Saúde sexual e saúde reprodutiva da população ribeirinha: revisão integrativa^*

RESUMO

Objetivo:

Analisar as evidências científicas disponíveis sobre a saúde sexual e saúde reprodutiva de populações ribeirinhas.

Método:

Revisão integrativa, realizada nas bases LILACS, MEDLINE; WEB OF SCIENCE e SCOPUS, incluindo publicações em português, inglês ou espanhol, sem uma limitação temporal inicial, publicados até 2018.

Resultados:

Foram selecionados 11 artigos. Os estudos incluídos são do período de 1993-2017, o conteúdo originou quatro categorias analíticas: componente sexual que reuniu achados sobre as infecções sexualmente transmissíveis; componente reprodutivo que constou o planejamento familiar/controle da fecundidade, o aborto e problemas acerca da gestação; componente ambiental que agrupou os contaminantes ambientais e implicações reprodutivas; e o componente sociocultural que integrou gênero, crenças e indicadores sociais.

Conclusão:

Predominou, nesta revisão, estudos com abordagem quantitativa, em uma perspectiva feminina e com uma visão biologicista. Nenhum estudo incluído investigou os significados e representações da saúde sexual e saúde reprodutiva para a população ribeirinha. Além disso, os achados pouco evidenciam o pensamento sobre os assuntos que integram a saúde sexual e saúde reprodutiva com as práticas de pessoas que vivem no contexto ribeirinho, proporcionando evidências limitadas.

DESCRIPTORS
Saúde Sexual; Saúde Reprodutiva; Grupos Populacionais; Revisão

ABSTRACT

Objective:

To analyze the scientific evidence available on the sexual and reproductive health of riverine communities.

Method:

Integrative review, conducted on the databases LILACS, MEDLINE; WEB OF SCIENCE and SCOPUS, including publications in Portuguese, English or Spanish, without an initial time limit and published until 2018.

Results:

11 studies were selected. The studies included are from the period 1993-2017. The results originated four analytical categories: sexual component, which gathered findings about sexually transmitted infections; reproductive component, which included family planning/fertility control, abortion and problems with pregnancy; environmental component, which presented issues with environmental contaminants and its reproductive implications; and the sociocultural component, which discussed gender, beliefs and social indicators.

Conclusion:

In this review, studies with a quantitative approach, from a female point of view and a biological perspective predominated. No study investigated the meanings and representations of SRH for the riverine communities. In addition, the findings show little evidence of thoughts and practices of people living in riverine communities regarding SRH issues, providing limited evidence.

Sexual Health; Reproductive Health; Population Groups; Review

RESUMEN

Objetivo:

Analizar las evidencias científicas disponibles sobre salud sexual y salud reproductiva de poblaciones ribereñas.

Método:

Se trata de una revisión integradora, realizada en las bases LILACS, MEDLINE; WEB OF SCIENCE y SCOPUS, que incluye escritos en portugués, inglés y español, sin limitación temporal inicial, publicados hasta 2018.

Resultados:

Se seleccionaron 11 artículos; los estudios incluidos pertenecen al período de 1993-2017, cuyo contenido originó cuatro categorías analíticas: componente sexual, que reunía hallazgos sobre enfermedades de transmisión sexual; componente reproductivo, que incluía la planificación familiar/control de la fecundidad, aborto y problemas de embarazo; componente ambiental, que agrupaba los contaminantes ambientales y las implicaciones reproductivas, y componente sociocultural, que integraba el género, las creencias y los indicadores sociales.

Conclusión:

En esta revisión predominaron aquellos estudios con enfoque cuantitativo, a partir de una perspectiva femenina y con visión biologicista. Ninguno de dichos estudios investigó los significados y las representaciones de la salud sexual y reproductiva de la población ribereña. Además, los resultados demuestran que es escaso el pensamiento sobre las cuestiones de salud sexual y reproductiva relativas a las prácticas de las personas que viven en el contexto ribereño, razón por la cual, las evidencias son limitadas.

Salud Sexual; Salud Reproductiva; Grupos de Población; Revisión

INTRODUÇÃO

A conceituação de saúde reprodutiva teve como marco de legitimação a Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, realizada pela Organização das Nações Unidas em 1994, no Cairo, e a IV Conferência Mundial sobre a Mulher, em Beijing, no ano de 1995¹, sendo compreendida como "um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não de mera ausência de doença ou enfermidade, em todos os aspectos relacionados ao sistema reprodutivo, suas funções e processos"². Desse modo, homens e mulheres devem ter condições para "uma vida sexual segura e satisfatória, tendo a capacidade de reproduzir e a liberdade de decidir sobre quando e quantas vezes deve fazê-lo²".

Nessa noção de saúde reprodutiva está incluída a saúde sexual, que é apresentada como uma possibilidade de melhorar a qualidade de vida e as relações pessoais, de forma independente da reprodução e infecções sexualmente transmissíveis (IST)². Portanto, abrange a expressão da sexualidade a autonomia, liberdade, sem violência, discriminação e livre de risco de doenças e gestações não desejadas, o que implica em uma abordagem positiva da sexualidade humana, capaz de proporcionar prazer e estimular as relações³.

Essas definições de saúde sexual e saúde reprodutiva (SSR), buscaram romper com a ideia de reprodução como um dever ou destino feminino, incorporar explicitamente os homens na dimensão reprodutiva, desassociar a sexualidade da reprodução e abandonar as metas para controle da natalidade, consagrando as noções de direitos reprodutivos e direitos sexuais^1,4.

Tais concepções ampliam a compreensão sobre a SSR como questões de cidadania, de responsabilidade das mulheres, homens, família, sociedade e Estado. Portanto, não se limita a um estado biológico que independe de questões sociais e políticas. Nessa perspectiva, reconhecem as diferentes possibilidades de vivência da sexualidade e de arranjos familiares, bem como os múltiplos contextos de vulnerabilidade de determinados grupos populacionais, no âmbito da vida sexual e reprodutiva⁵.

Desenvolver a atenção à SSR requer considerar a complexidade que envolve o cuidado dos indivíduos e compreender a pluralidade de vidas e contextos dos diversos segmentos populacionais, incluindo aqueles considerados como mais alijados e vulneráveis, como é o caso das pessoas inseridas em espaços não urbanos, como o contexto ribeirinho.

O termo "ribeirinho" não se limita a um povo que reside às margens de um rio ou igarapé, referem a uma população que possui um modo de ser e viver peculiar, moldado pela presença do rio, diferenciando-se das demais populações urbanas ou rurais⁶. Isso se dá pelo uso do território e manejo dos recursos locais, relações sociais de trabalho, educação, religião, hábitos alimentares, relações familiares e práticas de cuidado à saúde orientadas pelos seus saberes, mantidos como padrão de organização social dessa população tradicional⁷.

A situação de saúde das populações ribeirinhas é permeada pela precariedade na oferta e utilização dos serviços de saúde, em seus diferentes níveis de complexidade, por questões socioeconômicas que comprometem a qualidade de vida das pessoas, pela distância geográfica, carência de profissionais de saúde para atuar nessas localidades e, também, pelo uso de recursos criados por meio de ações externas e internas do grupo, para o enfretamento dos problemas de saúde⁸. Portanto, viver às margens dos rios, e sob influência das condições geográficas e climáticas, impõe adversidades e restrições⁹⁾ que podem afetar a SSR e possibilidades de cuidado das populações ribeirinhas.

A SSR é um componente prioritário nos diferentes níveis de atenção, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), fundamental para a implementação de diretrizes que garantam os direitos sexuais e direitos reprodutivos e, consequentemente, pode contribuir para uma melhor qualidade de vida e saúde dos indivíduos¹⁰. Frente ao exposto, faz-se necessário ampliar o conhecimento científico acerca da SSR da população ribeirinha, visando subsidiar e fundamentar a assistência de enfermagem nesse campo e a esse segmento. Para tanto, este estudo foi realizado com o objetivo de analisar as evidências científicas disponíveis sobre a SSR de populações ribeirinhas.

MÉTODO

TIPO DE ESTUDO

Trata-se de uma revisão integrativa de literatura, que permite reunir e sintetizar resultados de pesquisas sobre um determinado tema, consentindo o aprofundamento e a identificação de lacunas no conhecimento, o que, por sua vez, contribui para a qualificação da prática assistencial relacionada à temática investigada¹¹.

No desenvolvimento deste estudo, percorreram-se as seguintes etapas: 1. Elaboração da questão de pesquisa, a partir da qual definiu os descritores e a estratégia de busca nas bases de dados; 2. Definição dos critérios de inclusão e exclusão dos estudos; 3. Categorização; 4. Avaliação dos estudos incluídos; 5. Interpretação dos resultados; e 6. Síntese do conhecimento¹¹.

ESTRATÉGIAS DE BUSCA

A questão de pesquisa foi estabelecida de acordo com a estratégia PICo, na qual o "P" correspondeu aos participantes (Homens e Mulheres), "I" fenômeno de interesse (SSR) e "Co" contexto do estudo (Comunidades Ribeirinhas)¹². Sendo: "Quais as evidências científicas disponíveis nas literaturas nacionais e internacionais acerca da saúde sexual e saúde reprodutiva das populações ribeirinhas?".

Os descritores utilizados se encontram no Banco de Descritores em Ciências da Saúde (Mulheres, Homem, População, Grupos Populacionais, Saúde Sexual e Reprodutiva, Saúde Sexual, Saúde Reprodutiva, Comportamento Reprodutivo, Comportamento Sexual, Coito, Reprodução, Sexo) e no Medical Subject Headings (Women, Men, Population, Population groups, Reproductive Health, Sexual Health, Reproductive Behavior, Sexual Behavior, Coitus, Reproduction, Sex). Os termos não controlados (palavras-chave) em português e inglês, respectivamente, foram: Ribeirinho, Ribeirinha, Ribeirinhos, Ribeirinhas, Riverside, Riverine, Riparian, Riversides, Riverines e Riparians.

COLETA DE DADOS

A coleta de dados ocorreu em fevereiro/2019, nas bases de dados: Literatura Latino-americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE), Science Citation Index, Social Science Citation Index, Arts and Humanities Citation Index (WEB OF SCIENCE) e SciVerse Scopus (SCOPUS).

Na operacionalização da coleta da amostra foram empregados os operadores booleanos "OR" e "AND" e o recurso de truncamento "*". Utilizou diferentes estratégias de busca, considerando que as bases de dados possuem características distintas para construção das estratégias (Quadro 1).

Quadro 1
Estratégias de busca utilizadas nas respectivas bases de dados.

BASE DE DADOS	SINTAXE DE PESQUISA
LILACS	tw:(tw:((tw:(mulher OR homem OR população OR "Grupos Populacionais")) AND (tw:(ribeirinh*)) AND (tw:("Saúde Sexual e Reprodutiva" OR "Saúde Sexual" OR "Saúde Reprodutiva" OR "Comportamento Reprodutivo" OR "Comportamento Sexual" OR coito OR reprodu* OR sex*))) AND (instance:"regional") AND ( db:("LILACS"))) AND (instance:"regional")
MEDLINE/ PubMed	((Women[MeSH Terms]) OR (Men[MeSH Terms]) OR (Population[MeSH Terms]) OR ("Population Groups"[MeSH Terms])) AND ((Rive*) OR (Riparia*)) AND (("Reproductive Health"[MeSH Terms]) OR ("Sexual Health"[MeSH Terms]) OR ("Reproductive Behavior"[MeSH Terms]) OR ("Sexual Behavior"[MeSH Terms]) OR (Coitus[MeSH Terms]) OR (Reproduction[MeSH Terms]) OR (Sex))
SCOPUS	INDEXTERMS(Women OR Men OR Population OR "Population Groups") AND TITLE-ABS-KEY(Rive* OR Riparia*) AND INDEXTERMS("Reproductive Health" OR "Sexual Health" OR "Reproductive Behavior" OR "Sexual Behavior" OR Coitus OR Reproduction)
WEB OF SCIENCE	TS=("Women" OR "Men" OR "Population" OR "Population Groups") AND TS= ("Riverside" OR "Riverine" OR "Riparian" OR "Riversides" OR "Riverines" OR "Riparians") AND TS=("Reproductive Health" OR "Sexual Health" OR "Reproductive Behavior" OR "Sexual Behavior" OR "Coitus" OR "Reproduction")

CRITÉRIOS DE INCLUSÃO E EXCLUSÃO DOS ARTIGOS

Os critérios de inclusão foram: artigos nacionais e internacionais que abordassem a SSR da população ribeirinha, com textos completos disponíveis no "Portal de Periódicos CAPES", provenientes de todos os tipos/abordagens de pesquisa, nos idiomas inglês, português ou espanhol, sem uma limitação temporal inicial e publicados até o ano de 2018. Optou-se por não limitar um recorte temporal inicial, com intuito de ampliar as possibilidades de resultados, pois a intenção era captar o maior número de artigos que respondessem à questão de pesquisa. Foram excluídos os artigos duplicados e os que não abordavam diretamente a temática proposta, SSR de populações ribeirinhas.

Para garantir o rigor do método e fidedignidade aos resultados, a busca dos estudos foi realizada por dois pesquisadores de forma independente, evitando prováveis erros ou viés na condução das etapas desta revisão. Os artigos da amostra foram selecionados por meio da sequência: leitura de título-resumo e leitura do texto integral. Nos casos de divergências, houve discussão entre os dois revisores para alcançar um consenso, não sendo necessária avaliação por um terceiro pesquisador.

SELEÇÃO E AVALIAÇÃO DOS ARTIGOS

Inicialmente, foram selecionados 53 artigos na LILACS, 462 MEDLINE, 610 SCOPUS e 1446 WEB OF SCIENCE, totalizando 2571 artigos. Após aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, obteve-se uma amostra final de 11 artigos, os quais foram lidos e analisados na íntegra (Figura 1).

Figura 1
Fluxograma do processo de seleção dos artigos acerca da saúde sexual e saúde reprodutiva da população ribeirinha.

Para coleta de dados foi utilizado um instrumento validado¹⁴, adaptado a realidade do estudo em tela, contendo: dados de identificação (título do artigo e do periódico, autores [nomes e categoria profissional], país, ano de publicação e idioma), contexto do estudo (local) e características metodológicas (tipo de publicação, objetivo, amostra, técnicas e instrumentos, etapas da coleta de dados, análise de dados, principais resultados, implicações e nível de evidência).

Para o nível de evidência, considerou a classificação¹⁵: nível I-Evidências oriundas de revisão sistemática ou meta-análise de todos os ensaios clínicos relevantes randomizados, controlados ou provenientes de diretrizes clínicas baseadas em revisões sistemáticas de ensaios clínicos randomizados controlados; nível II-Evidências derivadas de pelo menos um ensaio clínico randomizado controlado bem delineado; nível III-Evidências obtidas de ensaios clínicos bem delineados sem randomização; nível IV-Evidências provenientes de estudos de corte e de caso-controle bem delineados; nível V-Evidências originárias de revisão sistemática de estudos descritivos e qualitativos; nível VI-Evidências derivadas de um único estudo descritivo ou qualitativo; nível VII-Evidências oriundas de opinião de autoridades e/ou relatório de comitês de especialistas.

ANÁLISE E TRATAMENTO DOS DADOS

A análise procedeu com a caracterização bibliométrica, sendo organizado o banco de dados do estudo através do software Microsoft Office Excel 2010^®. Posteriormente, realizou-se uma síntese qualitativa dos estudos incluídos, de forma descritiva, originando quatro categorias analíticas que caracterizam a produção científica sobre a SSR da população ribeirinha, sendo discutidas à luz da literatura disponível sobre o tema.

RESULTADOS

Os estudos foram caracterizados em relação aos dados de identificação: título do artigo, ano da publicação, título do periódico, base de indexação e idioma, local/país onde o estudo foi realizado, tipo de publicação, delineamento, informações da amostra, período do estudo, coleta de dados e nível de evidência (Quadro 2).

Quadro 2
Caracterização dos estudos incluídos, segundo dados de identificação, aspectos metodológicos e nível de evidência.

Título/ano	Título do periódico	Base de dados/ idioma	Contexto	Delineamento/Nível de evidência	Informações da amostra - participante	Período do estudo	Coleta de dados
Life at the River is a Living Hell:" a qualitative study of trauma, mental health, substance use and HIV risk behavior among female fish traders from the Kafue Flatlands in Zambia 2017 (16)	Bmc Women's Health	SCOPUS/ Inglês	Kafue, Zâmbia	Qualitativo, descritivo (VI)	32 mulheres, idade 23 a 63 anos (entrevista), 17 a 55 anos (grupo focal)	Agosto de 2014 e janeiro de 2015	Entrevistas semiestruturada e grupo focal
Knowledge and awareness of genital involvement and reproductive health consequences of urogenital schistosomiasis in endemic communities in Ghana: a cross-sectional study 2017 (17)	Reproductive Health	WEB OF SCIENCE/ Inglês	Gana	Quanti-qualitativo, corte transversal (VI)	2.585, de 30 comunidades ribeirinhas, ambos os sexos - 1.295 homens e 1.290 mulheres, 18 a 49 anos	Não cita	Questionário e grupo focal (205 participantes), 10 grupos masculinos e catorze 14 femininos
A comprehensive study of family planning among muslims of Assam 2017 (18)	Journal of Evolution of Medical and Dental Sciences	WEB OF SCIENCE/ Inglês	Assam, Índia	Relato de experiência (VII)	Ribeirinhos mulçumanos, não deixa claro o sexo	Não cita	Não se aplica
Monitoring mercury exposure in reproductive aged women inhabiting the Tapajós river basin, Amazon 2014 (19)	Bulletin of Environmental Contamination and Toxicology	WEB OF SCIENCE/ Inglês	Pará, Brasil	Quantitativo, corte transversal (VI)	519 mulheres, 12 a 46 anos	1999 a 2012	Questionário e amostras de cabelo
Dos fetos engolidos e escondidos: um comentário sobre o apoio de parteiras ribeirinhas ao aborto 2012 (20)	Ciência e Saúde Coletiva	LILACS/ Português	Pará, Brasil	Artigo de reflexão (VII)	22 parteiras, não cita idade	2004-2005	Reflexão pautada em dados etnográficos
Infecção pelo vírus da hepatite B e C em ribeirinhos da Amazônia brasileira 2011 (21)	Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical	LILACS/ Inglês	Pará, Brasil	Quantitativo, corte transversal (VI)	181 participantes, ambos os sexos - 115 feminino e 66 masculino, faixa etária 32 anos	15-16 de fevereiro de 2010	Questionário individual, amostra de sangue periférico
Ethnic spirituality, gender and health care in the Peruvian Amazon 2009 (22)	Ethnicity e Health	MEDLINE/ Inglês	Loreto, Peru	Artigo de reflexão (VII)	24 famílias, ambos os sexos - 37 homens e 37 mulheres, idade variou de 21 a 52 anos, com a maioria deles entre 35 e 50	1996-1997	Reflexão (dados etnográficos), observação de participante, entrevistas não estruturadas, mapeamento e grupos focais
Secular Trends in Age at Menarche Among Caboclo Populations From Pará, Amazonia, Brazil: 1930-1980 2006 (23)	American Journal of Human Biology	SCOPUS/ Inglês	Pará/ Brasil	Quantitativo, corte transversal (VI)	322 - 164 adolescentes e 158 mulheres em idade adulta, 8 a 92 anos	1996-1997	Questionário
Inquérito do preservativo em ribeirinhos do Rio Acre: porte, acondicionamento, uso e risco de infecção pelas DST 2005 (24)	Revista Brasileira de Enfermagem (Reben)	LILACS/ Português	Acre/ Brasil	Quantitativo, exploratório-descritivo (VI)	168 participantes, ambos os sexos - 108 homens e 60 mulheres, 17 a 71 anos	Não cita	Formulário com questões fechadas
Pregnancy outcome and early health status of children born to the Techa river population 1994 (25)	The Science of the Total Environment	SCOPUS/ Inglês	Rio Techa, Rússia	Caso controle (V)	4.546 crianças de pais irradiados e 35.607 para a população controle; 426 gestantes expostas e 426 gestantes não expostas	1985 a 1989	Nº de filhos nascidos; causas de morte de crianças > de 1 ano de idade; perda fetal intrauterina coletados e entrevistas
Exposição ao Mercúrio Orgânico em Populações Ribeirinhas do Alto Madeira, Rondônia, 1991: Resultados Preliminares 1993 (26)	Cadernos de Saúde Pública	LILACS/ Português	Rondônia, Brasil	Quantitativo, descritivo (VI)	311 ribeirinhos, ambos os sexos - não identifica quantidade de cada sexo, menores de 24 meses até maiores de 49 anos	Não cita	Amostra de cabelo, entrevistas e medições antropométricas

Dos estudos incluídos constata-se que 64% (7) foram publicados em periódicos internacionais e 36% (4) em nacionais (Quadro 2). De acordo com o ano de publicação, observou que os artigos incluídos foram publicados entre o período de 1993 a 2017, sendo a década de 2010 a de maior concentração das publicações, com 54,5% (6) (Quadro 2).

Em relação ao local da investigação, verifica no quadro 2 que a maioria dos estudos (6 estudos) foi realizado na América Latina, com 64% (7), sendo prioritariamente no Brasil, com as populações ribeirinhas da região amazônica: quatro no estado do Pará, uma em Rondônia e uma no Acre. O outro estudo refere à região do Loreto, no Peru. Em relação ao idioma, 73% (8) das publicações eram de língua inglesa.

Conforme informações retiradas do próprio artigo, as categorias profissionais do autor principal foram: sociologia, biologia e medicina, com dois artigos de cada uma dessas categorias. Já a enfermagem, serviço social, zoologia e a biomedicina tiveram apenas um estudo de cada área, além de um artigo sem essa identificação.

Identificou-se que 72,7% (8) eram estudos originais, dentre esses 75% (6) de cunho quantitativo, 12,5% (1) qualitativo e 12,5% (1) pesquisa mista (quanti-qualitativo); além de 18,2% (2) dois artigos de reflexão e 9,1% (1) relato de experiência (Quadro 2).

Com relação a amostra dos participantes, aproximadamente metade, 45,4% (5) investigou a SSR de ambos os sexos, 36,4% (4) apenas das mulheres e 9,1% (1) mulheres e seus recém-nascidos. Porém, um estudo não especificou o sexo da amostra (Quadro 2).

Sobre o processo de coleta de dados, a maior parte dos estudos fez triangulação de técnicas com 81,8% (9), sendo a associação de um questionário à coleta de material biológico a mais utilizada, com dois estudos. Quanto ao nível de evidência, foi observado que 64% (7) dos estudos apresentaram nível de evidência VI, 27% (3) com nível VII e 9% (1) nível IV, sendo este um estudo de caso controle (Quadro 2).

Em relação aos conteúdos (Figura 2), a partir da leitura e organização das informações dos estudos selecionados, foi possível agrupá-los em quatro categorias temáticas: 1) Componente sexual; 2) Componente reprodutivo; 3) Componente ambiental; e 4) Componente sociocultural.

Figura 2
Síntese do conteúdo dos artigos da revisão integrativa acerca da saúde sexual e saúde reprodutiva das populações ribeirinhas.

DISCUSSÃO

Os resultados desta revisão integrativa evidenciam que, embora a população ribeirinha tenha sido alvo de inúmeras investigações científicas, os estudos que abordam a SSR de pessoas que vivem em comunidades ribeirinhas são limitados, pois houve uma proporção discrepante entre os artigos identificados (2.571) e os incluídos (11). Constata-se um aumento do número de publicações com o passar das décadas, todavia, os estudos ainda são escassos quando o foco é a SSR, o que exige maior produção de conhecimento que dê visibilidade as necessidades e expectativas de cuidados desse grupo social.

Outra carência identificada foi com relação à abordagem qualitativa, pois o resultado mostra que somente um estudo se debruçou sobre as percepções e o conhecimento dessa população acerca da SSR. O enfoque quantitativo traz sua contribuição ao testar hipóteses e medir os fenômenos, analisando-os sob a perspectiva de causa-efeito. Entretanto considerando a complexidade envolvida nesse campo da saúde, faz-se necessário também compreender as múltiplas realidades subjetivas, que somente o enfoque qualitativo pode alcançar²⁸.

Em grande parte, os estudos foram desenvolvidos por profissionais da área da saúde, porém observa-se que a temática tem sido de interesse de diferentes campos do conhecimento. Analisa-se com isso que não houve concentração em uma única categoria profissional e essa diversidade contemplada nos achados, bem como acompanha a reconhecida necessidade do trabalho interdisciplinar na abordagem da SSR dos diferentes segmentos populacionais^4).

No âmbito da saúde, apenas um estudo é do campo da enfermagem. Essa profissão é reconhecida por seu potencial de atuação a um nível competente na SSR, entretanto, essa temática tem sido ignorada nos cuidados e na formação profissional^27,29. Assim, mostra-se necessário que os profissionais dessa área desenvolvam suas competências para melhor lidar com as preocupações, problemas sexuais e reprodutivos dos indivíduos, contemplando também a população ribeirinha, especialmente na produção de conhecimento científico, a fim de que este possa subsidiar a educação e as práticas de cuidados que são do seu domínio.

Outro aspecto que pode ser evidenciado refere à amostra. Nota-se que nenhum estudo abordou somente os homens, corroborando que quando se trata de temáticas referente a SSR, ainda é voltada, majoritariamente, para a mulher^1,30.

Contudo, destaca-se a presença de investigações com amostra mista, principalmente naquelas desenvolvidas a partir do ano 2000. O que pode sugerir um movimento de mudança, de modo a incluir também o homem, tal como já se propunha na concepção ampliada de SSR apresentada 1994 e 1995, no Cairo e Beijing, respectivamente¹. Considerar os homens nas pesquisas envolvendo essa temática contribui para melhoria da sua qualidade de vida, à medida que sejam reconhecidos como sujeitos de direito em saúde e não apenas como auxiliares no cuidado e promoção da saúde das mulheres e crianças³¹.

Faz-se necessário que a perspectiva masculina seja contemplada com maior impacto, visando proporcionar avanços nesse campo, permitindo extrapolar as determinações que são atravessadas por questões de gênero, que tendem a direcionar as ações voltadas à reprodução exclusivamente para as mulheres, ao mesmo tempo em que as excluem das questões voltadas à saúde sexual, destinadas aos homens^5,30-31.

Nota-se que nenhum estudo investigou os significados da SSR para a população ribeirinha. O que mais se destacou foram seus comportamentos e práticas, especialmente, àquelas consideradas como fatores de risco para exposição às doenças, principalmente, às voltadas para a transmissão sexual. Embora alguns autores tenham discutido questões como normas de gênero, nível de escolaridade, renda e crenças como fatores relacionados a esse risco, ainda se sobrepõe uma vertente biológica da SSR. Portanto, é importante ampliar o escopo das investigações sobre a temática com essa população, de modo a contemplar aspectos para além da anatomia, higiene e procriação³².

Os achados dessa revisão foram agrupados em categorias, de modo a esgotar o conteúdo sobre a saúde sexual e saúde reprodutiva da população ribeirinha presente nos artigos incluídos, ressaltando que um mesmo estudo pode ser explorado em mais de uma categoria, apresentadas a seguir.

COMPONENTE SEXUAL

As evidências científicas do componente sexual estão relacionadas aos ricos/vulnerabilidades frente às IST, aos meios de prevenção e às percepções da população ribeirinha acerca das IST, verificados em quatro estudos^16-17,21,24.

As pesquisas que constituíram os fatores relacionados ao enfoque de riscos/vulnerabilidades apontam a equistossomose urogenital como facilitadora para infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV), especialmente, relacionado às lesões causadas pela doença na genitália¹⁷.

Somam, ainda, aos relacionamentos extraconjugais e à prostituição, esta como parte do comércio do peixe, definida no estudo pelo termo sexo transacional, pois a prática sexual é usada para facilitar as negociações de compra/venda pelas mulheres ribeirinhas¹⁶, permeado ao sexo desprotegido, isto é, sem o uso do preservativo, desde a primeira relação sexual^16-17,21,24. Embora, em dois estudos os ribeirinhos demonstraram conhecimento sobre os riscos dessa prática^16,24. O abuso do álcool e a prática sexual com múltiplos parceiros também foram apresentados como fatores associados ao HIV¹⁶.

Ainda com relação aos fatores de riscos, um estudo realizado com ribeirinhos de uma comunidade da Ilha do Pacuí, situada no Pará-Brasil, associa o uso compartilhado de instrumentos de corte, como aparelho de barbear e alicates de unha, entre membros da família e a baixa cobertura vacinal para às hepatites B e C²¹.

Quanto as evidências sobre os meios de prevenção às IST, verifica-se que o preservativo, principalmente o masculino, aparece como mais indicado nos quatro estudos desse componente^16-17,21,24, porém, dois deles desenvolvidos na África e um no Brasil, destacam que os ribeirinhos encontram dificuldades em relação ao seu uso^16-17,24. Tais dificuldades estão relacionadas ao fato de que, normalmente, no momento do ato sexual, não há o preservativo ao alcance, especialmente as mulheres²⁴. A baixa aceitação do seu uso é associado ao fato de tornar a relação sexual não natural, além de considerar como um artefato ruim, incômodo e diminuidor do prazer^16,24. Outro fator interveniente discutido em um dos estudos foi a representação do uso do preservativo como um sinal de infidelidade ou falta de confiança¹⁶, o que implica na dificuldade feminina para negociar o preservativo, mesmo quando o parceiro é portador de HIV¹⁶.

Destaca-se, ainda, a dificuldade em adquirir o preservativo pela população ribeirinha, seja pela compra ou pela distribuição do governo²⁴. Porém, os achados desta revisão não apontaram os motivos ou barreiras pelas quais essa população enfrenta para acessar o preservativo. Nesse contexto, os estudos sobre essa temática requerem maior aprofundamento e investigação, de modo a averiguar quais caminhos podem ser adotados para garantir o direito a esse meio de prevenção.

O mau acondicionamento do preservativo também foi apontado como um dos motivos que interfere na prevenção às IST, pois a maioria dos ribeirinhos usam a carteira e a bolsa de viagem para guardá-lo, o que representa sério risco de maceração ou danificação da embalagem, podendo culminar em acidente durante o ato sexual²⁴.

Sobre as percepções das IST/HIV, as evidências científicas indicam que as populações ribeirinhas, que habitam no continente Africano, no Lago Volta, em Gana e na Zâmbia, reconhecem que a infecção pelo vírus é um problema e uma ameaça à saúde pública¹⁷, especialmente se ocorre durante o curso de uma gravidez¹⁶, sendo também apontado como motivo de estigma e vergonha perante as pessoas da comunidade¹⁶.

Diante desses achados, percebe-se que quando se trata do componente sexual, a SSR da população ribeirinha vem sendo investigada, enfatizando a necessidade de diminuir a exposição às IST. Logo, revela a presença marcante de uma visão médico-biologista, ainda hegemônica no campo da saúde centrada na doença³².

Neste tocante, nas evidências científicas acerca da saúde sexual da população ribeirinha, prevalece uma perspectiva negativa e fragmentada da sexualidade, deixando de valorizar outros aspectos importantes dessa constituição humana, pois não foi evidenciados estudos sobre autonomia, liberdade sexual, prazer, discriminação, acolhimento e formas de acesso das mulheres e homens aos meios para desfrutarem de uma prática sexual satisfatória e segura. Frente ao exposto, corrobora-se a necessidade da realização de estudos que possam contemplar esses fatores, que são primordiais e definidores daquilo que vem sendo proposto como saúde sexual³. Reconhece-se a importância da prevenção no âmbito da saúde sexual, contudo, as ações de atenção à saúde, nesse campo, não podem ser restritas a este aspecto, a fim de garantir os direitos sexuais da população ribeirinha.

COMPONENTE REPRODUTIVO

As evidências científicas que formam o componente reprodutivo, extraído de cinco artigos^{18,20,22-23,25}, indicam como conteúdo temas referentes ao planejamento familiar/controle da fecundidade, percepções e atitudes frente ao aborto e aos problemas relacionados à gestação.

Sobre as questões relacionadas ao planejamento familiar/controle da fecundidade, os estudos sugerem que diferentes populações ribeirinhas - como os habitantes de Assam, na Índia, e da região de Melgaço, no estado do Pará-Brasil - desejam regular sua fecundidade a fim de construir famílias menos numerosas, já que estas podem implicar em diversas dificuldades e sofrimentos para seus membros. Entretanto, uma alta taxa de natalidade e gestações não planejadas/desejadas estão presentes na vida reprodutiva dessas populações^18,20.

Outro fator que integra o planejamento reprodutivo/controle da fecundidade apontado em estudo realizado com a população ribeirinha em Caxiuanã, região da Amazônia Central, no Estado do Pará, Brasil, é a idade da menarca. No qual, apesar de ter sido constatado uma diminuição de 14 para 12 anos, não resultou em alterações no número de filhos, sendo esse um resultado divergente do esperado pelos autores, visto que em outras localidades houve essa associação²³.

O agrupamento temático das pesquisas relacionadas às percepções e atitudes frente ao aborto, enfatizam sua ocorrência^20,22 e recorrência²⁰ entre as mulheres ribeirinhas. Os achados também apontam que as parteiras sabem como cuidar e cuidam da mulher que aborta, ainda que seus discursos revelem uma posição moralmente contrária a essa prática²⁰.

As ações das parteiras brasileiras, da região de Melgaço, no arquipélago marajoara paraense, junto às mulheres que procuram o abortamento, têm como objetivo salvaguardar a vida delas e incluem o aconselhamento para não realização ou para doação do recém-nascido. Além do ensino e oferecimento de chás e garrafadas visando estancar o sangramento, sugestão de medicamentos e acompanhamento ao hospital²⁰.

Os conteúdos temáticos referentes aos problemas no período gestacional foram contemplados em dois estudos, realizados com habitantes ribeirinhos do rio Techa, na Rússia²⁵, e da região de Loreto, no Peru²². O primeiro aborda a questão da gravidez ectópica e comprova a não associação desse evento ao efeito da radiação, visto que em ambos os grupos estudados (exposto e controle) houve alta incidência desse fenômeno²⁵. O segundo estudo, desenvolvido no Peru, ressalta a frequência das gestações precoces e subsequentes, ainda na adolescência, como situações recorrentes vivenciadas pelas famílias ribeirinhas²².

Tais achados evidenciam uma lacuna na efetivação dos direitos sexuais e direitos reprodutivos no contexto ribeirinho, visto que encontram barreiras para desassociar a sexualidade da reprodução. Frente a essas dificuldades, não obtém sucesso na regulação de sua fecundidade, recorrendo a métodos para interromper a gestação, que colocam a vida das mulheres ribeirinhas em risco. Além disso, ao considerar que algumas comunidades estão situadas longe dos centros urbanos⁷, a distância e isolamento geográfico agravam ainda mais a condição de risco para as mulheres que recorrem ao abortamento inseguro.

Cabe também destacar que o termo utilizado nos estudos^18,25 foi planejamento familiar, que vai de encontro à compreensão ampliada de SSR, na qual, a utilização do termo planejamento reprodutivo abrange todos os indivíduos, independentemente de estarem ou não em uma constituição familiar. Assim, tendo o direito de acesso a informações e métodos de controle de sua fecundidade, livre de enfoque econômico demográfico^1,4. Ainda, os achados dessa revisão não apontam as fontes de informações/conhecimentos e os meios que as diferentes populações ribeirinhas possuem para alcançar o controle de sua fecundidade.

Destarte, faz-se necessário melhor compreender a situação de saúde reprodutiva das populações ribeirinhas, suas percepções e práticas, especialmente, as que se referem ao planejamento reprodutivo, a fim de que se possa dar maior visibilidade as suas necessidades de cuidado, e elucidar possibilidades para garantia dos seus direitos sexuais e reprodutivos.

COMPONENTE AMBIENTAL

As evidências científicas do componente ambiental são extraídas de três artigos, que abordam a exposição aos contaminantes ambientais e suas implicações reprodutivas^19,25-26.

Sobre a contaminação por material radioativo, as análises realizadas em população ribeirinha exposta à radiação no rio Techa, na Rússia, não evidenciaram nenhuma diminuição na fertilidade e taxa de natalidade. Além de não ser comprovado nenhuma diferença significativa na incidência de abortos espontâneos e natimortos entre o grupo exposto e o controle²⁵.

Em relação às concentrações de mercúrio, os estudos foram realizados no Brasil, em Rondônia²⁶ e no Pará¹⁹. As análises realizadas com os ribeirinhos de Rondônia mostram que em 51% dos investigados a concentração de mercúrio total esteve acima dos níveis de segurança recomendados pela Organização Mundial de Saúde (OMS), isto é, acima de 10µg/g. Entre as mulheres em idade reprodutiva, 53% apresentam concentrações superiores a esse valor, sendo que em 24% delas, essa concentração foi acima de 15µg/g²⁶.

Em contrapartida, no Pará houve, ao longo dos anos de 1999 a 2012, uma diminuição significativa de pessoas com níveis maiores que o recomendado, isto é, de 61% para 22%. Todavia, a concentração média total de mercúrio ainda estava acima do limite superior recomendado, em uma proporção significativa de mulheres em idade reprodutiva (22%), com risco potencial de exposição fetal caso essas mulheres engravidassem¹⁹.

Há uma preocupação mundial com a exposição humana ao mercúrio, especialmente em populações ribeirinhas, que consomem altas quantidades de peixes contaminados, pois esse elemento químico produz efeitos adversos à saúde. E quando se trata de mulheres em idade reprodutiva, pode afetar também a reprodução^33-36. Estudos sugerem como problemas relacionados à reprodução: o aumento do risco de fertilidade reduzida, aborto espontâneo, déficits e/ou anormalidades congênitas^33-35.

Frente a essa problemática, os estudos recomendam o monitoramento dos níveis de mercúrio em mulheres ribeirinhas em idade reprodutiva, visto que crianças menores de 24 meses, que ainda não consomem peixe, já apresentam concentrações de mercúrio acima do nível de segurança, sugerindo a contaminação intrauterina e/ou leite materno^19,26,33-36.

A eminente relevância da exposição da população ribeirinha aos contaminantes ambientais demonstra que a saúde reprodutiva, nesse contexto, extrapola o conceito pragmático proposto nas conferências da Organização das Nações Unidas e adotado pela OMS para direcionar as ações e diretrizes assistenciais. Dessa forma, essa revisão aponta uma questão singular presente nessa população, o que também produz necessidades de atenção próprias aos ribeirinhos, carecendo de maiores esclarecimentos.

Além disso, questiona se existiriam outras relações entre o ambiente e a SSR dessa população, considerando que há uma simbiose entre terra, floresta, águas e o ser humano, no contexto sociocultural ribeirinho^6-7, visto que os achados desta revisão se limitam aos contaminantes ambientais.

COMPONENTE SOCIOCULTURAL

Nesse componente estão reunidas as evidências científicas presentes em sete artigos^{16-18,21-23,27}, que apontam para a SSR, das populações ribeirinhas, os seguintes conteúdos: a presença de determinações de gênero, crenças como organizadoras de comportamentos e indicadores sociais como seus determinantes.

Os conteúdos temáticos referentes às determinações de gênero na SSR sinalizam que os conhecimentos sobre as questões sexuais e reprodutivas são determinados pelas relações de gênero, pois são verificadas diferenças entre homens e mulheres, especialmente no que se refere às influências de outros contextos sociais no modo de vida ribeirinha^17,22.

Nessa perspectiva, os papéis culturalmente construídos para a organização das atividades cotidianas, pautados nas hierarquias de gênero, direcionam os homens à liderança comunal, ficando responsáveis pelas atividades na floresta, nos rios e pelas atividades de venda e compra que acontecem fora da comunidade. Já as mulheres são subordinadas ao ambiente privado do lar e aos afazeres domésticos, sendo que, quando casadas, precisam da permissão do marido para ter contato com o meio externo, incluindo à assistência à saúde²².

Verifica-se que o casamento é uma prática valorizada entre as populações ribeirinhas, pois conforme consta nos estudos, a maior parte das participantes eram casadas^16,21,23-24.

Essa evidência é relevante visto que, no âmbito do casamento, as mulheres ribeirinhas ficam expostas a ocorrência de violência doméstica, seja verbal, física e sexual^16,22. O abuso sexual infantil, o casamento forçado e a agressão sexual, também são vivências frequentes na vida dessas mulheres, naturalizadas pelas relações de gênero que organizam e regulam a vida social nas comunidades ribeirinhas¹⁶.

As investigações científicas sobre como as crenças organizam os comportamentos no âmbito da SSR, demostram que essas restringem e regulam as relações com a natureza, as comunicações, o acesso a informações, práticas alimentares e modos de cuidar, incluindo as questões sexuais e reprodutivas^18,22.

Na região de Loreto, no Peru²², os regulamentos, tabus e restrições recaem de sobremaneira sobre as mulheres, em detrimento aos homens, especialmente no que se refere ao seu ciclo reprodutivo²². O período menstrual, a gravidez e o fato de terem tido relação sexual tornam as mulheres impuras e as impedem de coletar plantas medicinais e administrar medicamentos aos doentes de suas famílias, limitando a realização dos cuidados que normalmente são de sua responsabilidade²².

As mulheres ribeirinhas de Loreto, no Peru, ainda enfrentam preconceito por parte dos profissionais de saúde. Constata-se que quando em contato com enfermeiras, que operam suas práticas dentro dos marcos culturais ocidentais modernos, essas mulheres ribeirinhas não encontram espaço para negociar suas crenças, sendo rotuladas como irresponsáveis, logo marginalizadas das atividades e tomada de decisões sobre sua saúde ou de sua família²².

Assim, diferentes saberes e racionalidades coexistem no contexto do cuidado à SSR, construindo conjuntos de significados e práticas que afetam as interações entre profissionais e ribeirinhos que, consequentemente, influenciam nas intervenções de saúde e SSR²².

As crenças religiosas também são consideradas como um mecanismo de enfrentamento para as desigualdades e traumas vivenciados ao longo da vida, podendo se constituir em um fator de proteção para comportamentos de risco sexual¹⁶.

A respeito dos indicadores sociais como determinantes de SSR, os estudos ressaltam um baixo grau de escolaridade^17-18,21,27 e baixa renda^21-22) nas comunidades ribeirinhas investigadas. A mulheres apresentam um nível de escolaridade ainda mais baixo^17,21, quando comparadas aos homens, o que lhes determina atribuições de pouco prestígio social e retorno financeiro, enfrentando dificuldades para garantir sua subsistência econômica¹⁶. Além disso, as pesquisas apontam que subnutrição/deficiência nutricionais estão presentes em algumas populações ribeirinhas^18,22.

Os achados acerca desse componente sociocultural permitem evidenciar como as questões culturais e sociais influenciam na SSR das populações ribeirinhas, ilustrando elementos que compõe o seu estado físico, mental e social², mas que por vezes não é valorizado nas ações de atenção à SSR, especialmente quando se trata de populações marginalizadas⁴. Dessa forma, as intervenções nesse campo da saúde precisam contribuir não apenas com as questões biológicas relacionadas às questões sexuais e reprodutivas, mas também promover oportunidades de inclusão para as mulheres e homens ribeirinhos, contribuindo para que seus direitos sexuais e reprodutivos possam ser efetivados.

Como limitações desta revisão, considerou-se a não inclusão de bases como SciELO e Social Sciences Index e Abstracts, nas quais se poderia ter obtido mais estudos no campo das ciências sociais que trouxessem evidências pautadas em uma abordagem compreensiva sobre essa população ribeirinha. Outra questão que poderia ter ampliado os achados desta revisão foi a não inclusão de publicações como teses, dissertações ou artigos científicos publicados em revistas de menor fator de impacto, não indexadas em grandes bases de dados, como as que foram consultadas.

CONCLUSÃO

O presente estudo permitiu identificar que a SSR de mulheres e homens que vivem em comunidades ribeirinhas é uma temática com evidências limitadas, carecendo de mais investigações nesse campo.

Predominou, nesta revisão, estudos com abordagem quantitativa, em uma perspectiva feminina e com predominância de uma visão biologicista. Nenhum estudo incluído investigou os significados e as representações da SSR para a população ribeirinha. Além disso, os achados pouco evidenciam o pensamento sobre os assuntos que integram a SSR e as práticas de pessoas que vivem no contexto ribeirinho.

Percebeu-se, portanto, a necessidade de melhor compreender como essas comunidades ribeirinhas constroem o conhecimento sobre a SSR, e como esse se manifesta em suas práticas cotidianas, de modo a dar maior visibilidade a sua identidade cultural e social. O que poderá possibilitar uma aproximação entre sistema profissional de cuidados à saúde e as lógicas tecidas por essas pessoas no contexto ribeirinho. Visto que os achados desta revisão proporcionaram evidências limitadas frente às conceituações de SSR, e revelam elementos que as extrapolam, tal como a questão ambiental.

Por fim, os estudos incluídos nesta revisão se referem há um grande período temporal, e apontaram evidências capazes de subsidiar novas investigações a partir da síntese dos achados já produzidos.

• *
  Extraído da tese: “Representações sociais sobre saúde reprodutiva por mulheres e homens de uma comunidade ribeirinha no baixo madeira, Porto Velho-RO”, Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2020.
• Apoio financeiro Fundação Rondônia de Amparo ao Desenvolvimento das Ações Científicas e Tecnológicas e à Pesquisa do Estado de Rondônia. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Chamada 008/2018.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  16 Abr 2021
• Data do Fascículo
  2021

Histórico

• Recebido
  15 Out 2019
• Aceito
  23 Abr 2020