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Qualidade de vida de pacientes usuários do cateterismo urinário intermitente1 1 Artigo extraído da tese de doutorado “Qualidade de vida dos pacientes com bexiga neurogênica em uso do cateterismo urinário intermitente em processo de reabilitação”, apresentada à Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OPAS/OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, Ribeirão Preto, SP, Brasil. Apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), Brasil, processo nº 2013/20871-6.

RESUMO

Objetivos:

mensurar e comparar a qualidade de vida de pacientes com bexiga neurogênica em uso do cateterismo urinário intermitente em processo de reabilitação, no Brasil e em Portugal.

Método:

estudo multicêntrico, Brasil e Portugal, quantitativo, transversal, observacional-analítico e correlacional. Foram utilizados dois instrumentos de coleta, um questionário de dados sociodemográficos e clínicos e World Health Organization Quality Life-bref. Foram inclusos pacientes maiores de 18 anos, com bexiga urinária neurogênica, e usuários do cateterismo urinário intermitente.

Resultados:

na amostra de pacientes brasileiros (n = 170) e portugueses (n = 52), respectivamente, a maioria era solteira (87-51,2%; 25-48,1%), com ensino fundamental (47-45,3%; 31-59,6%), aposentada (70-41,2%; 21-40,4%). A lesão medular foi a principal causa do uso do cateter urinário nos dois países. Os pacientes brasileiros apresentaram média de escores mais elevados de qualidade de vida no domínio psicológico (68,9) e menos elevados no domínio físico (58,9). Os pacientes portugueses apresentaram escores mais elevados no domínio psicológico (68,4) e menos no domínio ambiente (59,4). A realização do autocateterismo urinário intermitente foi significativa para os dois países.

Conclusões:

nos dois países, a qualidade de vida desses pacientes pode ser determinada pela melhora dos sintomas urinários, da independência, autoconfiança, relações sociais e acesso a atividades laborais.

Descritores:
Bexiga Urinária Neurogênica; Cateterismo Uretral Intermitente; Enfermagem; Paciente; Qualidade de Vida; Atividades Cotidianas

ABSTRACT

Objectives:

measure and compare the quality of life of neurogenic bladder patients using intermittent urinary catheterization who were going through rehabilitation in Brazil and Portugal.

Method:

multicenter, quantitative, cross-sectional, observational-analytic and correlational study executed in Brazil and Portugal. Two data collection tools were used, being one questionnaire with sociodemographic and clinical data and the World Health Organization Quality of Life-bref. Patients were included who were over 18 years of age, suffering from neurogenic urinary bladder and using intermittent urinary catheterization.

Results:

in the sample of Brazilian (n = 170) and Portuguese (n = 52) patients, respectively, most patients were single (87-51.2%; 25-48.1%), had finished primary education (47-45.3%; 31-59.6%) and were retired (70-41.2%; 21-40.4%). Spinal cord injury was the main cause of using the urinary catheter in both countries. The Brazilian patients presented higher mean quality of life scores in the psychological domain (68.9) and lower scores in the physical domain (58.9). The Portuguese patients presented higher scores in the psychological domain (68.4) and lower scores in the environment domain (59.4). The execution of intermittent urinary self-catheterization was significant for both countries.

Conclusions:

in the two countries, these patients’ quality of life can be determined by the improvement in the urinary symptoms, independence, self-confidence, social relationships and access to work activities.

Descriptors:
Urinary Bladder Neurogenic; Intermittent Urethral Catheterization; Nursing; Patient; Quality of Life; Activities of Daily Living

RESUMEN

Objetivos:

mensurar y comparar la calidad de vida de pacientes con vejiga neurogénica en uso de cateterismo vesical intermitente durante el proceso de rehabilitación en Brasil y en Portugal.

Método:

estudio multicéntrico, Brasil y Portugal, cuantitativo, trasversal, observacional-analítico y correlacional. Fueron utilizados dos instrumentos de recolecta, un cuestionario de datos sociodemográficos y clínicos y el World Health Organization Quality Life-bref. Fueron inclusos pacientes mayores de 18 años, con vejiga urinaria neurogénica, y usuarios de cateterismo vesical intermitente.

Resultados:

en la muestra de pacientes brasileños (n = 170) y portugueses (n = 52), respectivamente, la mayoría era soltera (87-51,2%; 25-48,1%), con educación fundamental (47-45,3%; 31-59,6%), jubilada (70-41,2%; 21-40,4%). La lesión medular fue la principal causa del uso del catéter urinario en los dos países. En promedio, los pacientes brasileños presentaron scores de calidad de vida superiores en el dominio psicológico (68,9) e inferiores en el dominio físico (58,9). Los pacientes portugueses presentaron scores superiores en el dominio psicológico (68,4) y inferiores en el dominio ambiente (59,4). La ejecución del autocateterismo vesical intermitente fue significativa para los dos países.

Conclusiones:

en los dos países, la calidad de vida de esos pacientes puede ser determinada por la mejora de los síntomas urinarios, de la independencia, autoconfianza, relaciones sociales y acceso a actividades laborales.

Descriptores:
Vejiga Urinaria Neurogénica; Cateterismo Uretral Intermitente; Enfermería; Paciente; Calidad de Vida; Actividades Cotidianas

Introdução

Os avanços dos cuidados em saúde, em âmbito mundial, têm requerido estudos sobre Qualidade de Vida (QV) de pacientes com doenças crônicas ou comorbidades incapacitantes das atividades de vida diária. Nessa população, os resultados sobre QV são um reflexo da capacidade dos pacientes de lidar e se adaptar à sua nova condição de vida real. Nessa fase, de reabilitação, é fundamental a assistência da equipe de saúde, uma vez que o cuidado deve ser compreendido na dimensão total do ser, da família e da comunidade11 Girotti ME, MacCornick S, Perissé H, Batezini NS, Almeida FG. Determining the variables associated to clean intermittent selfcatheterization adherence rate: one-year follow-up Study. Int Braz J Urol. 2011;37(6):766-72. doi: 10.1590/S1677-55382011000600013.
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.

Os estudos sobre QV são uma maneira de valorizar as percepções dos indivíduos. Permitem comparar, aprovar e definir métodos de tratamento; auxiliam na compreensão da escolha terapêutica, a avaliação dos custos e benefícios e identificam os principais aspectos afetados pela terapêutica proposta22 Woodward S, Steggal M, Tinhunu J. Clean intermittent self-catheterisation: improving quality of life. Br J Nurs. 2013;22(9):S22-5..

No contexto de pacientes com bexiga urinária neurogênica - disfunção vésico-urinária de origem neurológica que altera o funcionamento da bexiga33 Nardozza Junior A, Zerati M Filho, Reis RB. Urologia Fundamental. Sociedade Brasileira de Urologia. São Paulo: Planmark; 2010. -, o principal objetivo do tratamento é a preservação da função renal e a adaptação da pessoa à nova condição de vida44 Chan MF, Tan HY, Lian X, Ng LY, Ang LL, Lim LH. A randomized controlled study to compare the 2% lignocaine and aqueous lubricating gels for female urethral catheterization. Pain Pract. 2014;14(2):140-5. doi: 10.1111/papr.12056.
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. Todavia, os efeitos e as implicações do tratamento, como o uso de medicamentos, manejo da incontinência urinária, diários miccionais e, principalmente, o uso do cateterismo urinário intermitente, ferramenta fundamental no tratamento, resultam em impactos expressivos nas atividades de vida diária55 Newman DK, Willson MM. Review of Intermittent Catheterization and Current Best Practices. Urol Nurs. 2011;31(1):12-28..

O cateterismo urinário intermitente trata-se de um método de esvaziamento periódico da bexiga, em intervalos rotineiros, por meio da introdução de um cateter através da uretra66 Di Benedetto P. Clean intermittent self-catheterization in neuro-urology. Eur J Phys Rehabil Med. 2011;47(4):651-9.. Para que seja efetivo no tratamento da bexiga neurogênica, deve ser efetuado de forma regular, o que gera custos e significativas mudanças na vida diária77 Vahr S, Cobussen-Boekhorst H, Eikenboom J, Geng V, Holroyd S, Lester M et al. Catheterisation Urethral intermittent in adults. Evidence-based Guidelines for Best Practice in Urological. The Netherlands: European Association of Urology Nurses; 2013..

No Brasil, os pacientes com bexiga neurogênica, usuários do cateterismo urinário intermitente, não possuem, até o momento, política específica que garanta os recursos necessários para atendimento de excelência. No Brasil, o paciente é atendido como todo cidadão usuário do Sistema Único de Saúde (SUS), tem direito aos materiais necessários ao procedimento, todavia, nem sempre esses são obtidos em todas as unidades da federação88 Ministério da Saúde (BR). Entendendo o SUS. Brasília: Ministério da Saúde; 2006.-99 Mazzo A, Souza-Junior VD, Jorge BM, Nassif A, Biaziolo CF, Cassini MF et al. Intermittent urethral catheterization-descriptive study at a Brazilian service. Appl Nurs Res. 2014;27(3):170-4. doi: 10.1016/j.apnr.2013.12.002.
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. Quando se compara tal realidade à de outros países, observam-se mudanças nessas políticas, as quais parecem apoiar com maior intensidade o uso do cateter urinário. É possível observar estudos que retratam o uso de tecnologias mais avançadas na realização do procedimento e que discutem, de forma veemente, a autonomia do paciente1010 Biardeaua X, Corcos J. Intermittent catheterization in neurologic patients: Update on genitourinary tract infection and urethral trauma. Ann Phys Rehabil Med. 2016;59(2):125-9. doi: 10.1016/j.rehab.2016.02.006.
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-1111 Kiddoo D, Sawatzky B, Bascu CD, Dharamsi N, Afshar K, Moore KN. Randomized crossover trial of single use hydrophilic coated vs multiple use polyvinylchloride catheters for intermittent catheterization to determine incidence of urinary infection. J Urol. 2015;194(1):174-9. doi: 10.1016/j.juro.2014.12.096.
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. Dentre os diversos estudos, destaca-se, pela natureza do material encontrado sobre o assunto, o uso do cateter urinário em Portugal1212 Andrade VLF, Fernandes FAV. Prevention of catheter-associated urinary tract infection: implementation strategies of international guidelines. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2016;24: e2678. doi: 10.1590/1518-8345.0963.2678.
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-1313 da Silva CM, Chancellor MB, Smith CP, Cruz F. Use of botulinum toxin for genitourinary conditions: What is the evidence? Toxicon. 2015;107(Pt A):141-7. doi: 10.1016/j.toxicon.2015.07.333.
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Em Portugal, a prestação de cuidados de saúde caracteriza-se por um Sistema Nacional de Saúde. Nesse Sistema, o componente público garante assistência a todos os cidadãos e integra todos os cuidados de saúde, desde a promoção até a prevenção da doença, diagnóstico, tratamento e reabilitação médica e social. É vigente, no país, a denominada “Rede de referenciação hospitalar de medicina física e de reabilitação”, pela Direção-Geral da Saúde (DGS), a qual abrange o país em centros de reabilitação, localizados nas regiões de abrangência. Esses centros integram cuidados multiprofissionais de saúde e atendem os pacientes usuários de cateterismo urinário intermitente1414 Direção-Geral da Saúde (DGS). Rede de Referenciação Hospitalar de Urologia. Portugal: Serviço Nacional de Saúde; 2007..

As diversidades socioculturais e as políticas de saúde vigentes nesses países podem modificar ou não a adaptação do paciente com bexiga urinária neurogênica, em uso diário do cateterismo urinário intermitente, e interferir diretamente na sua QV. Contudo, frente a todo esse quadro, são escassos os estudos que abordam a problemática dos usuários do cateterismo urinário intermitente. As evidências produzidas estão focadas em grupos específicos, como os incontinentes ou os lesados medulares, o que não retrata a realidade de forma global22 Woodward S, Steggal M, Tinhunu J. Clean intermittent self-catheterisation: improving quality of life. Br J Nurs. 2013;22(9):S22-5.-33 Nardozza Junior A, Zerati M Filho, Reis RB. Urologia Fundamental. Sociedade Brasileira de Urologia. São Paulo: Planmark; 2010.,77 Vahr S, Cobussen-Boekhorst H, Eikenboom J, Geng V, Holroyd S, Lester M et al. Catheterisation Urethral intermittent in adults. Evidence-based Guidelines for Best Practice in Urological. The Netherlands: European Association of Urology Nurses; 2013.,99 Mazzo A, Souza-Junior VD, Jorge BM, Nassif A, Biaziolo CF, Cassini MF et al. Intermittent urethral catheterization-descriptive study at a Brazilian service. Appl Nurs Res. 2014;27(3):170-4. doi: 10.1016/j.apnr.2013.12.002.
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,1111 Kiddoo D, Sawatzky B, Bascu CD, Dharamsi N, Afshar K, Moore KN. Randomized crossover trial of single use hydrophilic coated vs multiple use polyvinylchloride catheters for intermittent catheterization to determine incidence of urinary infection. J Urol. 2015;194(1):174-9. doi: 10.1016/j.juro.2014.12.096.
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Nesse sentido, é imprescindível identificar as alterações vivenciadas por esses pacientes para que as ações programadas sejam efetivas. Dentre as alterações ocorridas pelo uso diário do cateter urinário, podem ser citados a aceitação da nova rotina, mudanças na vida social, ambiente de trabalho, custo do tratamento, entre outros. Tais pacientes carecem de cuidados específicos e ações efetivas que devem ser acompanhadas periodicamente pela equipe de saúde. Em especial, o enfermeiro possibilita o suporte profissional na esfera educativa, gerencial, clínica, de reabilitação e na implementação de planos de cuidados condizentes com a realidade vivenciada pelo paciente77 Vahr S, Cobussen-Boekhorst H, Eikenboom J, Geng V, Holroyd S, Lester M et al. Catheterisation Urethral intermittent in adults. Evidence-based Guidelines for Best Practice in Urological. The Netherlands: European Association of Urology Nurses; 2013.,99 Mazzo A, Souza-Junior VD, Jorge BM, Nassif A, Biaziolo CF, Cassini MF et al. Intermittent urethral catheterization-descriptive study at a Brazilian service. Appl Nurs Res. 2014;27(3):170-4. doi: 10.1016/j.apnr.2013.12.002.
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,1111 Kiddoo D, Sawatzky B, Bascu CD, Dharamsi N, Afshar K, Moore KN. Randomized crossover trial of single use hydrophilic coated vs multiple use polyvinylchloride catheters for intermittent catheterization to determine incidence of urinary infection. J Urol. 2015;194(1):174-9. doi: 10.1016/j.juro.2014.12.096.
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Nesse contexto, este estudo teve como objetivo mensurar e comparar a QV de pacientes com bexiga neurogênica, em uso do cateterismo urinário intermitente, em processo de reabilitação, no Brasil e em Portugal.

Método

Estudo multicêntrico, Brasil e Portugal, quantitativo, transversal, de tipo observacional-analítico e correlacional.

A amostra deste estudo foi escolhida por conveniência. No Brasil, os dados foram coletados em um ambulatório de cateterismo urinário de um centro de reabilitação, no interior do estado de São Paulo. No local, são atendidos pacientes oriundos da cidade local e daquelas próximas ao serviço, no período de janeiro de 2014 a fevereiro de 2015. Em Portugal, a coleta foi realizada na Região Central do país, em dois centros de reabilitação que abrangem essa área, no período de setembro a dezembro de 2015. No estudo, foram incluídos todos os pacientes maiores de 18 anos, orientados, com diagnóstico médico de bexiga urinária neurogênica, em uso do cateterismo urinário intermitente, que realizavam o autocateterismo ou que tinham o procedimento realizado pelo cuidador, em período superior a um mês.

Após a formalização do aceite de participação dos pacientes, através do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), a coleta de dados foi realizada por entrevista pelos pesquisadores no Brasil e em Portugal. Durante a entrevista, o questionário de QV foi autoaplicado ou aplicado pelos pesquisadores por meio da leitura do questionário aos pacientes com deficiência visual ou falha motora.

Foi utilizado um questionário para coleta de dados socioeconômicos, clínicos e relacionados aos aspectos do procedimento, e, para a análise de QV, foi utilizadoo World Health Organization Quality Life-bref (WHOQOL-bref), da Organização Mundial da Saúde (OMS). Tal instrumento constitui-se de questionário de avaliação de QV geral, elaborado pelo Grupo de Qualidade de Vida da OMS (WHOQOL Group). Trata-se de uma escala tipo Likert, abreviada da versão WHOQOL, com duas questões gerais e 24 questões que representam o instrumento original (WHOQOL-100); elas estão distribuídas em quatro domínios: físico, psicológico, relações sociais e meio ambiente1515 World Health Organization (WHO). WHOQOL-BREF Field Trial Version: Introduction, Administrations, Scoring and Generic version of the assessment. Geneva: Programme on Mental Health; 1996.. Esse instrumento já foi traduzido e validado tanto para o Brasil1616 Fleck MPA, Louzada S, Xavier M, Chachamovich E, Vieira G, Santos L et al. Application of the Portuguese version of the abbreviated instrument of quality life WHOQOL-bref. Rev. Saúde Pública. 2000;34(2): 178-183. doi: 10.1590/S0034-89102000000200012.
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quanto para Portugal1717 Canavarro MC, Pereira M, Moreira H, Paredes T. Qualidade de vida e saúde: aplicações do WHOQOL. Alicerces. 2010;3(3):243-68..

Os dados da pesquisa foram codificados e digitados duplamente em planilhas do aplicativo Excel. A base de dados final foi importada para o aplicativo SPSS (Statistical Package for the Social Science), versão 22 (Windows). Quanto ao WHOQOL-bref, os dados foram processados de acordo com as orientações da WHOQOL, no que se refere ao cálculo dos escores dos domínios da escala. O instrumento da OMS não prevê conceitualmente que se possa utilizar um escore global de QV. Nesse sentido, foram calculados os escores de avaliação de cada um dos quatro domínios e duas questões gerais. O valor mínimo dos escores de cada domínio é zero e o máximo 100. O escore de cada domínio é obtido em uma escala positiva, isto é, quanto mais alto o escore, melhor a QV naquele domínio1616 Fleck MPA, Louzada S, Xavier M, Chachamovich E, Vieira G, Santos L et al. Application of the Portuguese version of the abbreviated instrument of quality life WHOQOL-bref. Rev. Saúde Pública. 2000;34(2): 178-183. doi: 10.1590/S0034-89102000000200012.
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As análises estatísticas realizadas incluíram análises descritivas de frequência, tendência central e dispersão, análise inferencial de correlação e comparação entre os domínios de QV e características sociodemográficas, clínicas e de uso do cateterismo urinário dos pacientes brasileiros e portugueses. Devido à distribuição não normal da amostra, para as correlações, foi utilizada, em correlações paramétricas, a correlação de Pearson, e para não paramétricas, a de Spearman. Para a análise do WHOQOL-bref, na comparação com as variáveis sociodemográficas, clínicas e uso do cateterismo urinário, foram utilizados o teste Mann-Whitney e o teste Kruskal-Wallis. O nível de significância adotado para o estudo foi de 5% (p≤0,05).

Este estudo foi aprovado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa do Brasil (CONEP), (Parecer nº 505722/2013). O TCLE foi utilizado e assinado pelos participantes.

Para uso do WHOQOL-bref, foi solicitado e permitido o uso dos instrumentos pelos autores originais.

Resultados

Neste estudo, foram entrevistados 170 (100,0%) pacientes brasileiros e 52 (100,0%) pacientes portugueses. Dos 170 (100,0%) pacientes brasileiros, 121 (71,2%) eram do gênero masculino e 49 (28,8%) feminino, com idade média de 39 anos e mediana de 37 anos. O paciente mais jovem do Brasil apresentava 18 anos e o mais velho 95 anos.

Quanto aos 52 (100,0%) pacientes portugueses, 38 (73,1%) eram do gênero masculino e 14 (26,9%) do feminino, com idade média de 45 anos e mediana de 44. O paciente mais jovem de Portugal apresentava 24 anos e o mais velho 83 anos. O perfil sociodemográfico dos entrevistados está descrito na Tabela 1.

Tabela 1
Caracterização dos pacientes participantes do estudo, segundo estado civil, escolaridade, renda familiar e ocupação. Ribeirão Preto, SP, Brasil, e Coimbra, Portugal, 2016

Quanto à procedência, entre os pacientes brasileiros 102 (60,0%) pacientes eram provenientes do município do local da coleta de dados, 55 (32,3%) de regiões circunvizinhas e 13 (8,0%) de outros estados. Das regiões de Portugal, 33 (63,5%) eram da Região Sul, 14 (26,9%) da Região Central do país e 5 (9,6%) da Região Norte.

Em relação à caracterização clínica dos pacientes brasileiros, 95 (55,6%) apresentavam trauma raquimedular, 41 (24,0%) doença adquirida, 27 (15,8%) doença congênita e 7 (4,1%) doença iatrogênica. Dos pacientes portugueses, 41 (78,8%) apresentavam trauma raquimedular, 6 (11,6%) doença adquirida, 3 (5,8%) doença congênita e 2 (3,8%) doença iatrogênica.

A prática do cateterismo urinário intermitente dos pacientes, nos dois países, está descrita na Tabela 2.

Tabela 2
Descrição do cateterismo urinário intermitente utilizado pelos pacientes entrevistados. Ribeirão Preto, SP, Brasil, e Coimbra, Portugal, 2016

Quanto aos insumos para o cateterismo urinário no Brasil, 152 (89,4%) pacientes recebiam os materiais de órgãos públicos e 18 (10,6%) compravam com renda própria. Em Portugal, 32 (61,5%) compravam com renda própria e 20 (38,5%) recebiam de órgãos públicos, por estarem inseridos nas instituições de reabilitação.

A avaliação de QV dos pacientes brasileiros e portugueses, realizada pela WHOQOL-bref, está descrita na Tabela 3.

Tabela 3
Descrição da qualidade de vida (WHOQOL-bref) em relação aos quatro domínios e questões gerais de pacientes brasileiros e portugueses, de acordo com média, desvio-padrão, valores mínimo e máximo. Ribeirão Preto, SP, Brasil, e Coimbra, Portugal, 2016

A comparação dos dados de QV dos pacientes brasileiros e portugueses indicou diferença estatística significativa nas duas questões gerais (QV e saúde), conforme demonstrado na Tabela 4.

Tabela 4
Distribuição dos escores de qualidade de vida em relação aos domínios e duas questões gerais do WHOQOL-bref (QV* e saúde), segundo país. Ribeirão Preto, SP, Brasil, e Coimbra, Portugal, 2016

Também foi realizada a correlação dos domínios físico, psicológico, social, ambiental e das duas questões gerais da WHOQOL-bref (qualidade de vida e saúde) com as variáveis sociodemográficas, clínicas e de uso do cateterismo urinário intermitente, por meio dos testes dos Kruskal-Wallis e Mann-Whitney.

No Brasil, foram encontrados valores estatisticamente significativos para os pacientes brasileiros na correlação do estado civil com o domínio físico e psicológico, na ocupação com o domínio psicológico e ambiental e de quem realiza o procedimento (paciente ou cuidador) com o domínio psicológico. Em Portugal, foram encontradas correlações entre quem realiza o procedimento (paciente ou cuidador) com o domínio psicológico e com a questão geral de QV. As comparações significativas dos pacientes brasileiros e portugueses estão descritas na Tabela 5.

Tabela 5
Distribuição dos escores de qualidade de vida (WHOQOL-bref) dos pacientes brasileiros e portugueses, em relação ao estado civil e ocupação. Ribeirão Preto, SP, Brasil, e Coimbra, Portugal, 2016

Discussão

Conforme a OMS, QV é “a percepção do indivíduo de sua posição na vida, no contexto da cultura e sistema de valores nos quais ele vive, e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações1515 World Health Organization (WHO). WHOQOL-BREF Field Trial Version: Introduction, Administrations, Scoring and Generic version of the assessment. Geneva: Programme on Mental Health; 1996.. Os domínios de QV adotados pela OMS (físico, psicológico, social e ambiental) repercutem a esfera geral de vida, ou seja, satisfações, aspirações, experiências, relações sociais e bem-estar de um indivíduo e comunidade em que está inserido1818 Fleck MPA. A avaliação de qualidade de vida: guia para profissionais da saúde. Porto Alegre: Artmed; 2008.. Nesse contexto, as alterações no percurso das atividades de vida diária dos pacientes com bexiga urinária neurogênica, em uso do cateter urinário intermitente, demonstram significativas mudanças em todos os seus domínios de vida.

Neste estudo, os perfis sociodemográfico e clínico encontrados, na amostra de pacientes brasileiros e portugueses (Tabela 1), corroboram resultados de estudos anteriores1919 Nogueira PC, Rabeh SAN, Caliri MHL, Dantas RAS, Haas VJ. Burden of care and its impact on health-related quality of life of caregivers of individuals with spinal cord injury. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2012;20(6):1048-1056. doi: 10.1590/S0104-11692012 000600006.
https://doi.org/10.1590/S0104-1169201200...
-2020 Fontes F, Martins BS. Disability and social inclusion: the paths of medullary injury in Portugal. Sociologia, Problemas e Práticas. 2015;(77):153-172. doi: 10.7458/SPP2015773293.
https://doi.org/10.7458/SPP2015773293...
. Nas duas amostras, a lesão medular foi a principal causa do uso do cateter urinário. Tal lesão é uma condição permanente ou temporária que afeta as funções motora, sensitiva e autonômica com alterações significativas biopsicossociais, as quais podem influenciar as necessidades humanas básicas, graus de dependência e, consequentemente, a QV do paciente no domicílio1919 Nogueira PC, Rabeh SAN, Caliri MHL, Dantas RAS, Haas VJ. Burden of care and its impact on health-related quality of life of caregivers of individuals with spinal cord injury. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2012;20(6):1048-1056. doi: 10.1590/S0104-11692012 000600006.
https://doi.org/10.1590/S0104-1169201200...
. É expressivo o número de pessoas acometidas por lesões vértebro-medulares traumáticas ou atraumáticas no mundo. No Brasil, ocorre cerca de 40 novos casos por milhão de habitantes a cada ano2121 Morais DF, Spotti AR, Cohen MI, Mussi SEl, Melo Neto JS, Tognola WA. Epidemiological profile of patients suffering from cord spinal injury treated in tertiary hospital. Coluna/Columna. 2013;12(2):149-152. doi: 10.1590/S1808-18512013000200012.
https://doi.org/10.1590/S1808-1851201300...
. Em Portugal não existem dados atuais divulgados de incidência e prevalência2222 Martins F, Freitas F, Martins L, Dartigues J, Barat M. Spinal cord injuries-epidemiology in Portugal's central region. Spinal Cord. 1998;36(8): 574-578., embora se conheçam importantes alterações demográficas recentes indicativas de que a idade, à data da lesão, tem aumentado muito, originando, cada vez mais, pessoas com lesão medular.

Assim como, em relação às demais morbidades encontradas também na lesão medular, o cateterismo urinário intermitente é a principal forma de tratamento das alterações ocasionadas no sistema urinário, pela ocorrência da bexiga neurogênica. Quando iniciado o procedimento, é realizado com intervalos de quatro a seis horas ou de seis a oito horas, conforme o volume de diurese apresentado em registros de diários miccionais, e após avaliação por meio de exames urodinâmico, radiológico e ultrassonográfico33 Nardozza Junior A, Zerati M Filho, Reis RB. Urologia Fundamental. Sociedade Brasileira de Urologia. São Paulo: Planmark; 2010.. Tais resultados foram, também, aqueles encontrados na maior parte dos pacientes dessa amostra (Tabela 2).

O procedimento proporciona a reeducação vesical e favorece estímulos para a micção espontânea de maneira segura e efetiva55 Newman DK, Willson MM. Review of Intermittent Catheterization and Current Best Practices. Urol Nurs. 2011;31(1):12-28.. Todavia, traz alguns incômodos, como a sensibilidade na introdução do cateter urinário e perda de urina entre as cateterizações urinárias, o que foi relatado em ambas as populações (Tabela 2). Nesse sentido, o apoio dos profissionais é de extrema importância: torna-se necessária comunicação terapêutica clara e objetiva, e avaliação contínua das condições dos pacientes para o sucesso da terapêutica no domicilio77 Vahr S, Cobussen-Boekhorst H, Eikenboom J, Geng V, Holroyd S, Lester M et al. Catheterisation Urethral intermittent in adults. Evidence-based Guidelines for Best Practice in Urological. The Netherlands: European Association of Urology Nurses; 2013..

Para o sucesso ou insucesso da técnica e da adesão do paciente, é importante a qualidade dos materiais utilizados na realização do procedimento. Nesse quesito, foram observadas, na amostra, diferenças tanto no processo de aquisição como de qualidade dos materiais. O uso do cateter lubrificado ainda não é uma realidade brasileira99 Mazzo A, Souza-Junior VD, Jorge BM, Nassif A, Biaziolo CF, Cassini MF et al. Intermittent urethral catheterization-descriptive study at a Brazilian service. Appl Nurs Res. 2014;27(3):170-4. doi: 10.1016/j.apnr.2013.12.002.
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. Todavia, os estudos demonstram que esse tipo de material minimiza a sensibilidade do usuário e reduz o atrito com a mucosa uretral, o que leva à diminuição da dor e maior aderência ao tratamento, e proporciona melhora de cerca de 30,0% na QV dos pacientes44 Chan MF, Tan HY, Lian X, Ng LY, Ang LL, Lim LH. A randomized controlled study to compare the 2% lignocaine and aqueous lubricating gels for female urethral catheterization. Pain Pract. 2014;14(2):140-5. doi: 10.1111/papr.12056.
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,77 Vahr S, Cobussen-Boekhorst H, Eikenboom J, Geng V, Holroyd S, Lester M et al. Catheterisation Urethral intermittent in adults. Evidence-based Guidelines for Best Practice in Urological. The Netherlands: European Association of Urology Nurses; 2013..

Em relação à QV dos pacientes deste estudo, conforme demonstrada na Tabela 3, nos dados obtidos de pacientes brasileiros foram observados escores mais elevados de QV no domínio psicológico e menos elevados no domínio físico. Já nos pacientes portugueses, foram verificados escores mais elevados no domínio psicológico e menos elevados no domínio ambiente. Diante de tais dados, quando comparados aos dados normativos de Portugal, observou-se concordância dos resultados no domínio ambiente (menor escore) e discordância nos maiores escores, uma vez que os dados normativos apresentam entre a população portuguesa maiores escores no domínio físico2323 Patricio B, Jesus LMT, Cruice M, Hall A. Quality of Life Predictors and Normative Data. Social Indicators Research. 2014;119(3):1557-70. doi: 10.1007/s11205-013-0559-5.
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. Já em relação aos dados normativos brasileiros, estudo realizado na Região Sul demonstrou concordância com os resultados encontrados no domínio físico (menor escore) e discordância com o domínio psicológico. No estudo, o maior escore encontrado foi no domínio social2424 Cruz LN, Polanczyk CA, Camey SA, Hoffmann JF, Fleck MP. Quality of life in Brazil: normative values for the WHOQOL-bref in a southern general population sample. Qual Life Res. 2011 Sep;20(7):1123-9. doi: 10.1007/s11136-011-9845-3.
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Com referência ao estudo realizado na Região Sul do Brasil, os dados obtidos de participantes com doenças crônicas apresentaram todos os escores dos domínios de QV menores quando comparados à população em geral2424 Cruz LN, Polanczyk CA, Camey SA, Hoffmann JF, Fleck MP. Quality of life in Brazil: normative values for the WHOQOL-bref in a southern general population sample. Qual Life Res. 2011 Sep;20(7):1123-9. doi: 10.1007/s11136-011-9845-3.
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. No que diz respeito ao estudo da QV de usuários do cateterismo urinário, outros pesquisadores encontraram dados semelhantes a este estudo, tanto nos menores escores medidos pela WHOQOL-bref1515 World Health Organization (WHO). WHOQOL-BREF Field Trial Version: Introduction, Administrations, Scoring and Generic version of the assessment. Geneva: Programme on Mental Health; 1996. como nos maiores escores do domínio psicológico11 Girotti ME, MacCornick S, Perissé H, Batezini NS, Almeida FG. Determining the variables associated to clean intermittent selfcatheterization adherence rate: one-year follow-up Study. Int Braz J Urol. 2011;37(6):766-72. doi: 10.1590/S1677-55382011000600013.
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,2525 Szymanski KM, Misseri R, Whittam B, Kaefer M, Rink RC, Cain MP. Quantity, not frequency, predicts bother with urinary incontinence and its impact on quality of life in adults with spina bifida. J Urol. 2016;195(4 Pt 2):1263-9. doi: 10.1016/j.juro.2015.07.108.
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.

É evidente que quanto maior o apoio da equipe de saúde às questões multidimensionais de vida do paciente, em uso do cateterismo intermitente limpo, melhor será a adesão ao tratamento55 Newman DK, Willson MM. Review of Intermittent Catheterization and Current Best Practices. Urol Nurs. 2011;31(1):12-28.. Nesse processo, o enfermeiro é um profissional decisivo para o progresso do paciente, uma vez que auxilia o paciente a se tornar independente dentro da realidade vivenciada através do autocuidado do auxílio a obter melhor QV11 Girotti ME, MacCornick S, Perissé H, Batezini NS, Almeida FG. Determining the variables associated to clean intermittent selfcatheterization adherence rate: one-year follow-up Study. Int Braz J Urol. 2011;37(6):766-72. doi: 10.1590/S1677-55382011000600013.
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.

Neste estudo, a análise das variáveis independentes com cada domínio de QV e das duas questões gerais de QV da WHOQOL-bref1515 World Health Organization (WHO). WHOQOL-BREF Field Trial Version: Introduction, Administrations, Scoring and Generic version of the assessment. Geneva: Programme on Mental Health; 1996., demonstram, no Brasil, significativa relação do estado civil com os domínios físico e psicológico, uma vez que os pacientes solteiros e amasiados apresentaram melhor QV. Os relacionamentos são um dos aspectos a serem tratados pela equipe multiprofissional, uma vez que o usuário de cateter urinário intermitente pode apresentar constrangimentos, estresse, ansiedade, repressão durante um relacionamento, questões que podem se tornar barreiras para a evolução do tratamento e limitações para melhor QV11 Girotti ME, MacCornick S, Perissé H, Batezini NS, Almeida FG. Determining the variables associated to clean intermittent selfcatheterization adherence rate: one-year follow-up Study. Int Braz J Urol. 2011;37(6):766-72. doi: 10.1590/S1677-55382011000600013.
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,44 Chan MF, Tan HY, Lian X, Ng LY, Ang LL, Lim LH. A randomized controlled study to compare the 2% lignocaine and aqueous lubricating gels for female urethral catheterization. Pain Pract. 2014;14(2):140-5. doi: 10.1111/papr.12056.
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No Brasil, outro achado relevante foi a estatística significativamente positiva em relação à ocupação e aos domínios psicológico e ambiental, segundo a Tabela 5. Os pacientes brasileiros empregados apresentaram maior QV, o que demonstra a importância da inserção desses indivíduos em atividades laborais e de sua acessibilidade em ambientes públicos. A acessibilidade geralmente é afetada por questões políticas e de acesso à saúde, exemplificados pela falta de banheiros públicos (instalações inadequadas), e sociais como sentimentos de dor, choque, medo, depressão e dificuldades de adaptação ao tratamento77 Vahr S, Cobussen-Boekhorst H, Eikenboom J, Geng V, Holroyd S, Lester M et al. Catheterisation Urethral intermittent in adults. Evidence-based Guidelines for Best Practice in Urological. The Netherlands: European Association of Urology Nurses; 2013..

Os dados coletados demonstraram que a presença do cuidador é marcante no Brasil (37,1%), o que difere da realidade portuguesa (7,7%). No Brasil, foi possível observar que os pacientes que realizavam o autocateterismo urinário intermitente apresentaram maior escore de QV no domínio psicológico. Em relação aos dados coletados na amostra portuguesa, esse foi o dado estatisticamente relevante, demonstrando que os usuários de autocateterismo urinário intermitente apresentaram maior escore de QV no domínio físico e na questão sobre QV.

Conforme WHOQOL Group, o domínio psicológico envolve os aspectos da satisfação, bem-estar, autoestima e sentimentos negativos. O físico engloba aspectos relacionados à dor, desconforto, capacidade para trabalho e dependência. Já a questão geral sobre QV classifica o conceito em muito ruim, ruim, nem ruim nem boa, boa e muito boa1515 World Health Organization (WHO). WHOQOL-BREF Field Trial Version: Introduction, Administrations, Scoring and Generic version of the assessment. Geneva: Programme on Mental Health; 1996.. Portanto, esses resultados confirmam o impacto psicológico, físico e na classificação de QV para a autorrealização do procedimento, uma vez que demarca os sentimentos de independência, autossuficiência e melhor autoestima, expressos pelos pacientes.

Em relação à QV dos dois países, as duas questões gerais de QV e saúde foram estatisticamente significativas, já que os pacientes brasileiros apresentaram maiores escores de QV. Essas questões examinam os meios pelos quais uma pessoa avalia sua QV geral, saúde e bem-estar1515 World Health Organization (WHO). WHOQOL-BREF Field Trial Version: Introduction, Administrations, Scoring and Generic version of the assessment. Geneva: Programme on Mental Health; 1996.. Nesse sentido, é evidente a importância do trabalho dos profissionais de saúde, em especial do enfermeiro, o qual desempenha papel essencial para executar, orientar, demonstrar, supervisionar e reavaliar as condições de autocuidado desses pacientes ou cuidado prestado pelos cuidadores.

O WHOQOL-bref, por ser um instrumento de amplitude mundial, possibilitou mensurar, em dois países com semelhança linguística, porém características ambientais e culturais distintas, a QV. Todavia, é necessário o desenvolvimento de instrumentos mais específicos a essa população, o que poderia complementar os resultados obtidos, e pode ser considerado um fator limitante deste estudo.

Conclusão

Nos achados desta pesquisa nos dois países, foi possível identificar que a QV do paciente com bexiga neurogênica, usuário do cateterismo urinário intermitente, pode ser determinada pela melhora dos sintomas urinários, assim como pela independência, autoconfiança, relações sociais, acesso a atividades laborais e inserção social. Uma vez que os resultados encontrados se limitam a populações regionais, é necessário ampliar essa pesquisa para se obter caracterização de forma global da população almejada.

Nesse contexto, é necessária a compreensão desse fenômeno pelos profissionais de saúde, almejando a satisfação desses pacientes, com a vida e a eficácia dos processos de apoio e tratamento aos pacientes com bexiga neurogênica em uso do cateter urinário intermitente.

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  • Como citar este artigo

    Fumincelli L, Mazzo A, Martins JCA, Henriques FMD, Orlandin L. Quality of life of patients using intermittent urinary catheterization. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2017;25:e2906. [Access ___ __ ____]; Available in: ___________________ . DOI: http://dx.doi.org/ 10.1590/1518-8345.1816.2906.
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    Artigo extraído da tese de doutorado “Qualidade de vida dos pacientes com bexiga neurogênica em uso do cateterismo urinário intermitente em processo de reabilitação”, apresentada à Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OPAS/OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, Ribeirão Preto, SP, Brasil. Apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), Brasil, processo nº 2013/20871-6.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2017

Histórico

  • Recebido
    22 Ago 2016
  • Aceito
    01 Abr 2017
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