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Capacitação para o enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes em quatro capitais brasileiras

Resumos

Este artigo analisa a oferta de capacitação aos agentes do poder público municipal para o enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes em quatro capitais brasileiras. Trata-se de um estudo de caso múltiplo, tendo como recorte de análise as capacitações ofertadas, no biênio 2010-2011, pelo governo municipal para os profissionais e gestores da rede pública. Analisou-se 66 entrevistas semiestruturadas e documentos escritos que caracterizassem as ações formativas. Observou-se um investimento desigual entre as capitais e a falta de especificidade no trato da temática. Há uma considerável falta de memória institucional, que dificulta o processo de análise das estratégias de formação profissional. A Saúde foi a área que mais capacitou profissionais, incluindo a temática da notificação nos conteúdos de formação. Notou-se pouco investimento de formação para a prevenção das violências e promoção de relações e vínculos protetivos. Destacou-se o papel indutivo dos programas federais e estaduais no setor de Turismo e Educação. Poucas iniciativas incluíram a participação de mais de um setor público. Sugere-se a construção de um plano de capacitação sobre violências e direitos sexuais de crianças e adolescentes e, em especial, sobre violência sexual.

Violência sexual; Crianças; Adolescentes; Capacitação


This article analyzes the training offered to municipal public employees to confront sexual violence against children and adolescents in four Brazilian capitals. Based on a multiple case study, it focuses on the training programs offered in the 2010-2011 biennium by the municipal government for professionals and managers in the public health network. We analyzed 66 semi-structured interviews and written documents pertaining to the training actions. We observed an unequal investment among the capitals and a lack of specificity in the treatment of the themes. There is a considerable lack of institutional memory which complicates the analysis of professional training strategies. Healthcare was the field which trained their professionals the most, including the subject of notification in training content. We noted little investment in training oriented toward the prevention of violence and the promotion of protective relationships and links. We emphasized the inductive role of federal and state programs in the areas of Tourism and Education. Few initiatives included the participation of more than one public sector. We suggest the creation of a training plan about violence and the sexual rights of children and adolescents, and in particular about sexual violence.

Sexual violence; Children; Adolescents; Training


Introdução

No Brasil, as crianças e os adolescentes representam a parcela mais exposta às violações de direitos pela família, pelo Estado e pela sociedade, contrariando a Constituição Federal e suas leis complementares, como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)11. Cavalcante FG, Marinho ASN, Bastos OM, Valadão de Deus V, Maimone MS, Carvalho MM, Fiaux MP, Valdene RSR. Diagnóstico situacional da violência contra crianças e adolescentes com deficiência em três instituições do Rio de Janeiro. Cien Saude Colet 2009; 14(1):45-56..

A violência sexual (VS) contra o segmento infantojuvenil é atualmente reconhecida como uma violação dos direitos fundamentais e dos direitos sexuais e reprodutivos e deve ser apreendida como um fenômeno social que possui uma historicidade. Observa-se, nas últimas décadas, uma discussão ampliada em torno do tema, acompanhada da censura em face ao silêncio diante das situações identificadas, o que é então entendido como omissão e conivência. Desse modo, o assunto passa a ser debatido publicamente, concebido como um problema a ser enfrentado coletivamente, sendo que o delineamento de ação e dos discursos produzidos é influenciado pelos padrões da moralidade vigente22. Lowenkron L. Abuso sexual infantil, exploração sexual de crianças, pedofilia: diferentes nomes, diferentes problemas? Sexualidad, Salud y Sociedad 2010; 5:9-29..

A magnitude desses eventos vem ganhando destaque nos sistemas de notificação e denúncia existentes. Em 2012, o Sistema de Informação de Agravos e Notificações (SINAN) registrou 20.299 casos de violência sexual em todas as idades, sendo 15.670 (77,2%) na faixa etária de 0 a 19 anos33. Brasil. Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN). [acessado 2013 dez 11]. Disponível em: http://dtr2004.saude.gov.br/sinanweb/tabnet/tabnet?sinannet/violencia/bases/violebrnet.def
http://dtr2004.saude.gov.br/sinanweb/tab...
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É consenso de que os setores da Educação, Saúde, Assistência Social, Segurança Pública, Turismo e Lazer, Cultura, dentre outros, constituem agências legitimadas socialmente e instituídas pelo Estado, para o enfrentamento das violências sexuais contra esse grupo44. Lopes RE, Malfitan OAPS. Ação social e intersetorialidade: relato de uma experiência na interface entre saúde, educação e cultura.Interface (Botucatu) 2006; 10(20):505-515.. Essas demandas eclodem na rede pública e compete aos profissionais cumprir normativas e efetivar os dispositivos de proteção a esse grupo. Todavia, a literatura mostra que os profissionais que trabalham no atendimento desses casos não se sentem capacitados, especialmente quando se reportam às violências sexuais55. Granville-Garcia AF, Souza MGC, Menezes VA, Barbosa RG, Cavalcanti AL. Conhecimento e percepção de professores sobre maus-tratos em crianças e adolescentes. Saúde Soc. 2009; 18(1):131-140..

Autores questionam a formação e asseveram que cabe uma revisão radical do papel das instituições no fomento de competências dos profissionais. A falta de diálogo entre as instituições formadoras com os órgãos responsáveis pela prestação de serviço e com a sociedade civil é um contrassenso, ao se ter em vista a perspectiva de devolver à coletividade profissionais capazes de dialogar com as demandas atuais e de defender os direitos humanos66. Cotta RMM, Gomes AP, Maia TM, Magalhães KA, Marques ES, Siqueira-Batista R. Pobreza, injustiça, e desigualdade social: repensando a formação de Profissionais de Saúde. Rev Brasileira de Educação Médica 2007; 31(2):278-286..

Nessa perspectiva, desde os anos 60, projetos multinacionais passaram a incentivar a formação contínua de adultos. A Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), em Paris, em 1966, definiu objetivos para educação, considerando prioritária a ideia de educação permanente, como um processo que deve prosseguir por toda a vida77. Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Recomendação relativa à condição docente, aprovada pela Conferência Intergovernamental Especial sobre a Condição Docente. Paris: Unesco; 1966.. Na década de 70 desponta um enfoque crítico com a tomada de consciência de que o homem também se educa a partir da realidade que o cerca e, em interação com outros homens, coeduca-se como sujeito transformador88. Morin E. A cabeça bem feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 7ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 2002..

Estudiosos reconhecem a polissemia dos conceitos de educação continuada e permanente, mas são unânimes em afirmar a necessidade de capacitar profissionais para atuação mais efetiva no atendimento às crianças e aos adolescentes expostos às situações de violências sexuais99. Finck SCM, Salles Filho NA. Esporte e a formação de professores na prevenção de violências e mediação de conflitos escolares. Acta Scientarium Education 2012; 34(1):111-120..

A educação continuada é definida pela Organização Panamericana de Saúde (OPAS) como um processo permanente de educação, complementando a formação básica, atualizando e melhor capacitando pessoas e grupos, ante as mudanças técnicas, científicas e sociais1010. Organización Panamericana de la Salud (OPAS). Oficina regional de la organización de la salud. Educación contínua: guia para la organización de programas de educación continua para el personal de salud. Washington: OPAS; 1978.. Para a Organização Mundial de Saúde (OMS), consiste no processo que inclui todas as experiências posteriores à formação inicial1111. Organización Mundial de la Salud (OMS). Continuando la educación de los trabajadores de salud: Principios e guias para el desarrollo de um sistema. Genebra: OMS; 1982..

A educação permanente consiste no desenvolvimento pessoal que deve ser potencializado, a fim de promover, além da capacitação técnica específica dos sujeitos, a aquisição de novos conhecimentos, conceitos e atitudes1212. Paschoal AS, Mantovani MF, Meier MJ. Percepção da educação permanente, continuada e em serviço para enfermeiros de um hospital de ensino.Rev Escola de Enfermagem da USP 2007; 41(3):478-484..

No sentido de melhorar a qualidade dos serviços e possibilitar transformações mediante a inclusão de saberes e práticas, o Brasil se comprometeu a investir em políticas públicas que norteiam o processo de capacitação. Dentre estas, destaca-se a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde (PNEPS)1313. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Política Nacional de Educação Permanente em Saúde. Brasília: MS; 2009. e a Política Nacional de Educação Permanente para o Controle Social do Sistema Único de Saúde - SUS (PNEPCS)1414. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Conselho Nacional de Saúde.Política Nacional de Educação Permanente para o Controle Social no Sistema Único. Brasília: MS; 2007..

O enfoque da educação permanente preconizado na PNEPS representa uma importante mudança na concepção e nas práticas de capacitação dos trabalhadores dos serviços. Supõe inverter a lógica do processo, incorporando o ensino e o aprendizado à vida cotidiana das organizações e às práticas sociais e laborais no contexto que ocorrem, reconhecendo os sujeitos como atores reflexivos da prática, construtores do conhecimento e de alternativas de ação1313. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Política Nacional de Educação Permanente em Saúde. Brasília: MS; 2009.. Esta concepção também permeia as políticas educacionais do ensino fundamental e médio, quando elegem temas complexos, a exemplo da violência, que devem ser discutidos de modo transversal na formação de crianças e jovens1515. Brasil. Ministério da Educação (MEC). Secretaria de Educação Fundamental (SEF). Parâmetros curriculares nacionais: introdução aos parâmetros curriculares nacionais. Brasília: MEC/SEF; 1997..

Do mesmo modo, no âmbito da assistência social postula-se que a capacitação deve ser promovida com a finalidade de produzir e difundir conhecimentos que desenvolvam habilidades e capacidades técnicas e gerenciais, ao efetivo exercício do controle social e ao empoderamento dos usuários1616. Brasil. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Secretaria Nacional de Assistência Social. Norma Operacional Básica NOB/SUAS.Política Nacional de Assistência Social. Brasília: NOB/SUAS; 2006..

Considerando-se a demanda intersetorial do atendimento às situações de violências, especialmente as sexuais, contra crianças e adolescentes e as dificuldades que têm sido observadas, seja para atuação em rede, para o acompanhamento das famílias e para cumprir as diretrizes das políticas públicas sobre o tema, a questão da capacitação de gestores e profissionais assume papel estratégico1717. Paixao ACW, Deslandes SF. Análise das políticas públicas de enfrentamento da violência sexual infantojuvenil. Saude Soc.2010; 19(1):114-126..

Nessa perspectiva, busca-se neste artigo analisar a oferta de capacitação aos agentes do poder público municipal para o enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes em quatro capitais brasileiras.

Método

Este artigo insere-se na pesquisa multicêntrica denominada “Avaliação das estratégias governamentais municipais no enfrentamento da exploração sexual de crianças e adolescentes em quatro capitais das macrorregiões brasileiras”. Este estudo foca os cinco eixos da atuação dos governos municipais no enfrentamento às violências (prevenção e promoção de vínculos cuidadores; atenção às pessoas em situação de violência; fortalecimento do sistema de garantia de direitos; registro e notificação; e, responsabilização dos autores). O estudo utiliza um conjunto de indicadores construídos por metodologias participativas e validados em pesquisas anteriores1818. Deslandes SF, Mendes CHF, Pires TO, Campos DS. Use of the Nominal Group Technique and the Delphi Method to draw up evaluation indicators for strategies to deal with violence against children and adolescents in Brazil.Rev Brasileira de Saúde Materno Infantil 2010; 10(Supl. 1):s29-s37..

O desenho da pesquisa configura um estudo de caso múltiplo1919. Yin RK. Estudo de caso – planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman; 2001.. O estudo de caso constitui um método de pesquisa comumente empregado no campo das ciências sociais. Permitem um aprofundamento, seja exploratório, seja analítico sobre um objeto delimitado geográfica e temporalmente, demarcando o interesse em observar a ocorrência de um fenômeno, aliando no percurso interpretativo, teorias e práticas ou experiências adquiridas pelos pesquisadores1919. Yin RK. Estudo de caso – planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman; 2001.,2020. Gil AC. Como elaborar projetos de pesquisa. 4ª ed. São Paulo: Atlas; 2008..

O estudo de caso permite um mergulho na investigação empírica, viabilizando a coleta de dados relevantes e convenientes. Apresenta procedimentos metodológicos flexíveis, exigindo certa maturidade do pesquisador e capacidade de observação. Este método pode utilizar técnicas da pesquisa histórica, lançar mão da análise de documentos, de observações e de entrevistas aos sujeitos1919. Yin RK. Estudo de caso – planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman; 2001..

O estudo é composto por quatro casos, selecionados pelos seguintes critérios: 1. diversidade regional; 2. alta incidência de denúncias de exploração sexual. Foi utilizado como base de dados para a seleção das capitais informações oriundas do Disque Direitos Humanos – Disque 100, Módulo Criança e Adolescente, considerando-se a soma de denúncias sobre exploração sexual no período de 2003 a 2010; 3. aceitação das prefeituras em participar do estudo. Assim, foram selecionadas as capitais de Porto Alegre, Campo Grande, Belém e Fortaleza. Belém era a segunda cidade com maior contingente de denúncias da Região Norte. A capital com maior número de denúncias (Manaus) foi acometida por situação de calamidade pública devido a enchentes no período da pesquisa, declinando do convite de participar do estudo. A Região Sudeste não foi incluída no estudo por corte de recursos.

Em todas capitais a pesquisa seguiu o mesmo protocolo de adesão. Os contatos institucionais com os gabinetes dos prefeitos foram acompanhados do envio do projeto, da aprovação do comitê de ética e de sucessivos esclarecimentos de seus propósitos com vistas à adesão ao estudo. Após aceitação oficial da pesquisa, mediante assinatura pelo prefeito de um termo de anuência, realizou-se em cada capital um seminário de apresentação e pactuação de cooperação, no sentido de viabilizar a coleta de dados, do cumprimento do cronograma e definir as formas de devolutiva dos achados.

Tais atividades envolveram em todas as capitais representantes das secretarias municipais, dos gabinetes, dos Conselhos Tutelares e Conselho Municipais de Direitos da Criança e do Adolescente. Ao final do estudo, em cada cidade foi realizado seminário público visando a divulgação dos resultados e validação das recomendações feitas.

Tomou-se como unidade de análise as capacitações ofertadas, no biênio 2010-2011, pelo governo municipal para os profissionais e gestores que atuam na rede pública.

A coleta de dados, realizada no período de junho a novembro de 2012, pautou-se na aplicação de 66 entrevistas semiestruturadas com gestores e técnicos do nível central, representantes das secretarias municipais das áreas de políticas públicas envolvidas com o enfrentamento às violências sexuais contra crianças e adolescentes (Saúde, Educação, Assistência Social, Direitos Humanos, Cultura, Esporte e Lazer e Guarda Municipal). Seguindo as indicações dos entrevistados, novos interlocutores relevantes eram sugeridos (técnica snow-ball) e posteriormente entrevistados.

As entrevistas foram transcritas e tomadas como fontes documentais orais. Além dos depoimentos, os documentos escritos que caracterizassem as ações formativas mencionadas pelos gestores foram categorizados segundo preceitos da análise temática2121. Gribs G. Análise de dados qualitativos. Porto Alegre: Artmed; 2009..

A organização do acervo foi conduzida pela categorização orientada pela base normativa contida nas políticas, planos e normatizações responsáveis pelo enfrentamento do fenômeno. Assim foram definidas três unidades temáticas: (1) capacitações voltadas para a identificação e prevenção; (2) para a atenção às crianças, adolescentes e familiares; (3) para a sistematização e análise de dados de notificações de violências sexuais contra crianças e adolescentes.

Os resultados foram dispostos descritivamente, num primeiro nível, agrupados pelo setor de atuação (Educação, Assistência, etc) e tratando de forma individualizada cada capital. Posteriormente, as principais tendências e questões observadas foram debatidas com a literatura.

Resultados

Capacitação de profissionais para identificação e prevenção de violências sexuais contra crianças e adolescentes

As orientações para o investimento nessas iniciativas estão presentes no Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária, no Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Infantojuvenil, na Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e no Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. Neste conjunto de normativas se reconhece que a capacitação contínua dos profissionais para a identificação e prevenção às distintas situações que envolvem violências contra crianças e adolescentes, e especialmente as violências sexuais, é papel de todas as políticas públicas destinadas ao enfrentamento da violência contra crianças e adolescentes. Portanto, espera-se que tais iniciativas de formação estejam presentes no programa de gestão das secretarias municipais.

Considerando-se o setor de Educação, os gestores de Fortaleza, Porto Alegre e Campo Grande afirmaram a existência de profissionais previamente capacitados pela gestão para lidarem com a violência no ambiente escolar.

Em Fortaleza, as capacitações aconteceram, anualmente, através do Programa Escola que Protege, de âmbito federal, incluindo profissionais do Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente, com carga horária de 120 horas, inscrição individual e adesão espontânea. Outra iniciativa deu-se através do Programa de Educação contra Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente (PETECA), de abrangência estadual, discutindo o tema da exploração sexual, sem, no entanto, ter sido disponibilizado o quantitativo de profissionais capacitados no período 2010-2011.

Já em Porto Alegre, os entrevistados mencionaram os seminários anuais das Redes de Proteção à Infância e Adolescência envolvendo professores e profissionais das demais políticas públicas. Em 2011, muitas dessas redes locais priorizaram o debate em torno dos temas abuso e exploração sexual. Ainda neste ano, 33 orientadores educacionais e assessores pedagógicos participaram das capacitações realizadas pelo Programa de Ações Integradas e Referenciais de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil no Território Brasileiro (PAIR). O município ainda contou com o Programa Escola que Protege na oferta de cursos anuais de 80 horas para professores da rede.

Estes cursos abordaram os temas sobre o abuso e a exploração sexual, vinculados aos direitos humanos, mediação de conflitos e identificação de violências. Os profissionais das escolas participaram dos seminários gerais e os oferecidos junto às redes.

Em Campo Grande, em 2010, a maioria das escolas realizou capacitações sobre prevenção das violências em parceria com o setor saúde. Os conteúdos abordaram o perfil epidemiológico das violências nesse público; as situações de riscos para a violência; a natureza das lesões e possibilidades de intervenção; as causas de conflitos entre os alunos; a violência intrafamiliar; o bullying; e a escola como espaço de proteção e notificação de violências. Participaram das capacitações, técnicos, orientadores, coordenadores e supervisores pedagógicos de cada unidade escolar.

O representante da área de Educação do município de Belém afirma não ter sido ofertada capacitação aos profissionais da rede de ensino sobre violências, justificando o acúmulo de demandas nessa secretaria, porém reconhece a importância desse tipo de oferta formativa. Todavia, outras iniciativas, que indiretamente se relacionam à prevenção das violências foram mencionadas. O representante da Secretaria Municipal de Educação (SEMEC) citou os projetos “Escola Aberta”, que em 2012 envolvia alunos e familiares de 16 unidades escolares, e “Mais Educação”, que realizava oficinas e outras atividades dentro dos macros campos voltadas para o protagonismo juvenil tais como: acompanhamento pedagógico; educação ambiental; esporte e lazer; direitos humanos em educação; cultura e artes; cultura digital; promoção da saúde; comunicação e uso de mídias; investigação no campo das ciências da natureza e educação econômica.

Destaca-se nos últimos anos, a inclusão do Setor Turismo na agenda pública de enfrentamento às violências sexuais, especialmente diante do fenômeno da exploração sexual de crianças e adolescentes2222. Childhood Brasil. Projeto Copa Do Mundo de 2014. Prevenção e Enfrentamento à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes no Contexto do Mundial. São Paulo, Recife: Childhood Brasil; 2012..

Fortaleza vincula-se ao Programa federal Turismo Sustentável e Infância, definidor dos conteúdos de capacitação, tais como turismo sexual, exploração e proteção aos direitos de crianças e adolescentes com enfoque no protagonismo juvenil.

Em Porto Alegre, as capacitações dos profissionais da rede de turismo foram ofertadas pelo PAIR, em 2011, com a participação de um único representante que desempenharia o papel de agente multiplicador.

No município de Campo Grande, a Fundação de Turismo, articulada com a Coordenadoria da Mulher, assumiu essas iniciativas de capacitação. Quanto às propostas conjuntas, a secretaria de saúde foi citada como uma das organizadoras, enquanto a secretaria de turismo, como convidada. A representante do setor de turismo avaliou que os conteúdos discutidos nessas ações deixaram a desejar, especialmente quanto ao enfrentamento das violências sexuais, considerando a complexidade e extensão da fronteira sul-mato-grossense.

Destacaram-se ainda, as seguintes iniciativas: Projeto Viagem Feliz, em parceria com a Agência Reguladora de Serviços Públicos (AGEPAN) da esfera estadual, no início de 2012, sensibilizando motoristas, donos de empresas de ônibus, profissionais que trabalham nos terminais rodoviários e proprietários de vans; e a ação Dica na Estrada, do Serviço Social do Transporte (SEST) e do Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (SENAT), voltada para os profissionais do transporte turístico.

Em Belém, depoimento do representante do setor de turismo assegura que não havia iniciativas de capacitação sob a responsabilidade da gestão municipal a respeito dessa temática. No entanto, mencionou a sensibilização dos gestores locais para a importância do tema.

Capacitação de profissionais na atenção a crianças e adolescentes em situação de violência sexual

É previsto, nos Eixos do Plano Nacional de Enfretamento a Violência Sexual Infantojuvenil, que o atendimento especializado e em rede às crianças e aos adolescentes em situação de violência sexual e às suas famílias seja feito por profissionais especializados e capacitados.

No que se refere à área da Saúde, os gestores dos quatro municípios mencionaram a existência de profissionais previamente capacitados pela gestão para o atendimento de crianças e adolescentes em situação de violência sexual.

Em Fortaleza, representante da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) afirmou que, desde 2007, são ofertadas capacitações sobre a violência em geral e violência sexual para os hospitais municipais, equipes de saúde da família (especialmente agentes comunitários de saúde - ACS), e para os Centro de Atenção Psicossocial (CAPS).

A parceria com o Ministério da Saúde, no projeto Integrando as Redes de Apoio e Proteção a Criança e Adolescente, permitiu capacitar o profissional das redes de atenção, bem como de outras secretarias, em parceria, também, com os Conselhos Tutelares (CT), Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (COMDICA), Fórum Cearense de Enfrentamento à Violência Sexual de Crianças e Adolescentes, Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), Delegacia Especializada de Combate à Exploração de Crianças e Adolescentes (DECECA) e outras instituições da rede2323. Fortaleza. Secretaria Municipal de Saúde (SMS). Protocolo de acolhimento ao adolescente com avaliação de risco e vulnerabilidade. Fortaleza: SMS; 2012.. Em 2010, foi realizada capacitação para 40 facilitadores para a formação dos ACS.

Segundo informação do Relatório de Gestão de 2010, da área de Saúde, houve a oferta de curso de prevenção às violências (contra criança e adolescentes), direcionada aos 1.618 ACS, em convênio com o Ministério da Saúde (MS). Esse curso abrangeu 85% desses profissionais2424. Fortaleza. Secretaria Municipal de Saúde (SMS). Relatório de Gestão 2010. Saúde, qualidade de vida e a ética do cuidado.Fortaleza: SMS; 2010..

Representante da SMS de Porto Alegre afirmou que todos os profissionais que atuam nos quatro serviços de referência do SUS no atendimento a crianças e adolescentes em situação de “violência intrafamiliar e abuso sexual” (Centro de Referência de Atendimento Infanto-Juvenil e Serviço de Proteção à Criança e 02 Centros de Atenção Psicossocial Infantil - CAPSI) foram capacitados para identificação, atenção, acompanhamento e encaminhamento. Todavia não foram apresentados documentos comprobatórios acerca de capacitações voltadas para as equipes dos dois CAPSI referidos.

A representante da Secretaria Municipal da Saúde (SESAU) de Campo Grande relatou que os profissionais que atuam em 12 serviços de referência do SUS, para o atendimento a crianças e adolescentes em situação de “violência intrafamiliar e abuso sexual”, e nas 62 unidades básicas de saúde, foram capacitados. Essas ações foram realizadas pelo Núcleo de Prevenção da Violência (abrangendo violência doméstica, autoagressões, violência sexual e gênero) em parceria com a Coordenadoria de Políticas para as Mulheres. Foi reiterado que em todas as unidades de saúde há, no mínimo, quatro profissionais capacitados, pois um dos critérios para o trabalho na urgência e emergência é que o Enfermeiro e o Assistente Social façam a capacitação no Núcleo de Prevenção a Violência, para conhecer a Rede de Atenção à Vitima de Violência. Em 2011, o setor saúde capacitou 1.800 Agentes Comunitários.

Apesar das iniciativas terem sido relatadas, não foi possível aferir o número exato de profissionais capacitados.

Em Belém, representante da Secretaria Municipal de Saúde (SESMA) informou que quase a rede toda (cerca de 200 profissionais) foi capacitada em 2011-2012, mas não houve monitoramento do impacto desse processo no cotidiano dos serviços. Apesar de ter havido iniciativas de capacitação, por ausência de registro institucional, não foram disponibilizadas informações precisas sobre o número de profissionais efetivamente capacitados no biênio analisado (2010-2011).

No que concerne à Assistência Social, setor estratégico para o atendimento às crianças e adolescentes em situação de violência sexual, em Fortaleza, as equipes do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) têm se beneficiado mais da oferta de capacitação sobre o tema da violência sexual de outras secretarias, especialmente as oferecidas pela Secretaria Municipal de Direitos Humanos (SMDH), do que aquelas ofertadas pelo próprio setor. A última ocorreu em 2010, ofertada pelo Ministério Público. Apesar de haver a informação sobre a realização de capacitações, não foi informado o número de profissionais capacitados.

Em Porto Alegre, o representante da Fundação de Assistência Social e Cidadania (FASC) informou que havia, em 2012, 123 profissionais atuando nos CREAS, mas afirmou que a capacitação estava “sendo implantada” e que não dispunha de informação sobre o número de profissionais então capacitados.

Já em Campo Grande, a Secretaria Municipal de Assistência Social (SMAS) informou que os 60 profissionais que atuam nos CREAS participaram de capacitação sobre esse tema. Foi citado o PAIR como norteador das capacitações sobre exploração sexual. Embora tenha ocorrido oferta de capacitação, não havia elementos sobre a periodicidade.

Sobre a realização de capacitações, no município de Belém, foi afirmado que elas eram pontuais e isoladas, dependendo da iniciativa e empenho dos técnicos na busca por atividades que os qualificassem.

Capacitação de profissionais para sistematização e análise de dados de notificações/comunicações de violências sexuais contra esse grupo

A notificação/comunicação é essencial para o enfrentamento das violências sexuais contra crianças e adolescentes e para a restauração de seus direitos. Além de possibilitar a interrupção do abuso e desencadear medidas de proteção e assistência a vítimas e familiares, também oferece informações para avaliação da situação local e da necessidade de investimentos públicos. A implantação da notificação/comunicação, a sistematização e a análise das informações produzidas por este processo estão relacionadas com a capacitação dos profissionais que a produzem.

No setor de Educação, a representante da Secretaria Municipal de Educação (SME) de Fortaleza confirmou a existência de equipe capacitada, apesar da ausência de sistematização e análise de dados de notificações. Encontrava-se em fase de implantação do Portal que envolve o livro eletrônico no âmbito das escolas. Os entrevistados mencionaram que os professores capacitados pelo Programa Federal Escola que Protege consideraram que a formação foi útil e se consideraram aptos a realizar a identificação e notificação de situações de violência no âmbito escolar.

Em Porto Alegre, a representante da Secretaria Municipal de Educação (SMED) afirmou que há equipe capacitada para realizar a sistematização dos dados. A SMED estava desenvolvendo um banco de dados para consolidar informações das distintas formas de violência surgidas no universo escolar. Ainda que a ficha adotada por todas as escolas seja genérica e universal a quaisquer situações do cotidiano escolar e não sobre as situações de violência e suas especificidades, é útil, dado que cumpre o papel de informar e registrar a situações, seus encaminhamentos e desdobramentos.

A SMED de Campo Grande, em decorrência do processo de capacitação em parceria com a SESAU, implantou uma ficha de notificação elaborada a partir do modelo da ficha do Ministério da Saúde, que vem sendo utilizada por todas as escolas municipais. No que se refere aos temas da violência sexual e da exploração sexual, o aumento no número de notificações relacionadas à situação de abuso sexual foi considerado como decorrente da participação nos espaços de capacitação, visto que propiciou um olhar diferenciado para esse tipo de violência. Todavia, não houve diferença quanto às denúncias de exploração sexual. Embora não tenha sido possível aferir exatamente o número de profissionais capacitados, percebe-se, pelas informações qualitativas, que há clareza sobre a importância dos espaços de capacitação.

De acordo com o representante da SEMEC, Belém não possuía ficha de notificação de violências e a ficha que vinha sendo construída tinha o foco na “violência nas escolas”, citando o bullying como exemplo desse fenômeno. Não foi oferecida capacitação aos profissionais da rede, sob a justificativa da grande demanda de trabalho, apesar do reconhecimento quanto à necessidade desse tipo de oferta formativa aos professores e profissionais da educação.

Na área da Saúde, os gestores dos quatro municípios mencionaram a existência de profissionais capacitados pela gestão para sistematização e análise de dados de notificações/comunicações das situações de violências sexuais.

A representante da SMS de Fortaleza informou que, a despeito das poucas notificações feitas, dispõe de profissionais capacitados para sistematização e análise de dados de notificação de violência e exploração sexual, alocados nos núcleos de vigilância epidemiológica implantados no âmbito das coordenações de saúde das Secretarias Regionais. Em Fortaleza, apesar dos núcleos de vigilância epidemiológica implantados no âmbito das regionais, a notificação no SINAN não se encontra implementada na Saúde. As fichas são preenchidas nas unidades de saúde, mas a inserção dos dados no sistema não é suficientemente efetuada2525. Fortaleza. Secretaria Municipal de Saúde (SMS). Plano Municipal de Saúde de Fortaleza para 2010-2013. Uma construção coletiva. Fortaleza: (SMS); s/d..

A Coordenadoria Geral de Vigilância em Saúde (CGVS), da SMS de Porto Alegre, confirmou a existência de equipe capacitada para sistematização e análise de dados de notificações de violência e exploração sexual. O representante da SMS relatou que, apesar de haver a ficha do SINAN do Ministério da Saúde (MS), não são todas as unidades que a utilizam. Destacou que existem resistências muito consolidadas por parte dos profissionais para realizar o preenchimento a ficha.

Em Campo Grande, o representante da SESAU informou ter equipe capacitada para a ação contínua de sistematização e análise dos dados de violências. Apesar do uso regular da ficha do SINAN, foi informado que os relatos nas fichas ainda imprimem um conteúdo subjetivo no seu preenchimento.

Sobre Belém, representante da SESMA informou que, através O Núcleo de Prevenção da Violência Doméstica e Promoção da Paz (NUPVID), ofertou capacitação para toda a rede com foco no processo de notificação. Foi apontado como resultado dessa iniciativa a implantação da ficha do SINAN e o aumento no número de notificações e de unidades notificadoras. Por outro lado, representante da SESMA acrescentou que só existia um profissional capacitado para sistematização e análise de dados de notificações de violências sexuais e esse não executava apenas essa tarefa.

Quanto à área da Assistência Social, em Fortaleza, no âmbito da Secretaria Municipal de Assistência Social (SEMAS) e da SMDH, foi informado que existe equipe capacitada, mas não mencionada a periodicidade dessa capacitação. As duas Secretarias possuem ficha específica para o registro das violências, todavia, apenas o SMDH apresentou dados sistematizados sobre os atendimentos.

A Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Segurança Urbana (SMDHSU) de Porto Alegre relatou não realizar a sistematização e análise de dados de notificações/comunicações de violência intrafamiliar e exploração sexual, além de não possuir uma ficha padronizada para tal. Destacou que a secretaria possui um serviço de “linha direta de denúncia” (0800-6420100) que recebe as denúncias e posteriormente as encaminha via ofício para os CT e ao Departamento Estadual da Criança e do Adolescente (DECA).

A representante da SMAS de Campo Grande indicou a existência de uma ficha padronizada para essas notificações/comunicações, embora não mencionasse o modelo. Todavia, não foi encaminhada à equipe de pesquisa a cópia da ficha.

Representante da Fundação Papa João XXIII (FUNPAPA) de Belém afirmou que possuía profissionais capacitados para a consolidação dos dados referentes a violências e exploração sexual, entretanto não realizavam sistematizações das informações. Foi mencionada a existência de ficha específica utilizada nos equipamentos da Assistência Social.

Discussão

A despeito do investimento, ainda que desigual, das quatro capitais em capacitações de profissionais das distintas políticas públicas, foi observada a falta de especificidade no trato do tema das violências sexuais e uma considerável falta de memória institucional, dificultando o processo de análise ou de avaliação e monitoramento das estratégias de formação profissional.

O registro destas ações de capacitação é um investimento fundamental, pois permite dimensionar quantos profissionais foram incluídos, em quais territórios atuam, quais conhecimentos e competências foram abordados e quais ainda precisam ser trabalhados.

A Assistência Social, Educação e Saúde são as áreas responsáveis pela maioria das políticas públicas voltadas à infância e adolescência, no entanto, observa-se um investimento desigual em termos de capacitação, ainda que a importância das capacitações tenha sido reconhecida pela maioria dos gestores.

A Saúde foi a área que mais capacitou profissionais, incluindo de forma privilegiada nos conteúdos de formação, a temática da notificação, considerada ação indispensável para o dimensionamento e enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes. Os Núcleos de Prevenção aos Acidentes e Violências tiveram papel destacado como agenciadores destas formações nas capitais estudadas, assim como demonstram outros estudos sobre o tema2626. Souza ER, Valadares FC. Políticas públicas de prevenção dos acidentes e violências no âmbito da saúde: avanços e perspectivas. In: Lima MLC, Falbo Neto GH, organizadores. Avaliação da política nacional de morbimortalidade por acidentes e violência, nos municípios de Pernambuco com mais de 100.000 habitantes. Recife: Editora Universitária da UFPE; 2012. p. 21-30..

A visibilidade e o percurso que a temática das violências sexuais vem alcançando na área da Saúde, associados à preocupação com a educação continuada dos agentes públicos em cada área, impulsionam a adoção de uma matriz pedagógica conduzida pela área da Saúde, que inclui determinados conteúdos nas capacitações ofertadas2727. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Atenção integral para mulheres e adolescentes em situação de violência doméstica e sexual: matriz pedagógica para formação de redes. Brasília: MS; 2011..

A aposta na formação dos profissionais da atenção básica, em especial os ACS, destacou-se em duas capitais estudadas. Esta opção corrobora o reconhecimento do potencial que o modelo da estratégia de saúde da família pode desempenhar na identificação e mesmo prevenção das situações de violência no cotidiano familiar e das comunidades2828. Barros DF, Barbieri AR, Ivo ML, Silva MG. O contexto da formação dos agentes comunitários de saúde no Brasil. Texto contexto - enfermagem 2010; 19(1):78-84..

Todavia, observou-se pouco investimento nas ações de formação com ênfase na prevenção das violências e promoção de relações e vínculos protetivos. Tal debilidade é identificada de forma crítica pelos estudiosos da violência que apontam o papel destacado das ações relacionadas ao atendimento aos agravos e lesões decorrentes de violências perpetradas, em detrimento de ações de promoção e deadvocacy de relações não violentas, da mediação de conflitos e de cultura de paz2929. Branco MAO, Tomanik EA. Violência doméstica contra crianças e adolescentes: prevenção e enfrentamento. Psicologia & Sociedade 2012; 24(2):402-411..

A Assistência Social tem mostrado considerável fragilidade quanto ao investimento no processo de capacitação permanente, o que pode estar associado, por um lado à consolidação recente do SUAS em relação às demais áreas, e, por outro, a relativa ausência de um quadro permanente de servidores, acarretando numa alta rotatividade dos profissionais contratados temporariamente. Considerando-se que a identificação de situações de vulnerabilidades que podem propiciar a violação de direitos e violências, e que o atendimento às pessoas em situação de violência constitui missão institucional dos equipamentos deste setor, a lacuna em relação à formação dos profissionais sobre o tema ganha contornos de inegável contradição3030. Rosa MAFP. Gestão integrada dos serviços e benefícios da política de assistência social: uma análise dos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) de Maracanaú [dissertação]. Fortaleza: Universidade Estadual do Ceará; 2011..

Destaca-se ainda, o papel indutivo dos programas federais e estaduais no setor de Turismo e Educação. O enfrentamento do turismo sexual no contexto de grandes eventos esportivos e culturais torna indispensável e estratégica a sensibilização e capacitação dos operadores deste setor3131. Brasil. Ministério da Educação (MEC). Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad). Proteger para Educar: a escola articulada com as redes de proteção de crianças e adolescentes. Brasília: Secad/MEC; 2007.. No entanto, as ações nesta área ainda são reduzidas e mais voltadas para o protagonismo juvenil do que para os profissionais da cadeia de produção do turismo.

A Educação mostrou pouco protagonismo nas capacitações sobre violência sexual contra crianças e adolescentes. A despeito das muitas frentes de trabalho sugeridas pela literatura que envolvem a atuação dos agentes da Educação para prevenção das violências sexuais, poucas iniciativas de formação foram observadas para tais realizações3232. Barbosa GF. Formas de prevenir a violência sexual contra a criança na escola- um olhar da psicanálise e da saúde pública[dissertação]. Rio de Janeiro: Universidade Veiga de Almeida; 2008..

As áreas de esporte, lazer e cultura têm se mostrado distantes do enfrentamento das violências sexuais. Finck e Salles Filho99. Finck SCM, Salles Filho NA. Esporte e a formação de professores na prevenção de violências e mediação de conflitos escolares. Acta Scientarium Education 2012; 34(1):111-120., ao analisarem a aproximação do esporte com a formação de professores e educadores físicos, concluem que ainda são remotas as abordagens sobre a prevenção de violências nos currículos acadêmicos. Esta carência limita a atuação destes educadores para abordar temas como sexualidade, corporeidade e direitos sexuais.

Poucas iniciativas incluíram a participação de mais de um setor de políticas públicas nos processos de capacitação. A inciativa do PAIR foi vista como uma referência de qualidade e o período de promoção da transversalidade do tema nos diferentes setores. Considerando-se a complexidade do fenômeno violência sexual, a polissemia de seus significados e vivências, assim como as distinções de abordagem institucional frente às situações concretas, as ações interdisciplinares e intersetoriais são bem-vindas e necessárias2222. Childhood Brasil. Projeto Copa Do Mundo de 2014. Prevenção e Enfrentamento à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes no Contexto do Mundial. São Paulo, Recife: Childhood Brasil; 2012..

Nota-se ainda impacto insuficiente que as capacitações têm provocado para as sistematizações e análise de dados de notificações de violências sexuais contra esse grupo, o que pode estar associado ao tipo de capacitação ofertada, ao pouco investimento didático e mesmo à baixa valorização do registro.

Considerações finais

Sugere-se, por fim, a construção de um plano de capacitação sobre violências e direitos sexuais de crianças e adolescentes e, em especial, sobre violência sexual, tratando das formas de identificar e atuar nestas situações e, que, inclua: (1) planejamento de oferta de atividades; (2) metas de cobertura do número de profissionais das redes; e (3) registro do número de capacitações, conteúdos, sistematicidade e profissionais envolvidos. Tais capacitações podem ser setoriais ou intersetoriais, abordando concomitantemente outros temas, a partir de uma perspectiva de continuidade e de inclusão das diversas categoriais profissionais.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov 2015

Histórico

  • Recebido
    17 Jul 2014
  • Revisado
    03 Jun 2015
  • Aceito
    05 Jun 2015
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