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Violência contra mulheres amazônicas

Resumos

Este é um estudo exploratório de natureza qualitativa, com o objetivo de analisar a violência contra mulheres amazônicas, apresentada na mídia impressa, segundo o tipo e sua gravidade, e citação de enquadramento do agressor na Lei Maria da Penha. Foram consultados 181 exemplares de um jornal regional. A partir da análise de conteúdo, foram selecionadas 164 notas sobre violências contra mulheres e incluídas, como corpus de análise, 46 delas. Os resultados foram reunidos em três grupos temáticos: mulheres assassinadas com crueldade, violência sexual contra mulheres não tem idade e violência contra mulheres e o limite da Lei Maria da Penha. A violência contra essas mulheres apresentou variação quanto à forma e à gravidade, ocorrendo inclusive homicídio. As mulheres são submetidas à violência sexual desde a infância até a idade adulta. O enquadramento legal do agressor demonstra à comunidade um meio para enfrentamento desse fenômeno social.

violência; mulheres; meios de comunicação


This quantitative and exploratory study analyzed violence against Amazon women presented in print media according to type and severity, and whether aggressors fell under the Maria da Penha law. A total of 181 issues of a regional newspaper were consulted. Based on content analysis, 164 items addressing violence against women were selected and 46 were included in the corpus of analysis. Results were gathered in three thematic groups: women killed with cruelty, sexual violence against women regardless of age, and violence against women and the limitations of the Maria da Penha law. Violence against these women varied in terms of form and severity, including up to homicide. Women are submitted to sexual violence from childhood through adulthood. The enforcement of this law shows the community it has a means to cope with this social phenomenon.

violence; women; communications media


Este es un estudio exploratorio de naturaleza cualitativa, que se realizó con el objetivo de analizar la violencia contra mujeres amazónicas, presentada en los periódicos, según el tipo y su gravedad, y citación de encuadramiento del agresor en la Ley Maria de la Penha. Fueron consultados 181 ejemplares de un periódico regional. A partir del análisis de contenido, fueron seleccionadas 164 notas sobre violencias contra mujeres, de ellas 46 fueron incluidas como corpus de análisis. Los resultados fueron reunidos en tres grupos temáticos: mujeres asesinadas con crueldad, la violencia sexual contra mujeres no tiene edad y la violencia contra mujeres y el límite de la Ley Maria de la Penha. La violencia contra esas mujeres presentó variación en cuanto a la forma y a la gravedad, ocurriendo inclusive homicidios. Las mujeres son sometidas a violencia sexual desde la infancia hasta la edad adulta. El encuadramiento legal del agresor demuestra a la comunidad un medio para enfrentamiento de ese fenómeno social.

violencia; mujeres; medios de comunicación


pt_07

ARTIGO ORIGINAL

Violência contra mulheres amazônicas

Vera Lúcia de Azevedo LimaI; Maria de Lourdes de SouzaII; Marisa MonticelliIII; Marília de Fátima Vieira de OliveiraIV; Carlos Benedito Marinho de SouzaV; Carlos Alberto Leal da CostaVI; Odaléa Maria BrüggemannVII

IUniversidade Federal de Santa Catarina, Brasil: Enfermeira, Doutoranda em Enfermagem, Doutorado Interinstitucional - DINTER/UFPA/UFSC/CAPES, e-mail: veraluci@ufpa.br

IIUniversidade Federal de Santa Catarina, Brasil: Enfermeira, Doutor em Saúde Pública, Docente, e-mail: lourdesr@repensul.ufsc.br

IIIUniversidade Federal de Santa Catarina, Brasil: Enfermeira, Doutor em Enfermagem, Docente, e-mail: marisa@nfr.ufsc.br

IVUniversidade Federal de Santa Catarina, Brasil: Enfermeira, Doutoranda, Doutorado Interinstitucional - DINTER/UFPA/UFSC/CAPES, e-mail: mariliafvo@hotmail.com

VUniversidade Federal de Santa Catarina, Brasil: Enfermeiro, Mestre em Enfermagem, e-mail: cbmarinho@oi.com.br

VIUniversidade Federal de Santa Catarina, Brasil: Bacharel em Biblioteconomia, membro da Rede de Promoção do Desenvolvimento da Enfermagem - REPENSUL, e-mail: carlos@repensul.ufsc.br

VIIUniversidade Federal de Santa Catarina, Brasil: Enfermeira, Doutor em Tocoginecologia, Docente, e-mail: odalea@nfr.ufsc.br

RESUMO

Este é um estudo exploratório de natureza qualitativa, com o objetivo de analisar a violência contra mulheres amazônicas, apresentada na mídia impressa, segundo o tipo e sua gravidade, e citação de enquadramento do agressor na Lei Maria da Penha. Foram consultados 181 exemplares de um jornal regional. A partir da análise de conteúdo, foram selecionadas 164 notas sobre violências contra mulheres e incluídas, como corpus de análise, 46 delas. Os resultados foram reunidos em três grupos temáticos: mulheres assassinadas com crueldade, violência sexual contra mulheres não tem idade e violência contra mulheres e o limite da Lei Maria da Penha. A violência contra essas mulheres apresentou variação quanto à forma e à gravidade, ocorrendo inclusive homicídio. As mulheres são submetidas à violência sexual desde a infância até a idade adulta. O enquadramento legal do agressor demonstra à comunidade um meio para enfrentamento desse fenômeno social.

Descritores: violência; mulheres; meios de comunicação

INTRODUÇÃO

A violência contra a mulher suscita, na maior parte das pessoas, clara rejeição. Isso decorre, em grande parte, do trabalho realizado pelas organizações de mulheres que, desde o final dos anos 70, denunciam a violência de gênero como grave violação dos direitos humanos. Atualmente, a mídia escrita tem veiculado o assunto, principalmente, nas páginas policiais, embora o apresente também como questão de saúde, de direitos e de políticas públicas.

A violência contra as mulheres, apresentada na mídia em geral, ressalta a desigualdade social e de gênero, faz denúncias sobre crimes, desvela "personagens" da sociedade, além de ressaltar a magnitude do problema, ao traduzir as ocorrências policiais e as controvérsias sociais que incidem nas comunidades. Nesse contexto, a violência de gênero é um problema que, por sua magnitude, deve ser considerado como epidemia, um problema de saúde pública e de segurança pública, portanto, tema de interesse público.

A violência é de interesse público porque tem aumentado a frequência com que ocorre e, de modo geral, afeta a vida das pessoas, principalmente daquelas que vivem nos grandes centros urbanos. São diferentes os tipos de violência contra a mulher no contexto doméstico e social: física, psicológica, sexual, sendo que todos esses tipos de violência vêm crescendo de maneira desordenada no mundo inteiro.

Investimentos foram realizados pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), em um projeto para analisar a importância da violência e sua veiculação pela mídia no contexto internacional, assim como a influência de diversas experiências de agressividade na vida real e os diversos meios de comunicação disponíveis para as crianças(1).

A violência abrange tanto o âmbito individual quanto o coletivo: a "física", que engloba homicídios, agressões, violações, roubos à mão armada; a "econômica", que consiste na apropriação indevida de propriedade e de seus bens e, ainda, a "moral e simbólica", que trata da dominação cultural, ofendendo a dignidade e desrespeitando o direito dos outros(2).

O Brasil tem, na sua história, as marcas da violência, e muitas mulheres tiveram suas vidas associadas a esse fenômeno. Decorrente de muitas denúncias houve a conquista da Lei Maria da Penha, que se constitui como um dos instrumentos de proteção social à mulher e que visa reduzir a ocorrência do fenômeno e punir os agressores. Essa Lei, com o número 11.340, entrou em vigor a partir de 22 de outubro de 2006. No artigo 44, determina pena de detenção para o agressor, de três meses a três anos(3).

A existência dessa Lei, contribuirá para modificar a notificação da violência, no município de Belém, que de janeiro de 2004 a setembro de 2006, aproximadamente 23.746 mulheres vítimas de violência, buscaram ajuda na Delegacia da Mulher(4).

A partir da década de 1980, o tema tem conquistado espaço crescente na mídia. A violência é apresentada como relacionada à disputa pelo poder e como fenômeno que emerge com a possibilidade de negociação, de redefinição do entendimento da realidade e da construção de novos conceitos(5).

A mídia, de modo genérico, representa os meios de comunicação, e se constitui em veículos para a divulgação de assuntos de interesse da sociedade. Os meios de comunicação de massa são fundamentais como formadores de opiniões, em termos de orientações culturais, diferentes visões sobre as crenças no mundo, disseminação global de valores e imagens. Mediante essa importância, este estudo foi desenvolvido norteado pela seguinte pergunta: a violência contra as mulheres amazônicas e o seu desfecho são apresentados pela mídia escrita? Mediante essa pergunta, foi definido como objetivo do estudo analisar a violência contra as mulheres amazônicas, apresentada na mídia paroara (paraense)(6), identificando-se o tipo de violência e sua gravidade, e o enquadramento do agressor na Lei Maria da Penha(3).

METODOLOGIA

O estudo é do tipo exploratório, de natureza qualitativa. Foram consultados 181 exemplares de um jornal regional, publicado de janeiro a junho de 2007, sendo selecionadas 164 notas, nos cadernos de atualidades e policial, sobre a violência contra mulheres amazônicas, ocorrida nesse período. Dessas, foram incluídas, como corpus de análise, 46 delas, uma vez que atendiam os critérios de inclusão: narrar violência contra mulheres amazônicas, ou seja, aquelas residentes nos Estados do Acre, Rondônia, Amapá, Roraima, Amazonas e Pará, independente do local de nascimento e faixa etária. Foram excluídas 118 notas por abordarem a violência fora da Região Amazônica do Brasil e em outros países, violência à saúde, assaltos e acidentes por causas externas.

A exploração das notas de jornal foi realizada com a técnica de análise de conteúdo, sendo que essa representa "um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) dessas mensagens"(7).

A análise de conteúdo foi aplicada observando a pré-análise, feita por intermédio da leitura dos exemplares diários do jornal, a fim de identificar as notas sobre a violência contra as mulheres amazônicas para, então, proceder à organização e à leitura dessas notas. Em seguida, foi aplicada a regra da exaustividade, que consistiu na leitura das notas publicadas nesse jornal, buscando compreendê-las como um todo, não priorizando ou descartando qualquer dado. Também foi perscrutada a homogeneidade, para identificar a pertinência e a aderência das notas do jornal, no que se refere à ocorrência da violência contra as mulheres, conforme pré-estabelecido no objetivo do estudo.

Dessa maneira, foi possível observar as repetições das palavras e frases que surgiram e, então, agrupá-las em categorias temáticas emergentes dos relatos apresentados nas notas publicadas no jornal. A partir desse momento, os fatos narrados pela mídia escrita foram reunidos em três grupos temáticos: a) mulheres assassinadas com crueldade; b) violência sexual contra mulheres não tem idade e c) violência contra mulheres e o limite da Lei Maria da Penha, que serão apresentados nos resultados deste estudo.

RESULTADOS

Das 46 notas analisadas, 20 (43,4%) foram inseridas na categoria mulheres assassinadas com crueldade, sendo que os conteúdos apresentavam diversas formas de violência, seja com o uso da arma de fogo, de faca, ou espancamento corporal.

[...] MNP, 33 anos, foi assassinada com três tiros na madrugada [...]. No corpo de MNP havia três perfurações à bala, na cabeça, no tórax e no abdômen, conforme descreveu o delegado. Ananindeua,PA (nota publicada em 4 de janeiro de 2007, p.3, Caderno Policial).

[...]dona de casa, CLGG, 39 anos. Ela foi liquidada com um tiro, possivelmente de pistola, que atravessou seu tórax [...] (nota publicada em 15 de janeiro de 2007, p.4, Caderno Policial).

[...] Baleada, ela ainda teve forças para andar alguns metros, onde seu esposo estava bebendo com alguns amigos, se abraçou com ele e disse "R., me mataram", e em seguida desfaleceu [...]. Apeú-Castanhal, PA (nota publicada em 15 de janeiro de 2007, p.4, Caderno Policial).

Uma mulher grávida de quase quatro meses apareceu morta, seminua, com marcas de espancamento no nariz e suspeita de estar com pescoço quebrado às margens da Baía do Guajará [...]. Belém, PA (nota publicada em 19 de janeiro de 2007, p.4, Caderno Policial).

Uma mulher foi assassinada com um golpe profundo no pescoço e quase tem a cabeça decepada do corpo [...]. Ananindeua, PA (nota publicada em 7 de fevereiro de 2007, p.3, Caderno Policial).

[...] A mulher teve as pernas separadas do corpo e tinha um pedaço de madeira dentro da genitália. Dom Eliseu, PA (matéria publicada em 4 de maio de 2007, p.11, Caderno Atualidade).

[...] A agricultora ASE, 26 anos, que estava grávida de quatro meses. Na última terça-feira, 15, depois de descobrir que AS estava tendo um caso amoroso com um integrante do grupo, o quarto acusado, identificado apenas como "Chico", pegou a espingarda e efetuou um disparo contra a vítima, que teve morte instantânea. Em seguida, os quatro pegaram uma faca, que era usada na cozinha do barraco onde os homens estavam abrigados, abriram o abdômem de A e retiraram o feto e as vísceras da vitima. Depois os acusados amarraram o corpo da agricultora e jogaram-no no Rio Capim, fazendo o mesmo com o feto e as vísceras logo em seguida [...]. Ipixuna, PA (nota publicada em 2 de maio de 2007, p.6, Caderno Policial).

[...] EPS, 36 anos, assassinada na noite de terça-feira com sete facadas enquanto dormia em uma rede [...]. Altamira, PA (nota publicada em 30 de março de 2007, p.2, Caderno Policial).

Foram encontradas 16 (34,8%) notas de jornal revelando que a violência sexual contra a mulher não tem idade, visto que se referiam a ocorrências em diferentes ocasiões da vida.

PASN, de 24 anos, é acusado de sequestrar e abusar sexualmente de uma mulher [...]. O acusado teria obrigado a jovem a entrar em um carro preto levando-a para uma área deserta, onde haveria praticado atos libidinosos com ela [...]. Belém, PA (nota publicada em 2 de janeiro de 2007, p.3, Caderno Policial).

Menina de três anos sofreu abuso sexual no final da noite de sábado, antevéspera de Ano Novo, após a mãe deixá-la em casa sozinha [...]. O principal suspeito é o vigilante JRP. R, o "Rambo", de 37 anos. [...] Assim que retornou à residência, 15 minutos depois de se ausentar, ela encontrou a porta da casa escancarada e avistou a filha sangrando nas partes íntimas e em estado pavoroso. A menina contou o ocorrido, relatando que também foi vítima de atos libidinosos diversos de conjunção carnal, acusando JR como autor da barbárie [...] Belém, PA (nota publicada em 2 de janeiro de 2007, p.3, Caderno Policial).

Vítima de 13 anos diz que era submetida à violência do parente desde os 11 anos. [...] COPS, de 55 anos, o suspeito de molestar a adolescente desde quando tinha 11 anos. [...] quando a menina completou 11 anos de idade, CO teria passado a atacá-la, praticando atos libidinosos com a sobrinha. Ao completar 12 anos, o acusado teria conseguido estuprá-la, segundo a denúncia. Foram expedidas várias intimações e caso C não compareça à seccional, a delegada vai solicitar sua prisão preventiva. Ananindeua, PA (nota publicada em 16 de fevereiro de 2007, p.5, Caderno Policial).

[...]AHAS, o "Boi", 19 anos, está preso acusado de estuprar uma adolescente de 14 anos no final da tarde de sábado, em Icoaraci. [...] a vítima foi arrastada até um Box comercial [...]. O estuprador ameaçava cortar a garganta da vítima com uma faca. "Boi" violentou a jovem e depois a esmurrou violentamente no rosto. Depois da violência sexual ele fez ameaças à adolescente, dizendo que quebraria sua cabeça com um tijolo. "Boi" foi autuado em flagrante por atentado ao pudor e está preso na Seccional de Icoaraci. Belém, PA (nota publicada em 19 de fevereiro de 2007, p.5, Caderno Policial).

[...] Uma jovem foi espancada e estuprada por dois homens desconhecidos, quando se divertia em um bar nas margens do canal Água Cristal, no Bengui. [...]. Ananindeua, PA (nota publicada em 19 de fevereiro de 2007, p.5, Caderno Policial).

Uma adolescente de 17 anos foi brutalmente estuprada e espancada na madrugada de ontem em um terreno abandonada [...]. Ulianópolis, PA (nota publicada em 29 de março de 2007, p.1, Caderno Policial).

Foi encontrado em 10 (21,8%) notas de jornal o registro de que a Lei Maria da Penha foi aplicada quando da ocorrência da violência contra a mulher.

Uma mulher grávida de trigêmeos acusa seu namorado de agressão, PS. S, de 29 anos, acionou a polícia que seu namorado teria dado um soco em sua barriga e outro em seu braço, em via pública. [...] "Espero que fique preso, porque agora a lei é mais severa", disse a vítima. Belém, PA (nota publicada em 11 de janeiro de 2007, p.3, Caderno Policial).

[...] O marítimo JMQ, de 60 anos que vinha há algum tempo usando um fio elétrico para espancar sua companheira SS., de 25 anos, está recolhido no Centro de Detenção Provisória do Coqueiro. Ele foi preso em flagrante com o "chicote" no bolso e enquadrado na Lei 11.304, de 2006, a chamada "Lei Maria da Penha".[...] Ele chegou a espancá-la com o "chicote" várias vezes. A última surra aconteceu dia três passado, quando o marítimo aplicou várias chicotadas nela e ainda a espancou com chutes e socos [...]. Ananindeua, PA (nota publicada em 9 de fevereiro de 2007, p.2, Caderno Policial).

[...] MNSS,, de 41 ano,s relatou à polícia que ACS a atingiu com um pedaço de ripa [...]. Detido, o pintor confirmou que agrediu a mulher. "Nós brigamos e eu acertei algumas 'ripadas nela'", disse. Marituba, PA (nota publicada em 22 de fevereiro de 2007, p.3, Caderno Policial).

DISCUSSÃO

A violência contra a mulher é reconhecida como problema de saúde pública e violação dos direitos humanos, no mundo inteiro. Essa, por sua vez, representa risco para a saúde da mulher, haja vista as consequências que carreia para o seu desenvolvimento e também para a sua efetiva participação social.

As notas de jornal revelam que as mulheres amazônicas são vítimas de violência com crueldade nas mais diversas situações. A mídia descreve o evento de maneira explícita, de modo compreensível para toda a população, e isso pode se constituir em formação de opinião da sociedade, contribuindo para sua educação. E, de certo modo, reflete que a leitura do mundo é mais importante do que a leitura da palavra, ou seja, é preciso que os fatos sociais sejam transformados em informações com linguagem acessível à população e cheguem aos mais diferentes recantos(8). Os conteúdos das notas apontam que a mulher, em muitas situações, não teve chance de defesa, ficando nas mãos de seus agressores, que buscaram as partes do corpo mais vitais, ou seja, cabeça, tórax e abdômen. Essas agressões são referidas nas notas de jornal como violências que, dependendo da intensidade, acabam por resultar em homicídio. É fundamental, portanto, difundir os problemas e os direitos sociais, sendo que a mídia escrita se constitui em veículo para a formação de opinião.

A violência física é classificada em moderada e severa(9). Nas notas do jornal foi observado que as vítimas foram submetidas a violências severas e com uso de vários meios, o que revela a agressividade a que as mulheres estão expostas. A violência se agrava em todo o mundo como um fenômeno complexo. Há que se considerar ainda que os agressores também são vítimas, pois a violência pode retratar sofrimento mental, uso indevido de drogas lícitas e ilícitas, e outros fenômenos sociais.

A violência sexual contra as mulheres ocorreu em diferentes idades. Nas notas é descrito esse tipo de violência perpetrado pelo agressor em mulheres adultas, adolescentes e em crianças em diferentes idades.

A violência sexual contra a mulher é a forma de violência mais comum praticada por parceiro íntimo. A mesma é entendida como ação ou conduta em que ocorre o controle e a subordinação da sexualidade da mulher e também como forma de o homem demonstrar o seu poder e a sua força física. Essa é também desencadeadora de várias situações sociais de conflito a que as mulheres estão submetidas, quando é exercida por membros da família, namorado ou conhecidos. As mulheres, em geral, estão emocionalmente envolvidas com quem as vitimiza e, em grande parte, dependem economicamente do algoz, exceto nos casos de estupro em via pública. Essa violência ocorre em todos os países do mundo, independentemente de grupo social, econômico, religioso ou cultural(10-11).

Tal tipo de violência ocorre em ampla variedade de situações tais como estupro, sexo forçado no casamento, abuso sexual infantil, abuso incestuoso e assédio sexual. Assim, a violência sexual, da qual as mulheres são as maiores vítimas, inclui, entre outros: o estupro, atos obscenos, carícias não consentidas, sexo forçado na relação conjugal e o impedimento pelo parceiro do uso de métodos contraceptivos, ferindo os direitos reprodutivos da mulher(12). Considerados crimes hediondos, consumados ou não, o estupro e o atentado violento ao pudor caracterizam-se por contato sexual não consentido(13).

É necessário ainda destacar que o profissional de saúde necessita estar informado sobre os fenômenos emergentes na sociedade, o modo como incidem, as sequelas associadas que, em geral, resultam em atendimento nos serviços de saúde. A violência contra as crianças gera sofrimentos mentais que poderão acompanhar a mulher por todos os anos de sua vida e se constitui em crime hediondo à sociedade.

A violência também foi exercida contra a mulher durante o período gestacional e carreou consequências graves, como hemorragias e interrupção da gravidez. Na literatura consultada há citação de que a violência física contra mulheres grávidas aumenta o risco de prematuridade, sofrimento fetal ou morte, e de nascimento com baixo peso(14-15). A violência contra a mulher grávida se constitui em violência grave, pois incide sobre a mulher, o concepto e a sociedade.

As notas de jornal citam a aplicação da Lei Maria da Penha nos casos apresentados. A existência da Lei e sua aplicação se constituem em instrumento para redução da violência contra as mulheres. Essa Lei constitui, também, em instrumento jurídico para que a sociedade compreenda que violência contra as mulheres representa um delito, haja vista que fere os direitos humanos. A violência contra mulheres, patologia social que envolve homens e mulheres, no Brasil, é objeto de várias diretrizes políticas para a sua redução, e essa Lei retrata que os direitos devem ser protegidos, pela força da Lei.

A violência contra a mulher, como fenômeno social, vem sendo estudada, e os resultados se encontram publicados em revistas científicas de reconhecida qualificação, como é o caso deste periódico de enfermagem, como associada ao uso de drogas e resultando em problemas no contexto da família e do trabalho(16). O uso de drogas, lícitas e ilícitas, por jovens universitários, também é apresentado como desencadeador de violência(17). Além disso, o papel materno no contexto de mulheres com filhos pequenos que fazem ou fizeram tratamento para o problema da dependência de álcool ou drogas também é destacado(18). A violência sexual contra as mulheres é, também, analisada em relação ao risco para o HIV e adoção de quimioprofilaxia(19). Por outro lado, há análise acerca da autoestima de mulheres que foram violentadas sexualmente e o suporte representado pelos profissionais da área da saúde para a superação dos danos resultantes dessas vivências(20). Tais publicações representam argumentos científicos que reafirmam a violência contra a mulher como fenômeno social.

CONCLUSÃO

O tema violência é pauta de discussão em vários países do mundo. A principal causa dessas discussões é o aumento de casos e da gravidade. Portanto, os profissionais de saúde necessitam estar informados sobre os fenômenos emergentes na sociedade e o modo como incidem, visto que se trata de problema de saúde pública e muitas das vezes resultam em atendimento nos serviços de saúde.

A violência, na realidade amazônica, registrada no jornal, apresentou tipo e gravidade variada. Em pleno século XXI, a mulher é submetida a socos e pontapés, a surras com fio elétrico e com ripa de madeira, a escalpe e, também, à violência sexual.

A violência de todos os tipos e gravidade incide em mulheres de diferentes faixas etárias. O desfecho da violência também está associado ao homicídio e esse é realizado com armas de fogo, arma branca e outros meios. Os meios e a forma dos homicídios contra as mulheres denotam crimes bárbaros como o esquartejamento, cortes profundos na região do pescoço, abertura de abdômen com exposição de vísceras e retirada de feto, além da introdução de madeira em órgãos genitais.

A violência sexual ocorre contra mulheres de diferentes faixas etárias e culmina, inclusive, em homicídio. Foi observado que a violência sexual está associada à violência física e, também, a outras ameaças.

As notas de jornal revelam que há enquadramento do agressor na Lei Maria da Penha, e que também esse recurso foi buscado pela própria mulher, quando a mesma sobreviveu à violência.

Os resultados deste estudo revelam que a violência é uma realidade social retratada pela mídia paroara com linguagem acessível à população em geral, particularmente às pessoas que sabem ler e têm acesso a jornal.

A mídia, ao destacar os temas de relevância social, além de influenciar comportamentos da sociedade, colabora diretamente para a construção de políticas públicas. Portanto, muito mais que fomentadora do comportamento violento de um cidadão, a mídia deve ser entendida como instrumento de controle social que contribui (ou não) para que o Estado assuma seu papel frente a tais questões. No caso brasileiro, é fundamental, ainda, divulgar a Lei Maria da Penha, que assegura direitos à mulher, como proteção do Estado e sanções ao agressor.

Destacam-se como contribuições, do presente estudo, para o conhecimento já publicado, a adoção de fonte de dados que seja de uso corrente de grande parte da população (jornal), assim como a transformação de dados de domínio público como informações que retratam determinado contexto brasileiro (Amazônia). A leitura de um jornal, como componente da metodologia de um estudo, também se constituiu num diferencial. O resultado dessa leitura se constitui em argumentos para que os enfermeiros e outros profissionais de saúde compreendam como a violência contra as mulheres é vista pela sociedade. Essa aproximação com a realidade cotidiana fornece subsídios para poder estimular as mulheres, durante o cuidado de enfermagem, a conhecer os problemas e encontrar estratégias para superá-los.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jan 2010
  • Data do Fascículo
    Dez 2009

Histórico

  • Aceito
    03 Ago 2009
  • Recebido
    03 Abr 2009
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