INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas, houve um aumento da expectativa de vida da população brasileira, acompanhado do crescente número de doenças crônicas, como o câncer, que sem dúvida é um problema de saúde pública, principalmente nos países em desenvolvimento. Estima-se cerca de 600 mil casos novos de câncer para os próximos 2 anos no Brasil(1). Mesmo com o avanço tecnológico associado à evolução terapêutica, ainda é elevado o índice de mortalidade. Segundo a Globocan/IARC, somente no ano de 2012, a estimativa de óbitos é de 8 milhões de pessoas no mundo(2). Este quadro afeta o ideal de cura e de preservação da vida, para o qual os profissionais da saúde são treinados(3).
Diante do exposto, existe a proposta de intervir no atual panorama dos cuidados ofertados, pensando na formação de profissionais que atuem sob este prisma. Para atender tal demanda, surgem os Cuidados Paliativos como alternativa aos cuidados ativos dos pacientes, desde os anos 1960(4). Apenas em 1990, a Organização Mundial da Saúde publicou a primeira definição de Cuidados Paliativos, sendo revisada em 2002.
“Cuidados Paliativos consistem na assistência promovida por uma equipe multidisciplinar, que objetiva a melhoria da qualidade de vida do paciente e seus familiares, diante de uma doença que ameace a vida, por meio da prevenção e alívio do sofrimento, da identificação precoce, avaliação impecável e tratamento de dor e demais sintomas físicos, sociais, psicológicos e espirituais”(5).
Desta forma, esse tema passou a ser visto como um cuidado que deve contar, essencialmente, com uma equipe multidisciplinar.
Em média, estima-se que globalmente mais de 20 milhões de pessoas necessitem de cuidados paliativos na fase final da vida(6). Essa abordagem de cuidado vem ganhando cada vez mais espaço nas comunidades, entretanto, ainda há uma carência de locais e de profissionais preparados para essa demanda, talvez por questões culturais de desconhecimento e de preconceitos, já que a eutanásia ainda se confunde com assistência paliativa. A Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP) reconhece a lacuna na formação dos profissionais de saúde em Cuidados Paliativos, todavia enfatiza que nos próximos anos haverá uma inversão da situação atual, por uma necessidade da saúde pública(7). Partindo desses desafios, reconhece-se a necessidade de analisar e compilar a produção científica em tal contexto de atuação. Este estudo teve como objetivo identificar o perfil dos estudos publicados em cuidados paliativos em oncologia e analisar o seu nível de evidência.
MÉTODO
Utilizou-se da síntese de investigação mista. O desenho do estudo, uma pesquisa não clínica, conforme descrito por Brun, foi integrado aplicando-se a metodologia Problema, Conceito e Contexto (PCC) para nortear a coleta de dados(8). A estratégia PCC é uma mnemônica que auxilia a identificar os tópicos-chave: Problema, Conceito e Contexto. Tal estratégia foi adotada para conduzir a questão de pesquisa da revisão de escopo(9). Uma revisão de escopo (scoping study ou scoping review) é definida como um tipo de estudo que busca explorar os principais conceitos do tema em questão, averiguar a dimensão, o alcance e a natureza do estudo, condensando e publicando os dados, dessa forma apontando as lacunas de pesquisas existentes(10).
Neste estudo, o Problema elencado foi a caracterização da publicação científica nacional e internacional sobre cuidado paliativo em oncologia, o Conceito englobou o Cuidado Paliativo em todos os cenários de atuação, e o Contexto está relacionado com a quantidade de publicações, o grau de recomendação e o nível de evidência dos estudos, a área profissional dos autores, se as publicações são de forma uni ou multiprofissional, os temas mais pesquisados e a frequência de publicações nos últimos 5 anos. Conciliando os tópicos-chave do PCC com os objetivos do estudo, a questão de pesquisa da revisão de escopo se constituiu como: Quais são as características das publicações científicas sobre cuidados paliativos em oncologia, nos últimos 5 anos?
MÉTODOS DE BUSCA DE PUBLICAÇÕES
A busca da produção científica foi realizada em periódicos indexados na base de dados MEDLINE/PubMed. Os critérios definidos para selecionar essa base de dados foram: disponibilidade para consultar os artigos na web, presença de mecanismos de busca com suporte a palavras-chave e ao operador “and”, base de dados atualizada e veículo de publicação confiável. Foram selecionados estudos publicados na língua inglesa, por ser considerado o idioma preferido para artigos científicos, na área da saúde. No entanto, estudos relevantes encontrados em língua portuguesa e espanhola, na base de dados utilizada, também foram considerados.
A busca eletrônica realizou-se em setembro de 2016, utilizando-se das palavras-chave: Patient Care Team AND Palliative Care, Patient Care Team AND Oncology, Palliative Care AND Oncology em inglês e traduzidas para os idiomas português e espanhol. Os critérios de inclusão dos artigos foram: artigos publicados nos últimos 5 anos; nos idiomas inglês, português ou espanhol, com pelo menos dois desses descritores: Patient Care Team, Palliative Care e Oncology. Os critérios de exclusão foram: artigos incompletos, pagos, estudos em fase de projeto ou ainda sem resultados e cujo foco não correspondesse à questão de pesquisa.
CRITÉRIOS E PROCEDIMENTOS DE SELEÇÃO
A seleção dos artigos científicos foi realizada em quatro etapas, descritas a seguir. A 1ª Etapa resumiu-se à construção de uma cadeia de busca formada pela combinação dos descritores, já citados, os quais foram submetidos ao banco de dados relacionado. Na 2ª Etapa, aplicaram-se os filtros (disponibilidade de texto livre e completo; idiomas inglês, português e espanhol; data de publicação nos últimos 5 anos), e os artigos que retornaram foram inicialmente armazenados em ordem sequencial em um documento de texto no software Word versão 2016 do pacote Office da Microsoft. As obras repetidas foram documentadas uma única vez. Nesta etapa, os títulos e os descritores foram lidos com o objetivo de verificar se os artigos correspondiam à questão de pesquisa. A partir dos artigos selecionados nas etapas anteriores, a 3ª Etapa foi executada por dois revisores, que efetuaram a leitura do resumo, da introdução e da conclusão de cada artigo para identificar a relevância deste para a pesquisa e se preenchia os critérios de inclusão ou exclusão. Por fim, na 4ª Etapa, os artigos pré-selecionados foram lidos na íntegra, identificando-se com mais precisão a sua relevância para a pesquisa, e se os critérios de inclusão e exclusão estavam contemplados. Nesta última etapa, foram extraídos os dados relevantes para posterior análise.
PROCEDIMENTO PARA EXTRAÇÃO E SUMARIZAÇÃO DOS DADOS
A extração de dados, realizada depois da leitura integral dos artigos e da aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, foi realizada por um único revisor, que também preencheu o banco de dados, constituído em forma de tabela, no software Excel, versão 2016, do pacote Office da Microsoft. Abaixo estão citados os dados na ordem em que foram compilados no banco de dados: número de identificação; ano de publicação; idioma em que foi publicado; grau de recomendação; nível de evidência; tipo de estudo; profissão dos autores (enfermeiros, médicos, fisioterapeutas, nutricionistas, psicólogos, assistentes sociais, farmacêuticos, fonoaudiólogos, odontólogos, terapeutas ocupacionais e outros); tipo de produção (uni ou multiprofissional); temas principais do artigo (dor, sintomas, luto/morte/final de vida, pediatria, família/cuidador, espiritualidade/religião/fé, diagnóstico/prognóstico, terapias complementares, prática profissional, formação profissional, alimentação/nutrição, ética/bioética/moral/legislação, comunicação, quimioterapia, radioterapia, cirurgia, sobrevida, qualidade de vida, atendimento domiciliar, atendimento ambulatorial, custo/economia).
O número de identificação foi registrado sequencialmente conforme ordem de leitura dos artigos e da coleta de dados. O Grau de Recomendação e o Nível de Evidência foram analisados e classificados conforme Phillips et al(11). Os dados foram analisados por meio de estatística descritiva, apresentando frequências absolutas e relativas. Para as análises, foi utilizado o software PSPP, versão 3, de 2007.
RESULTADOS
O retorno da busca com os descritores, sem contar os estudos duplicados, foi de 42.650 artigos. Destes, 42.596 eram em inglês, 27 em português e 27 em espanhol. Na busca com os descritores Patient Care Team AND Palliative Care, retornaram 3.414 artigos, com Patient Care Team AND Oncology, 7.321 artigos, com Palliative Care AND Oncology, 31.861 artigos. A busca com os descritores em português e espanhol obteve retorno de 27 artigos cada, apenas para as respectivas combinações Cuidados Paliativos AND Oncologia e Cuidados Paliativos AND Oncología.
Após a triagem com os descritores na base de dados e o retorno de 42.650 artigos, foi realizada a sua análise, conforme as etapas descritas. A Figura 1 especifica os resultados de cada etapa da análise, seguindo o modelo PRISMA 2009 Flow Diagram(12).

Figura 1 – Diagrama do processo de inclusão e exclusão dos estudos – Porto Alegre, RS, Brasil, 2016.
Em relação ao idioma dos artigos, 94,72% (323) foram publicados em inglês, 4,11% (14) em português e 1,17% (4) em espanhol. Quanto ao ano de publicação, observou-se que a maior frequência de publicações foi em 2015 (32,55%, 111), e os 2 anos com menor número de publicações foram 2016 e 2012, respectivamente com 17,20% (59) e 13,49% (46). A quantidade de produção anual e cumulativa dos últimos 5 anos está descrita na Figura 2.

Figura 2 – Produção científica sobre cuidados paliativos em oncologia de 2012 até setembro de 2016 – Porto Alegre, RS, Brasil, 2016.
Os artigos foram analisados em termos de qualidade e categorizados por Grau de Recomendação e Nível de Evidência, conforme a classificação desenvolvida pela Oxford Centre for Evidence Based Medicine(11). De acordo com a análise dos artigos, 82,99% (283) foram classificados com Grau de Recomendação B, sendo 51,91% (177) com Nível de Evidência 2B. Apenas 9,68% (33) dos artigos atingiram o Grau de Recomendação A, e somente 3,81% (13) foram classificados com Nível de Evidência 1A. A Tabela 1 apresenta o resultado completo da análise da qualidade e tipos de estudo dos artigos incluídos na presente revisão. Destaca-se que o Estudo de Coorte é o tipo de estudo mais frequente entre os incluídos nesta revisão de escopo e corresponde a 207 (60,70%) do total de artigos encontrados. Os Estudos de Coorte também são os mais frequentes entre os que possuem Nível de Evidência 2B, ocupando 94,91% dos artigos classificados neste Nível de Evidência, bem como no Grau de Recomendação B, com 59,15% do total dos artigos.
Tabela 1 – Relação entre grau de recomendação, nível de evidência e tipo de estudo dos artigos – Porto Alegre, RS, Brasil, 2016.
NÍVEL DE EVIDÊNCIA | |||||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
| |||||||||||
1A | 1B | 1C | 2A | 2B | 2C | 3A | 3B | 4 | 5 | Total | |
MA | 2 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 2 |
RS | 2 | 0 | 0 | 12 | 0 | 0 | 25 | 0 | 0 | 0 | 29 |
ECR | 0 | 1 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 1 |
ECÑC | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 |
EC | 9 | 19 | 0 | 1 | 168 | 1 | 0 | 8 | 1 | 0 | 207 |
ECC | 0 | 0 | 0 | 0 | 1 | 0 | 0 | 12 | 2 | 0 | 15 |
ECT | 0 | 0 | 0 | 0 | 8 | 0 | 1 | 43 | 2 | 0 | 53 |
ESC | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 1 | 0 | 1 | 6 | 0 | 8 |
DC | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 2 | 12 | 0 | 14 |
OE | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 1 | 1 |
| |||||||||||
Total NE | 13 | 20 | 0 | 13 | 177 | 2 | 26 | 66 | 23 | 1 | 341 |
| |||||||||||
Total GR | 33 | 284 | 23 | 1 | |||||||
| |||||||||||
A | B | C | D |
GR= Grau de Recomendação, NE= Nível de Evidência, MA= Metanálise, RS= Revisão Sistemática, ECR= Ensaio Clínico Randomizado, ECÑC= Ensaio Clínico Não Controlado, EC= Estudo de Coorte, ECC= Estudo de Caso-Controle, ECT= Estudo de Corte Transversal, ESC= Estudo de Série de Casos, DC= Descrição de Caso, OE= Opinião de Especialista.
Analisaram-se a profissão dos autores dos artigos e se os artigos foram produzidos por autores de uma única profissão (produção uniprofissional) ou de duas ou mais profissões (produção multiprofissional). A forma de produção uniprofissional foi a mais frequente do total dos artigos, com 67,74% (231), e a multiprofissional, com 32,26% (110). A categoria profissional que mais publicou foram os médicos, com 93,26% (318) do total de artigos incluídos no estudo, e a seguir os enfermeiros, que participaram como autores em 25,22% (86) de todos os artigos incluídos. Os psicólogos, apesar de participarem como autores em um número expressivamente menor do que as categorias profissionais anteriormente citadas, aparecem como terceira categoria profissional em frequência de autoria dos artigos com 5,57% (19) do total. Ao relacionarem-se as categorias profissionais com a forma de produção, tem-se como resultado que os médicos produziram 95,45% do total de artigos publicados de forma multiprofissional. Apesar de os médicos comporem a categoria com maior número de publicações de forma multiprofissional, quando analisada somente a publicação médica, evidenciou-se que 66,98% de sua produção foi de forma uniprofissional, e 33,02% de forma multiprofissional. Já a categoria dos enfermeiros teve a frequência de 81,40% de produção de forma multiprofissional, representando 63,64% de autoria do total das produções de forma multiprofissional. A produção por categoria profissional e a forma uni e multiprofissional estão descritas na Figura 3.

Figura 3 – Frequência da publicação científica sobre cuidado paliativo em oncologia de cada categoria profissional relacionada à forma de produção – Porto Alegre, RS, Brasil, 2016.
A investigação dos temas mais frequentes dos artigos incluídos nesta revisão foi realizada com base na divisão das principais temáticas em 21 categorias de temas. Como resultado da análise da temática, apresentamos os três temas mais frequentes nos artigos: Práticas Profissionais/Equipe, com frequência de 277 aparições (81,23%); Diagnóstico/Prognóstico, com frequência de 243 (71,26%) e Qualidade de Vida, com frequência de 191 aparições (56,01%). A relação completa das frequências e as porcentagens de aparição de cada tema estão apresentadas na Tabela 2.
Tabela 2 – Frequência e percentual da aparição das categorias de tema principal dos artigos – Porto Alegre, RS, Brasil, 2016.
TEMAS | FREQUÊNCIA | PERCENTUAL |
---|---|---|
Práticas Profissionais/Equipe | 277 | 81,23% |
Diagnóstico/Prognóstico | 243 | 71,26% |
Qualidade de Vida | 191 | 56,01% |
Sintomas | 160 | 46,92% |
Sobrevida | 122 | 35,78% |
Luto/Morte/Final de Vida | 89 | 26,10% |
Formação de Profissionais/Equipe | 88 | 25,81% |
Comunicação | 68 | 19,94% |
Dor | 62 | 18,18% |
Família/Cuidador | 51 | 14,96% |
Tratamento Radioterápico | 44 | 12,90% |
Tratamento Quimioterápico | 38 | 11,14% |
Atendimento Domiciliar | 32 | 9,38% |
Ética/Bioética/Moral/Legislação | 30 | 8,80% |
Pediatria | 26 | 7,62% |
Tratamento Cirúrgico | 26 | 7,62% |
Atendimento Ambulatorial | 24 | 7,04% |
Espiritualidade/Religião/Fé | 19 | 5,57% |
Custo/Economia | 17 | 4,99% |
Terapias Complementares | 10 | 2,93% |
Alimentação/Nutrição | 7 | 2,05% |
DISCUSSÃO
O primeiro dado que subsidia a discussão é a considerável diferença da quantidade de publicação em relação ao idioma utilizado, julgando que, do total de artigos incluídos na pesquisa, 94,72% (323) foram publicados em inglês. Este fato pode ser explicado por inúmeros motivos, e um deles é que os países que possuem um nível mais desenvolvido de oferta de cuidados paliativos e mais pesquisas nesta área são majoritariamente os países de língua inglesa(13). Tal fato também pode estar relacionado com a tendência mundial(14) de estabelecer o inglês como língua internacional na ciência, já que estudos demonstram que artigos publicados em inglês recebem mais citações, portanto, são mais lidos, disseminando em maior escala o conhecimento, o que remete os pesquisadores a buscarem periódicos e publicações na língua inglesa.
A primeira definição de cuidados paliativos foi publicada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 1990(15) e atualizada pela mesma instituição em 2002(5). A partir desses marcos, os cuidados paliativos vêm sendo ano a ano discutidos e estudados com mais expressividade, como se pode observar pela curva crescente na Figura 2, que demonstra o número de publicações por ano nos últimos 5 anos. No ano de 2014, a OMS publicou o Global Atlas of Palliative Care at the End of Life(13) divulgando mundialmente a importância e o déficit da prestação de cuidados paliativos ao redor no mundo. A divulgação de um documento de referência publicado por uma das organizações de saúde de maior reconhecimento internacional pode ter impulsionado o pico de publicações científicas no ano de 2015, como mostra a Figura 2. Assim como a curva decrescente no ano de 2016 pode ser explicada pelo fato de a busca dos artigos ter sido realizada em setembro do mesmo ano, excluindo os últimos 3 meses.
Analisando-se em conjunto o Grau de Recomendação, o Nível de Evidência e o Tipo de Estudo, obteve-se como resposta a maior frequência de publicações sobre cuidados paliativos em oncologia com Grau de Recomendação B, Nível de Evidência 2B e Tipo de Estudo os de Coorte, representando 49,26% (168) do total de artigos incluídos nesta revisão de escopo. O artigo de revisão(16) trata de avaliar a publicação nacional sobre cuidados paliativos entre 2000 e 2011, e apresenta como uma de suas conclusões a baixa força de evidência de tais publicações, considerando importante o desenvolvimento de novos estudos com Grau de Recomendação e Nível de Evidência mais eloquentes. Da mesma forma, revisões internacionais apontam lacunas na base de evidências das pesquisas sobre cuidados paliativos, por apresentarem uma carência de discursos mais amplos de desenvolvimento internacional. A ausência relativa de pesquisas intervencionistas que demonstrem a eficácia e a relação custo-eficácia dos cuidados paliativos limita as ferramentas com as quais os defensores podem se envolver com os formuladores de políticas internacionais sobre esse tema. Inclusive é sugerida a realização de pesquisas com abordagem intervencionista, para fortalecer não só as evidências científicas, como também munir os profissionais da área de ferramentas para formulação de políticas internacionais(17).
Nossos resultados mostram que as categorias profissionais de enfermagem e medicina são as que mais produzem artigos científicos sobre cuidados paliativos em oncologia, o que vai ao encontro de conclusões de outros artigos de temática e objetivos semelhantes(18-19). Como concluído em investigação(18), a categoria profissional que mais publica no cenário dos cuidados paliativos é a enfermagem, devido à própria essência de formação dessa categoria, pautada no cuidar. A medicina, por sua vez, é a categoria profissional que está incluída em todas as equipes de cuidados paliativos e exerce papel de destaque entre as publicações na área, apontando o médico como o profissional que ocupa a posição de liderança nas equipes de cuidados paliativos. Esta abordagem é rebatida por autores com o argumento de que, além do atendimento multiprofissional ser um dos princípios da filosofia paliativista, o atendimento de pacientes em cuidados paliativos exige muito mais do que apenas habilidades clínicas, necessitando também da inclusão de outras categorias profissionais à equipe, tornando-a interdisciplinar(5,18-19).
Ainda em relação às categorias profissionais, analisou-se também a forma de produção de cada categoria, que pode ser de forma uni ou multiprofissional. Desta análise cruzada, a medicina é a categoria que mais frequência teve em autoria de produção científica sobre cuidados paliativos em oncologia, representando 93,26% (318) do total dos artigos incluídos neste estudo, e apenas um terço de sua produção foi realizada de forma multiprofissional (33,02%). No entanto, na categoria enfermagem, que aparece como a segunda com maior número de publicações, 25,22% (86) do total dos artigos incluídos neste estudo foram publicados de forma multiprofissional, representado por 81,40% do total de sua produção. O que significa que os enfermeiros estavam envolvidos como autores na produção de mais da metade do total dos artigos publicados de forma multiprofissional, contabilizando 63,64% do total desta forma de produção científica. Os profissionais de enfermagem não só apresentam a maioria de sua publicação de forma multiprofissional, como também compõem a categoria que mais publica neste formato, o que corrobora a formação do profissional enfermeiro para o trabalho em equipe.
É notório que a abordagem multiprofissional é um dos princípios mundiais dos cuidados paliativos(3), desta forma, são muito discutidos a importância e o impacto dessa abordagem. Estudos mostram que a comunicação deficitária entre a equipe é uma realidade que pode ser um obstáculo para a boa prática dos cuidados paliativos, assim como a inclusão de tecnologias para melhorar a comunicação não mudará este panorama se as equipes não se conscientizarem da importância de uma comunicação efetiva e formal para a qualificação do serviço(20-21). Essa conclusão nos faz refletir que, se a produção de forma multiprofissional é escassa, também é a representação da realidade da prática assistencial, em que cada profissional exerce suas funções de forma isolada, sem desenvolver a comunicação multiprofissional. Outro estudo vai além, discutindo em sua investigação a experiência bem-sucedida de uma equipe multiprofissional de oncologia pediátrica, que buscou através da comunicação efetiva compartilhar saberes e traçar de forma clara seu papel na construção de um cuidado singular(22). Novamente delineamos o paralelo entre a prática e a teoria, a prática assistencial fundamentada na troca de saberes agrega qualidade à assistência e da mesma forma prepara profissionais para o desenvolvimento de pesquisas e investigações, implementando a produção científica.
Estudos demonstram que os profissionais identificam a importância da equipe multiprofissional, assim como relatam que equipes multiprofissionais especializadas em cuidados paliativos tendem a uma demonstração maior de humanização no processo de cuidar e a um reconhecimento da importância da integralidade do cuidado(18,23). Conforme mencionado(24), equipes multiprofissionais que atuam de forma interdisciplinar alcançam resultados positivos tanto para os profissionais quanto para os usuários. Essa forma de atuação gera movimentos internos que levam o profissional a refletir sobre a sua própria prática, oportunizando um novo olhar para o trabalho assistencial e potencializando a realização de uma ação sinérgica entre os diversos agentes da assistência. Transpondo a importância da soma dos saberes para o contexto da comunidade científica e, enfatizado na literatura(17), conclui-se que o incentivo da comunidade científica para publicações realizadas de forma multiprofissional, pode alavancar e qualificar a produção científica em cuidados paliativos pautada na articulação entre os vários saberes profissionais.
A análise das temáticas mais frequentes das publicações resultou em 277 aparições (81,23%) do tema Práticas Profissionais/Equipe. Esta categoria de tema compilou os artigos que tratavam de aspectos da prática dos profissionais e das equipes de saúde na área de cuidados paliativos em oncologia, como protocolos utilizados na prática assistencial, métodos de intervenções, abordagens diferenciadas, procedimentos assistenciais voltados para a prática profissional e das equipes, entre outros. A equipe de profissionais que atendem pacientes oncológicos sob cuidados paliativos apresenta sobrecarga de trabalho devido à complexidade no atendimento, este fato é um dos que motivam os pesquisadores a desenvolverem estudos com a equipe e sua prática profissional como tema principal, com o propósito de justificar o redimensionamento profissional com dados científicos(25). Essa parece ser a temática mais frequente dos artigos incluídos neste estudo, justamente pelo fato de a prática profissional qualificada ser desenvolvida com base em evidências científicas, constituindo o conceito amplamente discutido de saúde baseada em evidências. O grande número de investigações e pesquisas realizadas com o tema Práticas Profissionais/Equipe advém da necessidade de refletir e compreender o trabalho em saúde, culminando na prestação de uma assistência de qualidade, pois, apesar das especificidades de conhecimento de cada área profissional, o trabalho em saúde deve ser realizado essencialmente em equipe(26). Um profissional autocrítico, munido de conhecimento científico e empoderado pode intervir de forma a desconstruir barreiras dentro dos serviços, garantindo que outros profissionais de saúde, pacientes e famílias de pacientes compreendam a filosofia dos cuidados paliativos, alcançando, assim, qualidade na prestação de cuidados(27).
O tema Diagnóstico/Prognóstico foi o que apresentou a segunda maior frequência, com 243 (71,26%) aparições do total de artigos incluídos. Esta categoria temática abrangeu os artigos que abordavam, de forma principal, o diagnóstico de câncer em fase avançada, incurável ou terminal, e/ou o prognóstico, a evolução ou o desenvolvimento do curso das doenças malignas. Investigações sobre diagnóstico e prognóstico determinam muitos fatores importantes, como planos terapêuticos, escolha entre terapias, identificação de fatores associados, fatores de risco, dados epidemiológicos e demográficos. Portanto, se justifica que este tema esteja entre os mais frequentes, já que pesquisas que têm o Diagnóstico/Prognóstico como tema principal tendem a ser abrangentes, possibilitando a definição de diversas variáveis que agreguem maior poder de análise e discussão a um artigo. Tratando-se de cuidados paliativos, há muitas controvérsias a respeito da continuidade de intervenções e das decisões terapêuticas, portanto, o estudo completo da história clínica, dos critérios para diagnósticos e prognósticos são fatores de suma importância para os profissionais da saúde(28).
Com 191 aparições (56,01%), o terceiro tema mais frequente entre os artigos incluídos nesta Revisão de Escopo é a Qualidade de Vida. Esta categoria temática suporta os artigos que discutem a qualidade de vida, seus fatores relacionados e seu impacto no contexto dos cuidados paliativos em oncologia. A assistência paliativa tem como principal objetivo a promoção da qualidade de vida(5) com foco no doente e não na doença. Desta forma, entende-se que a busca para alcançar esse objetivo envolve controle da dor e demais sintomas, comunicação efetiva com paciente e familiares, apoio junto ao processo de luto e final de vida, assistência espiritual, entre outros tópicos categorizados neste estudo como temas principais(29-30). Logo, explica-se a frequente ocorrência de Qualidade de Vida como tema principal em publicações científicas na oncologia, já que os cuidados paliativos se definem como a busca pela qualidade de vida, em que a preocupação é agregar vida aos anos e não anos à vida(31).
CONCLUSÃO
Os achados mostram um número significativo de artigos relacionados aos cuidados paliativos em oncologia, que abordam principalmente temáticas como as práticas profissionais e de equipes, diagnósticos e prognósticos e ainda a qualidade de vida. O perfil traçado por meio dos resultados e discutido neste estudo assim como o grau de recomendação e o nível de evidência pouco expressivos encontrados nos estudos refletem a prática dos cuidados paliativos, ainda realizada em grande parte de forma empírica e sem embasamento teórico-científico.
Por fim, recomenda-se a integração e a troca de saberes entre as profissões para que futuros estudos sejam realizados de forma multiprofissional e com maior rigor metodológico, a fim de configurar um cenário de produção científica qualificada e com maior força de evidência na área de cuidados paliativos em oncologia. Desta forma, acreditamos que seja possível aprimorar, além da produção científica, também a assistência dos cuidados paliativos oncológicos.