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Representações sociais do HIV/AIDS entre gestantes soropositivas* * Extraído da dissertação “O enfrentamento da soropositividade por gestantes: um estudo de representações sociais”, Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Universidade de Pernambuco/Universidade Estadual da Paraíba, 2018.

RESUMO

Objetivo:

Identificar os conteúdos representacionais de gestantes vivendo com o HIV.

Método:

Pesquisa exploratória, descritiva, com abordagem qualitativa, realizada com gestantes com HIV entre agosto de 2017 e janeiro de 2018. Optou-se por entrevista semiestruturada. Para a análise se utilizou o software IRAMUTEQ, organizando os dados em 2 blocos: a) momento da descoberta, impactos e conteúdos representacionais do HIV; e b) conteúdos representacionais no viver com a doença.

Resultados:

Participaram 25 gestantes. Inicialmente, observou-se que a representação social do HIV traduz a representação da morte; porém, essa construção se altera à medida que as mulheres compreendem as informações sobre a patologia e esta passa a ser vista como uma doença que requer maiores cuidados.

Conclusão:

Ainda se concebe o HIV como algo digno de temor, principalmente devido ao receio de transmiti-lo ao feto. Constatou-se a ressignificação do HIV entre as gestantes, algo que favorece novos comportamentos e atitudes diante de conteúdos representacionais relativos ao conhecimento mais aprofundado sobre o vírus e desmistifica a ideia de que se trata de uma doença mortal.

DESCRITORES
Gestantes; HIV; Síndrome de Imunodeficiência Adquirida; Percepção Social; Enfermagem Obstétrica

ABSTRACT

Objective:

To identify the representational contents of pregnant women living with HIV.

Method:

Exploratory, descriptive, qualitative study, conducted with pregnant women with HIV from August 2017 to January 2018. Semi-structured interview was opted for. The IRAMUTEQ software was used for analysis, organizing the data into 2 blocks: a) moment of discovery, impacts, representational contents of HIV; and b) representational contents in living with the disease.

Results:

The participating pregnant women amounted to 25. Initially, the social representation of HIV translated the representation of death; however, this construction changes as women understand information of the pathology, which starts to be seen as a disease which demands more care.

Conclusion:

The conception of HIV as frightful is mainly due to concern about transmission to the fetus. The resignification of HIV was perceived among pregnant women, which favors new behaviors and attitudes towards the representational contents related to a deeper knowledge about the virus, demystifying the idea that this is a deadly disease.

DESCRIPTORS
Pregnant Women; HIV; Acquired Immunodeficiency Syndrome; Social Perception; Obstetric Nursing

RESUMEN

Objetivo:

Identificar los contenidos representacionales de mujeres embarazadas que viven con el VIH.

Método:

Investigación exploratoria, descriptiva y cualitativa realizada con mujeres embarazadas con VIH entre agosto de 2017 y enero de 2018. Se optó por entrevistas semiestructuradas. Para el análisis, se utilizó el software IRAMUTEQ, organizando los datos en dos bloques: a) momento del descubrimiento, impactos y contenidos representacionales del VIH; y b) contenidos representacionales de la convivencia con la enfermedad.

Resultados:

Participaron 25 mujeres embarazadas. Inicialmente, se observó que la representación social del VIH traduce la representación de la muerte; sin embargo, la construcción cambia a medida que las mujeres comprenden la información sobre la patología, que comienza a ser vista como una enfermedad que requiere mayores cuidados.

Conclusión:

El VIH aún se concibe como algo digno de miedo, principalmente debido al temor de transmitirlo al feto. Se constata la resignificación del VIH entre las mujeres embarazadas, algo que favorece nuevos comportamientos y actitudes a partir de contenidos representacionales relativos al conocimiento más profundo sobre el virus y desmitifica la idea de que se trata de una enfermedad mortal.

DESCRITORES
Mujeres Embarazadas; VIH; Síndrome da Inmunodeficiencia Adquirida; Percepción Social; Enfermería Obstétrica

INTRODUÇÃO

Ao longo de quatro décadas, se observam crescimento e significativas mudanças no cenário global da infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV). Tal contexto representa importantes transformações epidemiológicas, marcadas pelos fenômenos de feminização (mulheres em idade reprodutiva), juvenilização, interiorização e pauperização(11. Ayala ALM, Moreira A, Francelino G. Características socioeconômicas e fatores associados à positividade para o HIV em gestantes de uma cidade do Sul do Brasil. Rev APS [Internet]. 2016 [cited 2021 fev. 19];19(2):210-20. Available from: https://periodicos.ufjf.br/index.php/aps/article/view/15666
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22. Mombelli MA, Barreto MS, Arruda GO, Marcon SS. AIDS epidemic in the triple frontier: subsidies for professional practice. Rev Bras Enferm. 2015;68(3):429-37. https://doi.org/10.1590/0034-7167.2015680308i
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). Dessa forma, no Brasil, cerca de 125 mil gestantes viveram com HIV entre 2000 e 2019. Essa taxa vem apresentando um aumento considerável nos últimos 10 anos(33. Boletim Epidemiológico de HIV e AIDS. Brasília: Ministério da Saúde; Secretaria de Vigilância em Saúde [Internet]. 2019 [cited 2021 fev. 19];(n.esp.). Available from: http://www.aids.gov.br/pt-br/pub/2019/boletim-epidemiologico-de-hivaids-2019
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).

A maioria das mulheres só toma conhecimento de sua condição sorológica quando descobre o filho infectado (no pré-natal, parto ou puerpério). No entanto, nos últimos anos, observa-se notória melhoria nesse tipo de diagnóstico devido à ampliação da triagem com testagem rápida ao longo da gestação(44. Redmond AM, McNamara JF. The road to eliminate mother-to-child HIV transmission. J Pediatr. 2015;91(6):509-11. https://doi.org/10.1016/j.jped.2015.08.004
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).

Para a gestante, reconhecer-se com sorologia positiva para o HIV representa mudanças no valor atribuído à própria vida, bem como a do feto que está em seu ventre, com repercussões nas relações interpessoais, tendo em vista os estigmas e estereótipos que o HIV carrega desde o surgimento de sua epidemia. Ademais, muitas mulheres grávidas com HIV têm medo de enfrentar a sociedade, em decorrência dos preconceitos e estigmas, ainda presentes nos dias de hoje. Por todos esses fatores, as gestantes se tornam vulneráveis diante de uma série de problemas – principalmente os psicológicos(55. Medeiros APDS, Araújo VSA, Moraes MN, Almeida AS, Almeida JN, Dias MD. Pregnant women’s experience of being seropositive for HIV/AIDS: prejudice, pain, trauma and suffering at the discovery. Rev Enferm UERJ. 2015;23(3):362-7. https://doi.org/10.12957/reuerj.2015.17918
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66. Dadhwal V, Sharma A, Khoiwal K, Deka D, Sarkar P, Vanamail P. Pregnancy outcomes in HIV-infected women: experience from a tertiary care center in India. Int J MCH IDS. 2017;6(1):75-81. https://doi.org/10.21106/ijma.196
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).

Assim, para que possa ser estabelecido um cuidado direcionado às necessidades de gestantes com HIV, mostra-se importante compreender os aspectos psicossociais individuais dessas mulheres. Nesse sentido, investigar o processo de construção das representações sociais do HIV dentro de seu contexto histórico, social e cultural se torna imprescindível. Para compreender os desafios e a realidade da gestante com HIV, faz-se necessária a realização de pesquisas à luz da Teoria das Representações Sociais (TRS), uma vez que esta se ancora na corrente sociopsicológica denominada pensamento social (77. Flament C, Rouquette ML. Anatomie des idées ordinaires. Paris: Armand Colin; 2003.).

A TRS é definida por elementos socioafetivos e mentais, integrando-os à cognição, à linguagem e à comunicação e contribuindo para a formação de identidades coletivas(88. Jodelet D. As representações sociais. Rio de Janeiro: Ed. UERJ; 2001. Representações sociais: um domínio em expansão; p. 17-44.). Destarte, mostram-se importantes os estudos que utilizam como pressuposto a TRS nos cenários com presença de gestantes com HIV, visto que ela possibilita a compreensão da construção de fenômenos por meio dos sentidos atribuídos pelos sujeitos às suas ações a partir dos contextos em que estas ocorrem(99. Ferreira MA. Theory of social representations and contributions to the research of health care and nursing. Esc Anna Nery. 2016;20(2):214-9. http://dx.doi.org/10.5935/1414-8145.20160028
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).

Além disso, a representação deve ser compreendida como fruto da interação e da comunicação, pois proporciona uma ampla compreensão dos fenômenos sociais e de suas influências psicossociais na sociedade(1010. Moscovici S. Representações sociais: investigações em psicologia social. 11a ed. Petrópolis: Vozes; 2017.).

Desse modo, faz-se necessário entender como o grupo social de gestantes com HIV compreende os conteúdos representacionais do HIV/aids, bem como sua repercussão no cotidiano, visto que sua influência pode significar o agravamento do estado de saúde e do bem-estar dessa população. A análise das representações sociais em gestantes com HIV permite refletir sobre o que pode ser melhorado nos cuidados prestados, especialmente por parte dos enfermeiros. Objetiva-se, portanto, o aprimoramento da assistência prestada a essas clientes, tendo em vista o cenário de estímulo à adesão medicamentosa, à redução do estigma e ao autocuidado.

Diante dessa compreensão, corrobora-se que o sujeito, ao mesmo tempo que se expressa nas representações sociais, também se constrói socialmente. Logo, este estudo teve por objetivo identificar os conteúdos representacionais de gestantes com HIV diante da infecção.

MÉTODO

Desenho do Estudo

Trata-se de pesquisa descritiva com abordagem qualitativa à luz da TRS – proposta por Serge Moscovici(1010. Moscovici S. Representações sociais: investigações em psicologia social. 11a ed. Petrópolis: Vozes; 2017.) –, utilizando a abordagem processual, a qual traz a representação social como maneira de compreensão elaborada e partilhada na sociedade, que favorece a criação de uma realidade em um grupo social(88. Jodelet D. As representações sociais. Rio de Janeiro: Ed. UERJ; 2001. Representações sociais: um domínio em expansão; p. 17-44.).

População

Este estudo foi realizado em um serviço de assistência especializada (SAE) em HIV situado em Recife-PE entre agosto de 2017 e janeiro de 2018. O prolongado período de coleta se justifica pelo fato de que esta ocorreu apenas duas vezes por semana (às segundas e quintas-feiras), conforme a autorização desse SAE.

A escolha do SAE em HIV se justifica por prestar atendimento integral a gestantes que vivem com HIV, mediante ações de assistência, prevenção e tratamento com atuação de uma equipe multiprofissional, além de proporcionar acesso via Sistema Único de Saúde (SUS). As participantes do estudo foram gestantes em acompanhamento terapêutico no SAE em estudo. Conforme o registro da equipe gestora do local de coleta de dados, no período do estudo, o SAE apresentava média mensal de 42 atendimentos a gestantes com HIV.

Os critérios de inclusão deste estudo foram: a) gestantes maiores de idade (≥18 anos); b) gestantes com diagnóstico de HIV havia pelo menos 6 meses; e c) gestantes que faziam acompanhamento ambulatorial no SAE em HIV. Os critérios de exclusão foram: a) gestantes que não apresentavam condições de discernimento e cognição; e b) gestantes com histórico de doenças mentais descritas no prontuário.

Amostra

O processo de coleta de dados foi finalizado ao atingir a amostragem de 25 gestantes. Para isso se adotou o critério de saturação das falas, tendo em vista a repetição de conteúdos representacionais do objeto social em questão.

Coleta de Dados

Utilizou-se um questionário semiestruturado para caracterização sociodemográfica e clínica dos participantes, abordando variáveis como idade, escolaridade, religião, número de gestações, número de filhos vivos, sorologia do filho, renda, chefe de família, via de contágio do HIV, tempo de diagnóstico e uso de terapia antirretroviral. Também se realizou uma entrevista semiestruturada para apreender o momento da descoberta, os impactos e os conteúdos representacionais do HIV.

As participantes foram entrevistadas individualmente em sala reservada no próprio SAE em HIV. Utilizou-se um aparelho digital para gravar todas as entrevistas. Com duração média de uma hora, essas entrevistas foram realizadas em local tranquilo e sem interrupção. Elas foram transcritas na íntegra.

Posteriormente, os seguintes passos foram implementados: a) todas as falas foram registradas, em sua completude, no software Microsoft Word; b) os textos foram submetidos a correção ortográfica; e, por fim, c) o conteúdo foi agrupado em um corpus textual, gerando um único arquivo de texto no software OpenOffice. Preservou-se a identidade de todas as participantes codificando seus nomes por meio da abreviatura GEST (“Gestante”), do número sequencial da entrevista e da faixa etária (p. ex., GEST 01, 18 a 23 anos).

Análise e Tratamento de Dados

Para o tratamento dos dados clínicos e socioeconômicos, foram utilizadas frequências absolutas em planilha do software Epi Info, versão 3.5.2. O corpus textual, composto pelas entrevistas, foi organizado em documento do software Microsoft Word e transferido para o Bloco de Notas, com vistas a posterior análise. O software IRAMUTEQ (Interface de R pour les Analyses Multidimensiononnelles de Textes et de Questionnaires) possibilizou a análise do corpus textual via classificação hierárquica descendente (CHD).

A CHD permitiu a análise de cada texto, dividido em segmentos. Assim, foram constituídas classes lexicais de acordo com o vocabulário. Para este estudo foram analisados e discutidos os conteúdos de 6 classes que retrataram fenômenos representacionais das gestantes que vivem com o HIV, além da descoberta e do impacto do diagnóstico.

Aspectos Éticos

Este estudo foi elaborado em consonância com a Resolução n. 466/2012 e a Resolução n. 510/2016, do Conselho Nacional de Saúde, sendo aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Pernambuco, sob o Parecer n. 2.009.411, de 2017. Todas as participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

RESULTADOS

No que concerne aos dados sociodemográficos, dentre as 25 participantes do estudo, 5 gestantes se encontravam na faixa etária entre 18 e 23 anos, 8 entre 24 e 29 anos, outras 8 entre 30 e 35 anos e 4 entre 36 e 40 anos. No que diz respeito ao estado conjugal, 14 eram solteiras. Quanto à escolaridade e à religião, respectivamente, 12 concluíram o Ensino Médio e 13 afirmaram seguir as doutrinas evangelistas. Houve predomínio de baixa renda – 11 gestantes relataram ter renda mensal menor do que 1 salário mínimo (média de 800,00 reais) – e 15 não eram as principais responsáveis por essa renda.

Quanto ao número de gestações, 8 participantes estavam na primeira, 6 na segunda, 4 na terceira e 6 na quarta gestação; 16 participantes afirmaram ter pelo menos 1 filho e dentre estas 4 tinham 1 filho com diagnóstico de HIV. Além disso, 19 gestantes relataram que a infecção pelo HIV se deu por meio de relação sexual e 6 não souberam informar; 12 mulheres tiveram diagnóstico recente, no início da gestação atual, havia pelo menos 7 meses. Sobre o tratamento com a terapia antirretroviral, 22 gestantes afirmaram ter iniciado o tratamento após a descoberta da gestação.

Vale salientar que o vocabulário utilizado para construir o dendrograma e descrever cada classe foi determinado pelo número de segmentos de texto que contêm a palavra na classe, pela associação da palavra com a classe e pelo nível de importância da relação com a classe. Desse modo, foram elaboradas as seguintes categorias: a) “O momento da descoberta, os impactos e seus conteúdos representacionais”; e b) “Os conteúdos representacionais no viver com a doença” (Figura 1).

Figura 1
Distribuição das classes de acordo com o vocabulário.

A fim de facilitar a compreensão das representações sociais, os resultados foram divididos conforme as categorias apresentadas a seguir.

Categoria 1: OMomento da Descoberta, Os Impactos e Seus Conteúdos Representacionais

De acordo com os segmentos, evidenciou-se que a descoberta do diagnóstico se deu em diferentes momentos, tendo ocorrido durante o pré-natal ou os exames de rotina, conforme as falas abaixo:

Descobri quando o médico passou os exames normais de rotina, passou o exame de HIV, de sífilis e eu fiz (GEST 06, 30 a 35 anos).

Eu descobri após eu saber que estava gestante; tive que fazer exames, então meu HIV acusou (GEST 16, 30 a 35 anos).

Quando engravidei eu fui fazer os exames, aí no exame do HIV deu positivo durante o pré-natal (GEST 23, 18 a 23 anos).

Também se observou que as participantes descobriram seu diagnóstico após teste positivo de companheiro:

Meu marido foi internado, ficou muito magro, ele mostrou para mim o papel, nem acreditei. Então eu fui fazer o meu e o do meu outro menino; o meu deu reagente (GEST 07, 24 a 29 anos).

Descobri através do meu marido. O médico disse que ele tinha e eu peguei. Fiz o exame e deu positivo (GEST 09, 36 a 40 anos).

Identifica-se um impacto negativo quanto ao recebimento do diagnóstico do HIV. Os relatos indicam que algumas gestantes assemelhavam o HIV à morte, percepção esta que pode advir do crescente número de mortes ligadas a esse vírus durante sua epidemia, visto que o HIV surgiu como uma doença fatal. Confirma-se tal percepção por meio dos seguintes relatos:

Menina, foi a pior notícia da minha vida. Eu saí de lá em prantos, foi horrível, horrível, horrível, horrível. HIV é morte. Foi a pior notícia da minha vida (GEST 01, 18 a 23 anos).

Aquele momento significou a morte. Eu fiquei desesperada, chorei muito, fiquei pensando o que fazer da minha vida (GEST 03, 30 a 35 anos).

Foi muito triste, chorei, fiquei pensando que eu iria morrer logo, aquilo pra mim era morte na certa (GEST 09, 36 a 40 anos).

Houve, ainda, aquelas que ficaram em estado de choque, assim como outras que pensaram na saúde do feto após o diagnóstico:

Quando ele me deu certeza do HIV, eu ainda chorei um pouco, lá fora. Fiquei um pouco nervosa, mas tudo por conta da criança (GEST 04, 36 a 40 anos).

Eu chorei horrores. Não queria acreditar. Pensei que estava entendendo de forma errada, mas lá no fundo você sabe; deu reagente e não tem como (GEST 16, 30 a 35 anos).

Observa-se que o medo de transmitir o vírus para o filho promove uma situação estressora, como também são percebidos os sentimentos de esperança ou consciência pesada. Tais sentimentos podem estar associados à representação social de uma doença fatal:

Meu medo foi a criança; rezava dizendo a “criança não vai ter”, eu tenho certeza disso (GEST 04, 36 a 40 anos).

Eu pensei em meu bebê, não é? Eu perguntei às médicas se passava para o bebê e elas disseram que poderia acontecer, mas que se tomasse os remédios direitinho não aconteceria (GEST 12, 18 a 23 anos).

Hoje a dedicação exclusiva maior é o nascimento da minha filha; o que eu me pego muito é na esperança de ter um parto tranquilo, ter um parto que eu não passe esse vírus para minha filha (GEST 13, 36 a 40 anos).

Além disso, essas mulheres se deparam com atitudes preconceituosas de outrem, atitudes que podem estar ancoradas na doença devido ao que ocorreu no início da epidemia, o que acarreta sofrimento psíquico:

As pessoas têm preconceito. Elas têm preconceito com as pessoas que têm HIV. É como se a doença fosse uma coisa que não sei nem explicar (GEST 15, 30 a 35 anos).

É muito complicado ter isso. É um sofrimento muito grande porque o preconceito das pessoas é grande. Você passa e as pessoas falam de quem tem HIV e isso constrange a pessoa (GEST 16, 30 a 35 anos).

Percebem-se, inicialmente, conteúdos representacionais de sentimentos de medo, angústia, morte e desesperança entre as gestantes.

Categoria 2: Os Conteúdos Representacionais no Viver Com a Doença

No Bloco 2, que retrata principalmente os conteúdos representacionais no conviver com a doença, observa-se que a gestante que convive com a doença vê o HIV como um castigo divino. Evidencia-se esse conteúdo representacional neste segmento de texto:

Não é bom, mas, psicologicamente, eu estou bem, eu estou de boa. Eu peguei porque tinha que pegar, eu fiz besteira. Eu sou muito agarrada com Deus, eu acho que isso foi castigo (GEST 04, 36 a 40 anos).

Também se observou a busca por informações sobre o HIV na mídia, na internet, nas redes sociais e nas redes de apoio por parte de algumas participantes, o que pode favorecer o processo de ressignificação:

Quando descobri, eu li na internet que isso era um vírus que acaba com a vida da pessoa porque querendo ou não a pessoa não é mais a mesma (GEST 02, 24 a 29 anos).

Eu fui ver que era um vírus no sangue. Depois, eu procurei saber, (…) na televisão e internet sempre passa alguma coisa em relação a isso. Eu escuto e fico só pensando (GEST 06, 30 a 35 anos).

Eu creio que é uma doença. Olho depoimento na internet (GEST 12, 18 a 23 anos).

Nós procuramos nos informar, saber e até o meio que a gente convive, as pessoas estão sempre bem informadas (GEST 13, 36 a 40 anos).

A vergonha de si fez com que algumas gestantes deixassem de sair de casa. É notório que o preconceito da sociedade com quem tem HIV favorece o isolamento desse indivíduo, que tenta não passar por isso. Assim, vê-se um conteúdo representacional do HIV como o fim da vida:

Você acaba não querendo sair, você acaba pensando que não vai ter mais vida, que ninguém vai querer ficar com você (GEST 16, 30 a 35 anos).

Identificam-se, ainda, conteúdos representacionais do HIV voltados a “se ver diferente” e a “sofrimento/vergonha”:

Isso é um choque muito grande para qualquer pessoa. A gente não deseja isso nem para o pior inimigo (…) me vejo diferente (GEST 12, 18 a 23 anos).

É que é muito complicado ter isso. É um sofrimento muito grande porque o preconceito das pessoas é grande. Você passa e as pessoas falam que tem aids e isso constrange a pessoa (GEST 16, 30 a 35 anos).

Em contrapartida, observa-se que o convívio com o diagnóstico fez com que as gestantes apresentassem uma possível transformação representacional acerca do HIV, atrelando ao vírus a imagem de uma doença que requer cuidados:

Hoje, eu vejo que não é o fim do mundo, porque se a gente cuidar, se a gente tratar demora bem mais que um câncer ou qualquer outra doença. Então, eu sinto como se fosse diabetes ou qualquer outra doença (GEST 06, 30 a 35 anos).

Tem muita gente que tem doença pior, como o câncer, que não tem cura. Tenho medo porque a gente não morre pelo HIV e sim pelas doenças. Eu penso nisso, eu tenho medo de morrer por outras doenças como câncer ou tumor, alguma coisa assim (GEST 07, 24 a 29 anos).

Se você não se cuidar, tem mais coisa, tem a doença, a aids. HIV é uma doença como outra (GEST 15, 35 a 40 anos).

Constata-se em alguns relatos o preconceito contra si. Há gestantes que, apesar dos diversos meios de informação que podem favorecer o processo de ressignificação, consideram o HIV algo abominável, nojento:

É o fato da palavra HIV, só isso. O que eu quero dizer é que é uma doença muito mais nojenta porque tá no meu sangue (GEST 18, 18 a 24 anos).

Eu sempre vou ver o HIV como a morte. Então é por isso que eu falo muito sobre isso (GEST 22, 18 a 24 anos).

O HIV é uma doença transmissível que não tem cura. Eu tenho nojo de mim mesma (GEST 15, 30 a 35 anos).

Mesmo com grande parte das gestantes apresentando conteúdos representacionais negativos sobre o HIV, identificou-se uma gestante que consegue enxergar o lado positivo do HIV. Segundo ela, o vírus veio representado como uma forma de recomeço e transformação do fenômeno:

Mas eu tive que aceitar o HIV. Para muitas pessoas significa o fim de tudo, mas pra mim, está significando o recomeço de muita coisa (GEST 19, 24 a 29 anos).

Ademais, realizar o tratamento medicamentoso é importante, pois evita o surgimento de complicações relacionadas à transmissão do HIV. Percebem-se nos segmentos conteúdos representacionais voltados à renovação de vida, uma nova oportunidade.

Eu vejo que o tratamento é importante. Se eu o fizer certinho, tomar o remédio na hora certa, eu e minha filha vamos ficar bem para enfrentar (GEST 02, 24 a 29 anos).

O tratamento significa uma renovação de vida (GEST 02, 30 a 35 anos).

Percebe-se que a ancoragem em seus filhos dá forças às gestantes para seguirem a conduta terapêutica para o HIV. Para elas, realizar o tratamento significa ter longevidade para poder aproveitar os momentos com seus filhos e, ainda, livrá-los de contrair a cepa viral – eles acabam sendo colocados em primeiro plano, o que favorece a transformação representacional da doença vista inicialmente como fatal:

Deus foi muito bondoso comigo por não ter contaminado os meus filhos (GEST 07, 24 a 29 anos).

Estou me cuidando e não vai prejudicar meu filho. Que ele nasça bem, com saúde (GEST 08, 24 a 29 anos).

Eu vou viver bem e com saúde para não passar para o bebê o vírus; eu a vejo como uma coisa boa em minha vida (GEST 11, 18 a 23 anos).

Quero tratar. Eu quero ver meu filho, eu nunca tive filho e eu quero ver meu filho (GEST 03, 30 a 35 anos).

Todos os dias eu tomo meu remédio e vou dormir. Eu não posso pensar só em mim; tem um bebezinho dentro de mim também, então tenho que cuidar dele (GEST 10, 30 a 35 anos).

Com o tratamento eu me vejo, futuramente, com meu filho (GEST 19, 24 a 29 anos).

Nota-se que conviver com HIV no contexto da gravidez adquire uma nova significação porque ocorre em virtude da preservação da saúde dos filhos. Não há mais a preocupação de morte, a visão da doença como o fim. As pacientes passam a criar conteúdos representacionais diferentes, associando a necessidade do tratamento à condição de vida dos filhos.

O tratamento com a terapia antirretroviral não significa a cura, mas, para algumas, representa não morrer devido às doenças advindas da deficiência do sistema imunológico após a contaminação pelo vírus. Essa nova visão representa a compreensão das pacientes diante do conhecimento que diferencia o HIV da aids:

Na minha cabeça, eu entendo que a qualquer momento eu posso morrer e, se eu não tomar o medicamento certo, eu posso ficar doente (GEST 07, 24 a 29 anos).

Eu vejo uma esperança que até pouco tempo atrás era sinônimo de desesperança, de morte, de condenação e hoje, não. Eu vejo como se fosse um tratamento normal como qualquer outra patologia e tenho uma expectativa grande (GEST 13, 36 a 40 anos).

Na fala anterior, percebe-se com clareza a representação social do HIV como uma doença crônica que não apresenta maiores riscos de morte. Em relação aos conteúdos representacionais, nota-se que as gestantes começam a enxergar a infecção como uma doença que exige tratamento sério, mas não a tratam como o fim, como a morte.

Além disso, “o medo do preconceito” das pessoas próximas constitui um conteúdo representacional, representação esta que ainda está ancorada na vergonha de ser portador de HIV ou aids, uma doença de pessoas estigmatizadas pela sociedade, e isso faz com que as gestantes se isolem e evitem compartilhar sua realidade para evitar maior sofrimento:

Não é nem a doença que me preocupa. É o preconceito da sociedade, da minha família também. Só quem sabe é meu marido e a minha mãe, mais ninguém (GEST 19, 24 a 29 anos).

(…) Eu não quis que muita gente soubesse porque minha mãe e meu pai vão achar que eu vou morrer logo (GEST 04, 36 a 40 anos).

Minhas amizades não sabem, não. Deixei de sair, continuei com minha vida, mas me isolei um pouco (GEST 16, 30 a 35 anos).

Eu queria ser uma pessoa mais transparente. Eu queria poder falar e ir diminuindo aos poucos esse preconceito, mas sei que minha família não é tão instruída para aceitar de uma forma tão boa (GEST 13, 36 a 40 anos).

Eu ainda fico assustada. Não digo que tenho por medo do preconceito das pessoas (GEST 08, 24 a 29 anos).

DISCUSSÃO

Esta pesquisa apreendeu conceitos e sentimentos de gestantes soropositivas diante de sua realidade sorológica. Dessa maneira, percebeu-se que o impacto negativo da descoberta do HIV pode estar relacionado à representação social do HIV como uma doença temerária e rodeada pela proximidade da morte, principalmente por estarem grávidas. Além disso, identificaram-se sentimentos de vergonha e preconceito por parte das outras pessoas. Essa associação pode estar atrelada a uma representação do início da epidemia que ainda se faz presente na sociedade.

Vale salientar que se descobrir positivo para o HIV traz atitudes negativas, as quais são esperadas nesse momento, uma vez que, mesmo com os avanços no tratamento com antirretrovirais, ainda não existe cura. Além disso, faz-se necessária uma adaptação a um novo mundo, cheio de incertezas e, consequentemente, de insegurança. Um estudo com gestantes em busca do teste rápido para o HIV evidenciou como principais conteúdos representacionais do HIV “medo”, “morte”, “sofrimento” e “preconceito”(1111. Nemer CRB, Sales BLD, Ranieri BC, Lemos LL, Santos ISR, Pena FPS, et al. HIV e teste rápido: representações sociais. Rev Enferm UFPE On Line. 2019;13:e239280. https://doi.org/10.5205/1981-8963.2019.239280
https://doi.org/10.5205/1981-8963.2019.2...
). Tais sentimentos podem favorecer a solitude dessas mulheres, comprometendo sua qualidade de vida.

Apresentam-se neste estudo os conteúdos representacionais do HIV entre gestantes no momento em que receberam o diagnóstico, caracterizando-se pela proximidade da morte, como medo, tristeza, angústia, culpa, HIV como castigo, fim da vida, sensação de morte, doença fatal, doença nojenta, doença perigosa, doença sem cura, sofrimento, insegurança e pensamento suicida. A construção dessa representação social está ancorada na ideia de uma doença profana, de pecadores, homossexuais, prostitutas e usuários de drogas. O diagnóstico positivo traz consigo inúmeros pré-julgamentos. As representações sociais seriam autênticas teorias do senso comum que se concebem coletivamente no convívio social entre pessoa e pessoa e entre pessoa e objeto, em um intervalo de tempo, em uma cultura e em ambientes próprios, com a intenção de tornar o alheio familiar e dar conta do real(1111. Nemer CRB, Sales BLD, Ranieri BC, Lemos LL, Santos ISR, Pena FPS, et al. HIV e teste rápido: representações sociais. Rev Enferm UFPE On Line. 2019;13:e239280. https://doi.org/10.5205/1981-8963.2019.239280
https://doi.org/10.5205/1981-8963.2019.2...
).

Embora se esteja em outro século, no qual o conhecimento científico sobre o HIV já é bem expresso na sociedade, esses estigmas do passado se perpetuam e corroboram a construção de uma representação presa ao passado. Confirma-se tal pressuposto ao observar que algumas gestantes consideram um “castigo”, uma “culpa” o fato de estarem com o HIV, chamando-o de “doença nojenta”. Para tais identificações se partiu do pressuposto, segundo Moscovici(1010. Moscovici S. Representações sociais: investigações em psicologia social. 11a ed. Petrópolis: Vozes; 2017.), de que a ancoragem significa transformar algo estranho, perturbador e que intriga em um sistema particular de categorias e, dessa maneira, ele é comparado ao paradigma de uma categoria que o indivíduo acredita ser apropriada. A partir do momento em que determinado objeto é comparado ao paradigma de uma categoria, criam-se características dessa categoria e, com isso, o objeto é readaptado para se ajustar àquela categoria – ancorar significa classificar e dar nome a alguma coisa(1010. Moscovici S. Representações sociais: investigações em psicologia social. 11a ed. Petrópolis: Vozes; 2017.).

Vale salientar que tais construções podem ter sido formadas a partir de informações da doença por meio da mídia, a qual tem grande influência no processo de disseminação. É imprescindível relatar como a ciência traz cada vez mais a mídia como um dos principais departamentos iniciadores e disseminadores de representações sociais de inúmeros objetos de problemas sociais e que estes favorecem as práticas no cotidiano das pessoas. Assim, pode-se dizer que as representações sociais se fazem presentes no pensamento social do homem, assim como nas mídias(1212. Santos MP. A teoria das representações sociais como referencial didático-metodológico de pesquisa no campo das ciências humanas e sociais aplicadas. Rev Emancip. 2013;13(1):9-21. https://doi.org/10.5212/Emancipacao.v.13i1.0001
https://doi.org/10.5212/Emancipacao.v.13...
).

A representação social é “uma forma de conhecimento socialmente elaborada e partilhada, tendo uma orientação prática e concorrendo para a construção de uma realidade comum a um conjunto social”(1212. Santos MP. A teoria das representações sociais como referencial didático-metodológico de pesquisa no campo das ciências humanas e sociais aplicadas. Rev Emancip. 2013;13(1):9-21. https://doi.org/10.5212/Emancipacao.v.13i1.0001
https://doi.org/10.5212/Emancipacao.v.13...
). Além disso, considera-se que as representações sociais estabelecem uma conexão entre o conhecimento do senso comum e o conhecimento reificado, pois são um sistema de recebimento das informações que rodeiam o meio social, cristalizadas pelas vivências e experiências dos grupos sociais envolvidos e dos processos de comunicação presentes. Posto isso, há uma grande carga de emoção, o que favorece os diálogos e as partilhas entre pessoas, grupos e sociedades(1212. Santos MP. A teoria das representações sociais como referencial didático-metodológico de pesquisa no campo das ciências humanas e sociais aplicadas. Rev Emancip. 2013;13(1):9-21. https://doi.org/10.5212/Emancipacao.v.13i1.0001
https://doi.org/10.5212/Emancipacao.v.13...
).

Um estudo realizado com pessoas com HIV apresentou conteúdos como: (…) tristeza, aids como doença crônica, desespero após o diagnóstico, medo da aids, aids como um problema, aids como fator limitante, aids como algo prejudicial, surpresa pelo diagnóstico, doença sexualmente transmissível, aids como sinônimo de dor, doença de gays, doença do outro, exclusão pelos outros, revolta pela doença e doença do século, deixando evidente o sentimento de tristeza com maior representatividade(1313. Braga RMO, Lima TP, Gomes AMT, Oliveira DC, Spindola T, Marques SC. Social representations of HIV/AIDS for people living with the syndrome. Rev Enferm UERJ. 2016;24(2):e15123. http://dx.doi.org/10.12957/reuerj.2016.15123
http://dx.doi.org/10.12957/reuerj.2016.1...
).

Concomitantemente, estudos revelam a centralidade do medo na representação social da aids(1414. Bezerra EO, Pereira MLD, Maranhão TA, Monteiro PV, Brito GCB, Chaves ACP, et al. Structural analysis of social representations on aids among people living with human immunodeficiency virus. Texto Contexto Enferm. 2018;27(2):e6200015. https://doi.org/10.1590/0104-070720180006200015
https://doi.org/10.1590/0104-07072018000...
1515. Trigueiro DRSG, Almeida SA, Monroe AA, Costa GPO, Bezerra VP, Nogueira JA. AIDS and jail: social representations of women in freedom deprivation situations. Rev Esc Enferm USP. 2016;50(4):554-61. http://dx.doi.org/10.1590/S0080-623420160000500003
http://dx.doi.org/10.1590/S0080-62342016...
). Isso pode estar associado à expressão “epidemia do medo”, evidenciada pela descoberta do HIV na década de 1980. Tal fato trouxe à doença uma simbologia com representações de medo aos indivíduos vivendo com o HIV. O estigma social atribuído ao HIV era representado pelo preconceito e discriminação, pelo medo de se infectar com o vírus e o medo da própria morte. O medo é uma reação natural e humana que pode despertar e favorecer o alerta para uma situação de perigo, como mostra o estudo. No contexto do HIV, o medo (re)significa uma conotação atitudinal negativa, pois parte de uma representação social do início da epidemia do HIV, presente ainda hoje(1515. Trigueiro DRSG, Almeida SA, Monroe AA, Costa GPO, Bezerra VP, Nogueira JA. AIDS and jail: social representations of women in freedom deprivation situations. Rev Esc Enferm USP. 2016;50(4):554-61. http://dx.doi.org/10.1590/S0080-623420160000500003
http://dx.doi.org/10.1590/S0080-62342016...
).

Por conseguinte, nota-se que, com o passar do tempo, as gestantes passaram a incorporar sentimentos de segurança, conhecimentos voltados às formas de contaminação e comportamentos de prevenção e cuidados para consigo e com os outros. Um estudo mostrou que o estigma, no primeiro momento do diagnóstico, é o mais difícil, mas sua diminuição se dá por meio do conhecimento adquirido ao conviver com a sorologia positiva, pois se sabe que, inicialmente, quando o paciente é diagnosticado, pouco conhece sobre a doença. Desenvolver uma compreensão do que significa viver com HIV é fundamental para reduzir o estigma(1616. Rael CT, Carballo-Diéguez A, Norton R, Thorley E, Giguere R, Sheinfil A, et al. Identifying strategies to cope with HIV-related stigma in a group of women living with HIV/AIDS in the Dominican Republic: a qualitative study. AIDS Behav. 2017;21(9):2589-99. https://doi.org/10.1007/s10461-016-1654-9
https://doi.org/10.1007/s10461-016-1654-...
).

Assim, um estudo comparativo das representações do HIV em diferentes períodos históricos indica que, no período entre 1990 e o início de 2000, observou-se uma mudança na representação da aids, além das medidas de enfrentamento da doença. Na segunda metade dos anos 2000 e no início de 2010, a análise aponta uma representação caracterizada pela construção da “aids como doença crônica”, corroborando os resultados deste estudo(1717. Oliveira DC. Construction and transformation of social representations of AIDS and implications for health care. Rev Latino Am Enfermagem. 2013;21(spe):276-86. https://doi.org/10.1590/S0104-11692013000700034
https://doi.org/10.1590/S0104-1169201300...
).

Nesse contexto, urge dizer que, embora o prognóstico do HIV tenha mudado nas últimas décadas, com significativa redução da mortalidade, disseminação de informações e evolução do plano terapêutico, a doença passou a ser classificada como um problema clínico crônico(1818. Agbo S, Rispel LC. Factors influencing reproductive choices of HIV positive individuals attending primary health care facilities in a South African health district. BMC Public Health. 2017;17:540. https://doi.org/10.1186/s12889-017-4432-3
https://doi.org/10.1186/s12889-017-4432-...
).

As mudanças são necessárias para essas mulheres, pois conviver com a soropositividade e a gestação é um momento de rearranjo íntimo e elas precisam se reconhecer como mães e portadoras do vírus ao mesmo tempo. Dessa maneira, são disseminadoras de vida e de limitações à vida(1919. Bastos RA, Bellini NR, Vieira CM, Campos CJG, Turato ER. Psychological phases of pregnant women with HIV: a qualitative study in a hospital. Rev Bioética. 2019;27(2):281-8. https://doi.org/10.1590/1983-80422019272311
https://doi.org/10.1590/1983-80422019272...
). Vale salientar que, diante do (con)viver com um diagnóstico positivo para o HIV no curso de uma gestação, é possível observar que tal condição sorológica não reduz os sentimentos positivos relacionados à gestação e ao filho, mas acarreta incerteza, temores e necessidade de cuidados a fim de se prevenir a transmissão vertical(2020. Bellotto PCB, Lopez LC, Piccinni CA, Gonçalves TR. Entre a mulher e a salvação do bebê: experiências de parto de mulheres com HIV. Interface (Botucatu). 2019;23:e180556. http://dx.doi.org/10.1590/interface.180556
http://dx.doi.org/10.1590/interface.1805...
). As representações sociais caracterizam-se não apenas como um modo de compreender um objeto particular, mas também como uma forma em que o indivíduo adquire uma capacidade de definição, uma identidade, que é uma das maneiras como as representações expressam um valor simbólico(1010. Moscovici S. Representações sociais: investigações em psicologia social. 11a ed. Petrópolis: Vozes; 2017.).

Diante da TRS, percebem-se as transformações vivenciadas pela mulher com HIV durante a gravidez, englobando o medo, acarretando o surgimento de vários sentimentos que causam um conflito interno na mulher. Somadas a isso há, ainda, frustração, culpa, tristeza, incerteza, apreensão e angústia. Alguns desses sentimentos se relacionam a representações sociais do HIV por parte da sociedade(2121. Lôbo ALSF, Santos AAP, Pinto LMTR, Rodrigues STC, Lima MGT, Bastos LJD. Social representations of women who live with the human immunodeficiency virus and want to conceive. Texto Contexto Enferm. 2018;27(3):e4440016. https://doi.org/10.1590/0104-07072018004440016
https://doi.org/10.1590/0104-07072018004...
).

Diante de tais reflexões, faz-se necessário melhorar a oferta de cuidados direcionados a gestantes com HIV. É preciso melhorar o acesso a conhecimentos acerca da doença, desmistificando preconceitos, promovendo mudanças de comportamentos discriminatórios e oferecendo estímulo à adoção de posturas de proteção à saúde, não só física, mas também psicológica(1515. Trigueiro DRSG, Almeida SA, Monroe AA, Costa GPO, Bezerra VP, Nogueira JA. AIDS and jail: social representations of women in freedom deprivation situations. Rev Esc Enferm USP. 2016;50(4):554-61. http://dx.doi.org/10.1590/S0080-623420160000500003
http://dx.doi.org/10.1590/S0080-62342016...
).

Pode-se apontar como limitação deste estudo o fato de ter sido realizado em um único serviço de saúde, investigando o fenômeno em questão a partir de uma população restrita.

CONCLUSÃO

Explorando as representações sociais acerca do HIV no momento da descoberta, o impacto e seus conteúdos representacionais no viver com a doença, eclodem sentimentos de medo, angústia, morte e desesperança. Ainda se concebe o HIV como algo digno de temor, principalmente devido ao receio de transmiti-lo ao feto.

Ressalta-se que, no processo de construção das representações encontradas, o serviço de assistência especializada assume um papel importante no conhecimento sobre a doença e seu enfrentamento. Identificou-se a ressignificação do HIV nas gestantes, favorecendo novos comportamentos e atitudes, especialmente por estarem grávidas, ao perceber conteúdos representacionais relacionados a conhecimento mais aprofundado sobre o vírus, que remetem à possibilidade de um tratamento adequado, uma esperança de cura da doença, além de viver com o vírus, desmistificando a ideia de uma doença mortal. Ao mencionar o HIV como uma doença crônica que requer cuidados, favorece-se a naturalização do processo de convivência com o HIV.

Espera-se que este estudo possa gerar reflexões críticas e humanizadas entre os profissionais da saúde envolvidos no cuidar dessas gestantes, de modo a melhorar, primeiramente, o acolhimento e a assistência, uma vez que essas mulheres necessitam de apoio para enfrentar a realidade com os conflitos relativos ao viver com o HIV.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Ago 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    02 Maio 2020
  • Aceito
    09 Abr 2021
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