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Avaliação e seguimento em médio prazo em candidatos a transplante cardíaco submetidos a exercício de baixa intensidade

Resumos

OBJETIVOS: Estudar o comportamento cardiovascular e segurança frente a protocolo de exercícios de baixa intensidade em pacientes com insuficiência cardíaca (IC) grave, candidatos a transplante cardíaco. MÉTODOS: Foram estudados 21 pacientes com IC grave, inscritos na lista de transplante cardíaco do Hospital Universitário da UNIFESP. Após avaliação, os pacientes foram monitorados durante a realização de protocolo de exercício com seis fases progressivas (1º membros superiores, 2º membros inferiores, 3º caminhada 35 m, 4º ½ lance de escada, 5º caminhada de 200 m e 6º 1 lance de escada), com intensidade estimada em 2 a 6 equivalentes metabólicos (1 MET = 3,5 ml de O2/kg/min.). Os pacientes foram acompanhados prospectivamente por aproximadamente 17 meses quanto à ocorrência de complicações clínicas e óbito. RESULTADOS: Dentre os pacientes estudados, três não foram capazes de realizar o protocolo completo, sendo as variáveis índice de massa corporal (IMC), pressão respiratória máxima (Pimáx e Pemáx, cmH2O) e número de internações prévias, consideradas preditivas neste subgrupo. Frente ao protocolo de exercício, a frequência cardíaca (FC, bpm), duplo produto (DP, bpm x mmHg) e escala de percepção de esforço (EP, Borg) apresentaram maior oscilação, principalmente durante a fase 5 (H"5 METS), sendo considerados os melhores marcadores relativos ao esforço. A pressão arterial (PA, mmHg) apresentou pouca oscilação. Não houve aumento da incidência de arritmias (Kappa=0,552) frente ao esforço. Observamos correlação positiva moderada entre a EP apenas na fase 6 (caminhada de 200m), com PA (r=0,4; P=0,02). Nos pacientes com desfecho óbito, foram observados valores reduzidos de PiMax na avaliação prévia. Durante o protocolo, redução da resposta de PA e maior elevação da resposta de FC. CONCLUSÃO: O comportamento cardiovascular frente ao protocolo de exercícios foi bem tolerado e seguro, mas reforça a necessidade de monitoração. Informações obtidas na avaliação clínica inicial e durante o protocolo estão associadas com a descompensação e óbito tardio, e podem auxiliar no estadiamento destes pacientes.

Exercício; Insuficiência cardíaca; Reabilitação; Transplante de coração


OBJECTIVE: To study cardiovascular behavior and safety regarding a low-intensity exercise program for heart transplant candidates with severe heart failure. METHODS: Twenty-one patients with severe heart failure on the transplant list of the UNIFESP university hospital (Brazil) were studied. Following evaluation, the patients were monitored during an exercise program with six progressive phases (1 - upper limbs; 2 - lower limbs; 3 - walking; 4 - ½ flight of stairs; 5 - walking 200 m; and 6 - whole flight of stairs), with the intensity estimated at two to six metabolic equivalents (1 MET = 3.5 ml of O2/kg/min.). The patients were prospectively followed up for approximately 17 months for the occurrence of clinical complications and death. RESULTS: Three patients were unable to perform the complete program; BMI, maximal respiratory pressure (Pimax and Pemax, cmH2O) and number of previous hospitalizations were considered predictors for this subgroup. Heart rate (HR, bpm), double product (DP, bpm x mmHg) and Borg perceived exertion scale (PE) underwent the greatest oscillation during exercise, especially in phase 5 (H"METS), and are considered the best markers related to exertion. Blood pressure (BP, mmHg) oscillated little. There was no increase in the incidence of arrhythmia (Kappa=0.552) during exercise. There was a moderate positive correlation between PE and BP (r=0.4; P=0.02) in phase 5 (walking 200 m). The patients who died had low Pimax values upon the initial evaluation. During the exercise program, there was a reduction in BP response and an increase in HR response. CONCLUSION: Regarding cardiovascular behavior, the exercise program proved safe and well tolerated, but there is a need for monitoring. Information obtained upon the initial evaluation and during exercise program is associated to decompensation and death. Such information could assist in determining the stage of the disease.

Exercise; Heart failure; Rehabilitation; Heart transplantation


ARTIGO ORIGINAL

Avaliação e seguimento em médio prazo em candidatos a transplante cardíaco submetidos a exercício de baixa intensidade

Darlene Yuri YoshimoriI; Gerson Cipriano Jr.II; Vanessa MairI; João Nelson Rodrigues BrancoIII; Enio BuffoloIV

IPós-graduanda - Disciplina de Cirurgia Cardiovascular UNIFESP-EPM; Fisioterapeuta

IIDoutorado - Disciplina de Cirurgia Cardiovascular da UNIFESP - EPM; Fisioterapeuta, Professor da Universidade de Brasília

IIIDoutorado; Professor Adjunto - Disciplina de Cirurgia Cardiovascular UNIFESP-EPM

IVProfessor Titular - Disciplina de Cirurgia Cardiovascular UNIFESP-EPM

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Darlene Yuri Yoshimori Rua Napoleão de Barros, 715 - 3º andar São Paulo, SP, Brasil - CEP 04023-002 E-mail: darleneyuri@ig.com.br

RESUMO

OBJETIVOS: Estudar o comportamento cardiovascular e segurança frente a protocolo de exercícios de baixa intensidade em pacientes com insuficiência cardíaca (IC) grave, candidatos a transplante cardíaco.

MÉTODOS: Foram estudados 21 pacientes com IC grave, inscritos na lista de transplante cardíaco do Hospital Universitário da UNIFESP. Após avaliação, os pacientes foram monitorados durante a realização de protocolo de exercício com seis fases progressivas (1º membros superiores, 2º membros inferiores, 3º caminhada 35 m, 4º ½ lance de escada, 5º caminhada de 200 m e 6º 1 lance de escada), com intensidade estimada em 2 a 6 equivalentes metabólicos (1 MET = 3,5 ml de O2/kg/min.). Os pacientes foram acompanhados prospectivamente por aproximadamente 17 meses quanto à ocorrência de complicações clínicas e óbito.

RESULTADOS: Dentre os pacientes estudados, três não foram capazes de realizar o protocolo completo, sendo as variáveis índice de massa corporal (IMC), pressão respiratória máxima (Pimáx e Pemáx, cmH2O) e número de internações prévias, consideradas preditivas neste subgrupo. Frente ao protocolo de exercício, a frequência cardíaca (FC, bpm), duplo produto (DP, bpm x mmHg) e escala de percepção de esforço (EP, Borg) apresentaram maior oscilação, principalmente durante a fase 5 (H"5 METS), sendo considerados os melhores marcadores relativos ao esforço. A pressão arterial (PA, mmHg) apresentou pouca oscilação. Não houve aumento da incidência de arritmias (Kappa=0,552) frente ao esforço. Observamos correlação positiva moderada entre a EP apenas na fase 6 (caminhada de 200m), com PA (r=0,4; P=0,02). Nos pacientes com desfecho óbito, foram observados valores reduzidos de PiMax na avaliação prévia. Durante o protocolo, redução da resposta de PA e maior elevação da resposta de FC.

CONCLUSÃO: O comportamento cardiovascular frente ao protocolo de exercícios foi bem tolerado e seguro, mas reforça a necessidade de monitoração. Informações obtidas na avaliação clínica inicial e durante o protocolo estão associadas com a descompensação e óbito tardio, e podem auxiliar no estadiamento destes pacientes.

Descritores: Exercício. Insuficiência cardíaca. Reabilitação. Transplante de coração.

INTRODUÇÃO

A insuficiência cardíaca (IC) apresenta alta prevalência, atingindo principalmente pessoas com mais de 65 anos. Aproximadamente 10% dos pacientes com IC evoluem para formas mais graves da doença. São pacientes que apesar do tratamento clínico otimizado continuam sintomáticos, com evidências de progressão da doença, qualidade de vida inaceitável e alta taxa de mortalidade em um ano. Para estes casos, o transplante é uma opção terapêutica viável, que tem demonstrado bons resultados, porém, com o aumento na demanda de novos órgãos, houve aumento no tempo de espera na fila de transplante. Durante esta fase, o exercício é indicado com o objetivo de melhorar as condições gerais do paciente, tornando mais seguro o ato cirúrgico e pós-operatório [1-4]. Entretanto, o comportamento cardiovascular esperado frente ao programa de exercícios ainda não é bem estabelecido nestes pacientes com IC grave.

Pacientes com IC grave aguardando transplante cardíaco apresentam-se gravemente debilitados e possuem grande limitação à atividade física devido ao aparecimento de sintomas, como dispneia e fadiga durante o esforço, atividades de vida diária e, até mesmo, ao repouso. Esses pacientes frequentemente sofrem descompensação de seu quadro clínico e necessitam de internações hospitalares, além do risco de morte associada à falência circulatória progressiva e morte súbita enquanto aguardam o transplante cardíaco. Esses fatores tornam esta população mais suscetível a riscos durante o programa de atividade física [5,6], podendo contribuir para sua piora clínica devido à restrição ao movimento.

Estudos realizados nos últimos anos têm demonstrado os benefícios do exercício físico em pacientes com IC leve à moderada, onde são esperados aumento da tolerância ao exercício, ao consumo máximo de oxigênio, melhora na qualidade de vida, do comportamento autonômico, da musculatura esquelética e respiratória, e redução do número de hospitalizações. No entanto, em pacientes com IC grave, especialmente aqueles que aguardam transplante cardíaco, os benefícios são ainda divergentes [7-9].

Acreditamos que a investigação a respeito das respostas cardiovasculares ao exercício físico em paciente com IC grave possa produzir maiores subsídios para recomendações atuais de prescrição de atividade física, trazendo maior segurança e confiabilidade, estimulando a indicação mais rotineira de exercício nesta fase. Desta forma, o presente estudo tem como objetivo avaliar o comportamento cardiovascular e segurança frente a protocolo de exercícios de baixa intensidade em pacientes com IC grave aguardando transplante cardíaco.

MÉTODOS

Participantes do estudo

O estudo foi realizado com 21 pacientes (idade 54,33 ± 9,63 anos) do ambulatório de transplante cardíaco do hospital universitário da Universidade Federal de São Paulo. Três pacientes não foram capazes de realizar toda a série de exercícios, dois interromperam o protocolo por dor em membros inferiores e um por arritmia. Um paciente realizou monitoração de eletrocardiografia contínua durante o protocolo, porém por problemas técnicos do equipamento não foi possível realizar a gravação dos eventos arrítmicos, o que impediu a elaboração do laudo e realização da análise detalhada das arritmias desse paciente. Os participantes do estudo apresentavam diagnóstico de insuficiência cardíaca refratária, com indicação eletiva para transplante cardíaco e idade entre 35 a 75 anos. Os critérios de exclusão foram: IC descompensada, uso de drogas vasoativas, angina instável, marcapasso com frequência fixa ou cardiodesfibrilador, estenose ou insuficiência valvar grave, cirurgia recente (menos de 60 dias), obesidade mórbida (IMC > 40 kg/m2), doenças que impossibilitem a realização do protocolo de exercícios.

A maioria da população foi composta por indivíduos do sexo masculino (81%), o índice de massa corpórea (IMC) foi de 24,82 ± 4,04 kg/m2. Treze (65%) pacientes estavam em classe funcional III e IV (NYHA), a etiologia da insuficiência cardíaca mais frequente foi a miocardiopatia isquêmica (61,9%), 12 (57,1%) pacientes tinham história de tabagismo, e dez (47,6%) já haviam sido submetidos a cirurgias prévias (Tabela 1). As pressões respiratórias máximas apresentam valores médios de 76,25% ± 31,54% do predito para valores de Pimaxe 75,8 ± 24,74% para os valores de Pemax . O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da instituição e todos os participantes assinaram termo de consentimento livre e esclarecido.

Desenho e protocolo

O estudo foi caracterizado como uma coorte prospectiva, onde inicialmente foi realizada avaliação clínica, com informações sobre o estadiamento clínico e cardiovascular, seguido de protocolo de exercícios de 2-6 equivalentes metabólicos (METS). Após esta fase, os pacientes foram acompanhados por um tempo médio de 17,71 ± 6,43 meses quanto à frequência de internações hospitalares, realização de transplante cardíaco e mortalidade.

Avaliação padronizada

Utilizando ficha de avaliação padronizada, foram coletados dados referentes à história clínica, como presença de comorbidades, história de tabagismo, cirurgias cardiovasculares prévias, eventos isquêmicos coronários agudos prévios, medicamentos em uso, etiologia da insuficiência cardíaca, classificação funcional e fração de ejeção (em %), obtida a partir de exame de ecocardiografia de rotina, além de informações referentes a exame físico e testes de pressões respiratórias máximas [10].

Protocolo de exercícios de baixa intensidade

Após avaliação inicial, os pacientes realizaram protocolo com seis etapas de exercícios com intensidade entre 2 a 6 equivalentes metabólicos (Mets) [11]: exercício 1 - flexoextensão de ombros (20 repetições); exercício 2 - flexoextensão de joelhos (20 repetições); exercício 3 - caminhada de 35 metros, com velocidade aproximada de 3 km/h; exercício 4 - subir e descer ½ lance de escada; exercício 5 - caminhada de 200 metros, com velocidade aproximada de 3 km/h; exercício 6 - subir e descer 1 lance de escada.

Durante a aplicação do protocolo, foi realizada a monitoração da frequência cardíaca (FC, bpm), pressão arterial (PA, mmHg), pressão arterial média (PAM, mmHg), duplo produto (DP, mmHg/bpm), Escala de Percepção de Esforço de Borg (EP), além de eletrocardiografia contínua por telemetria (QUARK T12, modelo CO9055-32-99, Cosmed®, Itália), o qual ofereceu informações instantâneas de eletrocardiografia.

Foram considerados fatores para suspensão ou interrupção de esforço, conforme características clínicas de acordo com Consenso Brasileiro de Ergometria da Sociedade Brasileira de Cardiologia [12].

Análise estatística

Os dados foram avaliados por meio do teste de normalidade de Kolmogorov-Smirnov (KS) para testar sua distribuição gaussiana, dados contínuos paramétricos foram comparados ao longo das etapas de exercício pela ANOVA, e os dados não-paramétricos, pelo teste de Friedman. Quando as diferenças foram significantes (P - valor < 0,05) ao longo das etapas de exercícios, o método de Bonferroni foi aplicado para as comparações múltiplas. Para verificar associação entre as variáveis do comportamento cardiovascular com escala de percepção de esforço foi utilizada análise de correlação linear de Pearson, para dados paramétricos, e de Spearman, para não-paramétricos. Quando a correlação foi significativa, se admitiu para valores de concordância: > 0,75 excelente, entre 0,40 e 0,75 moderada e < 0,40 fraca.

Para descrever se houve diferença entre a quantidade dos eventos arrítmicos, entre os estágios e ao longo das séries de exercícios (repouso, durante o exercício e recuperação), foi utilizada a análise de concordância de Kappa; onde foram considerados valores de concordância <0,19 pobre, 0,20 a 0,40 moderada e 0,60 a 1 alta.

RESULTADOS

Resposta cardiovascular durante protocolo de exercícios

Dentre os 21 pacientes, três interromperam o protocolo por dor em membros inferiores e arritmia. A avaliação clínica dos fatores que poderiam estar associados à interrupção revelou que as variáveis IMC e força muscular respiratória encontravam-se divergentes aos valores médios encontrados na população.

Os valores médios encontrados durante o período de repouso foram FC 76,24± 20,36 bpm, PAS 114,43 ± 17,50 mmHg, PAD 77,9 ±14,88 mmHg e DP 8771 ± 2931 mmHg x bpm.

Podemos observar maior elevação da FC, DP e EP durante o exercício 5 (caminhada de 200m), com valores de 96,17 ± 16,21 bpm, 11384,11 ± 2197,7 mmHg x bpm e 13 ± 1,7, respectivamente. As diferenças na FC foram encontradas entre os exercícios 3 e 4 (35 m e 1/2 lance), onde ocorreu redução da FC, e entre 4 e 5 (1/2 lance e 200 m) no qual foi observado aumento da FC. O Duplo Produto apresenta elevação entre os exercícios 2 e 5 (MMII e 200 m) e entre 3 e 5 (½ lance e 200 m); e queda entre 3 e 4 (35 m e ½ lance) e entre 5 e 6 (200 m e 1 lance). A EP difere entre os exercícios 3 e 5 (35m e 200m) onde ocorre maior nota em 200 m (Figura 1).


Valores de PAS e PAD apresentaram pouca alteração ao longo da série de exercício.

Entre as variávies estudadas foi encontrada correlação apenas da PAS no exercício 5 (200m) com EP, onde P=0,02 e r=0,516 (Figura 2).


Frequência, características e gravidade das arritmias

Durante a realização dos exercícios, sete tipos diferentes de arritmia: a extrassístole ventricular isolada, extrassístole ventricular multifocal, extrassístole supraventricular, pausa sinusal, fibrilação atrial e fibrilação atrial de alta resposta ventricular, sendo que a extrassístole ventricular apareceu com maior frequência. A análise descritiva do tipo de arritmia não revelou aumento durante o protocolo de exercícios (Kappa=0,552). A análise qualitativa também não mostrou aumento, durante a classificação quanto à origem (Kappa=0,731) ou tipo (Kappa=0,765) (Tabela 2).

Desfecho clínico durante período de acompanhamento

Durante o período de acompanhamento médio de 17 meses, seis (28,5%) pacientes realizaram transplante cardíaco, três (14,2%) foram a óbito relacionado ao procedimento de transplante, três (14,2%) foram a óbito durante o tempo de espera para transplante e 12 (57%) necessitaram de uma ou mais internações hospitalares por descompensação de seu quadro clínico.

A análise pareada das características analisadas antes e durante o protocolo de exercícios revelou diferença significante entre os indivíduos que foram a óbito nos 17 meses subsequentes e o grupo sobrevivente, quanto a características Pimáx, FC pico, PAS e PAD (Tabela 3). Quando realizada a mesma análise para internação versus não internação, as diferenças significativas foram encontradas em PAS e PAD.

DISCUSSÃO

O estudo atual mostrou que o comportamento cardiovascular frente ao protocolo de exercícios foi bem tolerado e seguro para a maioria dos pacientes avaliados, porém parece que há necessidade em realizar monitoração durante a realização do exercício. Encontramos, também, indícios de que dados obtidos na avaliação clínica inicial podem estar associados a descompensação e óbito, podendo auxiliar na estratificação destes pacientes.

O protocolo de exercícios proposto no estudo é utilizado durante a fase I de Reabilitação Cardiovascular, e como vantagens não necessita de equipamentos específicos, é de fácil aplicabilidade e não envolve custos adicionais. Esse protocolo mimetiza as atividades de vida diária, diferente dos protocolos de exercícios tradicionais onde são utilizadas esteiras ou bicicletas ergométricas. A diretriz publicada em 2009 [13] ressalta a importância de investigar os sintomas durante as atividades do dia-a-dia em pacientes com IC, a partir de testes de performance física e da capacidade cardiorrespiratória; levando em consideração informações referentes ao caminhar no plano, a subir escadas, tomar banho, realizar atividades domésticas, alimentar-se, dormir e restrição de decúbito. Algumas destas atividades estão incluídas em nosso protocolo.

A população estudada apresentava características esperadas em pacientes com IC grave, como presença de algumas comorbidades, a maioria com classificação funcional III a IV, função cardíaca reduzida, histórico de doença e procedimentos cardíacos prévios com prevalência da etiologia isquêmica [3,8]. As pressões respiratórias máximas encontravam-se reduzidas em relação ao predito, assim como observado em outros estudos [14,15]. As taxas de mortalidade durante o período de espera para o transplante foram menores do que os 20% a 40% encontrados na literatura para esta população, sendo assim acreditamos que isto pode ter ocorrido devido ao tempo de acompanhamento, que não foi o mesmo para todos os pacientes e nem todos eles foram acompanhados até a data da realização do transplante [1].

Quanto ao comportamento cardiovascular durante o protocolo de exercícios, observamos que a FC e DP apresentaram maior variação dentre as variáveis analisadas, seguidos pelo EP, especialmente durante o exercício de maior intensidade e duração (caminhada de 200m). Já as outras variáveis, como PAS, PAD e PAM, apresentaram menor variação. Já na fase de recuperação dos exercícios, as variáveis estudadas retornaram aos valores de repouso aproximadamente dois minutos após o término do exercício. Estudos prévios mostram maior aumento da FC em exercícios de maior intensidade e em exercícios que requerem maior massa muscular exercitada [16]. O comportamento cardiovascular se apresentou assim como esperado para esta população e acreditamos que os pacientes apresentaram boa tolerância aos exercícios propostos.

Quando investigada correlação entre as respostas cardiovasculares durante a caminhada de 200m com EP, encontramos correlação positiva com PAS. Na literatura são encontrados relatos de correlação de EP com FC em indivíduos saudáveis, e esta escala tem a recomendação de ser usada como forma de prescrição de exercícios em várias populações. Guias de reabilitação recomendam o uso da EP para determinar a intensidade do exercício em pacientes com IC, e que o valor de EP referido pelo paciente corresponde a uma porcentagem da FC máxima. Fisiologicamente, a PAS e FC sobem durante o exercício e apesar de não ser encontrada a correlação clássica (FC), o achado demonstra relação da escala com o esforço [17,18].

Para análise de ocorrência de arritmias, foram utilizadas duas classificações, uma proposta por Lown & Wolf [19] para gravidade das arritmias ventriculares, e a classificação atrioventricular (AV) baseada na origem [20], além da avaliação descritiva dos eventos arrítmicos. Observamos alta incidência de arritmias durante o repouso, porém estas não foram exacerbadas com a realização do protocolo, como mostrou a análise de concordância de Kappa. Não foram encontrados estudos demonstrando incidência de arritmias durante o exercício agudo na IC, mas sabe-se que a incidência de arritmias aumenta dependendo do tipo e intensidade do exercício [20,21]. Durante o exercício, podem ocorrer alterações que desencadeiam arritmias, como redução do tônus parassimpático e aumento do simpático, com aumento da frequência sinusal, além de isquemia transitória em regiões pouco perfundidas do miocárdio em pacientes com história prévia de doença isquêmica. Estudo que avaliou a eletrocardiografia contínua de pacientes com IC, mostrou que 90% dos pacientes apresentam algum tipo de arritmia, entre os mecanismos predisponentes citamos a própria disfunção ventricular esquerda, a isquemia miocárdica, a hiperatividade simpática, os níveis elevados de catecolaminas circulantes, os efeitos arritmogênicos dos agentes inotrópicos, distúrbios eletrolíticos, distensão miocárdica e hipotensão [2]. Portanto, os resultados obtidos em nosso estudo podem mostrar segurança durante a realização do protocolo proposto.

Quando realizada comparação entre as características dos pacientes sobreviventes versus óbitos, observamos maior valor de FC durante a caminhada de 200m, e menor valor de Pimáx em pacientes que apresentaram desfecho óbito. Estudos prévios mostram que indivíduos com IC apresentam uma resposta anormal da FC durante o esforço, ocorrendo elevação mais rápida da FC quando a IC é mais grave, há inabilidade em aumentar o débito cardíaco em resposta ao exercício, por incompetência cronotrópica e redução do volume sistólico, e a FC é a principal responsável em aumentar o DC durante o exercício [11,20,22,23].

Alguns autores encontraram valor prognóstico na avaliação respiratória estática máxima em pacientes com IC, onde foram achados valores menores de Pimáx e não de Pemáx em não sobreviventes, e concluíram que Pimáx, VO2max e FEVE podem ser utilizados como estratificadores de risco para pacientes com IC [24,25]. Conforme citamos anteriormente, encontramos valores diferentes de PAS e PAD durante algumas etapas do exercício, mas não em repouso. Estudos prévios mostram que a PA baixa ao repouso é considerada preditor independentes de internação por IC, talvez isso não foi encontrado em nosso estudo devido à maior gravidade dos pacientes estudados, que manifestaram tal diferença apenas quando submetidos a exercício [14].

O estudo apresentou algumas limitações, uma delas foi a pequena amostra de pacientes avaliados, que pode comprometer parcialmente a interpretação dos resultados. Porém, estes pacientes corresponderam a todos os inscritos na fila de transplante cardíaco que se encaixavam nos critérios de inclusão da equipe transplantadora durante o período que o estudo foi realizado. Outra limitação foi o tempo de acompanhamento que não foi o mesmo para todos os indivíduos. Isto possivelmente ocorreu porque novos pacientes entraram para lista de transplante cardíaco e eram avaliados no decorrer do estudo, além de sofrerem frequentes descompensações, postergando sua inclusão no estudo.

Em conclusão, consideramos que o protocolo de exercícios de baixa intensidade foi bem tolerado e seguro para maioria desta população, e dados obtidos na avaliação clínica inicial podem estar associadas a descompensação e óbito, podendo auxiliar na estratificação destes pacientes considerados de alto risco para realização de exercício.

Artigo recebido em 11 de março de 2010

Artigo aprovado em 24 de agosto de 2010

Trabalho realizado na Disciplina de Cirurgia Cardiovascular, Departamento de Cirurgia, Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina, São Paulo, SP, Brasil.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Nov 2010
    • Data do Fascículo
      Set 2010

    Histórico

    • Aceito
      24 Ago 2010
    • Recebido
      11 Mar 2010
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