FATORES ASSOCIADOS AO CONSUMO INADEQUADO DE LEITE EM ADOLESCENTES: PESQUISA NACIONAL DE SAÚDE DO ESCOLAR - PENSE 2012

RESUMO

Objetivo:

Identificar a prevalência e os fatores associados ao consumo inadequado de leite em adolescentes.

Métodos:

Estudo transversal com base em dados secundários da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE; 2012), inquérito brasileiro realizado por meio de questionário autoaplicável em amostra representativa de alunos do nono ano do ensino fundamental de escolas públicas e privadas. Estimou-se a frequência da ingestão de leite e sua associação com características sociodemográficas, consumo alimentar e prática de atividade física. Foi realizada análise descritiva e inferencial dos fatores associados ao consumo inadequado de leite (ausência em pelo menos um dos sete dias da semana). Um modelo logístico múltiplo foi ajustado para controle das variáveis de confusão.

Resultados:

A amostra incluiu 108.828 adolescentes e o consumo inadequado de leite foi de 58,9%. O modelo final incluiu 9 variáveis independentemente associadas à ingestão inadequada de leite: frequência de desjejum inferior a 4 dias semanais (odds ratio [OR]=2,40; p<0,001), consumo de alimentos in natura e minimamente processados inferior a 5 dias semanais (OR=1,93; p<0,001), residir na Região Nordeste (OR=1,39; p<0,001), menor escolaridade materna (OR=1,35; p<0,001), inatividade física (OR=1,33; p<0,001), frequentar escola pública (OR=1,26; p<0,001), não ser da raça branca (OR=1,14; p<0,001), ter idade superior a 14 anos (OR=1,13; p<0,001) e possuir o hábito de realizar as refeições assistindo à TV ou estudando (OR=1,04; p=0,036).

Conclusões:

O consumo inadequado de leite é frequente entre adolescentes brasileiros. A identificação de fatores associados sugere a necessidade do desenvolvimento de estratégias de orientação nutricional para a prevenção de doenças resultantes da baixa ingestão de cálcio.

Palavras-chave:
Adolescente; Consumo alimentar; Leite; Cálcio; Inquéritos epidemiológicos; Modelos logísticos

ABSTRACT

Objective:

To identify the prevalence and factors associated with inadequate milk consumption among adolescents.

Methods:

This was a cross-sectional study based on secondary data from the National School Health Survey (2012), a Brazilian survey carried out using a self-administered questionnaire in a representative sample of 9^th-grade students from public and private schools. The frequency of milk intake and its association with socio-demographic characteristics, food consumption and physical activity were estimated. A descriptive and inferential analysis of factors associated with inadequate milk consumption (no consumption at least one of the seven days of the week) was performed. A multiple logistic model was adjusted to control confounders.

Results:

The sample included 108,828 adolescents and inadequate milk consumption ocurred in 58.9%. The final model included nine variables independently associated with inadequate milk intake: breakfast frequency less than 4 days per week (odds ratio [OR]=2.40; p<0.001), unprocessed or minimally processed foods intake less than 5 days per week (OR=1.93; p<0.001), living in the northeast region (OR=1.39; p<0.001), less maternal schooling (OR=1.35; p<0.001), physical inactivity (OR=1.33; p<0.001), attending public school (OR=1.26; p<0.001), not being white (OR=1.14; p<0.001), being older than 14 years old (OR=1.13; p<0.001) and having a habit of eating meals while watching TV or studying (OR=1.04; p=0.036).

Conclusions:

Inadequate milk consumption is prevalent among Brazilian adolescents. The identification of associated factors suggests the need to develop nutritional guidance strategies for the prevention of diseases that result from low calcium intake.

Keywords:
Adolescent; Food consumption; Milk; Calcium; Epidemiological surveys; Logistic models

INTRODUÇÃO

O leite e seus derivados constituem um grupo alimentar de alto valor nutricional, recomendado na composição de uma alimentação equilibrada. Seu consumo é indicado em todas as fases da vida, pois fornece nutrientes indispensáveis, tais como aminoácidos, ácidos graxos, minerais (cálcio, magnésio, selênio) e vitaminas (retinol, cianocobalamina, ácido pantotênico).^1,2,3

O cálcio presente no leite é altamente biodisponível, atingindo cerca de 70% de aproveitamento, quando comparado ao advindo de outros alimentos, o que torna esse alimento sua principal fonte dietética na nutrição humana.^2,3,4 Esse micronutriente é um dos minerais mais abundantes no organismo humano, encontrado principalmente na estrutura óssea. Seu papel não se restringe apenas à sua participação no metabolismo ósseo, atuando também em reações enzimáticas e metabólicas, no processo de coagulação, na sinalização e adesão celular, na mediação do mecanismo de contração muscular, na secreção de hormônios e neurotransmissores e no transporte de substâncias.^2,3,5 O leite está entre os gêneros mais adquiridos entre as famílias brasileiras. Estima-se um acréscimo de 23% em sua produção mundial na próxima década, sendo que 73% dessa oferta adicional serão provenientes de países em desenvolvimento.^1,2,6

A adolescência, que compreende a faixa etária dos 10 aos 19 anos, é um ciclo de maturação biopsicossocial caracterizado pelo amplo desenvolvimento biológico de órgãos, tecidos e sistemas; e por intensas alterações físicas, sexuais, cognitivas, sociais e emocionais. Esse processo é diretamente influenciado pela interação de fatores genéticos, ambientais e endócrinos, cujas demandas orgânicas e nutricionais estão aumentadas pelo padrão de crescimento físico acelerado.⁵ A exclusão ou o consumo inadequado de leite nessa fase prejudica o crescimento estrutural, leva à menor densidade mineral óssea e, consequentemente, contribui para o desenvolvimento de osteoporose e aumento do risco de fraturas na vida adulta e velhice.^2,3,5,7 Com base em dados do National Health and Nutrition Examination Survey, foi constatada, entre mulheres, associação entre a menor ingestão de leite durante a adolescência, menor conteúdo mineral ósseo e menor massa óssea entre os 20 e os 49 anos.⁷

No Brasil, estudos apontam redução significativa no consumo de leite entre adolescentes, com inverso aumento da ingestão de bebidas processadas e ricas em açúcares. Da mesma maneira, tais produtos estão entre as bebidas mais consumidas pelos jovens europeus, como apontam dados do European Youth Heart Study (EYHS). Tal modificação do consumo tem acarretado ingestão de cálcio abaixo das recomendações e maior consumo de alimentos de baixo valor nutricional.^8,9,10,11,12 Nesse contexto, o objetivo do presente estudo foi identificar fatores associados ao consumo inadequado de leite entre adolescentes, visando contribuir para a elaboração de estratégias de controle e prevenção de distúrbios nutricionais e, consequentemente, de alterações do crescimento e do metabolismo ósseo nessa faixa etária.

MÉTODO

O presente estudo é de delineamento transversal e utilizou dados secundários da segunda versão da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), realizada entre abril e setembro de 2012. Trata-se de um inquérito de saúde escolar brasileiro de base populacional realizado pelo Ministério da Saúde (MS) em parceria com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O banco de dados é de domínio público e está disponível eletronicamente no site do IBGE.¹³

A população-alvo foi composta por alunos que cursavam o nono ano do ensino fundamental no turno diurno de escolas públicas e privadas, localizadas nas zonas urbanas e rurais do Brasil. A amostra foi delineada para representar essa população em 32 estratos geográficos: cada uma das 26 capitais e o Distrito Federal (DF), e as cinco macrorregiões geográficas do país (Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste), constituídas pelos demais municípios.¹³

A amostra de cada estrato foi alocada proporcionalmente ao número de escolas segundo a dependência administrativa (privada e pública). Foram elegíveis escolas com um total de 15 estudantes ou mais, de acordo com o Censo Escolar de 2010. No primeiro estágio, a seleção das escolas ocorreu por meio de probabilidades proporcionais ao tamanho (número de alunos matriculados), e no segundo, a seleção das turmas de nono ano a serem efetivamente pesquisadas em cada uma das escolas selecionadas. Todos os 109.104 alunos das escolas selecionadas, presentes no dia da coleta de dados e que responderam ao questionário, compuseram a amostra. A descrição completa do processo de seleção amostral encontra-se disponível no documento científico da PeNSE 2012.¹³

A coleta de dados foi realizada por meio de um questionário autoaplicável, estruturado em módulos temáticos, cujas perguntas dispunham de respostas de múltipla escolha, que continham informações sobre características sociodemográficas, comportamentais, de alimentação e saúde.¹³

O consumo alimentar foi mensurado por meio da frequência de consumo de alimentos nos sete dias que antecederam a data da pesquisa, com alternativas de resposta que variaram de consumo diário ao não consumo.¹³ Foram avaliados os consumos de leite, alimentos in natura e minimamente processados e alimentos ultraprocessados. Além disso, também foram avaliados o hábito de realizar as refeições assistindo à TV ou estudando, o hábito de almoçar e jantar acompanhado pelos responsáveis e a realização do desjejum.¹³ A questão relacionada à ingestão de leite considerou o consumo de leite e preparações ou bebidas com leite (leite com café ou chocolate, vitamina e mingau), não incluindo iogurte, queijos e outros derivados.¹³ Uma vez que o leite é considerado a principal fonte de cálcio para adolescentes, foi definida como ingestão inadequada a ausência do seu consumo em pelo menos um dos sete dias, considerando que o consumo desse alimento é fundamental para atender mais da metade das necessidades diárias desse mineral.⁵ Especificamente, foi construída uma variável para representar o consumo de alimentos in natura ou minimamente processados (ANM) (feijão, legumes crus, saladas cruas, saladas e legumes cozidos e frutas) e outra para representar o consumo de alimentos ultraprocessados (AU) (salgado frito, embutidos, biscoito salgado, biscoito doce, salgadinho, guloseimas e refrigerante), com base no número médio de dias de consumo, na última semana, dos alimentos definidos para cada uma dessas categorias. O consumo de ANM inferior a cinco vezes na semana foi atribuído ao comportamento de risco, já para os AU, o risco foi considerado quando seu consumo ocorreu em dois ou mais dias. Por último, considerou-se como comportamento de risco tanto não realizar o desjejum como não realizar as refeições (almoço e jantar) na presença dos responsáveis em quatro dias ou mais da semana.

A atividade física foi considerada como possível fator associado ao consumo inadequado de leite. Para isso foi calculado o tempo acumulado de prática de exercícios físicos em minutos, a partir do tempo gasto para ir e voltar da escola a pé/de bicicleta, na prática de educação física na escola e nas atividades gerais como dança, ginástica e luta. Foram definidos como inativos os adolescentes com atividade acumulada inferior a 300 minutos semanais; e como ativos aqueles com 300 minutos ou mais.

A análise dos dados foi realizada por meio do software Stata 14.0. Conforme sugerido na metodologia da PeNSE, todas as análises foram realizadas com a técnica de expansão e peso amostral, de acordo com o processo de seleção e representatividade populacional delineado na pesquisa. Foram realizadas análises descritivas e bivariadas para estudo das associações. Um modelo múltiplo foi ajustado para identificar, de forma independente, fatores associados ao consumo inadequado de leite.

Os dados foram avaliados quanto à sua característica de distribuição. Os pontos de corte das variáveis de comportamento alimentar foram definidos de acordo com a frequência de consumo e a plausibilidade biológica. O teste estatístico utilizado para medir as associações foi o teste do qui-quadrado, pela natureza paramétrica das variáveis estudadas. Posteriormente, um modelo de regressão logística foi construído. Para a seleção das variáveis independentes elegíveis para compor o modelo múltiplo, foi considerado o valor de p≤0,20 como critério de inclusão. A técnica de entrada de variáveis foi a Stepwise Forward e o valor de p≤0,05 foi utilizado para definir uma associação estatisticamente significante.

A PeNSE 2012 foi aprovada pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) do MS sob o parecer nº 16.805. Os participantes da pesquisa assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE).

RESULTADOS

Do total de alunos analisados, 82,8% eram de escolas públicas e cerca de metade era do sexo feminino (52,2%). Aproximadamente um quarto dos adolescentes relataram ser fisicamente ativos.

Quanto ao comportamento alimentar, 58,9% dos adolescentes apresentaram consumo inadequado de leite, com intervalo de confiança de 95% (IC95%) 55,6-62,1; e 64,4% (IC95% 63,0-65,8) apresentaram consumo de AU superior a duas vezes na semana. O hábito de realizar as refeições assistindo à TV ou estudando esteve presente em 81,1% (IC95% 78,7-83,4) dos adolescentes (Tabela 1).

Tabela 1
Prevalências e respectivos intervalos de confiança das características sociodemográficas, prática de atividade física e comportamento alimentar de adolescentes brasileiros. PeNSE 2012.

Características sociodemográficas		n	%	IC95%
Macrorregião	Sudeste	108.828	44,3	31,5-47,1
	Nordeste		25,3	23,6-27,0
	Norte		8,0	7,5-8,5
	Sul		14,5	13,4-15,8
	Centro-Oeste		7,9	6,7-9,2
Sexo	Feminino	108.828	52,2	50,2-54,2
	Masculino		47,8	45,8-49,8
Raça	Outrasa	108.765	63,2	57,9-68,2
	Branca		36,8	31,7-42,1
Faixa etária	≤14 anos	108.828	68,5	59,3-76,4
	>14 anos		31,5	23,6-40,7
Tipo de escola	Pública	108.828	82,8	77,7-86,9
	Privada		17,2	13,0 -22,3
Escolaridade materna	Não estudou	90.398	10,0	8,4-12,0
	Estudoub		90,0	88,0 -91,6
Escolaridade paterna	Não estudou	83.868	15,2	13,1-17,4
	Estudoub		84,9	82,6-86,9
Mora com ambos os pais	Sim	108.668	62,2	60,2-64,1
	Não		37,8	35,8-39,8
Mora com um dos pais	Sim	108.804	94,6	94,1-95,0
	Não		5,4	4,9-5,8
Prática de atividade física
Atividade física acumulada	Ativo	108.828	26,6	25,9-27,2
	Inativo		73,4	72,8-74,1
Comportamento alimentar
Consumo de leite na última semana	Diário	108.828	41,1	37,9-44,4
	≤6 dias		58,9	55,6-62,1
Frequência de realização do desjejum	≤4 dias	108.730	38,1	35,7-40,5
	>4 dias		61,9	59,5-64,3
Consumo de ANM na última semana	<5 dias	108.366	82,3	81,2-83,4
	≥5 dias		17,7	16,6-18,8
Consumo de AU na última semana	>2 dias	108.095	64,4	63,0-65,8
	≤2 dias		35,6	34,2-37,0
Almoço ou jantar com responsável	≤4 dias	108.764	28,5	26,5-30,5
	>4 dias		71,5	69,5-73,5
Refeições assistindo à TV ou estudando	Sim	108.706	81,1	78,7-83,4
	Não		18,9	16,6-21,3

• ^aPreta, amarela, parda e indígena; ^balgum nível de ensino; IC95%: intervalo de confiança de 95%; ANM: alimentos in natura e minimamente processados; AU: alimentos ultraprocessados.

A Tabela 2 mostra a análise bivariada dos fatores associados ao consumo inadequado de leite com suas respectivas prevalências e medidas de efeito. As 15 características testadas apresentaram associação estatisticamente significante com esse desfecho.

Tabela 2
Prevalências, odds ratio e respectivos intervalos de confiança dos fatores associados ao consumo inadequado de leite de adolescentes brasileiros. PeNSE 2012.

Características	Consumo inadequado de leite (%)	OR (IC95%)	p-valor
Macrorregião
Sudeste	53,6	1
Nordeste	65,7	1,66 (1,38-2,00)	<0,001
Norte	58,9	1,24 (1,02-1,51)	0,032
Sul	52,1	0,94 (0,74-1,20)	0,639
Centro-Oeste	60,8	1,34 (0,97-1,86)	0,074
Sexo
Feminino	61,4	1,20 (1,15-1,25)	<0,001
Masculino	57,0
Raça
Branca	55,3	1,29 (1,22-1,37)	<0,001
Outrasa	61,5
Idade
≤14 anos	57,7	1,23 (1,17-1,28)	<0,001
>14 anos	62,7
Tipo de escola
Pública	54,5	1,28 (1,20-1,37)	<0,001
Privada	60,6
Escolaridade materna
Estudoub	58,3	1,50 (1,40-1,61)	<0,001
Não estudou	67,8
Escolaridade paterna
Estudoub	57,9	1,54 (1,44-1,65)	<0,001
Não estudou	67,9
Mora com ambos os pais
Não	60,7	1,10 (1,07-1,13)	<0,001
Sim	58,4
Atividade física
Ativo	13,8	1,49 (1,45-1,52)	<0,001
Inativo	45,1
Realização do desjejum
≤4 dias	71,2	2,30 (2,17-2,44)	<0,001
>4 dias	51,8
Consumo de ANM
<5 dias	62,1	2,10 (1,80-2,47)	<0,001
≥5 dias	43,8
Consumo de AU
>2 dias	56,5	0,73 (0,70-0,76)	<0,001
≤2 dias	64,0
Realização do almoço ou jantar com responsável
≤4 dias	63,0	1,24 (1,18-1,30)	<0,001
>4 dias	57,8
Realização das refeições assistindo à TV ou estudando
Sim	60,1	1,19 (1,13-1,24)	<0,001
Não	56,0
Asma
Sim	57,7	0,93 (0,89-0,97)	0,001
Não	59,6

• ^aPreta, amarela, parda e indígena; ^balgum nível de ensino; OR: odds ratio; IC95%: intervalo de confiança de 95%; ANM: alimentos in natura e minimamente processados; AU: alimentos ultraprocessados.

Após ajuste do modelo logístico, mantiveram significância as variáveis: macrorregião, tipo de escola, raça, idade, escolaridade materna, prática de atividade física, consumo de ANM, frequência de realização do desjejum e o costume de realizar as refeições em frente à TV ou estudando (Gráfico 1).

Gráfico 1
Modelo logístico múltiplo dos fatores associados ao consumo inadequado de leite em adolescentes brasileiros (n=89.875) - PeNSE 2012.

DISCUSSÃO

De acordo com o critério aqui utilizado, o consumo inadequado de leite esteve presente na maioria da amostra estudada. Foram identificados nove fatores independentemente associados a esse erro alimentar: frequência de desjejum inferior a quatro dias semanais; consumo de ANM em menos de cinco dias semanais; residir na Região Nordeste; menor escolaridade materna; inatividade física; estar matriculado em escola pública; não ser da raça branca; ter idade superior a 14 anos e possuir o hábito de realizar as refeições assistindo à TV ou estudando.

Embora existam diversas formas de avaliar o consumo de leite, a análise da frequência de consumo alimentar tem sido a mais utilizada em estudos populacionais. A literatura tem identificado redução significativa na ingestão desse alimento em adolescentes. Esse fenômeno tem sido associado ao aumento do consumo de refrigerantes e de outras bebidas ultraprocessadas, condição socioeconômica, sexo, faixa etária, comportamento alimentar e estado nutricional.^{8,9,10,14,15,16}

Entre esses fatores, destaca-se o elevado consumo de bebidas com alto teor de açúcares, pois contribui para a ingestão calórica excessiva e afeta negativamente os parâmetros antropométricos, o que favorece o desenvolvimento de excesso de peso.¹⁷ De acordo com o EYHS, a ingestão diária de 100 g de bebidas açucaradas associou-se ao aumento do índice de massa corpórea (IMC) e da adiposidade em crianças entre nove e 15 anos. Além disso, a substituição dessas bebidas por leite e água durante o acompanhamento associou-se ao menor ganho de gordura corporal, redução do IMC e da circunferência da cintura.¹² Apesar disso, não foi identificada, na amostra estudada, associação entre o consumo inadequado de leite e maior frequência de consumo de AU, que incluiu o refrigerante. Tal discordância pode ser explicada pelo agrupamento dos alimentos ultraprocessados em uma variável composta e pela forma de obtenção dos dados utilizada pela PeNSE, que limita a abrangência das informações relacionadas ao consumo alimentar apenas pela frequência nos últimos sete dias.

O desjejum é uma das principais refeições diárias.¹ Sua ausência resulta em menor ingestão média de macro e micronutrientes.¹⁸ Especificamente, o café da manhã, em diversas culturas, proporciona significativo consumo de leite,² e a redução na sua frequência de realização pode contribuir para a baixa ingestão desse alimento, o que pode levar a maior risco de inadequação entre os adolescentes participantes da PeNSE que realizaram menos frequentemente o desjejum.

Apesar de existir associação inversa entre a idade e o hábito de realizar o desjejum,^18,19 o presente estudo identificou associação entre a maior idade dos adolescentes e o consumo inadequado de leite, independentemente da realização do café da manhã. Tal aspecto pode ser explicado pelo fato de que adolescentes com idade maior consomem menos leite em decorrência da maior frequência do consumo de refrigerantes.¹⁶

Nesse sentido, as escolhas alimentares dos adolescentes sofrem influência do ambiente social, cultural e dos meios de comunicação, que levam ao maior consumo de alimentos de baixa qualidade nutricional “típicos da adolescência”.²⁰ Assim, os ANM potencialmente passam a ser menos consumidos e, consequentemente, há substituição do leite por outras bebidas. Tal afirmação está de acordo com a associação da menor frequência de consumo de ANM com o menor consumo de leite, evidenciada na amostra estudada.

O hábito de assistir à TV por períodos prolongados tem sido associado ao consumo alimentar não saudável.^21,22 Entre adolescentes, refrigerantes e outros tipos de bebidas industrializadas estão entre os alimentos mais consumidos durante o tempo em que assistem à TV.^11,23 Tal prática sustenta, em parte, a tendência crescente de substituição do leite por outras bebidas processadas e ricas em açúcar.¹⁰ Dessa forma, a exposição excessiva às telas representa maior risco de consumo inadequado de leite, conforme identificado nesta pesquisa com os adolescentes que participaram da PeNSE 2012.

A inatividade física também esteve associada ao consumo inadequado de leite nos adolescentes. De fato, o sedentarismo tem sido associado ao consumo de alimentos de baixa qualidade nutricional e de alta densidade energética.^11,24 Assim, a inatividade física afeta as escolhas alimentares, contribui para menor variedade da dieta e, consequentemente, menor oferta de nutrientes essenciais; demonstrada pela ingestão inadequada de leite e derivados, leguminosas, frutas, carnes, legumes e cereais.^24,25

Quanto às macrorregiões brasileiras, os adolescentes de escolas da Região Nordeste apresentaram maior risco de consumo inadequado de leite. Apesar da possível influência de fatores culturais que diferem entre as regiões brasileiras, esse achado provavelmente está relacionado ao menor poder aquisitivo e ao menor nível de desenvolvimento socioeconômico dessa região,²⁶ como apontam os resultados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) de 2008-2009, que mostraram que a compra anual per capita de leite (pasteurizado e fresco) no Nordeste é comparável a cerca de 50% no Sudeste.⁶

Nesse âmbito, cabe ressaltar a existência da desigualdade social e econômica entre as raças. De acordo com o IBGE, a população que se identifica como de raça preta ou parda apresenta menor rendimento para prover suas necessidades vitais e está exposta a um maior grau de insegurança alimentar.²⁶ Essa assertiva apoia a associação do risco de inadequação de consumo de leite nos adolescentes de outras raças, quando comparados aos de raça branca. Além disso, apesar de serem necessários mais estudos para avaliar a influência dos aspectos culturais, essa diferença de consumo observada entre as raças pode ser efeito das concepções dessa natureza sobre os hábitos alimentares, que geralmente são variados entre elas.

Adicionalmente, o menor grau de instrução das mães dos adolescentes da PeNSE 2012 esteve associado ao consumo inadequado de leite. Esse achado é semelhante ao encontrado por um estudo com os dados da PeNSE 2009, que evidenciou associação entre a maior escolaridade materna e consumo regular de leite (mínimo de cinco dias semanais).¹⁴

A escolaridade dos pais/responsáveis é um fator determinante no comportamento e no consumo alimentar de seus filhos.^9,27,28 Dados do Estudo de Riscos Cardiovasculares em Adolescentes (ERICA) demonstraram significativa associação entre baixa escolaridade materna e comportamentos alimentares não saudáveis.²⁸ Dessa forma, a menor escolaridade da mãe leva à maior dificuldade de percepção e assimilação sobre a qualidade dos alimentos e potencialmente resulta em inadequações alimentares.²⁷

Embora o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) apresente diretrizes para uma alimentação saudável nas escolas públicas baseadas nas necessidades nutricionais dos alunos, que incluem a oferta de alimentos fonte de cálcio pelo menos dois dias na semana para adolescentes,²⁹ os escolares da PeNSE matriculados nessas escolas apresentaram maior risco de consumir inadequadamente leite, quando comparados aos de escolas privadas. Tal fato sugere que as metas estabelecidas por esse programa podem não estar sendo integralmente atingidas, principalmente em municípios com menos recursos socioeconômicos. De fato, tem sido evidenciado que alunos de escolas públicas apresentam menos frequentemente comportamentos alimentares saudáveis, são mais propensos à deficiência de micronutrientes e consomem menos leite e derivados.^9,28,30 Essa circunstância é possivelmente efeito da maior vulnerabilidade social e do menor acesso aos alimentos por famílias de adolescentes de escolas públicas.

Cabe ressaltar que o uso de dados secundários limitou as análises realizadas no presente estudo, que utilizou apenas as informações disponíveis no banco de dados da PeNSE 2012. No mesmo sentido, a coleta de dados realizada por meio de questionário autoaplicável potencialmente levou a erros de preenchimento e ausência de informações, que poderiam estar associadas ao consumo inadequado de leite (estado nutricional e consumo de outras bebidas açucaradas, além do refrigerante).

Além disso, a avaliação do consumo alimentar baseada na frequência impossibilitou a estimativa da quantidade dos alimentos consumidos pelos adolescentes. Especificamente, as informações disponíveis sobre o leite impossibilitaram estimar seu consumo semanal total e de forma isolada, uma vez que seu consumo também foi estimado quando o leite estava associado a preparações com alimentos ultraprocessados, que potencialmente não devem ser considerados indicadores de alimentação saudável.

Por outro lado, a PeNSE 2012 é um inquérito da população de adolescentes matriculados no nono ano do ensino fundamental no Brasil que utilizou criterioso processo de seleção das escolas participantes e, consequentemente, possibilitou o recrutamento de uma amostra representativa do território nacional. Portanto, a PeNSE se destaca como o único estudo a avaliar o consumo de leite entre adolescentes de forma ampla em todo o Brasil. Além disso, a análise estatística realizada considerou o controle de fatores de confundimento das associações por meio de modelo múltiplo, identificando o efeito independente dos nove fatores associados com o consumo inadequado de leite.

Por fim, o consumo inadequado de leite é prevalente entre os adolescentes brasileiros; e a identificação de fatores associados sugere a necessidade de aperfeiçoamento das estratégias governamentais existentes, como o PNAE e o Programa Saúde na Escola (PSE), com a inclusão de ações de incentivo à educação dos responsáveis, à prática de atividade física e à promoção de hábitos alimentares saudáveis para adolescentes. Dessa forma, ações de vigilância e de orientação para controle e prevenção do consumo insuficiente de leite e, consequentemente, a garantia da oferta de cálcio devem priorizar adolescentes residentes na Região Nordeste, sedentários, não pertencentes à raça branca, matriculados em instituições públicas, cujas mães têm menor grau de escolaridade e que apresentam o hábito de não ingerir o café da manhã e têm baixo consumo de ANM

REFERENCES

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Financiamento

• Este estudo não recebeu financiamento.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  25 Nov 2019
• Data do Fascículo
  2020

Histórico

• Recebido
  19 Jun 2018
• Aceito
  26 Set 2018
• Publicado
  08 Nov 2019