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Disfunção de múltiplos órgãos - precisamos dar atenção à perda muscular!

Ao editor

A disfunção de órgãos é, rotineiramente, quantificada com o uso de escores como Sequential Organ Failure Assessment (SOFA), Multiple Organ Dysfunction Score (MODS) e Logistic Organ Dysfunction Score (LODS).(11 Ziesmann MT, Marshall JC. Multiple organ dysfunction: the defining syndrome of sepsis. Surg Infect (Larchmt). 2018;19(2):184-90.) Uma vez que o número de falência de órgãos se associa à mortalidade na unidade de terapia intensiva (UTI) e no hospital, estes escores são úteis apenas para predizer a mortalidade aguda.(11 Ziesmann MT, Marshall JC. Multiple organ dysfunction: the defining syndrome of sepsis. Surg Infect (Larchmt). 2018;19(2):184-90.) Nossa preocupação é que estas ferramentas focam exclusivamente nos mesmos seis sistemas orgânicos - circulatório, renal, pulmonar, gastrintestinal e hepático, hematológico e sistema nervoso central. Será suficiente?

Como uma disfunção orgânica, a perda muscular percebida como fraqueza adquirida na UTI associa-se de forma independente com morbidade e mortalidade em curto e longo prazo.(22 Hermans G, Van den Berghe G. Clinical review: intensive care unit acquired weakness. Crit Care. 2015;19:274.) Apenas alguns dias de doença crítica leva a quantidades significantes de perda de massa magra, a despeito da manutenção de nutrição ideal, levando a profunda fraqueza (catabolismo), infecções nosocomiais recorrentes (imunossupressão), problemas na cicatrização de feridas e tendência à recidiva de sepse.(33 Mira JC, Gentile LF, Mathias BJ, Efron PA, Brakenridge SC, Mohr AM, et al. Sepsis pathophysiology, chronic critical illness, and persistent inflammation-immunosuppression and catabolism syndrome. Crit Care Med. 2017;45(2):253-62.) Durante a doença aguda, a degradação proteica muscular está permanentemente elevada, e o padrão de sinalização intracelular suporta o aumento da degradação e da diminuição da síntese, o que leva a disfunções macro e microcirculatórias.(22 Hermans G, Van den Berghe G. Clinical review: intensive care unit acquired weakness. Crit Care. 2015;19:274.,33 Mira JC, Gentile LF, Mathias BJ, Efron PA, Brakenridge SC, Mohr AM, et al. Sepsis pathophysiology, chronic critical illness, and persistent inflammation-immunosuppression and catabolism syndrome. Crit Care Med. 2017;45(2):253-62.) Estes processos patológicos que participam da falência dos órgãos vitais em curto prazo imediatamente ameaçam a sobrevivência do paciente, assim como a recuperação em longo prazo, que também se encontra gravemente comprometida pela persistente disfunção da musculatura esquelética e células mononucleares sanguíneas.(33 Mira JC, Gentile LF, Mathias BJ, Efron PA, Brakenridge SC, Mohr AM, et al. Sepsis pathophysiology, chronic critical illness, and persistent inflammation-immunosuppression and catabolism syndrome. Crit Care Med. 2017;45(2):253-62.) Acrescente-se que a fraqueza adquirida na UTI é uma consequência clínica da disfunção mitocondrial do músculo esquelético, que ocorre simultaneamente nos músculos respiratórios e locomotores.(22 Hermans G, Van den Berghe G. Clinical review: intensive care unit acquired weakness. Crit Care. 2015;19:274.)

No seguimento em longo prazo, os sistemas respiratório e neurológico são as únicas disfunções de órgãos associadas com mortalidade após a alta da UTI,(33 Mira JC, Gentile LF, Mathias BJ, Efron PA, Brakenridge SC, Mohr AM, et al. Sepsis pathophysiology, chronic critical illness, and persistent inflammation-immunosuppression and catabolism syndrome. Crit Care Med. 2017;45(2):253-62.) contudo a dependência prolongada de ventilação mecânica não seria um indicador substituto da fraqueza muscular? A fraqueza adquirida na unidade de terapia intensiva piora o prognóstico de pacientes durante a permanência na UTI,(33 Mira JC, Gentile LF, Mathias BJ, Efron PA, Brakenridge SC, Mohr AM, et al. Sepsis pathophysiology, chronic critical illness, and persistent inflammation-immunosuppression and catabolism syndrome. Crit Care Med. 2017;45(2):253-62.) e sua persistência e severidade são excelentes preditores de mortalidade após a alta da UTI.(44 Rydingsward JE, Horkan CM, Mogensen KM, Quraishi SA, Amrein K, Christopher KB. Functional status in ICU survivors and out of hospital outcomes: Mendez-Tellez PA, Shanholtz CB, Ciesla ND, a cohort study. Crit Care Med. 2016;44(5):869-79.) Além disso, a recuperação da força muscular após a alta hospitalar pode não reduzir esse risco.(55 Dinglas VD, Aronson Friedman L, Colantuoni E, Mendez-Tellez PA, Shanholtz CB, Ciesla ND, et al. Muscle weakness and 5-year survival in acute respiratory distress syndrome survivors. Crit Care Med. 2017;45(3):446-53.) Igualmente, a fraqueza muscular com consequente incapacidade funcional podem persistir por até 5 anos após a doença crítica.(55 Dinglas VD, Aronson Friedman L, Colantuoni E, Mendez-Tellez PA, Shanholtz CB, Ciesla ND, et al. Muscle weakness and 5-year survival in acute respiratory distress syndrome survivors. Crit Care Med. 2017;45(3):446-53.)

Em resumo, a real importância do conceito de falência de múltiplos órgãos nas condições de doença crítica é predizer a mortalidade aguda e em longo prazo. A disfunção muscular, isto é, a fraqueza muscular aguda, parece ser um importante preditor da mortalidade em longo prazo e deveria ser incluída nos escores de falência de múltiplos órgãos.

Cassiano Teixeira
Unidade de Terapia Intensiva, Hospital Moinhos de Vento - Porto Alegre (RS), Brasil; Clínica Médica, Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre - Porto Alegre (RS), Brasil.
Felippe Leopoldo Dexheimer Neto
Unidade de Terapia Intensiva, Hospital Ernesto Dornelles - Porto Alegre (RS), Brasil.
Régis Rosa Goulart
Unidade de Terapia Intensiva, Hospital Moinhos de Vento - Porto Alegre (RS), Brasil.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Ziesmann MT, Marshall JC. Multiple organ dysfunction: the defining syndrome of sepsis. Surg Infect (Larchmt). 2018;19(2):184-90.
  • 2
    Hermans G, Van den Berghe G. Clinical review: intensive care unit acquired weakness. Crit Care. 2015;19:274.
  • 3
    Mira JC, Gentile LF, Mathias BJ, Efron PA, Brakenridge SC, Mohr AM, et al. Sepsis pathophysiology, chronic critical illness, and persistent inflammation-immunosuppression and catabolism syndrome. Crit Care Med. 2017;45(2):253-62.
  • 4
    Rydingsward JE, Horkan CM, Mogensen KM, Quraishi SA, Amrein K, Christopher KB. Functional status in ICU survivors and out of hospital outcomes: Mendez-Tellez PA, Shanholtz CB, Ciesla ND, a cohort study. Crit Care Med. 2016;44(5):869-79.
  • 5
    Dinglas VD, Aronson Friedman L, Colantuoni E, Mendez-Tellez PA, Shanholtz CB, Ciesla ND, et al. Muscle weakness and 5-year survival in acute respiratory distress syndrome survivors. Crit Care Med. 2017;45(3):446-53.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Maio 2019
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2019

Histórico

  • Recebido
    10 Dez 2018
  • Aceito
    02 Jan 2019
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