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Pré-fragilidade e fragilidade de idosos residentes em município com baixo Índice de Desenvolvimento Humano

Resumos

OBJETIVO:

identificar a prevalência e os fatores associados à pré-fragilidade e fragilidade de idosos residentes em município com baixo Índice de Desenvolvimento Humano (0,635).

MÉTODO:

estudo transversal de base populacional e domiciliar, realizado com 316 idosos. A fragilidade foi determinada a partir da presença de três ou mais dos seguintes fatores: (i) autorrelato de perda de peso não intencional; (ii) pouca resistência e energia; (iii) fraqueza; (iv) lentidão e (v) baixo nível de atividade física. A associação entre fragilidade e fatores sociodemográficos, comportamentais e condições de saúde foi verificada por meio da técnica de regressão logística multinomial.

RESULTADOS:

a prevalência de pré-fragilidade e fragilidade foi de 58,7 e 23,8%, respectivamente. O modelo de regressão ajustado mostrou que o estado de pré-fragilidade foi associado a sexo, grupo etário e índice de massa corporal e fragilidade foi associado ao sexo, grupo etário, hospitalização, capacidade funcional e autopercepção de saúde.

CONCLUSÃO:

as evidências apresentadas no presente estudo demonstram mais variáveis associadas à condição frágil, reforçando o conceito de síndrome clínica de ordem multifatorial que pode resultar na perda da funcionalidade.

Envelhecimento; Idoso Fragilizado; Nível de Saúde


OBJECTIVE:

to identify the prevalence of the factors associated with pre-frailty and frailty of elderly residents in a municipality with a low Human Development Index

METHOD:

Cross-sectional study with a populational and household framework conducted with 316 elderly people. Frailty was determined from the presence of three or more of the following factors: (i) self-reported unintentional weight loss; (ii) lack of strength and energy; (iii) weakness; (iv) slowness; (v) low level of physical activity. The association between frailty and socio-demographic, behavioral and health factors was measured using the multinomial logistic regression technique.

RESULTS:

The prevalence of pre-frailty and frailty was 58.7% and 23.8%, respectively. The adjusted regression model showed that the state of pre-frailty was associated with gender, age group and BMI, and frailty was associated with gender, age group, hospitalization, functional capacity, and self-perceived health.

CONCLUSION:

The evidence presented in this study demonstrates more variables associated with the frailty condition, reinforcing the concept of a multifactorial clinical syndrome that may result in the loss of functionality.

Aging; Frail Elderly; Health Status


OBJETIVO:

identificar la prevalencia y los factores asociados a la prefragilidad y fragilidad de ancianos residentes en un municipio con bajo Índice de Desarrollo Humano (IDH=0,635).

MÉTODO:

estudio transversal de base poblacional y domiciliar realizado en 316 ancianos. La fragilidad fue determinada a partir de la presencia de tres o más de los siguientes factores: (i) autorrelato de pérdida de peso no intencional; (ii) poca resistencia y energía; (iii) debilidad; (iv) lentitud; y (v) bajo nivel de actividad física. La asociación, entre fragilidad y factores sociodemográficos, comportamentales y condiciones de salud, fue verificada por medio de la técnica de regresión logística multinomial.

RESULTADOS:

la prevalencia de prefragilidad y fragilidad fue de 58,7% y 23,8%, respectivamente. El modelo de regresión ajustado mostró que el estado de prefragilidad fue asociado al sexo, grupo de edad e IMC y la fragilidad fue asociada al sexo, grupo de edad, hospitalización, capacidad funcional y autopercepción de salud.

CONCLUSIÓN:

las evidencias presentadas en el presente estudio demuestran más variables asociadas a la condición frágil, reforzando el concepto de síndrome clínico de orden multifactorial que puede resultar en la pérdida de funcionalidad.

Envejecimiento; Anciano Frágil; Estado de Salud


Introdução

O processo de envelhecimento reúne alterações que, em conjunto com o aumento da prevalência de doenças crônicas, podem acarretar o aparecimento das síndromes geriátricas, dentre as quais a síndrome da fragilidade merece destaque.

A fragilidade abrange fatores de diferentes ordens, sendo caracterizada como síndrome por ser resultado da perda das reservas fisiológicas e de adaptação a estressores, onde o déficit de energia, sarcopenia, diminuição de força muscular e da tolerância ao esforço levam ao declínio exacerbado em múltiplos sistemas, que induzem o indivíduo a uma condição de maior vulnerabilidade( 11. Fried LP, Tangen CM, Walston J, Newman AB, Hirsh C, Gottdiener J, et al. Frailty in older adults. J GerontolA Biol Sci Med Sci. 2001;56:M146-57. ).

A fragilidade, cada vez mais, tem emergido como um conceito importante, tanto no cuidado clínico de pessoas idosas quanto em pesquisas sobre envelhecimento. Como uma síndrome clínica, geralmente, está associada a maior risco de situações adversas como quedas, incapacidades, institucionalização e até morte( 22. Wong CH, Weiss D, Sourial N, Karunananthan S, Quail JM, Wolfson C, et al. Frailty and its association with disability and comorbidity in a community-dwelling sample of seniors in Montreal: a cross-sectional study. Aging Clin Exp Res. 2010;22:54-62. ).

Ainda não há consenso científico definido quanto ao termo fragilidade, sua definição e seus indicadores, nem como poderia ser identificada ou mesmo avaliada. Porém, a maioria dos estudos que versam sobre fragilidade, de maneira geral, a definem como sendo uma condição instável relacionada ao declínio funcional, a partir da interação do indivíduo com o ambiente, na qual um evento, considerado de pequeno impacto, pode causar limitação no desempenho das atividades voluntárias e resultar na perda da autonomia, bem como da capacidade funcional( 33. Xue QL. The frailty syndrome: definition and natural history. Clin Geriatr Med. 2011;27(1):1-15. ).

A reversão da instalação de quadros avançados de fragilidade pode estar na identificação de fatores que são considerados passíveis de modificações, como condições socioeconômicas, hábitos de vida, apoio social, cuja identificação antecipada dos sinais e sintomas causadores da síndrome da fragilidade pode apontar para a adoção de intervenções objetivas que impeçam as complicações e agravos da fragilidade na população idosa( 44. Veras R. Envelhecimento populacional contemporâneo: demandas, desafios e inovações. Rev Saúde Pública. 2009;43(3):548-54. ).

No Brasil, a maioria dos municípios brasileiros tem convivido com aumento do número de idosos na população a cada ano. Apresentam ruins indicadores de saúde e isso pode contribuir para o desenvolvimento de fragilidade precoce, que resulta num prognóstico desfavorável com dependência, hospitalização e complicações graves nos anos subsequentes( 44. Veras R. Envelhecimento populacional contemporâneo: demandas, desafios e inovações. Rev Saúde Pública. 2009;43(3):548-54. ).

Além disso, as pesquisas para a identificação da fragilidade em idosos encontram-se em estágio inicial, por isso, há escassez de trabalhos de base populacional que apresentem fatores envolvidos no processo de fragilidade da população brasileira.

Ao estudar a fragilidade é imprescindível considerar o contexto no qual se dá esse processo. Uma vez que o Brasil é um país de dimensões continentais, é indispensável entender como a fragilidade se desenvolve em regiões marcadas por acentuadas desigualdades sociais. Assim, o objetivo deste estudo foi identificar a prevalência e os fatores associados à pré-fragilidade e à fragilidade de idosos residentes em comunidade com baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).

Método

Trata-se de estudo transversal que é parte integrante da pesquisa epidemiológica de base populacional e comunitária, cujo título é: estado nutricional, comportamentos de risco e condições de saúde dos idosos do município de Lafaiete Coutinho, BA. Foi conduzido um censo em janeiro de 2011 com os idosos residentes na zona urbana, cadastrados na Estratégia de Saúde da Família, a qual atinge 100% de cobertura. Todos com idade ≥60 anos (n=355) foram procurados para entrevistas e exames a serem realizados (testes sanguíneos, aferição da pressão arterial, medidas antropométricas e testes motores). Dos 355 idosos, participaram da pesquisa 316 (89,0%). Foram registradas 17 recusas (4,8%) e 22 (6,2%) indivíduos não foram localizados em suas residências, mesmo após três visitas em horários e turnos diferentes.

Foi utilizado um formulário próprio, baseado no questionário usado na Pesquisa Saúde, Bem-Estar e Envelhecimento - SABE (http://hygeia.fsp.usp.br/sabe/quetionario.php), realizada em sete países da América Latina e Caribe( 55. Albala C, Lebrão ML, León Díaz EM, Ham-Chande R, Hennis A, Palloni A, et al. Encuesta Salud, Bienestar y Envejecimiento (SABE): metodología de la encuesta y perfil de la población estudiada. Rev Panam Salud Publica. 2005;17(5/6):307-22. ), sendo acrescentado a esse o International Physical Activity Questionnaire (IPAQ)( 66. Craig CL, Marshall AL, Sjöström M, Bauman AE, Booth ML, Ainsworth BE, et al. International physical activity questionnaire: 12-country reliability and validity. Med Sci Sports Exerc. 2003;35(8):1381-95. ), adaptada para idosos( 77. Benedetti TRB, Mazo GZ, Barros MVG. Aplicação do questionário internacional de atividades físicas (IPAQ) para avaliação do nível de atividades físicas de mulheres idosas: validade concorrente e reprodutibilidade teste-reteste. Rev Bras Ciênc Mov. 2004;12:25-34. ), bem como a Escala de Depressão Geriátrica (GDS), utilizada para o rastreamento de depressão em idosos, constituída por 15 questões de respostas sim ou não, sendo a mesma validada para uso no Brasil( 88. Almeida OP, Almeida SA. Confiabilidade da versão brasileira da escala de depressão em geriatria (GDS) versão reduzida. Arq Neuropsiquiatr. 1999;57(2B):421-6. ).

A fragilidade (variável dependente) foi identificada de acordo com a versão modificada sobre fragilidade, considerando cinco componentes( 11. Fried LP, Tangen CM, Walston J, Newman AB, Hirsh C, Gottdiener J, et al. Frailty in older adults. J GerontolA Biol Sci Med Sci. 2001;56:M146-57. ): 1. perda de peso - foi definida por meio do autorrelato da perda de peso não intencional de ≥3kg durante os últimos 12 meses que precederam o estudo(9), pois o intrumento utilizado baseou-se no questionário do SABE, o qual não faz previsão objetiva de perda de peso; 2. fraqueza muscular - foi avaliada a Força de Preensão Manual (FPM), por meio de um dinamômetro hidráulico (Saehan Corporation SH5001, Korea). A fraqueza foi definida de acordo com o sexo e Índice de Massa Corporal (IMC). Para cada categoria, os pontos de corte para a FPM (kgf) foi fixado no percentil 25, com ajustamento por sexo e IMC. Os pontos de corte adotados para homens foram: 0<IMC<22 - FPM ≤19 kgf; 22≤IMC≤27 - FPM≤21kgf, IMC>27 - FPM≤22 kgf; e para mulheres: 0<IMC<22 - FPM≤11kgf; 22≤IMC<27 - FPM ≤15kgf, IMC>27 - FPM≤14kgf; 3. baixa resistência e energia - foi definido com base em duas questões da GDS( 88. Almeida OP, Almeida SA. Confiabilidade da versão brasileira da escala de depressão em geriatria (GDS) versão reduzida. Arq Neuropsiquiatr. 1999;57(2B):421-6. ): "Você deixou de lado muitas de suas atividades e interesses?" e "Você se sente cheio de energia?". Uma resposta positiva à primeira pergunta e/ou uma resposta negativa para a segunda foram considerados indícios de baixa resistência/falta de energia; 4. lentidão no teste de caminhada - foi definida por meio do desempenho físico no teste de caminhada de 2,44m. A lentidão foi ajustada de acordo com o sexo e a altura dos idosos. A estatura foi dividida em duas categorias, com base na mediana (percentil 50): homens ≤1,61m e mulheres ≤1,49m, abaixo ou igual à mediana; homens >1,61m e mulheres >1,49m, acima da mediana. Para cada categoria, o ponto de corte que considerou o indivíduo lento no teste de caminhada foi fixado no percentil 75: abaixo ou igual à mediana, ≥5s e ≥6s (para homens e mulheres, respectivamente); acima da mediana, ≥4s (para ambos os sexos); 5. baixo nível de atividade física - o instrumento utilizado para avaliar o nível de atividade física habitual foi o International Physical Activity Questionnaire(IPAQ)( 77. Benedetti TRB, Mazo GZ, Barros MVG. Aplicação do questionário internacional de atividades físicas (IPAQ) para avaliação do nível de atividades físicas de mulheres idosas: validade concorrente e reprodutibilidade teste-reteste. Rev Bras Ciênc Mov. 2004;12:25-34. ). Os indivíduos que realizaram menos de 150 minutos por semana em atividades físicas moderadas e/ou vigorosas foram considerados insuficientemente ativos.

Foi criada uma variável ordinal com escores variando de zero a cinco (0 a 5), a partir do somatório dos pontos de todos os componentes, sendo adotada a seguinte classificação: 0 ponto = não frágil; 1 a 2 pontos = pré-frágil e ≥3 pontos = frágil( 11. Fried LP, Tangen CM, Walston J, Newman AB, Hirsh C, Gottdiener J, et al. Frailty in older adults. J GerontolA Biol Sci Med Sci. 2001;56:M146-57. ). Consideraram-se todos os indivíduos que responderam a apenas 3 componentes e que foram classificados como frágeis. Para as demais classificações foram considerados elegíveis indivíduos que responderam a, no mínimo, 4 componentes para classificação de fragilidade( 99. Alvarado BE, Zunzunegui MV, Be´Land F, Bamvita JM. Life course social and health conditions linked to Frailty in Latin American Older Men and Women. J Gerontol A Sci Med Sci. 2008;63(12):1399-406. ). Dessa forma, foram incluídos na análise 286 idosos classificados segundo o fenótipo de fragilidade.

As variáveis explanatórias foram: 1. sociodemográficas - sexo, grupo etário, saber ler e escrever um recado, arranjo familiar, participação em atividade religiosa; 2. comportamentais - ingestão de bebida alcoólica e uso de cigarro; 3. condições de saúde - hospitalização no último ano, Índice de Massa Corporal (IMC<22kg/m2 = peso insuficiente, 22kg/m2≤IMC≤27kg/m2 = adequado e IMC>27kg/m2 = sobrepeso)( 1010. American Academy of Family Physicians. American Dietetic Association. National Council on the Aging. Nutrition screening e intervention resources for healthcare professionals working with older adults. Nutrition Screening Initiative [Internet]. Washington: American Dietetic Association; 2002 [acesso 21 jul 2011]. Disponível em: www.eatright.org
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), evento de queda no último ano, número de doenças crônicas autorreferidas, capacidade funcional (mensurada através das Atividades Básicas de Vida Diária - ABVD), usando a escala de Katz( 1111. Katz S, Ford AB, Moskowitz RW, Jackson BA, Jaffe MW. Studies of illness in the aged. The index of ADL: a standardized measure of biological and psychosocial function. JAMA. 1963; 185(12):914-9. ), e Atividades Instrumentais de Vida Diária (AIVD), usando a escala de Lawton( 1212. Lawton MP, Brody EM. Assesment of older people: selfmaintaining and instrumental activities of daily living. Gerontologist. 1969;9(3):179-86. )). Quantidade de medicamentos utilizados, Autopercepção da saúde, estado cognitivo (avaliado por meio do questionário de Miniexame do Estado Mental, utilizando uma versão modificada e validada( 1313. Icaza MC, Albala C. Projeto SABE. Minimental State Examination (MMSE) del estudio de dementia en Chile: análisis estatístico. Brasília: OPAS; 1999. ) e verificar, assim, a confiabilidade das respostas - escore >12 = não comprometido e escore ≤12 = comprometido). Quando o escore não era atingido, solicitava-se que um informante respondesse outro instrumento que era o Questionário de Pfeffer para Atividades Funcionais( 1414. Pfeffer RI, Kurosaki TT, Harrah CH Jr, Chance JM, Filos S. Measurement of functional activities in older adults in the community. J Gerontol. 1982;37(3):323-9. ), com informações referentes ao idoso, avaliando, dessa forma, a necessidade de um informante substituto no decorrer da entrevista.

As associações entre fragilidade e as variáveis explanatórias foram verificadas mediante a obtenção de estimativas brutas e ajustadas das Odds Ratio, por ponto e por intervalo de confiança de 95%, através do modelo de regressão logística multinomial. Na análise ajustada, foram incluídas as variáveis que apresentaram significância estatística de pelo menos 20% (p≤0,20) nas análises brutas, seguindo a ordem de um modelo hierárquico para determinação dos desfechos( 1515. Victora CG, Huttly SR, Fuchs SC, Olinto MTA. The role of conceptual frameworks in epidemiological analysis: a hierarchical approach. Int J Epidemiol. 1997;26:224-7. ).

De acordo com o modelo estabelecido, as variáveis dos níveis mais superiores (distais) interagem entre si e determinam as variáveis dos níveis mais inferiores (proximais). O efeito de cada variável explanatória sobre o desfecho foi controlado para as variáveis do mesmo nível e de níveis superiores no modelo, sendo que o critério estatístico de permanência no modelo foi de 20% (p≤0,20).

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (nº064/2010).

Os dados foram tabulados e analisados no programa estatístico Statistical Package for Social Sciences para Windows (SPSS(r), versão 16.0).

Resultados

A prevalência de pré-fragilidade e fragilidade dos idosos, residentes na zona urbana do município de Lafaiete Coutinho, BA, foi de 57,8 e 23,8%, respectivamente.

A Tabela 1 demonstra a análise bruta das variáveis independentes que compõem os fatores sociodemográficos, comportamentais e de condições de saúde e sua associação com a fragilidade em idosos.

Tabela 1
Associação entre fatores sociodemográficos, comportamentais e de condições de saúde com pré-fragilidade e fragilidade em idosos residentes em comunidade. Lafaiete Coutinho, BA, Brasil, 2011

Foi encontrada uma associação significativa na análise bruta para as variáveis: sexo feminino (p=0,002), grupo etário (p<0,001), saber ler e escrever um recado (p=0,029), hospitalização no último ano (p=0,003), IMC (p=0,006), evento de queda (p=0,012), número de doenças crônicas (p=0,044), capacidade funcional (p<0,001), uso de medicamento (p=0,002), autopercepção da saúde (p=0,005) e estado cognitivo (p=0,004).

Conforme mostrado na Tabela 2, abaixo, é possível observar a análise ajustada de forma hierarquizada, por meio da regressão logística multinomial, da associação entre as variáveis independentes que obtiveram significância e a classificação do fenótipo de fragilidade.

Tabela 2
Modelo final de regressão logística multinomial múltiplo da associação entre pré-fragilidade e fragilidade e as variáveis independentes do estudo. Lafaiete Coutinho, BA, Brasil, 2011

Na primeira etapa foram analisadas as variáveis do bloco sociodemográfico, de modo que mantiveram associação com o estágio frágil as variáveis: sexo feminino (p=0,031) e grupo etário ≥80 anos (p<0,001) e, com o estágio pré-frágil, também sexo feminino (p=0,037) e grupo etário ≥80 anos (p=0,001).

Na segunda etapa foram incluídas as variáveis do bloco condições de saúde e mantiveram associação com a classificação frágil: hospitalização no último ano, uma ou mais vezes (p=0,033), capacidade funcional tanto para dependentes na AIVD (p<0,001), como na ABVD e AIVD (p=0,007), e, ainda, autopercepção de saúde negativa (p=0,007). Já com a classificação pré-frágil manteve associação apenas a variável IMC, baixo peso (p=0,015).

As variáveis referentes aos aspectos comportamentais, ou seja, ingestão de bebia alcoólica e uso de cigarro não foram incluídas no modelo ajustado, pois não apresentaram significância estatística de pelo menos 20% (p≤0,20).

Discussão

No presente estudo encontrou-se prevalência de fragilidade em idosos no valor de 23,8%, de pré-fragilidade de 58,7% e não frágil de 17,5%. As prevalências de fragilidade apresentaram valores maiores quando comparados a estudos internacionais( 1616. Tribess S, Oliveira RJ. Síndrome da fragilidade biológica em idosos: revisão sistemática. Rev Salud Pública. 2011;13(5):853-64. ).

A explicação para ampla variação na prevalência de fragilidade em idosos pode estar relacionada, provavelmente, com diferenças socioeconômicas entre os idosos estudados, bem como a diferenças metodológicas quanto à utilização de alguns instrumentos que diferem daqueles que compõem os itens utilizados( 1616. Tribess S, Oliveira RJ. Síndrome da fragilidade biológica em idosos: revisão sistemática. Rev Salud Pública. 2011;13(5):853-64. ).

Nesta investigação, as mulheres demonstraram possuir maior prevalência, tanto na categoria pré-frágil como na frágil, corroborando outras pesquisas, que apontam serem as mulheres idosas mais frágeis que os homens idosos e identificou que a prevalência da fragilidade aumentou para mais de 13% para os homens e 17% para as mulheres. Em três anos, as mulheres tinham o dobro das taxas de incidência de pré-fragilidade em comparação com os homens( 1717. Peterson MJ, Giuliani C, Morye MC, Pierper CF, Evenson KR, Mercer V, et al. Physical activity as a preventative factor for frailty: the health, aging, and body composition study. J Gerontol A Biol Sci Med Sci. 2009;64(1):61-8. ).

Em estudo realizado em Taiwan, que estimou a prevalência de fragilidade e identificou os fatores associados à fragilidade, a partir dos dados da Pesquisa de Saúde e Estado de Vida dos Idosos, foi verificado que a prevalência de fragilidade aumenta com a idade e foi maior em mulheres( 1818. Chen CY, Wu SC, Chen LJ, Lue BH. The prevalence of subjective frailty and factors associated with frailty in Taiwan. Arch Gerontol Geriatr. 2010;50(Suppl 1):S43-7. ).

A longevidade é outro aspecto que deve ser levado em consideração. Um estudo nacional, que é parte integrante do projeto multicêntrico Fragilidade em Idosos Brasileiros (Fibra), analisou características de prevalência e fatores associados relacionados com a fragilidade e, das variáveis sociodemográficas incluídas no modelo, apenas a idade foi associada, mesmo quando ajustada para outras variáveis, demonstrando, assim, a influência do processo de envelhecimento sobre a emergência de fragilidade( 1919. Sousa AC, Dias RC, Maciel AC, Guerra RO. Frailty syndrome and associated factors in community-dwelling elderly in Northeast Brazil. Arch Gerontol Geriatr. 2012;54:e95-e101. ).

No Brasil, por questões culturais e características históricas, os idosos utilizam os serviços de saúde que dispõem de maior aparato tecnológico duro, em maior parte, através dos serviços de hospitalização, no momento em que são agravadas as suas condições de vida, o que pode contibuir para reinternações e, consequentemente, para a fragilidade( 44. Veras R. Envelhecimento populacional contemporâneo: demandas, desafios e inovações. Rev Saúde Pública. 2009;43(3):548-54. ).

A perda de peso tem sido referida como sendo uma importante informação no que diz respeito à predição de fragilidade. A participação no fenômeno ainda não está clara, tendo em vista que a perda de peso não representa com precisão a perda muscular, e o aumento simultâneo de massa gorda pode mascarar a estimativa real( 2020. Cawthon PM, Marshall LM, Michael Y, Dam TT, Ensrud KE, Barrett-Connor E, et al. Frailty in older men: prevalence, progression, and relationship with mortality. J Am Geriatr Soc. 2007;55(8):1216-23. ).

Os estudos que consideraram a associação do IMC com fragilidade ainda são inconclusivos. Alguns têm demonstrado que homens idosos pré-frágeis e frágeis apresentam menores valores de IMC e que a prevalência de fragilidade é um pouco maior em homens normais e abaixo do peso( 2020. Cawthon PM, Marshall LM, Michael Y, Dam TT, Ensrud KE, Barrett-Connor E, et al. Frailty in older men: prevalence, progression, and relationship with mortality. J Am Geriatr Soc. 2007;55(8):1216-23. ). Outros, porém, referem achados de associação de valores de IMC aumentado com situação de fragilidade, principalmente observados em mulheres idosas frágeis( 2121. Blaum CS, Xue QL, Michelon E, Semba R, Fried LP. The association between obesity and the frailty syndrome in older women: the Women's Health and Aging Studies. J Am Geriatr Soc. 2005;53(6):927-34. ).

Os achados nesta investigação foram consistentes com os resultados do estudo onde cinco das sete cidades da América Latina e Caribe foram investigadas e os maiores valores de IMC para mulheres foram relacionados com maiores probabilidades de fragilidade, inclusive em São Paulo, no Brasil( 99. Alvarado BE, Zunzunegui MV, Be´Land F, Bamvita JM. Life course social and health conditions linked to Frailty in Latin American Older Men and Women. J Gerontol A Sci Med Sci. 2008;63(12):1399-406. ).

A observação da associação da dependência na realização das atividades instrumentais e básicas com fragilidade é apresentada em estudos nacionais e internacionais, demonstrando o grau de prejuízo que esse acometimento gera no idoso, por limitá-lo diretamente na sua autonomia, acarretando diminuição na qualidade de vida( 11. Fried LP, Tangen CM, Walston J, Newman AB, Hirsh C, Gottdiener J, et al. Frailty in older adults. J GerontolA Biol Sci Med Sci. 2001;56:M146-57. ). Os dados encontrados são consistentes com a literatura que, após ajuste, também encontrou associação entre ABVD, AIVD e fragilidade( 1818. Chen CY, Wu SC, Chen LJ, Lue BH. The prevalence of subjective frailty and factors associated with frailty in Taiwan. Arch Gerontol Geriatr. 2010;50(Suppl 1):S43-7. ).

É fundamental, entretanto, saber como se dá o processo de incapacidade funcional e sua relação com a fragilidade, pois fatores adversos importantes estão inter-relacionados aos dois eventos, como fadiga, baixo nível de atividade física e diminuição de força muscular, os quais têm sido sugeridos como preditores de incapacidade funcional( 2222. Avlund K. Fatigue in older adults: an early indicator of the aging process? Aging Clin Exp Res. 2010;22:100-15. ).

Nesta investigação, a autopercepção da saúde foi associada a ser frágil, corroborando outros achados( 1818. Chen CY, Wu SC, Chen LJ, Lue BH. The prevalence of subjective frailty and factors associated with frailty in Taiwan. Arch Gerontol Geriatr. 2010;50(Suppl 1):S43-7. ). Encontram-se na literatura sugestões de que essa questão é influenciada pela trajetória de vida e experiências vividas pelos idosos e a forma de como lidar com as situações adversas( 11. Fried LP, Tangen CM, Walston J, Newman AB, Hirsh C, Gottdiener J, et al. Frailty in older adults. J GerontolA Biol Sci Med Sci. 2001;56:M146-57. ), inclusive a superação dessas situações tem sido sustentada pela teoria que propõe a relação entre a resiliência em idosos e fragilidade( 2323. Varadhan R, Seplaki CL, Xue QL, Bandeen-Roche K, Fried LP. Stimulus-response paradigm for characterizing the loss of resilience in homeostatic regulation associated with frailty. Mech Ageing Dev. 2008;129:666-70. ).

Algumas limitações do estudo é o fato de esta pesquisa se caracterizar como sendo do tipo transversal, na qual não há possibilidade de se estabelecer relação de causa e efeito, bem como alguns instrumentos utilizados requereram informações subjetivas ou de autorrelato, o que pode levar a viés de memória. Investigações longitudinais e o uso de instrumentos mais objetivos são necessários para tornar robustas as inferências quanto aos indicadores preditivos da fragilidade.

Conclusão

A prevalência de pré-fragilidade e fragilidade foi de 58,7 e 23,8%, respectivamente. As evidências apresentadas, no presente estudo, mostraram que o estado de pré-fragilidade foi associado ao sexo, grupo etário e IMC. Enquanto o estado de fragilidade foi associado ao sexo, grupo etário, hospitalização, capacidade funcional e autopercepção de saúde. Houve mais variáveis associadas à condição frágil, o que reforça o conceito de síndrome clínica de ordem multifatorial, que pode resultar na perda da funcionalidade. Além disso, é salutar referir mais uma vez que a alta prevalência de idosos em condição pré-frágil constitui-se em informação importante, tendo em vista a possibilidade de agravamento e fragilização em curto espaço de tempo o que implicará em mais cuidados e gastos com a saúde desses idosos.

Portanto, os resultados encontrados sobre o tema devem servir para o direcionamento e aprimoramento das políticas de atenção à saúde dos idosos, bem como para assistência pelos profissionais envolvidos no cuidado dos mesmos, cuja finalidade deve evitar o agravamento e a evolução de estágios preliminares de fragilidade para situação avançada e suas consequências.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Aug 2014

Histórico

  • Recebido
    16 Out 2013
  • Aceito
    20 Maio 2014
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