm se mostrando ineficazes no que tange à integralidade do cuidado à saúde da mulher, pois se mantêm ainda com um olhar focado nos aspectos biológicos do corpo feminino(2323. Oliveira RNG, Fonseca RMGS. Health needs: the interface between the discourse of health professionals and victimized women. Rev Latino Am Enfermagem [Internet]. 2015 [cited 2018 Jan 15];23(2):299-306. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v23n2/0104-1169-rlae-3455-2555.pdf
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).

Biologicamente falando, todos os órgãos apresentam uma função, ou seja, um papel a desempenhar(2424. Guyton AC, Hall JE. Tratado de fisiologia médica. 13ᵃ ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2017.). Porém, o que se observa por meio da história é uma extrapolação da função reprodutora do útero à mulher, ou seja, foi determinado historicamente que reproduzir é por natureza uma atividade feminina(2222. Souto KMB. A política de atenção integral à saúde da mulher: uma análise de integralidade e gênero. SER Soc [Internet] 2008 [citado 2018 jan. 15];10(22):161-82. Disponível em: http://periodicos.unb.br/index.php/SER_Social/article/view/17
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), e não uma capacidade que ela pode ou não querer exercer. A reivindicação da garantia de um cuidado à saúde para além das questões reprodutivas fomentou as discussões que culminaram com o lançamento do Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PAISM) no Brasil em 1984(2222. Souto KMB. A política de atenção integral à saúde da mulher: uma análise de integralidade e gênero. SER Soc [Internet] 2008 [citado 2018 jan. 15];10(22):161-82. Disponível em: http://periodicos.unb.br/index.php/SER_Social/article/view/17
http://periodicos.unb.br/index.php/SER_S...
). O reconhecimento dos direitos sexuais e reprodutivos enquanto direitos humanos na Conferência do Cairo, em 1994, e na Conferência da Mulher, em Pequim, em 1995, surgem como um fortalecimento na luta pela autonomia feminina(2525. Taquette SR. Direitos sexuais e reprodutivos na adolescência. Adolesc Saúde [Internet]. 2013 [citado 2018 jan. 15];10 Supl.1:72-77. Disponível em: http://www.adolescenciaesaude.com/detalhe_artigo.asp?id=397#
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). Entre estes direitos estão: “o direito de viver e expressar livremente a sexualidade em todas as fases do ciclo vital, sem medo, culpa, falsas crenças, violência, discriminação e imposições; escolher se quer ou não ter relação sexual; expressar livremente sua orientação sexual; ter relação sexual independentemente da reprodução; ter sexo seguro para prevenção de gravidez e IST; direito dos casais de decidir livremente se querem ou não ter filhos, quantos e em que momento de suas vidas; direito a informações, métodos e técnicas para ter ou não filhos; dispor de serviços de saúde com garantia de privacidade, confidencialidade e atendimento sem discriminação”, entre outros(2525. Taquette SR. Direitos sexuais e reprodutivos na adolescência. Adolesc Saúde [Internet]. 2013 [citado 2018 jan. 15];10 Supl.1:72-77. Disponível em: http://www.adolescenciaesaude.com/detalhe_artigo.asp?id=397#
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). Nota-se, então, uma gama de temáticas que poderia ter sido explorada pelas campanhas publicitárias do MS referentes à saúde sexual e reprodutiva da mulher, e que não foi, visto que, nos cartazes analisados, a temática mais evidente é o ciclo gravídico e pós-natal, com enfoque na gestação.

A literatura científica tem demonstrado que, embora os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres tenham sido reconhecidos, este reconhecimento não significa que eles venham sendo exercidos pelas mulheres(2525. Taquette SR. Direitos sexuais e reprodutivos na adolescência. Adolesc Saúde [Internet]. 2013 [citado 2018 jan. 15];10 Supl.1:72-77. Disponível em: http://www.adolescenciaesaude.com/detalhe_artigo.asp?id=397#
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2626. Bastos LL, Brandão ER, Ventura M. Saúde sexual e reprodutiva, conservadorismo religioso e acesso a medicamentos: uma discussão sobre a estratégia global de advocacy do Consórcio Internacional sobre Contracepção de Emergência. Sex Salud Soc [Internet]. 2017 [citado 2018 jan. 15];(26):306-27. Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=293352478015
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). Neste sentido, dar visibilidade à temática de forma ampla é uma estratégia para consolidar esses direitos. Nesta mesma lógica, representar a saúde sexual e reprodutiva feminina enquanto pré-natal, parto e pós-parto é reforçar a submissão da sexualidade da mulher à reprodução, fortalecendo a histórica relação de poder entre homens e mulheres existente na sociedade(2525. Taquette SR. Direitos sexuais e reprodutivos na adolescência. Adolesc Saúde [Internet]. 2013 [citado 2018 jan. 15];10 Supl.1:72-77. Disponível em: http://www.adolescenciaesaude.com/detalhe_artigo.asp?id=397#
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).

CONCLUSÃO

A representação da mulher negra nos cartazes publicitários do MS voltados para a promoção da saúde sexual e reprodutiva da mulher é baixa, e as temáticas promovidas nos cartazes não contemplam todos os fenômenos que compõem a saúde sexual e reprodutiva feminina durante seu ciclo vital.

A baixa representatividade da mulher negra identificada no estudo é fruto do racismo velado que existe no Brasil, que, camuflado pelo mito da democracia racial, encontra maneiras sutis de se manter vivo dentro da sociedade brasileira. Esse fenômeno é denunciado quando se observa a distância significativa entre a representação da mulher branca em comparação à da mulher negra. Ainda, quando se observa as mulheres negras que foram representadas, notam-se características que se aproximam das eurocêntricas, mostrando que os efeitos da arcaica política de branqueamento da população ainda persistem.

Outro fenômeno observado foi o enfoque dado à promoção de cuidados ligados apenas à capacidade reprodutora feminina em detrimento de outros, o que acaba por reforçar o papel social atribuído à mulher, limitado à maternidade.

Portanto, apesar do Ministério da Saúde ter diversas políticas que orientam a integralidade do cuidado, sem qualquertipo de discriminação, seus cartazes publicitários seguem reproduzindo e reforçando o apagamento social da mulher negra, contribuindo para a perpetuação de diversas iniquidades, em vez de explorar o potencial da publicidade para formar opiniões construtivas que poderiam contribuir para a concretização das diretrizes do Sistema Único de Saúde.

Apontam-se como limitações deste estudo a restrição da análise a cartazes nacionais e referentes apenas à saúde sexual e reprodutiva das mulheres. Sugere-se, portanto, a realização de novos estudos que englobem todas as temáticas referentes à saúde da mulher, assim como a realização de novas investigações que analisem trabalhos da América Latina e em escala mundial para comparação dos resultados.

A contribuição deste estudo para a área da saúde está na visibilidade lançada às questões das relações étnico-raciais e sua interface com a saúde da mulher negra, que, embora seja a maioria da população brasileira, é sub-representada nas campanhas de promoção da saúde do MS.

O estudo fornece subsídios para a reflexão sobre o papel das campanhas publicitárias na manutenção de desigualdade étnicas e de gênero, evidenciando a necessidade de representatividade da população negra em sua diversidade e de valorização da integralidade na saúde da mulher.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Dez 2018
  • Data do Fascículo
    2018

Histórico

  • Recebido
    31 Jan 2018
  • Aceito
    24 Maio 2018
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