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Educação permanente na estratégia saúde da família: repensando os grupos educativos 1 1 Apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), processo nº 312389/2009 e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), processos nº 2008/00921-0 e 2011/14440-7.

Resumos

OBJETIVO:

analisar a vivência de equipe de saúde da família em ressignificar o modo como desenvolvem grupos educativos.

MÉTODO:

grupos de discussão, sendo realizados vinte e seis encontros grupais quinzenais, com média de quinze profissionais de equipe de saúde da família durante o ano 2009. O material empírico constituiu-se da transcrição dos grupos, sendo realizada análise temática.

RESULTADOS:

dois temas foram desenvolvidos e explorados com base em discussões coletivas com a equipe: "a vivência e a coordenação de grupos" e "o processo de trabalho e os grupos educativos em um serviço-escola".

CONCLUSÕES:

a educação permanente em saúde, desenvolvida com a equipe, permitiu não somente aprendizagens sobre os grupos educativos formados com a população, como também contribuiu para a análise da equipe a respeito de suas próprias relações e de seu processo de trabalho, que é atravessado por instituições. Esse estudo contribui para o avanço do conhecimento científico quanto ao processo de educação permanente em saúde, assim como contribui para a realização de grupos educativos com a população. Destaca-se também o dispositivo de pesquisa utilizado, que propiciou reflexividade e análise por parte da equipe sobre o processo grupal vivenciado nos encontros, levando-os a se apropriar de conhecimentos, de forma significativa e transformadora.

Atenção Primária à Saúde; Programa Saúde da Família; Enfermagem em Saúde Comunitária; Educação Continuada; Educação em Saúde


OBJECTIVE:

to analyze the experience of the family health team in resignifying the way to develop educational groups.

METHOD:

groups of discussion, with twenty-six biweekly group meetings conducted, with an average of fifteen professionals from the family health team, during the year 2009. The empirical material consisted of the transcription of the groups, on which thematic analysis was performed.

RESULTS:

two themes were developed and explored from the collective discussions with the team: "The experience and coordination of the groups" and "The work process and educational groups in a service-school".

CONCLUSIONS:

continuing Education in Health developed with the team, not only permitted learning about the educational groups that comprised the population, but also contributed to the team's analysis of its own relationships and its work process that is traversed by institutions. This study contributed to the advancement of scientific knowledge about the process of continuing health education as well as educational groups with the population. Also noteworthy is the research design used, providing reflexivity and critical analysis on the part of the team about the group process experienced in the meetings, appropriating knowledge in a meaningful and transformative manner.

Primary Health Care; Family Health Program; Community Health Nursing; Education, Continuing; Health Education


OBJETIVO:

Analizar la experiencia del equipo de salud de la familia en la resignificación de la forma de desarrollar los grupos educativos.

MÉTODO:

Los grupos de discusión, con veintiseis reuniones de grupos quincenales realizados, con un promedio de quince profesionales del equipo de salud de la familia durante el año 2009. El material empírico consistió en la transcripción de los grupos, en los que se realizó el análisis temático.

RESULTADOS:

dos temas se desarrollaron y exploraron en las discusiones colectivas con el equipo: "La experiencia y la coordinación de los grupos" y "El proceso de trabajo y grupos de educación en una escuela de servicio".

CONCLUSIONES:

Se desarrolló la Educación Permanente en Salud con el equipo, que permitió no sólo conocer los grupos educativos que constituyen la población, sino que también ha contribuido al análisis del equipo de sus propias relaciones y su proceso de trabajo que está permeado por las instituciones. Este estudio contribuye al avance de los conocimientos científicos sobre el proceso de la educación permanente en salud, así como grupos educativos con la población. También cabe destacar el diseño de investigación utilizado, que proporcionó reflexión y análisis por parte del equipo acerca del proceso del grupo experimentado en las reuniones, apropiandose del conocimiento de una manera significativa y transformadora.

Atención Primaria de Salud; Programa de Salud Familiar; Enfermería en Salud Comunitaria; Educación Continuada; Educación en Salud


Introdução

A Atenção Primária à Saúde no Brasil, desde 1994, vem sendo reorientada por meio da Estratégia Saúde da Família, que tem por desafio o desenvolvimento de ações de cuidados integrais individuais e coletivos voltados para as famílias adscritas, respondendo aos preceitos e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS)( 11. Ministério da Saúde (BR). Política Nacional de Atenção Básica. Portaria MS/GM Nº 2.488, de 21 de outubro de 2011. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica para o Programa de Saúde da Família (PSF) e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) . Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2011. ).

Um dos recursos para prover tais cuidados integrais pode ser pelo desenvolvimento de grupos educativos, principalmente se esses se constituírem em espaços de interação e discussão coletiva entre equipe e comunidade. Nesse sentido, autores( 22. Carneiro ACLL, Souza V, Godinho LK, Faria ICM, Silva KL, Gazzinelli MF. Health promotion education in the context of primary care. Rev Panam Salud Publica. 2012;31(2): 115-20.

3. Badertscher N, Rossi P, Rieder A, Herter-Clavel C, Rosemann T, Zoller M. Attitudes, barriers and facilitators for health promotion in the elderly in primary care. Swiss Med Wkly. 2012;1(11):142-7.

4. Alves GG, Aerts D. As práticas educativas em saúde e a estratégia saúde da família. Ciênc Saúde Coletiva. 2011;16(1):319-25.

5. Machado MFAS, Vieira NFC. Health education: the family health teams' perspective and clients' participation. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2009;17(2):174-9.

6. Albuquerque PC, Stotz EN. A educação popular na atenção básica à saúde no município: em busca da integralidade. Interface. 2004;8(15):259-74.
- 77. Fortuna CM, Matumoto S, Pereira MJB, Mishima SM, Kawata LS, Camargo-Borges, C. Nurses and the collective care pratices within the family health strategy. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2011;19(3):581-8. ) apontam que, tradicionalmente, nos grupos educativos, há predominância de passagem de informação, centradas em patologias, com o predomínio de concepções pedagógicas tradicionais e transmitidas de forma verticalizada, fragilizando a integração e discussão coletiva. Em geral, são também desenvolvidos com poucas condições materiais e apoio da gestão( 66. Albuquerque PC, Stotz EN. A educação popular na atenção básica à saúde no município: em busca da integralidade. Interface. 2004;8(15):259-74. ).

Assim, para ir ao encontro da atenção integral à saúde que a Estratégia Saúde da Família deseja operar, tais ações requerem revisão da perspectiva tradicional com as quais vêm sendo efetivadas( 33. Badertscher N, Rossi P, Rieder A, Herter-Clavel C, Rosemann T, Zoller M. Attitudes, barriers and facilitators for health promotion in the elderly in primary care. Swiss Med Wkly. 2012;1(11):142-7. , 66. Albuquerque PC, Stotz EN. A educação popular na atenção básica à saúde no município: em busca da integralidade. Interface. 2004;8(15):259-74. ). A Educação Permanente em Saúde (EPS) tem sido apontada como perspectiva de aprendizagem no trabalho.

É uma política de educação estratégica para as equipes de saúde( 88. Merhy EE, Feuerwerker LCM, Ceccin RB. Educación Permanente em Salud: uma estratégia para intervenir em la micropolitica del trabajo em salud. Salud Colectiva. 2006;2(2):147-60.

9. Ceccim RB. Educação Permanente em Saúde: desafio ambicioso e necessário. Interface. 2005;9(16):161-8.
- 1010. Benito GAV, Franz MS. Educación Permanente em la Salud. Reflexiones em la perspectiva de la Integralidad. Rev Cubana Enfermeria. 2010;26(4):667-9. ), de forma que essas possam desenvolver o processo de trabalho, incluindo os diferentes saberes e sujeitos que transitam nos serviços de saúde.

Não se encontraram, no entanto, estudos que abordam o processo vivenciado pelas equipes de saúde da família durante a EPS, especialmente no que se refere ao repensar acerca do trabalho com os grupos educativos.

Apenas um estudo( 1111. Santos AO, Castro EO. Demanda por grupos, psicologia e controle. Psicol Soc. 2011;23(2):325-31. ) se aproxima do referencial teórico aqui utilizado e problematiza a demanda de profissionais de unidade básica de saúde para sua qualificação no trabalho com grupos, mas não trata da EPS e de equipe de saúde da família. O texto indica a necessidade de se pensar coletivamente os sentidos dos grupos e a demanda por qualificação das equipes, pois a mesma pode estar apenas a serviço do controle sanitário da população.

A escassez de estudos com o referencial teórico adotado e sobre o tema justifica a presente investigação, destacando-se que na presente revista apenas um artigo( 1212. Fortuna CM, Franceschini TRC, Mishima SM, Matumoto S, Pereira MJB. Movements of permanent health education triggered by the training of facilitators. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2011;19(2):411-20. ) foi publicado nos dois últimos anos, abordando o curso de facilitadores de educação permanente em saúde.

A EPS prevê o trabalho como cenário de análise e aprendizagem significativa( 88. Merhy EE, Feuerwerker LCM, Ceccin RB. Educación Permanente em Salud: uma estratégia para intervenir em la micropolitica del trabajo em salud. Salud Colectiva. 2006;2(2):147-60. - 99. Ceccim RB. Educação Permanente em Saúde: desafio ambicioso e necessário. Interface. 2005;9(16):161-8. ). Possui como aporte teórico-metodológico o processo de trabalho em saúde, a micropolítica do trabalho, a problematização e a educação popular em saúde( 99. Ceccim RB. Educação Permanente em Saúde: desafio ambicioso e necessário. Interface. 2005;9(16):161-8. ).

Essa pesquisa se inova à medida que toma como aporte teórico e interventivo a EPS( 99. Ceccim RB. Educação Permanente em Saúde: desafio ambicioso e necessário. Interface. 2005;9(16):161-8. ) e alguns conceitos do movimento institucionalista como as instituições( 1313. Baremblitt G. Compêndio de análise institucional e outras correntes: teoria e prática. 3ª ed. Rio de Janeiro (RJ): Editora Rosa dos Tempos; 1996. 235 p. ), a micropolítica( 88. Merhy EE, Feuerwerker LCM, Ceccin RB. Educación Permanente em Salud: uma estratégia para intervenir em la micropolitica del trabajo em salud. Salud Colectiva. 2006;2(2):147-60. ) e os grupos operativos da escola argentina( 1414. Pichon-Rivière E. O processo grupal. 3a ed. São Paulo (SP): Martins Fontes; 1982. 181 p. ).

Sob essa perspectiva, a prática de grupos é permeada por processos grupais qualificados como movimentos de resistências, de cooperação, de disputa( 1515. Zimerman DE, Wainberg AK, Barros CASM, Baptista F Neto, Mazieres G, Viçosa GR, et al. Como trabalhamos com grupos. Porto Alegre (RS): Artes Médicas; 1997. 424 p. ). Portanto, mesmo nos grupos tipicamente conteudistas realizados pelas equipes de saúde da família, tais processos se fazem presentes.

A EPS também ocorre em grupos e neles confrontam-se saberes, posições, poderes, afetos que podem disparar subjetivações e mudanças no processo de trabalho, desnaturalizando, interrogando, estranhando e também confirmando as vivências que perpetuam as instituições e podem produzir movimentos para modificá-las( 88. Merhy EE, Feuerwerker LCM, Ceccin RB. Educación Permanente em Salud: uma estratégia para intervenir em la micropolitica del trabajo em salud. Salud Colectiva. 2006;2(2):147-60. ).

Dessa forma, delineou-se como questão norteadora desta pesquisa-intervenção( 1616. Passos E, Kastrup V, Escossia L. Pistas do método da cartografia: Pesquisa-Intervenção e produção de subjetividade. Porto Alegre (RS): Sulina; 2009. 207 p. ): como uma equipe de saúde da família ressignifica seu trabalho com os grupos educativos em um processo de Educação Permanente em Saúde - EPS?

Objetivo

Analisar a vivência de uma equipe de saúde da família em ressignificar o modo como desenvolvem grupos educativos, durante processo de educação permanente em saúde.

Percurso metodológico

Esta investigação é de abordagem qualitativa( 1717. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 8a ed. São Paulo (SP): Hucitec; 2004. 255 p. ), do tipo pesquisa-intervenção( 1616. Passos E, Kastrup V, Escossia L. Pistas do método da cartografia: Pesquisa-Intervenção e produção de subjetividade. Porto Alegre (RS): Sulina; 2009. 207 p. ), que se caracteriza por processos em que há coprodução de sujeitos, de interação e de sentidos. A pesquisa-intervenção é um dispositivo que vai além da investigação e exploração de um tema, produz mudanças na micropolítica das instituições por meio dos movimentos gerados no desenvolvimento da pesquisa( 1616. Passos E, Kastrup V, Escossia L. Pistas do método da cartografia: Pesquisa-Intervenção e produção de subjetividade. Porto Alegre (RS): Sulina; 2009. 207 p. ).

Assim, há uma construção ativa de "atitude de pesquisa" em que as divisões binárias entre pesquisadores e pesquisados, sujeito e objeto, teoria e prática são questionadas, partindo da premissa da imanência entre as partes e que não há um todo totalizante. Consideram-se a provisoriedade dos achados, o movimento e as múltiplas realidades em coexistência; a construção de conhecimentos se faz nos espaços de "entre", no diálogo, em encontros( 1616. Passos E, Kastrup V, Escossia L. Pistas do método da cartografia: Pesquisa-Intervenção e produção de subjetividade. Porto Alegre (RS): Sulina; 2009. 207 p. ).

Para realizar a investigação, o projeto da pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, Protocolo n° 251/2007, conforme determina a Resolução 196/96, do Conselho Nacional de Saúde.

O critério de inclusão da equipe na pesquisa foi desejar participar da mesma e pertencer ao Distrito Oeste da cidade de Ribeirão Preto, SP, Brasil. A justificativa para a escolha da população do estudo, no caso trabalhadores de uma equipe de saúde da família do distrito sanitário oeste da cidade, se fez pelo acordo entre a Secretaria Municipal da Saúde e uma universidade, para desenvolvimento de investigações e pelo método da pesquisa, que prevê adesão voluntária ao processo de análise conjunta do trabalho, nos moldes da EPS.

Realizaram-se encontros grupais com a equipe de saúde da família, nos moldes metodológicos da EPS( 88. Merhy EE, Feuerwerker LCM, Ceccin RB. Educación Permanente em Salud: uma estratégia para intervenir em la micropolitica del trabajo em salud. Salud Colectiva. 2006;2(2):147-60. ), para análise do trabalho de grupos desenvolvido com a população.

Houve a participação sistemática dos seguintes profissionais: um enfermeiro, seis agentes comunitários de saúde, um médico, um coordenador da equipe, duas técnicas de enfermagem, duas auxiliares de limpeza, dois médicos residentes em saúde da família. O grupo contou, também, com a participação eventual de: um docente do curso de odontologia, quatro estagiárias do curso de enfermagem e de psicologia. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Ocorreram 26 encontros grupais, tendo média de quinze integrantes por encontro e duração de uma hora e trinta minutos cada. A pesquisa-intervenção se fez no período de janeiro a dezembro de 2009, sendo que os encontros foram audiogravados e transcritos.

Iniciou-se o trabalho com o levantamento de expectativas dos participantes e um disparador teórico sobre grupos. Os encontros subsequentes foram preparados com base na escuta e análise da gravação do encontro anterior. Após cada encontro, as pesquisadoras/coordenadoras do grupo, a observadora silente e a bolsista técnica, vinculada ao projeto, se reuniam para análise do trabalho realizado. Ressalta-se que a coordenadora e a observadora tinham formação em coordenação de grupos operativos.

O observador silente é uma figura fundamental no enquadre pichoniano( 1414. Pichon-Rivière E. O processo grupal. 3a ed. São Paulo (SP): Martins Fontes; 1982. 181 p. ), pois registra, além das falas dos participantes, os vetores grupais, as expressões corporais e outras informações que permitem a análise do movimento grupal.

Houve dois movimentos de análise: um que foi se dando ao longo da pesquisa-intervenção, através da elaboração de crônicas dos encontros grupais que eram apresentadas e discutidas com os trabalhadores. E um segundo movimento se fez após o término do trabalho com a equipe, de análise de conteúdo das transcrições dos encontros, na vertente temática( 1717. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 8a ed. São Paulo (SP): Hucitec; 2004. 255 p. ).

O material transcrito foi relido várias vezes, agrupando-se semelhanças e diferenças de ideias. A interpretação se deu à luz do referencial teórico já apresentado e dos objetivos.

Nas transcrições e nos resultados aqui apresentados, os integrantes foram identificados por ordem numérica, atribuída conforme a ordem de fala em cada encontro; sendo assim, o integrante 1 do primeiro encontro não é necessariamente o mesmo nos demais grupos. Tal processo foi adotado para garantir o anonimato dos participantes e está em acordo com o referencial de grupos adotado, que não se propõe a enfatizar as falas individuais, mas o processo de encadeamento delas( 1414. Pichon-Rivière E. O processo grupal. 3a ed. São Paulo (SP): Martins Fontes; 1982. 181 p. ).

Resultados

Os resultados estão dispostos em dois temas: "a vivência e a coordenação dos grupos" e "o processo de trabalho e os grupos educativos em um serviço-escola".

O primeiro tema expressa elementos trabalhados pela equipe em seu processo de EPS, indicando o caminho de ressignificação dos grupos educativos mediados pela equipe. O segundo tema engloba elementos do processo de trabalho ligados a um serviço-escola e que interferem na realização dos grupos educativos.

A vivência e a coordenação dos grupos:

A equipe desenvolve grupos com a finalidade de criar espaços de aprendizagem, de prevenção de agravos e também para convivência e socialização. [...] o grupo de reeducação alimentar é formado por pessoas que são encaminhadas por qualquer membro da equipe fixa, [...] a maioria, sim, deseja perder peso, mas também a gente encaminha pra que a pessoa aprenda, por exemplo, uma reeducação mesmo alimentar pra auxiliar às vezes em algumas doenças crônicas, como o diabetes, a hipertensão, também pra fazer prevenção de outras doenças ou das mesmas, e também pra... algumas pessoas vêm porque elas precisam de espaços de socialização [...] (G1).

Dessa forma, a equipe também realiza grupos educativos como estratégia para o enfrentamento de problemas como a solidão e o isolamento social. [...]... são pessoas que, ou são donas de casa que não tinham nada, que não tinha nenhuma atividade pra elas, e outras pessoas que ficam sozinhas, que moram sozinhas, e que tinha uma necessidade de ter algum tipo de coisa que fosse pra eles, e o grupo é que escolhe o que vai falar [...] (G2).

Os grupos são compostos por moradores da área de abrangência, alguns são fechados tendo determinado número de encontros como os de gestantes e hipertensão, outros são abertos e acontecem durante todo o ano, como o grupo de vivência.

No início da pesquisa, nos encontros grupais, a equipe identificava como conhecimentos necessários para a coordenação dos grupos apenas os conhecimentos técnicos sobre o tema. [...] o que precisa pra fazer o grupo, é conhecer sobre hipertensão e tentar trazer pro grupo pra ele refletir sobre a saúde, mesmo sendo hipertenso, compreender as privações do comer sem sal ou do não comer algumas coisas e mesmo assim viver bem (G1).

Com o desenvolvimento das discussões, foram emergindo também necessidades de conhecimentos sobre o manejo do processo grupal. Em sintonia com essa necessidade, um texto foi preparado como disparador teórico para discussão em um dos encontros, e os trabalhadores puderam fazer uma aproximação ao tema do processo grupal em relação aos trabalhos de grupo que desenvolvem. Integrante 2: eu acho que às vezes os mecanismos de resistência são os que ficam mais evidentes, é! São pessoas que, por exemplo, de alguma forma elas tentam tirar a atenção do grupo, outras vezes. [...] e sabotagem também do grupo. Integrante 3: a pessoa tem sempre um contraponto. Você fala, ou alguém tá trazendo um assunto e, a pessoa coloca o contrário (G3).

Outro aspecto discutido foi sobre o que consideravam como resultados para os grupos que realizavam. Na tradicional lógica científica, o que se espera são números (indicadores) que categorizam a priori as pessoas e seus comportamentos normatizados pelo saber científico. No entanto, foram discutidas pela equipe outras possibilidades de resultados como encontros, produção de alegria, espairecimento, entre outros. Integrante 1: [...] lembrei de uma publicação, uma pessoa montava um grupo de pacientes que tinham a proposta de parar de fumar e o Governo queria enfim a resposta de quantos efetivamente param de fumar. E essa pessoa comenta nessa publicação, que o que ela conseguiu do grupo que ela reuniu não era ter um modo visível como parar de fumar, ela conseguiu empoderar as pessoas, isso tá relatado lá né, e a gente tá falando a mesma coisa [...] (G25).

A equipe, a partir da discussão de sua própria vivência, pode compreender a complexidade do trabalho grupal, em que o grupo "conversa" sobre um dado assunto, ao mesmo tempo em que também conversa implicitamente com o coordenador, e assim precisa estar atenta a esse processo, levando em conta os "ditos e os não ditos"( 1212. Fortuna CM, Franceschini TRC, Mishima SM, Matumoto S, Pereira MJB. Movements of permanent health education triggered by the training of facilitators. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2011;19(2):411-20. - 1313. Baremblitt G. Compêndio de análise institucional e outras correntes: teoria e prática. 3ª ed. Rio de Janeiro (RJ): Editora Rosa dos Tempos; 1996. 235 p. ).

Exemplificando esse fato, no terceiro encontro discutiam sobre o manejo da resistência e surgiu o assunto de quando o coordenador tem uma necessidade e o grupo tem outra: [...] eu acho que vai variar, igual a gente tá fazendo o grupo de gestante, é o que... só queriam falar de parto, e a gente tava falando da gestação em si, não tava falando de parto, parto vai ser futuramente, então tem aquelas desviadas assim, basicamente era eu e o (nome) que tava no grupo, ele falava alguma coisinha e voltava pro tema, porque senão elas queriam falar do parto, não queriam falar da gestação em si, do pré-natal [...] (G3).

Esse tema, manejo da resistência e divergência de necessidades, se mostrou bastante pertinente para a equipe e apareceu mais vezes ainda nesse encontro. No quarto encontro grupal, quando foi apresentada a crônica do terceiro encontro, a equipe novamente levantou o tema, só que atualizado ao presente encontro da equipe, num movimento de expressão com a coordenação, dizendo que, na verdade, esperavam outro tipo de trabalho nos encontros de EPS. Coordenadora: como é que a gente faz quando a gente acha que o assunto é importante para abordar, e o grupo não, quer outra coisa? Integrante 2: quando você veio a primeira vez apresentar o projeto, eu tinha entendido assim, que... que ia ser uma coisa assim mais dinâmica, ia ser mais troca sabe, na minha cabeça, vocês iam fazer assim, achar alguma experiências de outras partes, ou até mesmo assim ensinar algumas dinâmicas que pudesse ser aproveitadas no grupo, tá muito parado, muito morno, não tem produtividade (G4).

A partir desse encontro, houve nova pactuação entre o grupo e as coordenadoras/pesquisadoras e mudanças no enquadre( 1313. Baremblitt G. Compêndio de análise institucional e outras correntes: teoria e prática. 3ª ed. Rio de Janeiro (RJ): Editora Rosa dos Tempos; 1996. 235 p. ), partindo-se de disparadores vivenciais que pretendiam trabalhar um determinado aspecto que havia sido identificado no encontro anterior, e a fundamentação teórica ocorria nos últimos quinze minutos com base no tema mais relevante vivenciado naquela sessão.

Destaca-se, aqui, que a vivência discutida e iluminada por perspectivas teóricas produziu movimentos de pertença( 1313. Baremblitt G. Compêndio de análise institucional e outras correntes: teoria e prática. 3ª ed. Rio de Janeiro (RJ): Editora Rosa dos Tempos; 1996. 235 p. ), de implicação e de autoanálise( 1212. Fortuna CM, Franceschini TRC, Mishima SM, Matumoto S, Pereira MJB. Movements of permanent health education triggered by the training of facilitators. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2011;19(2):411-20. ) no coletivo da equipe. Integrante 14: é que eu fico pensando, assim como acontece nos grupos quando a gente tá no grupo que tem o papel de quem é o bode expiatório, tem aquele que é o, aquele que leva, eu acho que isso acontece aqui o tempo todo entendeu (G19).

A equipe também analisou aspectos referentes à coordenação compartilhada, quando mais de um trabalhador exerce a coordenação dos grupos com a população. [...] a coordenação desse grupo é feita de uma forma rodiziada pela equipe responsável, então a equipe responsável na verdade é a Dra (nome), um médico residente, uma pessoa da equipe fixa e um aprimorando da psicologia ultimamente tem tido essa conformação aí, são quatro pessoas (G1).

No contexto conversacional do tema coordenação compartilhada, foi possível articular também uma discussão teórica, trazendo literatura sobre processo grupal( 1313. Baremblitt G. Compêndio de análise institucional e outras correntes: teoria e prática. 3ª ed. Rio de Janeiro (RJ): Editora Rosa dos Tempos; 1996. 235 p. - 1414. Pichon-Rivière E. O processo grupal. 3a ed. São Paulo (SP): Martins Fontes; 1982. 181 p. ), apontando que a coordenação compartilhada requer sincronia a ser construída pela experiência refletida e deve ser guiada por referenciais teórico-metodológicos comuns. Foi discutida, também, a problemática de se ter um grupo com quatro coordenadores de formações diferentes, sem espaços prévios de preparo, e sem espaço posterior de análise da coordenação e dos resultados produzidos. Visualizou-se que grupos assim coordenados podem ser atravessados por comunicações interrompidas, assinalamentos não condizentes com o movimento grupal, entre outros aspectos que não colaboram com a produção de um clima propício à aprendizagem.

Com as discussões grupais nesse processo de EPS também puderam desenvolver estratégias de chamamento de outros usuários para renovação dos grupos; houve a designação de um dos trabalhadores da equipe fixa para a coordenação dos grupos e combinação de uma conversa que antecedesse a sessão grupal para planejamento, além de uma conversa ao término do grupo, para avaliação.

O processo de trabalho e os grupos educativos em um serviço-escola

A unidade de saúde aqui estudada possui a dupla tarefa de cuidar da população adscrita e ainda participar da formação de diversos trabalhadores de saúde como médicos residentes em medicina de família, enfermeiros, psicólogos, odontólogos, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas, entre outros. Essa dupla tarefa conforma e encadeia certo processo de trabalho que o grupo de educação permanente colocou em análise e afirmou interferir na realização dos grupos educativos e dos demais trabalhos.

Os participantes constataram que os residentes/estudantes não valorizam os grupos como forma de cuidado a ser aprendido e qualificado. Uma outra coisa de resistência aqui, que aí eu acho que a coisa é nossa mesmo da equipe, mais do que do participante do grupo, [..] quando o residente invade o horário do grupo fazendo atendimento ele não se dá conta de que é uma forma de resistência pra esse tipo de trabalho, "não... mas eu não tinha outro horário pra atender". Quando ele invade o horário de visita dele, com os atendimentos, ele também não tá se dando conta que é um movimento de resistência [...] (G2).

A equipe identificou que em alguns grupos educativos o convite para participação era dirigido sempre para os mesmos usuários, que "sabiam" como os grupos funcionavam. Observou-se, assim, um acordo implícito, como se o grupo fosse um cenário no qual trabalhadores e usuários faziam parte de um dado script para a atuação dos estudantes. A isso denominou-se atravessamento( 1212. Fortuna CM, Franceschini TRC, Mishima SM, Matumoto S, Pereira MJB. Movements of permanent health education triggered by the training of facilitators. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2011;19(2):411-20. ) da instituição escola.

Outro aspecto da instituição escola presente é a constante passagem de estudantes e consequente troca dos integrantes da equipe, cindindo-a entre a "equipe fixa", composta por trabalhadores contratados, e a "equipe móvel", composta por docentes e estudantes. Integrante 3: posso falar uma coisa? [...] Por que quando vê é a fase de luto né, porque agora saem dois residentes e chega dois novos, a gente olha e fala assim: que coisa!... risos e falas [...]. Integrante 4: é... a gente acaba estranhando... [...] (G26). Esse processo de troca coloca a população e alguns trabalhadores em constante despedida, o que pode comprometer os vínculos necessários ao cuidado e ao trabalho em equipe.

Durante os encontros, foi possível refletir sobre a dificuldade de comunicação, a desvalorização da opinião de trabalhadores como os agentes comunitários de saúde e auxiliares de enfermagem no cuidado das pessoas, a dificuldade com a demanda espontânea e a sobrecarga de todos com os problemas vivenciados cotidianamente com as famílias que estão sob acompanhamento.

Para exemplificar - Integrante 1: essa discussão de família, quando a gente trazia, a gente tinha medo de falar alguma coisa [...], mas a gente às vezes tinha até razão, porque a gente faz a visita, a gente tinha medo, então ficava quieta. [...] Aí vai ao médico e verifica as mesmas coisas, mas traz até com as mesmas palavras... e a equipe escuta e vai atrás. Integrante 3: o que o agente traz? Não vale nada! (G5).

Discussão

Os dados apresentados no primeiro tema permitem afirmar que a equipe considera os grupos educativos como tendo a finalidade de promover espaços de convivência e de aprendizagem, o que representa avanço em relação à clássica perspectiva das equipes de saúde em tomar os grupos como espaços de passagem de informação e de prescrição de medidas para um viver saudável( 44. Alves GG, Aerts D. As práticas educativas em saúde e a estratégia saúde da família. Ciênc Saúde Coletiva. 2011;16(1):319-25. , 66. Albuquerque PC, Stotz EN. A educação popular na atenção básica à saúde no município: em busca da integralidade. Interface. 2004;8(15):259-74. ).

Uma leitura de necessidades de saúde que considera a solidão, o isolamento como problema de saúde indica uma concepção ampliada do processo saúde/doença que corrobora achados de outra pesquisa( 22. Carneiro ACLL, Souza V, Godinho LK, Faria ICM, Silva KL, Gazzinelli MF. Health promotion education in the context of primary care. Rev Panam Salud Publica. 2012;31(2): 115-20. ). Destaca-se que tal aspecto pode aproximar a equipe da produção de cuidado integral( 1010. Benito GAV, Franz MS. Educación Permanente em la Salud. Reflexiones em la perspectiva de la Integralidad. Rev Cubana Enfermeria. 2010;26(4):667-9. ).

Tal concepção ampliada, no entanto, interroga os resultados esperados com os grupos nos serviços de saúde, que já não cabem em indicadores tradicionais de saúde, pois dizem respeito à produção de autonomia, alívio, empoderamento. Essa discussão desenha uma questão a ser problematizada com as equipes: que tipo de resultados se espera de um grupo educativo em saúde?

Embora estudos( 1818. Saha A, Poddar E, Mankad M. Effectiveness of different methods of health education: a comparactive assessment in a scientific conference. BMC Public Health. 2005;5:88-95. - 1919. Osaba MACO, Val JLD, Lapena C, Laguna V, Garcia A, Lozano O, et al. The effectives of health promotion with group intervention by clinical Trial. Study protocol. BMC Public Health. 2012;12:209-5. ) já apontem a efetividade de grupos de promoção da saúde sob a perspectiva tradicional, novas tecnologias para avaliação devem ser investigadas, considerando-se a concepção ampliada de saúde, proposta para a atenção primária à saúde( 1010. Benito GAV, Franz MS. Educación Permanente em la Salud. Reflexiones em la perspectiva de la Integralidad. Rev Cubana Enfermeria. 2010;26(4):667-9. ).

Para se construir grupos educativos como espaços de produção de encontro, de alegria, de troca de saberes, alguns entendimentos são necessários como o de que, para coordenar um grupo educativo, outros saberes, além dos tradicionais, são necessários e desejáveis( 1515. Zimerman DE, Wainberg AK, Barros CASM, Baptista F Neto, Mazieres G, Viçosa GR, et al. Como trabalhamos com grupos. Porto Alegre (RS): Artes Médicas; 1997. 424 p. ). Esses saberes ultrapassam o campo tradicional da saúde com seus conhecimentos anatômicos e fisiológicos; tais saberes englobam, por exemplo, a dinâmica grupal e o processo pedagógico.

Considera-se que esses conhecimentos precisam ser construídos com a equipe de saúde, sob a perspectiva da aprendizagem significativa. Assim, parece apropriada a proposta da EPS, o movimento de viver a experiência de realizar os grupos educativos com a população e colocar a experiência em análise, explicitando no aqui agora o processo grupal em produção.

Esse foi um dispositivo construído durante o processo de EPS nesse grupo, ou seja, vivenciar e refletir, à luz de referenciais teóricos. Esse modo de trabalhar a EPS se direciona à perspectiva apontada por estudiosos( 88. Merhy EE, Feuerwerker LCM, Ceccin RB. Educación Permanente em Salud: uma estratégia para intervenir em la micropolitica del trabajo em salud. Salud Colectiva. 2006;2(2):147-60.

9. Ceccim RB. Educação Permanente em Saúde: desafio ambicioso e necessário. Interface. 2005;9(16):161-8.
- 1010. Benito GAV, Franz MS. Educación Permanente em la Salud. Reflexiones em la perspectiva de la Integralidad. Rev Cubana Enfermeria. 2010;26(4):667-9. ). O avanço está na produção de dispositivos específicos para cada situação, pautados em reflexões coletivas.

Os dispositivos são arranjos propostos pela análise institucional, os quais permitem a visibilidade e a dizibilidade de tensões entre as forças de manutenção de uma realidade e de modificação da mesma( 1111. Santos AO, Castro EO. Demanda por grupos, psicologia e controle. Psicol Soc. 2011;23(2):325-31. , 1616. Passos E, Kastrup V, Escossia L. Pistas do método da cartografia: Pesquisa-Intervenção e produção de subjetividade. Porto Alegre (RS): Sulina; 2009. 207 p. ).

Quando os trabalhadores visualizaram que eles próprios "falavam indiretamente" com a coordenadora do grupo, puderam compreender a presença de implícitos e que é necessária a negociação permanente da tarefa no campo grupal( 1414. Pichon-Rivière E. O processo grupal. 3a ed. São Paulo (SP): Martins Fontes; 1982. 181 p. ).

Provavelmente muitos grupos educativos realizados na saúde se esvaziam porque essa negociação não ocorre, prevalecendo os não ditos e o interesse e desejo dos coordenadores.

É também provável que os usuários da saúde nem sempre digam sua real opinião aos trabalhadores de saúde, por temor de retaliação e de serem atendidos inadequadamente. Assim, a construção do direito de expressar a insatisfação é uma ferramenta para o trabalho das equipes da atenção básica e o fato de experienciar isso em espaços de EPS permite aprender reflexivamente.

Ainda no primeiro tema, viu-se que a coordenação e a coordenação compartilhada de um espaço grupal educativo eram desenvolvidas por diversos membros da equipe, mas pouco problematizado por eles. Esse parece outro fator importante, pois há naturalização do formar grupos educativos como restrito ao encontro presencial, negligenciando-se seu planejamento e sua avaliação( 77. Fortuna CM, Matumoto S, Pereira MJB, Mishima SM, Kawata LS, Camargo-Borges, C. Nurses and the collective care pratices within the family health strategy. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2011;19(3):581-8. ). No entanto, destaca-se, aqui, o avanço no sentido da possibilidade de que profissionais com formações diversas possam trabalhar juntos nos grupos educativos, compondo um trabalho multiprofissional, desejável na estratégia saúde da família( 44. Alves GG, Aerts D. As práticas educativas em saúde e a estratégia saúde da família. Ciênc Saúde Coletiva. 2011;16(1):319-25. , 77. Fortuna CM, Matumoto S, Pereira MJB, Mishima SM, Kawata LS, Camargo-Borges, C. Nurses and the collective care pratices within the family health strategy. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2011;19(3):581-8. , 1010. Benito GAV, Franz MS. Educación Permanente em la Salud. Reflexiones em la perspectiva de la Integralidad. Rev Cubana Enfermeria. 2010;26(4):667-9. ).

No segundo tema, foram vistos aspectos do processo de trabalho que atravessam a realização das atividades da equipe de saúde, inclusive os grupos educativos, e que puderam ganhar visibilidade no espaço de educação permanente. Destaca-se a presença do atravessamento das instituições divisão técnica e social do trabalho e da instituição escola/universidade e as questões hierárquicas e de poder que trazem consigo, afetando os serviços( 1313. Baremblitt G. Compêndio de análise institucional e outras correntes: teoria e prática. 3ª ed. Rio de Janeiro (RJ): Editora Rosa dos Tempos; 1996. 235 p. ).

Em pesquisa realizada na França encontraram-se achados semelhantes no que diz respeito à presença e interferência da instituição escola em outros estabelecimentos, como prefeitura, serviço social, entre outros. Tais interferências se fazem pelo cruzamento de lógicas contraditórias que resultam potencialmente em conflitos( 2020. Monceau G. Travailler les interférences institutionnelles dans la ville. Diversité. 2011;166:42-7. ).

Na presente investigação, uma universidade pública participava da gestão da unidade de saúde estudada e fazia a sua coordenação com docentes, em parceria com a Secretaria Municipal da Saúde. Havia, assim, uma questão de hierarquia de poder materializada em uma dupla gestão.

Estudiosos( 2121. Coimbra C, Bouças M, Lobo LF, Barros RDB. A instituição da supervisão: análise e implicações. In: Kamkhagi VR, Saidon O, organizadores. Análise Institucional no Brasil. 2a ed. Rio de Janeiro (RJ): Ed. Espaço e Tempo; 1991. p. 47-65. ) da análise institucional no Brasil afirmam que "A Universidade, como aparelho escolar que é, situada no ápice de um sistema de poder hierarquizado, institui lugares previamente determinados para que os diferentes agentes sociais os ocupem. O lugar do saber - do professor, o lugar da aquiescência desse saber - do aluno, o lugar daquele que será atendido e 'beneficiado' pelo saber universitário - da comunidade etc. A máquina de sujeição é colocada em funcionamento para que, 'azeitada', sirva à dominação, à apreensão da palavra e ao impedimento do processo de participação e decisão"( 2121. Coimbra C, Bouças M, Lobo LF, Barros RDB. A instituição da supervisão: análise e implicações. In: Kamkhagi VR, Saidon O, organizadores. Análise Institucional no Brasil. 2a ed. Rio de Janeiro (RJ): Ed. Espaço e Tempo; 1991. p. 47-65. ).

Assim, estavam presentes e ao mesmo tempo "apagados" alguns acordos como a realização de grupos educativos destinados, de fato, ao aprendizado de médicos residentes e outros estudantes. Um trabalho que, para eles, assume um posto de menor importância em relação às consultas individuais e visitas domiciliares, o que atualiza a instituição saúde em sua matriz tradicional: ocupar-se do doente individualmente.

Dessa forma, havia preocupação com o aprendizado de outras ferramentas de cuidado com os grupos, mas, ao mesmo tempo, não havia preocupação com a fundamentação teórica dos mesmos. Esperava-se que os estudantes aprendessem a coordenar grupos através do fazer empírico somente, o que pode reforçar a ideia dos grupos educativos como um cuidado "menor" e mais simples.

Outra manifestação da instituição escola no processo de trabalho da equipe é a sua divisão entre equipe fixa e equipe móvel. A fixa compõe-se dos trabalhadores contratados e que permanecem todos os dias no serviço, a móvel refere-se aos estudantes. A passagem repetida de alunos, a vinculação a eles, a separação, o novo recomeço podem resultar em uma sobrecarga dos trabalhadores. Outro aspecto é o de que respondem a uma dupla gestão: do ensino e da saúde. Assim, pergunta-se: a equipe pode, por sobrecarga e submissão ao poder acadêmico, hierarquizar o ensino em detrimento da assistência? Como atender a duas tarefas tão complexas: ensino e atributos da atenção primária em saúde compromissada com a integralidade da atenção?

Essas questões, com maior ou menor intensidade, vêm sendo vivenciadas em todo país desde a implementação das diretrizes curriculares para os cursos da saúde( 2222. Gonçalves FG, Carvalho BG, Trelha CS. O ensino da Saúde Coletiva na Universidade Estadual de Londrina: da análise documental à percepção dos estudantes. Trab Educ Saúde. 2012;10(2);301-14. ), que indicam a necessidade da formação com foco na atenção primária em saúde. Apontam-se necessidades de outras investigações sobre essa problemática.

Outra instituição presente que se manifestou fortemente foi a divisão técnica e social do trabalho( 1212. Fortuna CM, Franceschini TRC, Mishima SM, Matumoto S, Pereira MJB. Movements of permanent health education triggered by the training of facilitators. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2011;19(2):411-20. ). Considera-se que o processo de trabalho se realiza por meio de uma divisão de tarefas que é tanto técnica como social, o que torna o trabalho fragmentado e parcelar, podendo-se perder a finalidade do trabalho em saúde.

Quando os trabalhadores da equipe conversaram sobre o trabalho desenvolvido, também conversaram acerca da diferença de poder e de saber entre os componentes da equipe de saúde( 1313. Baremblitt G. Compêndio de análise institucional e outras correntes: teoria e prática. 3ª ed. Rio de Janeiro (RJ): Editora Rosa dos Tempos; 1996. 235 p. ). Agentes de menor escolarização e mais próximos da população, como é o caso do agente comunitário de saúde, trazem para a equipe sua leitura de necessidade, que muitas vezes só é vocalizada se outro trabalhador também o fizer.

Considerações Finais

A análise da vivência da equipe saúde da família, no processo de ressignificar o modo como desenvolvem grupos educativos, mostrou avanços quanto a práticas mais tradicionais de formação de grupos com enfoque em informar a população, considerando questões como a socialização. Também evidenciou a necessidade de aportes teóricos para além dos conhecimentos tradicionais como os conhecimentos pedagógicos, bem como conhecimentos sobre processo grupal.

No processo de ESP com a equipe de saúde foi possível construir aprendizagens quanto: ao trabalho com grupos sob uma perspectiva participativa, coordenação dos grupos, operacionalização dos mesmos, aproximação da sua finalidade para além da dimensão educativa. Esse grupo de conversação da equipe se tornou um espaço de discussão e de aprender fazendo e fazer aprendendo, exatamente como propõe a EPS.

Destaca-se como uma das importantes contribuições desta pesquisa a construção do dispositivo de pesquisa utilizado, em que a equipe analisou o processo grupal vivenciado nos encontros de EPS, para apropriar-se de conhecimentos sobre os grupos que realizam com a população, aprendendo de forma viva e significativa.

Conclui-se que, durante o processo de educação permanente em saúde sobre os grupos realizados com a população, a equipe também analisou suas relações e seu processo de trabalho, que é atravessado pelas instituições divisão técnica e social do trabalho e instituição escola/universidade. Essa análise pode produzir mudanças importantes nas práticas.

Finalmente, considera-se, aqui, que esse processo evidenciou para a equipe que os grupos são potentes espaços de cuidado coletivo, ao mesmo tempo em que requerem espaços/tempos para revisões e análise para que, de fato, sejam espaços de discussão coletiva e de mudança de prática: da perspectiva de somente informar e reproduzir para a perspectiva de produzir cuidados integrais, encontros e encantos.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Aug 2013

Histórico

  • Recebido
    21 Ago 2012
  • Aceito
    21 Maio 2013
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