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O perfil lipídico e a síndrome metabólica

EDITORIAL

O perfil lipídico e a síndrome metabólica

Antonio Carlos LerarioI; Roberto Tadeu Barcellos BettiII; Bernardo Leo WajchenbergIII

IProfessor livre-docente de Endocrinologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - USP, Diretor da Sociedade Brasileira de Diabetes e médico do Núcleo de Diabetes e Coração do Instituto do Coração - INCOR do Hospital das clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - FMUSP, São Paulo, SP

IIDoutor em cardiologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - FMUSP, Coordenador do Departamento de Diabetes e Doenças Circulatórias da Sociedade Brasileira de Diabetes e médico do Núcleo de Diabetes e Coração do Instituto do Coração - INCOR do Hospital das clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - FMUSP, São Paulo, SP

IIIProfessor Titular Emérito de Endocrinologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - USP e médico do Núcleo de Diabetes e Coração do Instituto do Coração - INCOR do Hospital das clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - FMUSP, São Paulo, SP

Correspondência Correspondência: Incor HC-FMUSP Núcleo de Diabetes e Coração Av. Dr Enéas Carvalho de Aguiar, nº 44 05403-000 - Cerqueira Cesar -S. Paulo -SP

A doença cardiovascular é reconhecida como a maior causa de morbidade e de mortalidade, especialmente nas últimas décadas, quando tem sido observado um aumento da expectativa de vida da população1,2. Procurando reduzir sua incidência, muitos esforços têm sido feitos para se obter um maior conhecimento da sua fisiopatologia e identificar os fatores que condicionam o seu desenvolvimento, de forma a permitir não somente o aumento da longevidade mas também a qualidade de vida das pessoas. Já no início do século passado diversos autores observaram uma associação do risco da doença cardiovascular a alguns fatores como a obesidade, a hipertensão, o diabetes e a dislipidemia, que frequentemente estavam agrupados3,4. Posteriormente, novos estudos indicaram que a presença do grupamento destes fatores de risco se relacionavam geralmente à obesidade, especialmente a abdominal3,4. Na década de 1950 Vague enfatizou a importância da deposição de gordura a nível abdominal, descrevendo um maior risco de agrupar estes fatores de risco ao perfil antropométrico masculino que apresentava uma maior deposição gordurosa a nível abdominal caracterizando nos indivíduos os perfis de obesidade andróide e ginecóide3. O impacto destes fatores de risco passaram gradualmente a despertar uma crescente importância por parte de vários autores como causa de mortalidade da população adulta após a quarta década de vida, a ponto de Kaplan et al. descreveram a associação da hipertensão, obesidade, dislipidemia e o diabetes como o "quarteto mortal"3. Entretanto, apesar de reconhecida do ponto de vista epidemiológico, somente em 1988 o conceito de um elo fisiopatológico comum, que segundo a proposta de G. Reaven seria o estado de resistência periférica à ação da insulina e a hiperinsulinemia a ela compensatória. Desde então, a resistência à insulina tem sido amplamente reconhecida como o fator fisiopatológico de base para o desenvolvimento de diversas alterações metabólicas que constituem fatores de risco não somente para a doença cardiovascular mas também para o diabetes , a esteatose hepática e as hepatopatias não-alcoólicas3,4,5,6,7. A presença deste agrupamento de fatores de risco para o diabetes e a doença cardiovascular tem recebido diferentes denominações que a caracterizam como um uma síndrome. Inicialmente designada por Reaven como "Síndrome X" , recebeu outras deteminações como síndrome do Novo Mundo, síndrome da resistência à insulina, síndrome plurimetabólica e finalmente síndrome metabólica, denominação atual e universalmente utilizada3. Apesar que, recentemente, a própria existência da síndrome metabólica como uma entidade sindrômica esteja sendo contestada. Considerando que o risco cardiovascular e metabólico estaria condicionado à presença e à intensidade casual de cada um destes fatores, é plenamente comprovado que a resistência à insulina esteja associada a vários fatores de risco e a um processo inflamatório crônico e de hiperoxidação que levaria aos processos de aterosclerose e de lesão celular, especialmente das células beta pancreáticas8,9.

Entretanto, o diagnóstico clínico da resistência à insulina que é geralmente inferido em apenas pacientes que apresentam os fatores de risco, especialmente a obesidade, raramente é comprovado na prática clínica rotineira, considerando que as metodologias diagnósticas validadas como as técnicas de "clamp" ou de "modelo mínimo de Bergman", são de execução complexa e elevado custo e as técnicas indiretas como o HOMA, apesar de serem de fácil execução, são mais apropriadas para estudos epidemiológicos, sendo a sua confiabilidade questionada para o uso clínico individual. Dentre os fatores de risco que mais evidências clínicas são descritas destacam-se a hipertensão e a dislipidemia6,7,10.

A dislipidemia, especialmente a hipercolesterolemia, apresenta uma clara associação com a doença cardiovascular, e vários estudos randomizados realizados demonstram que o tratamento com estatinas reduz significantemente o risco de eventos cardiovasculares em pacientes diabéticos11. Entretanto, como muito pacientes que apresentaram episódios coronarianos e cérebrovasculares agudos não apresentaram alterações evidentes nos níveis do colesterol ou do LDL-colesterol e que um número expressivo dos pacientes com síndrome metabólica e resistência à insulina apresentaram predominantemente aumento dos níveis de triglicérides e de redução do HDL-colesterol , inúmeros novos estudos estão sendo desenvolvidos no sentido de melhor conhecer a fisiopatologia dos lípides no estado de resistência insulina, de modo a melhor detectar clinicamente o risco destes pacientes12,13.

Dentro desta linha de investigação, o estudo "Indicadores do perfil plasmático relacionado à resistência à insulina", de Vasques et al. apresentado nesta edição procura avaliar a habilidade de indicadores do perfil lipídico que permita, por meio de um procedimento de fácil aplicabilidade e de baixo custo, identificar a presença da resistência à insulina em pacientes clinicamente saudáveis. Baseado em seus resultados, os autores concluem que a relação TG/HDL foi o melhor indicador bioquímico do perfil lipídico na avaliação dos níveis mais elevados da resistência a insulina, parecendo ser mais eficiente que a determinação do HDL-colesterol ou hipertrigliceridemia isolados. Entretanto, como sugerem nas suas conclusões, um estudo epidemiológico mais amplo, que utilize maior casuística, e que focalize também alguns extratos específicos da população, são necessários para a sua aplicação. Sugerem ainda que para a utilização clínica deste indicador, o comportamento da relação TG/HDL-C deva ser avaliado em níveis mais altos de TG séricos, para possibilitar a determinação de pontos de corte. Apesar de não haver dúvidas quanto à associação com a dislipidemia e o seu papel no desenvolvimento da aterosclerose e do diabetes, muitas respostas ainda deverão ser obtidas através de estudos adicionais.

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  • Correspondência:
    Incor HC-FMUSP Núcleo de Diabetes e Coração
    Av. Dr Enéas Carvalho de Aguiar, nº 44
    05403-000 - Cerqueira Cesar -S. Paulo -SP
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Jul 2009
    • Data do Fascículo
      2009
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