INTRODUÇÃO
Os transtornos mentais não psicóticos possuem alta prevalência na população global(1), geram elevados custos sociais e econômicos, pois podem ser incapacitantes e causar absenteísmo no trabalho e aumentar a demanda nos serviços de saúde(2).
Dentre outras causas, o desenvolvimento de transtornos mentais não psicóticos entre mulheres podem estar relacionado com a ocorrência de violência por parceiro íntimo (VPI). Em meio às morbidades mentais mais frequentes entre as vítimas de violência conjugal, estão a depressão, a ansiedade e o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT)(3).
Quando expostas a eventos rotineiros de VPI, mulheres podem se tornar tristes, com baixa autoestima, elevados níveis de frustração, desconfiança, ocasionando, consequentemente, uma baixa qualidade de vida(4–5). Presume-se que, para acolher essas mulheres, faz-se necessário que enfermeiros e demais profissionais de saúde assumam postura de responsabilidade em relação intersubjetiva com elas e seus familiares, para que possam compreender e intervir junto às suas necessidades de cuidado, numa atitude de reciprocidade de perspectivas(6).
No entanto, vítimas de violência por parceiro íntimo, que desenvolveram transtornos mentais não psicóticos, podem não receber o tratamento adequado, retornando outras vezes ao serviço. Isso ocorre porque equipes de saúde possuem dificuldades em identificar e tratar tanto a VPI quanto os tipos de transtornos mentais não psicóticos relacionados a ela. Tal fato sobrecarrega o sistema de saúde e eleva os gastos públicos com exames e intervenções medicamentosas desnecessários(4), aspectos que geram grande impacto à saúde pública.
Dessa forma, o conhecimento desses transtornos e fatores associados torna-se essencial para sua identificação e desenvolvimento de intervenções específicas precoces, as quais contribuem para a melhoria do prognóstico(7). Por esse motivo é importante incluir os transtornos mentais não psicóticos como uma das prioridades na atenção à saúde(8). Diante dessa situação, é necessária a sistematização das buscas de tipos de transtornos mentais não psicóticos na atenção primária à saúde e o estabelecimento de cuidados específicos de saúde mental(9).
Para tanto, o trabalho do enfermeiro faz-se importante, tendo em vista que este profissional acaba por desenvolver maior proximidade com a clientela em acompanhamento. Nesse sentido, o enfermeiro deve exercer a escuta como mecanismo de humanização da assistência, bem como utilizá-la como um método que seja eficaz na obtenção de informações essenciais ao acolhimento de cada paciente, uma vez que cada condição clínica e psicossocial deve ser encarada pelo profissional de saúde de maneira individualizada.
Ressalta-se que, em ampla busca na literatura, não foram encontrados estudos brasileiros de revisão sobre os tipos de transtornos mentais não psicóticos em mulheres adultas vítimas de VPI. Torna-se, dessa forma, relevante a realização de estudo sobre o assunto, por este ser marcado pela invisibilidade e ter consequências severas na vida das vítimas. Em vista do exposto, este estudo teve por objetivo identificar na literatura os tipos de transtornos mentais não psicóticos em mulheres adultas vítimas de violência por parceiro íntimo.
MÉTODO
Trata-se de uma revisão integrativa. Para direcionar esta pesquisa, foram seguidas seis fases distintas: definição do tema e formulação dos objetivos e da questão norteadora; busca na literatura e delimitação para a inclusão dos estudos; categorização dos estudos; avaliação dos estudos; interpretação dos resultados e apresentação da revisão/síntese do conhecimento(10).
A questão de pesquisa foi organizada de acordo com a estratégia PICO (P − população; I − intervenção/área de interesse; C − Comparação; O − outcomes/desfecho(11). Considerou-se, assim, a seguinte estrutura: P − mulheres, mulheres agredidas; I − violência por parceiro íntimo, maus-tratos conjugais; C − Sem comparação; O − transtornos mentais. Dessa forma, elaborou-se a seguinte questão: Quais as evidências disponíveis na literatura sobre os tipos de transtornos mentais não psicóticos que acometem mulheres adultas, vítimas de violência por parceiro íntimo?
Os descritores controlados utilizados encontram-se inseridos no Banco de Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) (mulheres, mulheres agredidas, violência por parceiro íntimo, maus-tratos conjugais, transtornos mentais), no Medical Subject Headings (MeSH) e nos títulos CINAHL (Women; Battered Women; Intimate Partner Violence; Spouse Abuse; Mental Disorders; Stress, Psychological). Os termos não controlados (palavras-chave) foram: mulher, violência contra a parceira íntima, maus-tratos, transtorno mental, doença mental, estresse psicológico, sofrimento mental e seus correspondentes em inglês.
A coleta de dados deu-se em junho de 2017, as bases de dados utilizadas foram: PubMed/MEDLINE, da National Library of Medicine, Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), SCOPUS (Elsevier) e Web of Science.
Para sistematizar a coleta da amostra, foram utilizados os operadores booleanos “OR” e “AND”, optou-se por diferentes estratégias de busca, tendo em vista que as bases de dados possuem peculiaridades e características distintas. A sintaxe das buscas em cada base de dados está descrita no Quadro 1.
Quadro 1 Sintaxes empregadas nas respectivas bases de dados durante busca de estudos – Teresina, PI, Brasil, 2017.
Base de dados | Sintaxe de pesquisa |
---|---|
PubMed/MEDLINE | (((((((((“Women”[Mesh]) OR “Battered Women”[Mesh]) OR Women[Text Word]) OR Battered Woman[Text Word]) OR Abused Woman[Text Word]) OR Woman[Text Word])) AND ((((((“Mental Disorders”[Mesh]) OR “Stress, Psychological”[Mesh]) OR Mental Disorders[Text Word]) OR stress, psychological[Text Word]) OR Mental Suffering[Text Word]) OR Life Stress[Text Word])) AND (((((((“Intimate Partner Violence”[Mesh]) OR “Spouse Abuse”[Mesh]) OR Intimate Partner Violence[Text Word]) OR abuse[Text Word]) OR Dating Violence[Text Word]) OR Spouse Abuse[Text Word]) OR Wife Abuse[Text Word])) |
CINAHL | (MH “Women”) OR (MH “Battered Women”) OR “Women” OR “Battered Women” (MH “Mental Disorders”) OR (MH “Stress, Psychological”) OR “Mental Disorders” OR “Stress, Psychological” AND (MH “Intimate Partner Violence”) OR “Intimate Partner Violence” |
Web of Science | (“Women”) OR Tópico: (“Battered Women”) AND (“Mental Disorders”) OR Tópico: (“Stress, Psychological”) OR Tópico: (“Mental Suffering”) OR Tópico: (“Life Stress”) AND (“Intimate Violence”) OR Tópico: (“Spouse Abuse”) OR Tópico: (“Dating Violence”) OR Tópico: (“Wife Abuse”) |
LILACS | (tw:((tw:(Mulheres)) OR (tw:(Mulheres Agredidas)) OR (tw:(mulher)) OR (tw:(Mujeres)) OR (tw:(Mujeres Maltratadas)) OR (tw:(Women)) OR (tw:(Battered Women)))) AND (tw:((tw:(Transtornos Mentais)) OR (tw:(transtorno mental)) OR (tw:(doença mental)) OR (tw:(estresse psicológico)) OR (tw:(sofrimento mental)) OR (tw:(Transtornos Mentales)) OR (tw:(Mental Disorders)) OR (tw:(Stress, Psychological)))) AND (tw:((tw:(Violência por Parceiro íntimo)) OR (tw:(Maus-tratos Conjugais)) OR (tw:(violência contra a parceira íntima)) OR (tw:(maus-tratos)) OR (tw:(Violência de Pareja)) OR (tw:(Maltrato Conyugal)) OR (tw:(Intimate Partner Violence)) OR (tw:(Spouse Abuse)))) |
SCOPUS (Elsevier) | ((TITLE-ABS-KEY (women) OR TITLE-ABS-KEY (“Battered Women”))) AND ((TITLE-ABS-KEY (“Mental Disorders”) OR TITLE-ABS-KEY (“Stress, Psychological”) OR TITLE-ABS-KEY (“Mental Suffering”) OR TITLE-ABS-KEY (“Life Stress”))) AND ((TITLE-ABS-KEY (“Intimate Partner Violence”) OR TITLE-ABS-KEY (“Spouse Abuse”) OR TITLE-ABS-KEY (“Dating Violence”) OR TITLE-ABS-KEY (“Wife Abuse”))) |
Os critérios de inclusão para os estudos foram: artigos que abordassem transtornos mentais não psicóticos em mulheres adultas, de 18 a 59 anos, que sofreram violência por parceiro íntimo, publicações de junho de 2012 a junho de 2017, nos idiomas português, inglês ou espanhol. Foram excluídos artigos que abordassem violência contra crianças, adolescentes, idosas, gestantes, puérperas imediatas, estudos secundários ou cartas ao editor, anais de eventos científicos, teses, dissertações e estudos duplicados.
A decisão pelo recorte temporal de 2012 a 2017 partiu da intenção dos autores de buscar referências atualizadas sobre a temática em questão. Estabeleceu-se, como início da idade adulta, o conceito legal, definido pela idade de maioridade, que atualmente é a partir dos 18 anos no Brasil e em muitos outros países. Optou-se pela exclusão de gestantes e puérperas, mesmo que estivessem em idade adulta, tendo em vista que esse público pode apresentar alterações hormonais que, por sua vez, podem influenciar a sua saúde mental.
Após aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, obteve-se uma amostra final de 19 artigos, os quais foram lidos e analisados na íntegra (Figura 1).
Para a coleta de informações pertinentes ao estudo, elaborou-se um instrumento contendo as seguintes informações: autores, país de origem do estudo, ano de publicação, periódico, base de dados, amostra, delineamento do estudo, tipo de transtorno mental identificado, nível de evidência.
O nível de evidência foi determinado conforme o Oxford Centre for Evidence-based Medicine(12), de modo que: 1A − revisão sistemática de ensaios clínicos controlados randomizados; 1B − ensaio clínico controlado randomizado com intervalo de confiança estreito; 1C − resultados terapêuticos do tipo “tudo ou nada”; 2A − revisão sistemática de estudos de coorte; 2B − estudo de coorte (incluindo ensaio clínico randomizado de menor qualidade); 2C − observação de resultados terapêuticos ou estudos ecológicos; 3A − revisão sistemática de estudos caso-controle; 3B − estudo caso-controle; 4 − relato de casos (incluindo coorte ou caso-controle de menor qualidade); 5 − opinião de especialistas.
Com a intenção de diminuir prováveis erros sistemáticos ou viés de aferição dos estudos, por equívocos na interpretação dos resultados e no delineamento dos estudos, a pesquisa foi realizada por dois revisores de forma independente, de modo a garantir o rigor do método e a fidedignidade dos resultados. Os artigos da amostra foram selecionados por meio da sequência: leitura de título, leitura de resumo e leitura do texto integral. Nos casos em que ocorreram desacordos, houve discussão entre os dois avaliadores e análise por um terceiro para alcançar um consenso.
Considerando-se que para a realização desta revisão foram utilizados artigos publicados, foi observado o princípio do respeito à propriedade intelectual dos autores dos artigos que constituem a amostra, por meio da sua citação completa e rigorosa(13).
A análise crítica e a síntese qualitativa dos estudos selecionados foram realizadas de forma descritiva, subdividindo-se em quatro categorias analíticas, segundo aspectos que caracterizam transtornos mentais não psicóticos: humor depressivo-ansioso, sintomas somáticos, decréscimo de energia vital e pensamentos depressivos.
RESULTADOS
A amostra composta por 19 artigos apresentou maior número de publicações no ano de 2013 (n=07; 36,8%). A base de dados com maior número de artigos selecionados foi a PUBMED (n=09; 47,4%). Todos os artigos selecionados foram publicados em revistas internacionais e na língua inglesa. Quanto ao delineamento dos estudos, observou-se que a maior parte (n=15; 78,9%) era transversal.
Dentre os tipos de transtornos mentais não psicóticos encontrados, prevaleceu a depressão (n=14; 73,7%), seguida do transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) (n=10; 52,6%). Ressalta-se que em um mesmo estudo pode ter sido evidenciado mais de um tipo de transtorno.
Sobre o nível de evidência, observou-se que a maioria dos artigos analisados (n=15; 78,9%) apresentou avaliação 2C. Os estudos foram selecionados de acordo com os autores, o ano de publicação, o periódico, a base de dados, amostra, delineamento, país, tipo de transtorno mental e nível de evidência (Quadro 2).
Quadro 2 Quadro-síntese das características dos estudos incluídos na revisão – Teresina, PI, Brasil, 2017.
Autores (Ano) | Periódico/base de dados | Amostra/Delineamento/País | Tipo de Transtorno Mental | Nível de evidência |
---|---|---|---|---|
Al-Modallal H, Sowan AK, Hamaideh S, Peden AR, Al-Omari H, Al-Rawashdeh AB (2012)(14) | Health Care for Women International (SCOPUS) | 101 mulheres/ Transversal (Jordânia) | Depressão e estresse | 2C |
Hellmuth JC, Jaquier V, Young-Wolff K, Sullivan TP (2013)(15) | J Trauma Stress (PubMed) | 143 mulheres/Transversal/(África, América Latina, Índia e Alasca) | Transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) | 2C |
Peterson K (2013)(16) | Issues in Mental Health Nursing (PubMed) | 42 mulheres/Transversal/(Estados Unidos) | Depressão e TEPT | 2C |
Sabri B, Bolyard R, McFadgion AL, Stockman JK, Lucea MB, Callwood GB, et al. (2013)(17) | Social Work in Health Care (PubMed) | 431 mulheres/Transversal/(África) | Depressão e TEPT | 2C |
Mapayi B, Makanjuola ROA, Mosaku SK, Adewuya AO, Afolabi O, Aloba OO, et al. (2013)(18) | Arch Womens Ment Health (PubMed) | 373 mulheres/Transversal/(Nigéria) | Ansiedade e depressão | 2C |
Stephenson R, Winter A, Hindin M (2013)(19) | Violence Against Women (SCOPUS) | 6.303 mulheres/Transversal/(Índia) | Ansiedade, depressão, distúrbios do sono e decréscimo da energia vital | 2C |
Meekers D, Pallin SC, Hutchinson P (2013)(20) | BMC Women's Health (SCOPUS) | 10.119 mulheres/Transversal/ (Bolívia) | Depressão, ansiedade e sintomas somáticos | 2C |
Dasgupta A, Battala M, Saggurti N, Nair S, Naik DD, Silverman JG, et al. (2013)(21) | Journal of Affective Disorders (WEB OF SCIENCE) | 220 mulheres/Transversal/(Índia) | Depressão | 2C |
Umubyeyi A, Mogren I, Ntaganira J, Krantz G (2014)(22) | BMC Psychiatry (WEB OF SCIENCE) | 477 mulheres/Transversal/(Ruanda) | Depressão, ansiedade, estresse pós-traumático e ideação suicida | 2C |
Karakurt G, Smith D, Whiting J (2014)(23) | Journal of Family Violence (CINAHL) | 35 mulheres/Misto/(Estados Unidos) | Ideação suicida, tristeza, depressão e infelicidade | 4 |
Gupta J, Falb KL, Carliner H, Hossain M, Kpebo D, Annan J (2014)(24) | PLOS ONE (PubMed) | 950 Mulheres/Transversal/(Costa do Marfim, África) | TEPT | 2C |
Flanagan JC, Jaquier V, Overstreet N, Swan SC, Sullivan TP (2014)(25) | Psychiatry Research (SCOPUS) | 362 mulheres/ Transversal/(África) | TEPT e depressão | 2C |
Watkins LE, Jaffe AE, Hoffman L, Messman-Moore TL, Gratz KL, DiLillo D (2014)(26) | Journal of Family Psychology (SCOPUS) | 375 mulheres/Coorte/ (Estados Unidos) | Depressão | 2B |
Michalopoulou E, Tzamalouka G, Chrousos GP, Darviri C (2015)(27) | Journal of Family Violence (CINAHL) | 34 mulheres/Ensaio controlado randomizado/(Grécia) | Estresse, depressão, ansiedade e autoestima | 2B |
Weiss NH, Dixon-Gordon KL, Duke AA, Sullivan TP (2015)(28) | Comprehensive Psychiatry (CINAHL) | 197 mulheres/Transversal/ (Estados Unidos) | TEPT e automutilação | 2C |
Tiwari A, Chan KL, Cheung DST, Fong DYT, Yan ECW, Tang DHM (2015)(29) | BMC Public Health (PubMed) | 613 na avaliação quantitativa transversal 200 na qualitativa (China) | TEPT e depressão | 2C |
Guillen AI, Panadero S, Rivas E, Vazquez JJ (2015)(30) | Scandinavian Journal of Psychology (PubMed) | 136 mulheres/Transversal/ (Nicarágua) | Ideação suicida | 2C |
Aupperle RL, Stillman AN, Simmons AN, Flagan T, Allard CB, Thorp SR, et al (2016)(31) | Journal of Traumatic Stress (PubMed) | 10 mulheres (casos) 12 (controles)/Caso e controle/(Estados Unidos) | TEPT | 3B |
Kamimura A, Nourian MM, Assasnik N, Franchek-Roa K (2016)(32) | International Journal of Social Psychiatry (PubMed) | 633 mulheres universitárias/ Transversal/(Japão, Cingapura, Coreia do Sul e Taiwan) | TEPT e depressão | 2C |
DISCUSSÃO
Os resultados desta revisão revelaram que houve maior número de artigos que abordaram a depressão e o TEPT entre mulheres adultas vítimas de VPI, mas se notou que a presença de outros transtornos mentais não psicóticos nesse público também foi frequente. Assim, evidenciou-se que os danos psicológicos resultantes da violência perpetrada por parceiro íntimo, muitas vezes, negligenciados pela sociedade, profissionais de saúde, segurança e gestão pública podem ser tão ou talvez mais devastadores na vida dessas mulheres que as feridas físicas.
Foi possível identificar que o número de artigos sobre o objeto deste estudo foi maior nos anos de 2013 e 2014 e teve um decréscimo nos últimos 3 anos, de forma que em 2015 foram selecionados apenas quatro estudos, 2016 apenas dois e até o mês de junho de 2017 não foram identificados artigos que abordassem especificamente todos os critérios adotados neste estudo.
Ressalta-se que todos os artigos encontrados foram internacionais, fato que demonstra a necessidade de publicações brasileiras sobre o assunto, tendo em vista sua considerável relevância. Observou-se também que dentre os artigos avaliados a maior parte possuía níveis de evidência 2C, ou seja, razoáveis para apoiar a recomendação. Há, assim, a necessidade de realização de novos estudos com fortes evidências científicas.
Os estudos primários incluídos nesta revisão foram classificados em quatro categorias temáticas: humor depressivo-ansioso, sintomas somáticos, decréscimo de energia vital e pensamentos depressivos.
Humor depressivo-ansioso
A maior parte dos artigos selecionados incluiu, principalmente, a depressão e o TEPT. Estudo desenvolvido na Jordânia mostrou que mais da metade das mulheres sofreu VPI e relatou nível grave de sintomas depressivos. Na subescala do estresse, mais de um terço teve estresse de níveis moderados a extremamente graves(14). Em pesquisa realizada na Grécia, os sintomas de depressão também foram maiores em mulheres que experimentaram VPI, em comparação com as que nunca a experimentaram(26).
A depressão varia de acordo com o tipo de exposição à VPI. Na Bolívia, investigação realizada com 10.119 mulheres mostrou que aproximadamente metade das que sofreram violência psicológica e física apresentou ansiedade, enquanto as que foram abusadas sexualmente por seus parceiros íntimos expressaram sentimentos recorrentes de medo(20).
Análises ajustadas de um estudo demonstraram associação entre depressão e violência conjugal(21). Nessa perspectiva, a exposição de mulheres ao controle comportamental e à violência física e sexual perpetrada por um parceiro íntimo masculino está claramente associada a sintomas de depressão.
Estudo multicêntrico realizado na África, na América Latina, na Índia e no Alasca mostrou que sintomas de TEPT entre mulheres estão direta e indiretamente relacionados com a VPI e com uso indevido de álcool(15). Outros estudos desenvolvidos na África mostraram que a VPI do tipo psicológica e física estava diretamente relacionada à gravidade do estresse pós-traumático e da depressão. Notou-se que quanto mais severa a violência física e psicológica sofrida, maior a propensão a esses tipos de transtornos mentais não psicóticos. No entanto, não foram encontradas associações entre o abuso sexual e o TEPT ou a depressão(17,24–25).
Já em estudo multicêntrico realizado no Japão, Cingapura, Coreia do Sul e Taiwan, notou-se que a coexperiência entre vitimização e perpetração de VPI física foi associada a traços de personalidade limítrofe e ao TEPT, mas não com depressão. Vale ressaltar que a hostilidade de gênero e a socialização da violência foram fatores preditores significativos para traços de personalidade limítrofes, depressão e TEPT(32).
Nos Estados Unidos, pesquisas também encontraram resultados semelhantes, demonstrando que o trauma prévio provocado pela VPI é um fator de risco para o desenvolvimento do TEPT(28,31). Nesse mesmo país, estudo indicou que 74% das mulheres violentadas por parceiro íntimo relataram sintomas de depressão, e 67% delas possuem critérios para TEPT(16).
Em estudo transversal realizado na Nigéria, verificou-se que as mulheres têm dez vezes mais chances de desenvolver depressão e foram 17 vezes mais propensas a relatarem ansiedade se estivessem em relacionamentos violentos. Fato que demonstra as implicações negativas da VPI para a saúde mental das nigerianas(18).
Em investigação desenvolvida com 613 chinesas, observou-se que, dentre as formas de VPI, as ações controladoras (ameaças e violência física) são as que possuem consequências mais negativas para a saúde mental de mulheres. Essas vítimas necessitam utilizar serviços médicos com maior frequência, pois possuem mais sintomas de depressão e de distúrbio de estresse pós-traumático(29).
Vale destacar que o enfermeiro e a equipe multiprofissional de saúde necessitam estar preparados para reconhecer e tratar essas mulheres, para que desta forma possam desenvolver atendimento singular e humanizado. Essa individualização do tratamento faz-se relevante, tendo em vista que as pessoas respondem de maneira diferenciada às condutas aplicadas.
Em ensaio clínico controlado e randomizado desenvolvido com mulheres gregas vítimas de VPI, que sofriam algum transtorno mental não psicótico, observou-se que no grupo de intervenção, o estresse percebido foi significativamente diminuído após 8 semanas de relaxamento, mas nenhum resultado significativo foi observado para horas de sono e depressão(27). Há também evidências de que o empoderamento de mulheres abusadas por seus companheiros pode ser um fator protetor contra resultados negativos à sua saúde mental(16).
Sintomas somáticos
Nesta categoria, foram incluídos somente dois estudos, no entanto, ambos foram realizados com grande amostra de mulheres, fato que eleva o poder de associação estatística.
Em estudo transversal desenvolvido com 6.303 mulheres de estados indianos, observou-se que os problemas mais comumente relatados foram estar sob tensão, deprimidas ou infelizes, levando-as a perderem o sono por preocupação(19).
Já em pesquisa realizada na Bolívia com 10.119 mulheres, notou-se que sintomas somáticos, como convulsões, estiveram presentes entre aquelas que experimentaram abuso sexual, seguido de abuso físico e abuso psicológico(20). Esses sintomas somáticos podem afetar a qualidade de vida de mulheres violentadas e gerar problemas ainda mais graves.
É importante destacar que profissionais de saúde, muitas vezes, vislumbram os sintomas somáticos considerando somente seus aspectos biológicos, sem investigar suas possíveis causas(33). Isso evidencia a fragilidade do acesso e da integralidade na atenção aos casos de saúde mental.
Decréscimo de energia vital
Essa categoria analítica também foi representada apenas por dois artigos, mas foi possível identificar diversos sintomas que caracterizam sua inserção neste tópico.
Em grande estudo desenvolvido na Bolívia, o qual já apresentou resultados pertencentes a outras duas categorias analíticas desta revisão, a porcentagem de mulheres que relatam sentimento de “cansada o tempo todo” permanece significativamente maior entre as que sofreram abuso sexual, seguido das que sofreram abuso psicológico e físico, respectivamente. Os resultados para “dificuldade em fazer atividades diárias” e “dificuldade em tomar decisões” mostraram que o abuso psicológico e físico tem efeitos quase iguais, enquanto o sexual tem efeito mais forte sobre esses dois padrões(20).
Estudo longitudinal desenvolvido nos Estados Unidos corrobora essas informações ao evidenciar que a violência por parte do parceiro íntimo gera dificuldades durante a realização de tarefas cognitivas em mulheres adultas(31). Dessa forma, além do sofrimento gerado ao indivíduo, a VPI provoca considerável impacto socioeconômico devido à diminuição da força de trabalho da mulher e à procura desnecessária por serviços de saúde(2).
Pensamentos depressivos
Nos quatro artigos que se enquadraram neste tópico, pôde-se perceber a presença de sintomas graves que podem, se não tratados, culminar em consequências letais para a mulher agredida pelo parceiro.
Em estudo misto desenvolvido nos Estados Unidos, evidenciou-se relatos de ideação suicida e tentativas de suicídio entre mulheres vítimas de VPI. Além disso, 34% das mulheres relataram regularmente tomar vários medicamentos para sua saúde mental e física. Essa pesquisa mostrou também que o estresse, a tristeza, a depressão e a infelicidade estavam presentes na vida de grande parte das mulheres abusadas(23). Nesse mesmo país, uma pesquisa mostrou maior propensão para automutilação entre mulheres adultas violentadas por seus cônjuges(28).
Na Nicarágua, pesquisa evidenciou que mulheres que tentaram suicídio experimentaram substancialmente mais eventos de VPI. Essas experiências de violência e o menor apoio social foram especialmente relacionados a tentativas de suicídio entre as entrevistadas(30). Em estudo realizado em Ruanda, na África, identificou-se que a violência física, a sexual e a psicológica aumentaram consideravelmente o risco de todos os transtornos mentais explorados, dentre eles a depressão, a ideação suicida e o TEPT(22).
Após análise das quatro categorias temáticas, observou-se que a VPI entre mulheres adultas encontra-se relacionada com o desenvolvimento de transtornos mentais não psicóticos, em diferentes domínios e gravidades. Observou-se também que os estudos mostraram similaridade quanto aos resultados encontrados e que um mesmo estudo pode ter se enquadrado em mais de uma categoria analítica.
CONCLUSÃO
Os estudos evidenciaram que os principais transtornos mentais não psicóticos em mulheres adultas vítimas de violência por parceiro íntimo foram, respectivamente: a depressão e o TEPT. No entanto, também foram encontrados: estresse, ideação suicida, decréscimo da energia vital, sintomas somáticos, automutilação, ansiedade e distúrbios do sono. Fato que mostra o quão assoladora pode se tornar a VPI para a saúde mental de mulheres que a vivenciam.
Este estudo poderá contribuir com informações para o planejamento e o redirecionamento das políticas públicas e da prática da enfermagem no que se refere aos tipos de transtornos mentais não psicóticos em mulheres adultas violentadas por parceiro íntimo, para que a partir disso sejam implementadas ações de melhoria ao enfrentamento desse agravo.
Com a realização desta revisão foi possível verificar que, apesar da existência de diversas pesquisas que verificam associação entre violência por parceiro íntimo e transtornos mentais, ainda existem lacunas na literatura sobre a relação entre a VPI e as consequências específicas desses agravos na saúde mental dessas mulheres adultas. Observou-se que não foram encontrados estudos brasileiros que apresentassem os tipos de transtornos mentais não psicóticos em mulheres adultas vítimas de VPI e que contemplassem todos os critérios necessários para inclusão nesta revisão.
Sugere-se, dessa forma, o desenvolvimento de estudos de campo que verifiquem as consequências da VPI na saúde mental de mulheres adultas, dando ênfase aos tipos de transtornos mentais não psicóticos ocasionados.
Quanto às limitações, observou-se que nesta revisão prevaleceram investigações com delineamento transversal, impossibilitando a verificação de relações de causa e efeito entre VPI e transtornos mentais não psicóticos. No entanto, os estudos encontrados apresentam elevada magnitude por, em sua maioria, possuírem amostragens representativas de suas populações e evidenciarem associações estatisticamente significativas entre os dois agravos.