Perfil dos atendimentos por condições sensíveis à Atenção Primária à Saúde em uma Unidade de Pronto Atendimento^*

RESUMO

Objetivo:

Descrever os atendimentos por condições sensíveis à Atenção Primária à Saúde em uma unidade de pronto atendimento.

Método:

Estudo descritivo, exploratório e ecológico, com abordagem quantitativa. Acessou-se um banco de dados com informações dos atendimentos realizados, de janeiro de 2015 a dezembro de 2016, em uma Unidade de Pronto Atendimento localizada na região do Campo Limpo, município de São Paulo. Considerou-se intervalo de confiança de 99% para a incidência de atendimentos com identificação de condição sensível à Atenção Primária à Saúde, com margem de erro de 0,4%. As análises foram realizadas com o auxílio do pacote estatístico SPSS.

Resultados:

Foram realizados 434.883 atendimentos, 17,1% deles por condições sensíveis à Atenção Primária à Saúde, constituídos majoritariamente pelo sexo feminino e por crianças com até 4 anos de idade. Grande parte dos atendimentos ocorreu em razão de infecções de ouvido, nariz e garganta (45,4%). Houve aumento da chance de atendimento pelo indicador em pacientes crônicos (p<0,001).

Conclusão:

Os achados deste estudo apontam a presença de um perfil de pacientes de uma Unidade de Pronto Atendimento que poderiam ser atendidos por Unidades Básicas de Saúde ressaltando as fragilidades do acesso e do cuidado continuado na Atenção Primária à Saúde.

DESCRITORES:
Enfermagem de Atenção Primária; Atenção Primária à Saúde; Hospitalização; Sistema Único de Saúde

ABSTRACT

Objective:

To describe emergency department visits for ambulatory care sensitive conditions.

Method:

Exploratory, descriptive, ecological, quantitative study. From January 2015 to December 2016, was accessed the database with information of visits performed in an emergency department located in the region of Campo Limpo, municipality of São Paulo. A 99% confidence interval was considered for the incidence of visits with identification of ambulatory care sensitive conditions, and a margin of error of 0.4%. The analyzes were performed with use of the statistical package SPSS.

Results:

We found 434,883 visits, of which 17.1% were due to ambulatory care sensitive conditions, mostly of women and children up to 4 years of age. The reason for most visits were ear, nose and throat infections (45.4%). There was a higher chance of visits for the indicator in chronic patients (p<0.001).

Conclusion:

This study demonstrated the emergency department ambulatory care sensitive conditions visits that may indicate poor access to primary care.

DESCRIPTORS:
Primary Care Nursing; Primary Health Care; Hospitalization; Unified Health System

RESUMEN

Objetivo:

Describir las atenciones por condiciones sensibles a la Atención Primaria de Salud en una unidad de urgencias.

Método:

Estudio descriptivo, exploratorio y ecológico, con abordaje cuantitativo. Se accedió a un banco de datos con informaciones de las atenciones realizadas, de enero de 2015 a diciembre de 2016, en una Unidad de Urgencias ubicada en la región de Campo Limpo, municipio de São Paulo. Se consideró intervalo de confianza del 99% para la incidencia de atenciones con identificación de condición sensible a la Atención Primaria de Salud, con margen de error del 0,4%. Los análisis se llevaron a cabo con la ayuda del paquete estadístico SPSS.

Resultados:

Fueron realizadas 434.883 atenciones, el 17,1% de ellas por condiciones sensibles a la Atención Primaria de Salud, constituidas mayoritariamente en el sexo femenino y niños de hasta cuatro años de edad. Gran parte de las atenciones ocurrió en virtud de infecciones de oído, nariz y garganta (45,4%). Hubo incremento de la probabilidad de atención por el indicador en pacientes crónicos (p<0,001).

Conclusión:

Se observó prevalencia relativamente baja de atenciones por condiciones sensibles a la Atención Primaria de Salud en la unidad de urgencias, lo que puede sugerir mejor acceso, cobertura y calidad de la Atención Primaria.

DESCRIPTORES:
Enfermería de Atención Primaria; Atención Primaria en Salud; Hospitalización; Sistema Único de Salud

INTRODUÇÃO

No final da década de 1980, nos Estados Unidos¹, foi elaborado um indicador que analisa indiretamente cuidados realizados nos serviços ambulatoriais por meio da análise das internações efetuadas no âmbito hospitalar. A partir da segunda metade da década de 1990, as Internações por Condições Sensíveis à Atenção Primária (ICSAP) passaram a ser utilizadas para a análise da qualidade desta atenção em países que possuem o sistema de saúde com foco nos cuidados primários, como Espanha, Austrália, Canadá e Brasil^2)-(7. O indicador, portanto, é utilizado “como uma forma de avaliar o acesso, a cobertura, a qualidade e o desempenho da Atenção Primária à Saúde (APS)”^8)-(11.

As ICSAP compõem um conjunto de morbidades que pode ser atendido oportuna e efetivamente pela APS, considerando que, a princípio, não necessita de hospitalização. Parte-se da consideração de que o primeiro nível de atenção tem a resolutividade como um de seus atributos essenciais, de forma a resolver mais de 85% dos problemas de saúde da sua população. Assim, espera-se que possa ser evitado o agravamento clínico dos usuários dos serviços de saúde e, por conseguinte, sua hospitalização¹².

Considera-se, ainda, a coordenação do cuidado pela APS como um dos seus principais atributos para a continuidade da atenção em saúde, expressa pela ordenação da rede¹². Uma revisão sistemática sobre as ICSAP evidenciou que a continuidade da atenção na APS se associou a menores taxas de internação nos Estados Unidos e Canadá³. A continuidade da atenção e a presença de equipe multidisciplinar beneficiam outros pontos da rede de atenção, pois reduz as demandas dos hospitais e dos serviços de urgência e emergência.

Porém, essa não parece ser a realidade dos serviços de saúde brasileiros, onde há gigantescas filas de espera e superlotação. Isto é percebido principalmente nos equipamentos de saúde de urgência e emergência, onde há um quantitativo expressivo de internações, muito em função da busca pela população que não possui acesso aos demais níveis de atenção à saúde¹³. O acompanhamento dos problemas de saúde dos usuários, família e comunidade constitui-se ainda em um desafio à APS, a qual se encontra diante de questões, como a falta de investimento financeiro, a elevada taxa de população adstrita, o número insuficiente de equipes de saúde da família e as precárias condições de trabalho e infraestrutura. Tais problemas dificultam a prestação de uma atenção à saúde eficiente e resolutiva pela APS, principalmente frente à atual epidemia de doenças crônicas que necessitam de acompanhamento contínuo de saúde^14)-(15.

A Unidade de Pronto Atendimento (UPA 24h) constitui um equipamento de saúde de complexidade intermediária, situada entre a APS e a rede hospitalar, onde muitos dos seus atendimentos não são configurados como emergenciais, e sim de natureza ambulatorial, com possibilidade de solução pela APS.

Numa primeira busca por estudos que utilizam as ICSAP, identifica-se expressiva publicação que toma o hospital como local privilegiado da investigação para a análise da APS, e escassa produção que discute os equipamentos de saúde de complexidade intermediária, fato que justifica o presente estudo. O objetivo do presente artigo é descrever os atendimentos por condições sensíveis à atenção primária em uma unidade de pronto atendimento.

MÉTODO

TIPO DE ESTUDO

Estudo descritivo, exploratório e ecológico.

CENÁRIO

Os dados foram acessados de um banco digitalizado com informações dos atendimentos da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Campo Limpo, realizados de janeiro de 2015 a dezembro de 2016. A unidade de análise foi o atendimento realizado. O equipamento de saúde pertence à Secretaria Municipal de Saúde em gestão compartilhada com a Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein. A Unidade funciona de segunda a segunda, 24 horas por dia, está localizada na região sul do município de São Paulo e abrange cerca de 1,1 milhão de habitantes do M’boi Mirim e do Campo Limpo.

COLETA DE DADOS

A população do estudo foi composta de pacientes que realizaram atendimento na UPA Campo Limpo e que apresentaram CID-10 de ICSAP presentes na lista brasileira¹⁶. No presente estudo, optou-se pela utilização do termo “atendimento” por condição sensível, por não se caracterizar como “internação” os casos que são atendidos na UPA. Foram analisadas as variáveis: sexo, faixa etária, classificação de Manchester atribuída na Classificação de Risco, identificação das ICSAP por meio do CID-10 e presença de condição crônica. Consideraram-se como doença crônica não transmissível: hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus, asma/bronquite e transtorno mental.

No que diz respeito à Classificação de risco de Manchester, o paciente é classificado em uma das cinco prioridades - emergente (vermelha), muito urgente (laranja), urgente (amarela), pouco urgente (verde) e não urgente (azul) -, identificadas por número, nome, cor e tempo-alvo para a observação médica inicial¹⁷. No fluxo interno da UPA Campo Limpo, ainda existe a classificação de risco de cor branca, atribuída a pacientes não urgentes, que não apresentam queixas e que procuraram a unidade para a realização de procedimentos ambulatoriais, como curativos e passagem de sondas.

ANÁLISE E TRATAMENTO DOS DADOS

As análises foram realizadas com o auxílio do pacote estatístico SPSS. Os dados foram descritos por meio de frequências absolutas e relativas para as variáveis categóricas, e por médias, desvio-padrão (DP), mediana e quantis, valores mínimos e máximos para as variáveis quantitativas. Na análise dos resultados, considerou-se intervalo de confiança de 99% para a incidência de atendimentos com identificação de ICSAP, com margem de erro de 0,4%.

ASPECTOS ÉTICOS

O estudo foi aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem da USP, da Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo e do Hospital Israelita Albert Einstein (CAAE: 63883617.9.0000.5392), no ano de 2017.

RESULTADOS

Foram registrados 434.883 atendimentos de pacientes na UPA Campo Limpo nos dois anos (2015 e 2016). Destes, 74.248 foram identificados como condições sensíveis à APS (17,1%).

Foi maior o percentual de mulheres classificadas como ICSAP, maior a concentração nas faixas etárias entre 1 e 4 anos (23,34%) e 20 e 39 anos (23%). Em relação aos diagnósticos classificados como CSAP, o destaque maior foi para os atendimentos por infecções de ouvido, nariz e garganta (Tabela 1).

Tabela 1
Número de atendimentos por condições sensíveis à APS, segundo sexo, faixa etária e diagnóstico na UPA Campo Limpo - São Paulo, SP, Brasil, 2017.

Variável		ICSAP
		N= 74.248	%
Sexo
	Feminino	38.819	52,28
	Masculino	35.429	47,72
Faixa etária
	Até 1	6.764	9,11
	1 a 4	17.327	23,34
	5 a 9	8.282	11,15
	10 a 14	4.316	5,81
	15 a 19	4.744	6,39
	20 a 39	17.078	23,00
	40 a 49	4.725	6,36
	50 a 59	4.019	5,41
	≥ 60	6.993	9,42
Condições Sensíveis à Atenção Primária
	Anemia	104	0,14
	Angina	249	0,34
	Asma, bronquite e bronquite aguda	12.855	17,31
	Deficiências nutricionais	47	0,06
	Diabetes	1.073	1,45
	Doença inflamatória pélvis feminina	410	0,55
	Doenças cerebrovasculares	941	1,27
	Doenças preveníveis por imunização	1.648	2,22
	Doenças relacionadas ao pré-natal/parto	21	0,03
	Doença pulmonar obstrutiva crônica	1.308	1,76
	Epilepsias	629	0,85
	Febre reumática	6	0,01
	Gastroenterites infecciosas/complicações	11.132	14,99
	Hipertensão	2.905	3,91
	Infecção da pele e tecido subcutâneo	3.808	5,13
	Infecção no rim e trato urinário	1.560	2,1
	Infecções de ouvido, nariz e garganta	33.743	45,45
	Insuficiência cardíaca	1.130	1,52
	Parasitose	12	0,02
	Pneumonias bacterianas	623	0,84
	Úlcera gastrointestinal	44	0,06

A Classificação de Risco com base em Manchester foi predominante na classificação verde (56,3%), prioridade considerada pouco urgente (Tabela 2).

Tabela 2
Número de atendimentos por condições sensíveis à APS, segundo a classificação de risco de Manchester realizado na UPA Campo Limpo - São Paulo, SP, Brasil, 2017.

Classificação de Risco	CSAP
	N	%
Branco	752	1,0
Azul	962	1,3
Verde	41.838	56,3
Amarelo	15.801	21,3
Laranja	14.367	19,4
Vermelho	143	0,2
Sem Informação	385	0,5
Total	74.248	100,0

Para as análises de associação entre os tipos de atendimento (sem e com CSAP) e as características dos pacientes atendidos na UPA Campo Limpo no período do estudo, foram selecionados 323.158 atendimentos. Para essas análises, foram excluídas as passagens sem informação sobre o atendimento ter sido ou não por ICSAP.

Correlacionando a presença ou não de condições sensíveis na APS com as variáveis sexo, faixa etária e apresentação de doença crônica não transmissível (Tabela 3), observou-se associação entre o sexo dos pacientes e o atendimento por CSAP (p<0,001), na qual as mulheres tiveram chance de atendimento por CSAP estimada em 1,05 vezes maior que os homens. Pacientes com idade entre 1 e 4 anos tiveram chance aumentada (1,13 vezes) de atendimento por CSAP, quando comparados aos pacientes com idade abaixo de 1 ano (p<0,001). As crianças com menos de 1 ano apresentaram maiores chances de atendimentos por ICSAP do que pacientes das demais faixas etárias. Ainda, os resultados evidenciaram que houve aumento da chance de atendimento, estimada em torno de quatro vezes, por CSAP em pacientes crônicos (p<0,001), em relação aos pacientes não crônicos.

Tabela 3
Percentual dos atendimentos segundo presença ou não de condições sensíveis na APS, correlacionado ao sexo, faixa etária e apresentação de doença crônica não transmissível na UPA Campo Limpo - São Paulo, SP, Brasil, 2017.

Variável	CSAP
	Não %	Sim %	RC* (IC 95%)	valor p**
Sexo
Masculino	77,4	22,6	1
Feminino	76,6	23,4	1,051	<0,001
			(1,034; 1,069)
Faixa etária
<1	62,0	38	1
1 a 4	59,1	40,9	1,128	<0,001
			(1,088; 1,169)
5 a 9	63,7	36,3	0,929	<0,001
			(0,892; 0,968)
10 a 14	75,7	24,3	0,522	<0,001
			(0,499; 0,547)
5 a 19	80	20	0,408	<0,001
			(0,391; 0,426)
20 a 39	83,5	16,5	0,323	<0,001
			(0,312; 0,334)
40 a 49	86,2	13,8	0,261	<0,001
			(0,250; 0,272)
50 a 59	84,5	15,5	0,298	<0,001
			(0,284; 0,311)
≥ 60	80,2	19,8	0,402	<0,001
			(0,387; 0,419)
Presença de doença crônica
Não	78,9	21,1	1
Sim	48,4	51,6	3,988	<0,001
			(3,874; 4,106)

• *RC: razão de chance; **Valor p: obtidos por modelos logísticos multinomiais.

DISCUSSÃO

Um primeiro ponto de discussão a ser destacado é a elevada taxa de atendimentos encontrada na UPA, o que demonstra o quanto a população procura este serviço de urgência para a resolução dos mais diversos problemas de saúde, com uma média diária de 600 atendimentos/dia. Alguns desses atendimentos poderiam ser atendidos pela APS, fenômeno corroborado pela literatura¹⁸.

A prevalência de 17,1% de atendimentos por CSAP encontrada na UPA foi semelhante a um estudo realizado em São Paulo, com taxa de 15,9% de CSAP¹⁹, e significativamente menor que outro estudo brasileiro, com 28,5% de CSAP². No Brasil, observou-se redução substancial nas internações por CSAP nos últimos anos¹⁹, tendência que não é exclusiva do país, pois em outros, como em Cingapura, observou-se queda de 9,1% de 1991 a 1998²⁰, e no Canadá, um decréscimo de 22% entre os anos de 2001-2002 e 2006-2007²¹.

Estudos nacionais e internacionais apontam que “menores taxas de internações por CSAP estão associadas à maior disponibilidade de médicos generalistas por habitante na APS, melhor avaliação do serviço por parte do usuário^8),(11, continuidade da assistência com o mesmo médico de família e maior número de consultas preventivas e regiões com centros de saúde”^3),(11. “Independentemente da carga de doenças e da própria oferta de médicos, o melhor acesso à atenção primária está associado à menor número de internações por CSAP”^6),(11. Tendência de redução das taxas de CSAP vem sendo relacionada à adoção da Estratégia Saúde da Família¹⁹. No município de São Paulo, desde 2000, ampliou-se o número de equipes de saúde da família, passando de uma cobertura de 27% em 2005 para 45,1% em 2012, o que corresponde a uma expansão de 76,8% das equipes²². Reflexo desta expansão pode explicar a baixa prevalência de CSAP na UPA da região Sul.

Apesar da escassez de pesquisas na literatura que tomem o estudo das CSAP em equipamentos de saúde de atenção secundária, estudo comparativo entre “um hospital geral e uma unidade de pronto atendimento foi realizado em Divinópolis (MG), onde cerca de um terço das internações do município ocorreram na UPA, a qual atendeu mais da metade das CSAP investigadas^11),(23. Nessa realidade, muitas CSAP têm sido identificadas nos equipamentos de atenção secundária, em detrimento do cuidado continuado na atenção primária em saúde, o que se configura como um evento silencioso, uma vez que não existe emissão de guia de internação que permita o registro dessas ocorrências nas estatísticas oficiais”^11),(23. Dessa forma, um grande quantitativo de CSAP acaba por ser ignorado pelo sistema para os equipamentos de saúde e para as necessidades de saúde da população.

Outro ponto de discussão trata da destacada presença das mulheres no número de atendimentos por CSAP. Evidências de associação entre o sexo dos pacientes e o atendimento por CSAP (p<0,001) demonstraram que as mulheres têm chance de atendimento por CSAP estimada em 1,05 vezes maior que a chance dos homens. Tal achado é confirmado pela literatura¹⁹, e uma das explicações é que as mulheres estão mais presentes nos serviços de saúde em geral por ser o cuidado em saúde uma prática feminina²⁴.

Quanto à faixa etária, observou-se a maioria de atendimentos na população que apresenta entre 1 e 4 anos. A chance de atendimento por CSAP estimada nessa faixa etária é aumentada em 1,13 vezes, quando comparada a de pacientes com idade abaixo de 1 ano (p<0,001), o que sugere a dificuldade do acesso dessas crianças, com queixas agudas características de APS, nas Unidades Básicas de Saúde do seu território, seja pelo modelo de organização da agenda ou faixa horária de funcionamento. Um estudo brasileiro também identificou maior probabilidade de CSAP “em menores de 5 anos, com menor escolaridade, história de consulta médica de emergência no mês anterior e de hospitalização no ano anterior”^10)-(11. Mas é bom lembrar que são os extremos de idade aqueles com maior predomínio de CSAP, como os idosos com mais de 60 anos^19),(25.

Estudo realizado no município de Divinópolis (MG) constatou maior prevalência de CSAP “na unidade de pronto atendimento, no sexo feminino e nas faixas etárias menores de 13 anos e acima de 40 anos^11),(23. As internações ocorridas nesta UPA tiveram uma chance 2,64 (IC95%: 2,36 a 2,95) vezes maior de ser CSAP”^11),(23. Além disso, mulheres e pacientes menores de 13 anos e acima de 40 anos (p<0,01) tiveram mais chance de ter CSAP²³. Tais informações sugerem que as unidades de pronto atendimento abrangem grande quantitativo de atendimentos por CSAP, o que demonstra, mais uma vez, a preferência da população por este tipo de serviço e a importância de intervenção neste ponto de assistência à saúde.

Ao analisar a Classificação de Risco de Manchester realizada na UPA, a maioria dos atendimentos foi classificada como pouco urgente. Esta tendência já foi evidenciada em outros estudos nacionais^25)-(26, o que demonstra maior procura do serviço de urgência para atendimentos de baixa complexidade.

Quanto ao perfil das CSAP encontrado neste estudo, constatou-se que a maioria dos atendimentos foi por infecções de ouvido, nariz e garganta, seguidas pelas gastroenterites infecciosas e complicações. Todavia, em outra pesquisa realizada em São Paulo¹⁹ observou-se maiores taxas de pneumonias bacterianas (17,4%), o que nos leva a crer que não há uma linearidade absoluta na literatura.

Os dados encontrados apontam para a importância da discussão das CSAP no contexto da UPA como um reflexo do modelo de organização da oferta de serviços na APS, gerando oportunidade para a reflexão e reorganização do acesso, de modo que possibilite o atendimento das queixas comuns que acometem a população, constituídas inclusive de afecções agudas, tais como as evidenciadas no estudo, além das atividades de promoção à saúde e prevenção de doença.

Ao analisar a associação entre as CSAP e as características dos pacientes, houve evidências de aumento da chance de atendimento por CSAP de pacientes crônicos (p<0,001), em torno de quatro vezes em relação aos pacientes não crônicos. Esta informação sugere a fragilidade do acesso e vínculo desses pacientes com a APS, considerando que a busca do atendimento pelo paciente, bem como a agenda de vagas estão condicionados, muitas vezes, somente a “consulta de rotina” e não ao cuidado continuado que tem incluído a agudização da sua condição. Atendimentos recorrentes nessa população sugerem que esses pacientes apresentam piora clínica e maior chance de observação clínica na UPA ou transferência hospitalar para hospital terciário.

Estudos referem “que as condições crônicas exigem um sistema de atenção que responda de forma proativa, contínua e integrada, por meio do compromisso político com a APS, da implementação de um acolhimento qualificado e das práticas inovadoras no âmbito da política e da atenção”. Porém, a APS, como coordenadora do cuidado, “ainda encontra vários desafios, sobretudo pela fragilidade de implantar uma rede que permita a integração entre os diferentes níveis de atenção, bem como sistemas de apoio e logística para sustentar os fluxos de comunicação e os processos para a produção social em saúde”²⁷.

Esta pesquisa apresentou resultados que podem subsidiar a gestão local na organização dos serviços da região estudada, porém possui limitações que merecem ser destacadas, como o fato de tomar dados secundários referentes ao registro no banco de dados, o qual depende das informações registradas pelos profissionais da unidade, e que podem interferir na qualidade destas. A investigação e os resultados deste estudo são importantes ferramentas para avaliar este ponto de atenção no território estudado. Como encaminhamento, a partir destes resultados, propôs-se um fluxo de comunicação entre as Unidades Básicas da APS e a UPA, que será discutido futuramente com os gestores locais.

CONCLUSÃO

Esta pesquisa permitiu descrever o perfil dos atendimentos por CSAP no município de São Paulo e verificar que os dados encontrados foram significativos do ponto de vista estatístico e do local do estudo. Os achados apontam a presença de um perfil de pacientes que poderiam ser atendidos por Unidades Básicas de Saúde ressaltando as fragilidades do acesso e do cuidado continuado na Atenção Primária à Saúde.

Destaca-se a importância da problematização do acesso para atendimentos agudos nas UBS, por meio das análises de CSAP na UPA, bem como a necessidade de intervenções conjuntas e a incorporação de análises contínuas das CSAP para melhoria da assistência prestada na região.

Espera-se que esta pesquisa incite o estudo das CSAP nos equipamentos de saúde de atenção secundária, diante da escassez observada na literatura e da importância que este ponto de atenção à saúde tem diante da população.

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  Extraído da dissertação “Atendimentos por condições sensíveis à Atenção Primária à Saúde em uma unidade de pronto atendimento: proposta de comunicação para coordenação do cuidado”, Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo, 2017.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  31 Jan 2019
• Data do Fascículo
  2019

Histórico

• Recebido
  26 Out 2017
• Aceito
  04 Jun 2018