Acessibilidade / Reportar erro

Implementação de um serviço farmacêutico clínico em hematologia

RESUMO

Objetivo:

Implementar um serviço farmacêutico clínico centrado na revisão completa dos antineoplásicos utilizados no tratamento de doenças hematológicas.

Métodos:

Estudo intervencional conduzido em um hospital universitário terciário brasileiro em dois períodos distintos, com base na ausência e na presença do serviço farmacêutico clínico, respectivamente. O referido serviço consistiu na validação farmacêutica de prescrição de medicamentos antineoplásicos (análise de características do paciente, exames laboratoriais, conformidade com o protocolo terapêutico e parâmetros farmacotécnicos). Após a detecção dos problemas, o farmacêutico interveio junto ao médico ou outro profissional de saúde responsável pelo paciente. Foram incluídos pacientes internados e ambulatoriais com doenças hematológicas.

Resultados:

Observou-se um aumento de 106,5% na detecção de problemas relacionados com medicamentos após a implementação do serviço. Comparando-se os dois períodos, verificou-se aumento na idade dos pacientes (26,7 anos versus 17,6 anos), predomínio de pacientes ambulatoriais (54% versus 38%) e aumento de mieloma múltiplo (13% versus 4%) e linfoma não Hodgkin (16% versus 3%). Os problemas mais comumente encontrados foram relacionados à dose (33% versus 25%) e ao dia do ciclo (14% versus 30%). Quanto ao impacto clínico, a maioria apresentou impacto significante (71% versus 58%) e um poderia ter sido fatal no segundo período. As principais intervenções farmacêuticas realizadas foram ajuste de dose (35% versus 25%) e suspensão de medicamento (33% versus 40%).

Conclusão:

O serviço farmacêutico contribuiu para o aumento da detecção e resolução de problemas relacionados com medicamentos, tratando-se de um método efetivo para promover o uso seguro e racional de medicamentos antineoplásicos.

Descritores:
Avaliação de medicamentos; Serviço de farmácia hospitalar; Doenças hematológicas; Antineoplásicos; Fármacos hematológicos; Prescrição de medicamentos

ABSTRACT

Objective:

To implement a clinical pharmacy service focused on the comprehensive review of antineoplastic drugs used in therapy of hematological diseases.

Methods:

An interventional study was conducted in a Brazilian tertiary teaching hospital in two different periods, with and without a clinical pharmacy service, respectively. This service consisted of an antineoplastic prescription validation (analysis of patients' characteristics, laboratory tests, compliance with the therapeutic protocol and with pharmacotechnical parameters). When problems were detected, the pharmacist intervened with the physician or another health professional responsible for the patient. Inpatients and outpatients with hematological diseases were included.

Results:

We found an increased detection of drug-related problem by 106.5% after implementing the service. Comparing the two periods, an increase in patients' age (26.7 years versus 17.6 years), a predominance of outpatients (54% versus 38%), and an increase in multiple myeloma (13% versus 4%) and non-Hodgkin lymphoma (16% versus 3%) was noted. The most commonly found problems were related to dose (33% versus 25%) and cycle day (14% versus 30%). With regard to clinical impact, the majority had a significant impact (71% versus 58%), and in one patient from the second period could have been fatal. The main pharmaceutical interventions were dose adjustment (35% versus 25%) and drug withdrawal (33% versus 40%).

Conclusion:

The pharmacy service contributed to increase the detection and resolution of drug-related problems, and it was an effective method to promote the safe and rational use of antineoplastic drugs.

Keywords:
Drug evaluation; Pharmacy service, hospital; Hematologic diseases; Antineoplastic agents; Hematologic agents; Drug prescriptions

INTRODUÇÃO

A segurança do paciente no uso de medicamentos tem recebido atenção especial em âmbito global nas ações de melhoria de qualidade dos serviços de saúde.(11. Pereira Guerreiro M, Martins AP, Cantrill JA. Preventable drug-related morbidity in community pharmacy: commentary on the implications for practice and policy of a novel intervention. Int J Clin Pharm. 2012;34(5):682-5.,22. Vantard N, Ranchon F, Schwiertz V, Gourc C, Gauthier N, Guedat MG, et al. EPICC study: evaluation of pharmaceutical intervention in cancer care. J Clin Pharm Ther. 2015;40(2):196-203.) Nos últimos anos, ganhou destaque a discussão sobre a ocorrência de problemas relacionados com medicamentos (PRM) e sua representatividade enquanto fator de risco que gera morbidade e mortalidade.(33. Fernandez-llimos F, Faus MJ. Importance of medicine-related problems as risk factors. Lancet. 2003;362(9391):1239.,44. Bedouch P, Charpiat B, Conort O, Rose FX, Escofier L, Juste M, et al. Assessment of clinical pharmacists' interventions in French hospitals: results of a multicenter study. Ann Pharmacother. 2008;42(7):1095-103.)

Problemas relacionados com medicamentos na terapia antineoplásica de doenças hematológicas podem produzir efeitos adversos sérios, uma vez que os fármacos utilizados fazem parte de regimes complexos, além de possuírem elevada toxicidade e baixo índice terapêutico.(55. Ranchon F, Salles G, Späth HM, Schwiertz V, Vantard N, Parat S, et al. Chemotherapeutic errors in hospitalised cancer patients: attributable damage and extra costs. BMC Cancer. 2011;11:478.,66. Gandhi TK, Bartel SB, Shulman LN, Verrier D, Burdick E, Cleary A, et al. Medication safety in the ambulatory chemotherapy setting. Cancer. 2005; 104(11):2477-83.) O tratamento de doenças hematológicas é composto por numerosos agentes (quimioterápicos, terapia de suporte e medicamentos para comorbidades) e requer intenso monitoramento, uma vez que os medicamentos devem ser administrados de maneira programada (apenas em determinados dias da semana ou mês), e alterações de dose são frequentes devido a mudanças de superfície corporal, estado clínico dos pacientes e desenvolvimento de toxicidade (renal, hepática, hematológica e outras).(77. Walsh KE, Dodd KS, Seetharaman K, Roblin DW, Herrinton LJ, Von Worley A, et al. Medication errors among adults and children with cancer in the outpatient setting. J Clin Oncol. 2009;27(6):891-6.,88. Delpeuch A, Leveque D, Gourieux B, Herbrecht R. Impact of clinical pharmacy services in a hematology/oncology inpatient setting. Anticancer Res. 2015; 35(1):457-60.)

A validação da prescrição por farmacêuticos clínicos pode identificar circunstâncias geradoras de PRM, possibilitando atuação preventiva à ocorrência de resultados desfavoráveis da terapia medicamentosa, e contribuindo para a segurança do paciente e a racionalidade da farmacoterapia.(99. Zermansky AG, Petty DR, Raynor DK, Freemantle N, Vail A, Lowe CJ. Randomised controlled trial of clinical medication review by a pharmacist of elderly patients receiving repeat prescriptions in general practice. BMJ. 2001;323(7325):1340-3.)

Na literatura, há divergência entre os conceitos de serviços farmacêuticos clínicos (SFC). Segundo Roberts et al., são “serviços oferecidos pelos farmacêuticos nos quais utilizam seu conhecimento e perícia a fim de melhorar a farmacoterapia e a gestão da enfermidade, mediante a interação com o doente ou com outro profissional da saúde, quando necessário”.(1010. Roberts AS, Benrimoj SI, Chen TF, Williams KA, Aslani P. Practice change in community pharmacy: quantification of facilitators. Ann Pharmacother. 2008; 42(6):861-8.) Outra definição é dada por Gastelurrutia et al.,(1111. Gastelurrutia MA, Fernandez-Llimos F, Garcia-Delgado P, Gastelurrutia P, Faus MJ, Benrimoj SI. Barrieds and facilitators to the dissemination and implementation of cognitive services in Spanish community pharmacies. Seguim Farmacoter. 2005;3(2):65-77.) que afirma que os SFC são “orientados para o doente e realizados por farmacêuticos que, exigindo conhecimentos específicos, têm por objetivo melhorar o processo de uso dos medicamentos e/ou os resultados da farmacoterapia”.(1010. Roberts AS, Benrimoj SI, Chen TF, Williams KA, Aslani P. Practice change in community pharmacy: quantification of facilitators. Ann Pharmacother. 2008; 42(6):861-8.,1111. Gastelurrutia MA, Fernandez-Llimos F, Garcia-Delgado P, Gastelurrutia P, Faus MJ, Benrimoj SI. Barrieds and facilitators to the dissemination and implementation of cognitive services in Spanish community pharmacies. Seguim Farmacoter. 2005;3(2):65-77.)

Apesar dos estudos ressaltarem a importância de SFC com foco na otimização da terapia antineoplásica, principalmente em pacientes ambulatoriais, não existem estudos no Brasil com o intuito de avaliar o impacto de um serviço clínico para detecção e resolução de PRM envolvendo a terapia antineoplásica de pacientes hematológicos.(1212. Shah S, Dowell J, Greene S. Evaluation of clinical pharmacy services in a hematology/oncology outpatient setting. Ann Pharmacother. 2006;40(9): 1527-33.1515. Bremberg ER, Hising C, Nylén U, Ehrsson H, Eksborg S. An evaluation of pharmacist contribution to an oncology ward in a Swedish hospital. J Oncol Pharm Pract. 2006;12(2):75-81.)

OBJETIVO

Implementar um serviço farmacêutico clínico centrado na revisão clínica dos antineoplásicos utilizados no tratamento de doenças hematológicas, caracterizando os problemas relacionados com medicamentos mais comuns, incluindo seu impacto clínico e características dos pacientes envolvidos, bem como as principais inter-venções farmacêuticas realizadas.

MÉTODOS

Foi conduzido um estudo intervencional em um hospital universitário terciário com 406 leitos, localizado na Região Sul do Brasil, referência no atendimento de neoplasias hematológicas (por exemplo: leucemias crônicas e agudas) e doenças benignas (por exemplo: anemia aplásica severa, anemia de Fanconi, Wiskott-Aldrich, entre outros).

O estudo foi realizado em dois períodos distintos: período A, que abrangeu de novembro de 2012 a novembro de 2013, e período B, de novembro de 2014 a novembro de 2015, baseados na ausência e na presença de um SFC, respectivamente. Foram incluídos pacientes internados e ambulatoriais com doenças hematológicas e com prescrições de medicamentos antineoplásicos. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa número 971.005, CAAE: 41606215.3.0000.0096.

No primeiro período do estudo, a prescrição foi validada diariamente por farmacêuticos e residentes de farmácia, considerando parâmetros farmacotécnicos (diluente compatível e volume de infusão) e observância à recomendação médica referente ao esquema terapêutico utilizado (dia do ciclo e dose do medicamento), cadastrada pelo prescritor no sistema informatizado do hospital. A recomendação médica encontrava-se disponível para todos os pacientes pediátricos (internados e ambulatoriais) e para pacientes adultos internados. Dessa forma, a análise de esquema terapêutico foi realizada apenas para esses grupos de pacientes.

No segundo período, um SFC foi implementado, no qual farmacêuticos e residentes de farmácia realizaram a revisão completa de todos os medicamentos antineoplásicos prescritos diariamente para pacientes adultos e pediátricos com neoplasias hematológicas pertencentes a unidades ambulatoriais e de internação, avaliando-se os seguintes parâmetros: características do paciente (neoplasia primária, idade e peso ou superfície corporal); exames laboratoriais (verificação da necessidade de ajuste de dose do quimioterápico, conforme resultado de exames bioquímicos e hematológicos); conformidade com o protocolo terapêutico (diagnóstico, número do ciclo, intervalo, dose do medicamento, terapia de suporte e ordem de administração dos medicamentos); conformidade com parâmetros farmacotécnicos (diluente compatível, volume de infusão, concentração da solução e estabilidade físico-química e microbiológica do medicamento manipulado); e comparação da recomendação médica cadastrada no sistema, quando existente, com a informação preconizada na literatura.

Com o objetivo de fornecer suporte ao desenvolvimento do SFC, foram elaborados dois guias, um contendo os principais protocolos terapêuticos para tratamento de neoplasias hematológicas e outro com a padronização de diluição dos quimioterápicos. O primeiro, desenvolvido em conjunto com a equipe médica da unidade de hematologia do hospital, continha a padronização dos esquemas terapêuticos (fármacos, dose, número de ciclos e intervalo), a terapia de suporte e a ordem de administração dos medicamentos. O guia de diluição, por sua vez, continha os aspectos farmacotécnicos dos antineoplásicos (diluentes compatíveis, volume de infusão, concentração da solução e estabilidade físico-química e microbiológica).

Além disso, durante o processo de validação da prescrição, o farmacêutico teve acesso às bases de dados Micromedex Solutions®, UptoDate® e MEDLINE®. Também foram utilizados, como fonte de consulta, o Manual de Oncologia Clínica do Brasil, o National Comprehensive Cancer Network e artigos específicos da área.

Após a detecção de PRM, o farmacêutico interveio junto ao médico ou outro profissional de saúde responsável pelo paciente, para estabelecer a melhor conduta a ser adotada para resolução do problema. Os dados necessários para análise da prescrição foram obtidos pelo sistema interno do hospital, e as informações sobre PRM e intervenções farmacêuticas (IF) foram registradas em planilha eletrônica destinada à documentação clínica das atividades do serviço. As variáveis coletadas neste estudo incluíram idade, sexo, local em que a quimioterapia foi prescrita (se internado ou ambulatorial), tipos de PRM, tipos de IF, aceitabilidade das intervenções, neoplasia primária e medicamentos envolvidos nos PRM.

A classificação dos PRM e IF foi realizada de acordo com categorias padronizadas na instituição, que utiliza a classificação da American Society of Health-System Pharmacists.(1616. ASHP Council on Professional Affairs. ASHP guidelines on preventing medication errors with antineoplastic agents. AM J Health Syst Pharm. 2002;59(17): 1648-68.) A avaliação da relevância clínica dos PRM detectados foi realizada de acordo com uma versão modificada da escala de Overhage et al.,(1717. Overhage JM, Lukes A. Practical, reliable, comprehensive method for characterizing pharmacists' clinical activities. Am J Health Syst Pharm. 1999;56(23):2444-50. Review.) na qual os PRM são divididos em cinco categorias: (1) potencialmente fatal; (2) sério; (3) significante; (4) menor e (5) isento de erro diretamente envolvido com paciente.(1818. Fernández-Llamazares CM, Pozas M, Feal B, Cabañas MJ, Villaronga M, Hernández-Gago Y, et al. Profile of prescribing errors detected by clinical pharmacists in paediatric hospitals in Spain. Int J Clin Pharm. 2013;35(4):638-46.)

Para avaliar o impacto do SFC proposto, foram comparados os dois períodos (A versus B) com serviços farmacêuticos distintos. Para tanto, foi realizada estatística descritiva, de forma a reportar a porcentagem, a média e o desvio padrão das variáveis categóricas e numéricas, respectivamente.

Para análise de inferência estatística, foi realizado teste de Kolmogorov-Smirnov, para analisar a distribuição das variáveis numéricas. Utilizaram-se o teste χ2 e o teste de Fisher, para as variáveis categóricas, e o teste t de Student, para amostras independentes. Todas as análises foram bicaudais, e consideraram-se como estatisticamente significativos os resultados com p<0,05.

RESULTADOS

Ao todo, foram analisadas mais de 13 mil prescrições durante ambos os períodos incluídos neste estudo, sendo 7.894 prescrições validadas no período A e 5.671 prescrições no período B. Observou-se um aumento de 106,5% na detecção de PRM, uma vez que, na ausência do SFC, foram detectados 73 e, na presença do serviço, 112 PRM (Tabela 1).

Tabela 1
Características dos pacientes que receberam intervenção

No período A, foi observado um predomínio de pacientes mais jovens, em relação ao período B (17,6 anos versus 26,7 anos) e, no segundo período, foi observado mais PRM em pacientes ambulatoriais do que em internados.

Em relação às doenças de base dos pacientes com PRM, destacam-se as seguintes neoplasias hematológicas: linfoma não Hodgkin (LNH), mieloma múltiplo (MM) e leucemia linfoide aguda (LLA). Houve aumento significativo na detecção de PRM em pacientes com LNH (p<0,001) e foram detectados mais PRM em pacientes com MM no período B (p=0,068). Por outro lado, no período B houve uma redução importante na detecção de PRM em pacientes com leucemia mieloide aguda (LMA).

Os principais medicamentos relacionados com PRM foram metotrexato, ciclofosfamida, citarabina, asparaginase e filgrastim, não havendo diferença estatisticamente significativa entre os grupos.

No período B, os principais problemas detectados foram relacionados à dose (n=37), dia do ciclo (n=16), duração do tratamento (n=14) e diluição e concentração incorretas da solução (n=14). Já no período A, evidenciou-se uma maior ocorrência de PRM envolvidos com dose (n=18), dia do ciclo (n=22) e omissão de medicamento (n=11) (Tabela 2).

Tabela 2
Características dos problemas relacionados com medicamentos detectados (n=185)

A maioria dos PRM nos dois períodos foi considerada clinicamente significante (58% no período A e 71% no período B), sendo que, no período B, 7% dos PRM foram classificados como sérios e 1% foi considerado como potencialmente letal. No período A, foram detectados apenas 4% de PRM sérios e nenhum PRM potencialmente letal (Figura 1).

Figura 1
Impacto clínico dos problemas relacionados com medicamentos

Em ambos os períodos do estudo (período A e B respectivamente), as principais IF estavam envolvidas com ajuste de dose (25% versus 35%) e suspensão de medicamento (40% versus 33%). A alteração de diluente/concentração do medicamento manipulado (n=14) e a necessidade de inclusão de terapia medicamentosa (n=14) também foram os PRM mais encontrados no segundo período. Exemplos de intervenções são apresentados na tabela 3. A aceitabilidade das intervenções foi de 100% no período A e 92% no período B.

Tabela 3
Características das intervenções farmacêuticas

DISCUSSÃO

Este estudo comparou dois períodos distintos de validação de prescrição médica de antineoplásicos para tratamento de neoplasias hematológicas: um período baseado em uma análise restrita da prescrição e outro com SFC centrado em uma revisão clínica dos medicamentos. O aumento de 106,5% na detecção de PRM na presença do SFC pode estar associado a uma maior segurança na farmacoterapia prescrita para os pacientes hematológicos atendidos na instituição.

Os resultados indicam que, no período em que o SFC foi implantado, foram detectados mais PRM em pacientes com maior idade, o que pode estar associado à melhora do método de detecção de PRM, por permitir a identificação de problemas em todas as faixas etárias. Na ausência do serviço, a maior parte dos PRM foram detectados em pacientes pediátricos, pois o método de detecção estava pautado na comparação da prescrição com a recomendação de esquema terapêutico cadastrado no sistema, presente em todas as prescrições pediátricas e somente em prescrições de pacientes adultos internados.

O foco na avaliação do esquema terapêutico para pacientes pediátricos no primeiro período do estudo também pode explicar a diferença observada na prevalência de diagnósticos envolvidos com PRM entre os dois períodos. No período A, observou-se prevalência de LLA, neoplasia hematológica com maior incidência em pacientes pediátricos, enquanto que a presença do SFC permitiu a detecção de PRM relacionados a outros diagnósticos, como LNH e MM, neoplasias de maior incidência em pacientes adultos, que, em conjunto com LLA, foram os principais diagnósticos envolvidos com PRM no segundo período.

A alta prevalência de PRM em LLA, LNH e MM podem estar associada com a complexidade de seus regimes de tratamento, que envolvem uma variedade de agentes antineoplásicos em diversas etapas da terapia (indução, consolidação, intensificação ou manutenção). Ranchon et al.(1919. Ranchon F, Moch C, You B, Salles G, Schwiertz V, Vantard N, et al. Predictors of prescription errors involving anticancer chemotherapy agents. Eur J Cancer. 2012;48(8):1192-9.) demonstraram que protocolos de tratamento que envolvem mais do que três fármacos antineoplásicos foram relacionados com maior risco de PRM em prescrições.

Os resultados também revelam mudança no local de atendimento (ambulatório ou unidade de internação) do paciente envolvido com PRM. Na ausência do serviço, verificou-se maior ocorrência de PRM em pacientes internados, uma vez que, para estes pacientes, consta a recomendação médica de dia do ciclo e dose do medicamento no sistema. Por sua vez, a presença do SFC possibilitou maior detecção de PRM em pacientes ambulatoriais, especialmente os adultos.

A revisão dos medicamentos prescritos para tal grupo de pacientes somente passou a ser executada com a implantação do referido serviço, fato de significativa importância, uma vez que pacientes ambulatoriais adultos representam o maior público em tratamento de neoplasias hematológicas no hospital. White et al. reportaram que maiores taxas de erros com medicamentos antineoplásicos foram encontradas em pacientes ambulatoriais, o que é consistente com nossos resultados.(2020. White R, Cassano-Piché A, Fields A, Cheng R, Easty A. Intravenous chemotherapy preparation errors: patient safety risks identified in a pan-Canadian exploratory study. J Oncol Pharm Pract. 2014;20(1):40-6.)

Quanto aos medicamentos relacionados com PRM, nossos resultados apontam que os principais foram ciclofosfamida, metotrexato e citarabina. Estes medicamentos possuem relação direta com os diagnósticos prevalentes nos períodos de estudo, uma vez que integram protocolos de tratamento das neoplasias discutidas, e a grande variedade de medicamentos envolvidos nestes protocolos complexos pode ocasionar maior incidência de PRM.(1919. Ranchon F, Moch C, You B, Salles G, Schwiertz V, Vantard N, et al. Predictors of prescription errors involving anticancer chemotherapy agents. Eur J Cancer. 2012;48(8):1192-9.) Durante a presença do SFC, também foi observado aumento de PRM com filgrastim, fato que tem relação com a inclusão da verificação dos exames laboratoriais e a observância às concentrações permitidas na diluição de medicamentos.

Com relação aos PRM, evidenciou-se dose incorreta como um dos problemas mais frequentes, sendo este o principal PRM na presença do SFC. Tal resultado é consistente com outros estudos realizados, em que a maior porcentagem de PRM foi associada à dose.(44. Bedouch P, Charpiat B, Conort O, Rose FX, Escofier L, Juste M, et al. Assessment of clinical pharmacists' interventions in French hospitals: results of a multicenter study. Ann Pharmacother. 2008;42(7):1095-103.,1818. Fernández-Llamazares CM, Pozas M, Feal B, Cabañas MJ, Villaronga M, Hernández-Gago Y, et al. Profile of prescribing errors detected by clinical pharmacists in paediatric hospitals in Spain. Int J Clin Pharm. 2013;35(4):638-46.,2121. Chew C, Chiang J, Yeoh TT. Impact of outpatient interventions made at an ambulatory cancer centre oncology pharmacy in Singapore. J Oncol Pharm Pract. 2015;21(2):93-101.)

Apesar destes PRM estarem enquadrados na categoria de dose incorreta, houve diferença no perfil dos erros. No primeiro período, verificou-se principalmente divergência entre dose indicada na recomendação médica e a dose efetivamente prescrita, enquanto que, na presença do SFC, doses incorretas foram principalmente detectadas pela análise dos exames laboratoriais do paciente e pela verificação da conformidade da dose com o preconizado no guia do hospital.

A verificação da dose do antineoplásico é de extrema importância, pois da dose correta depende a obtenção do efeito terapêutico desejado, além de evitar toxicidade ao paciente, especialmente após vários ciclos de quimioterapia, em que os pacientes podem ter alterações de peso, disfunção renal, hepática ou hematológica, situações nas quais está preconizado o ajuste de dose de muitos antineoplásicos.

Outros PRM comuns na presença do SFC foram prescrições no dia incorreto do ciclo, duração do tratamento incorreta e necessidade de alteração do diluente/concentração da solução do medicamento manipulado. Tais erros foram detectados principalmente devido à inclusão da análise do esquema terapêutico e de aspectos farmacotécnicos.

A observância de parâmetros farmacotécnicos é fundamental para reduzir incompatibilidades, otimizar a administração de antineoplásicos e melhorar a tolerância desses agentes, enquanto que a observância ao esquema terapêutico preconizado gera a resposta clínica pretendida e diminui o risco de toxicidade.(22. Vantard N, Ranchon F, Schwiertz V, Gourc C, Gauthier N, Guedat MG, et al. EPICC study: evaluation of pharmaceutical intervention in cancer care. J Clin Pharm Ther. 2015;40(2):196-203.)

No que diz respeito à gravidade dos PRM, a implantação do SFC permitiu detectar um número maior de PRM significantes, sérios e potencialmente letais. O PRM de sobredose em um dos casos poderia ter sido fatal, uma vez que foi detectada dose dez vezes superior à definida nos protocolos clínicos. Neste estudo, todos os PRM foram detectados antes de atingir o paciente.

As principais IF realizadas junto ao médico prescritor, nos dois períodos de estudo, foram ajuste de dose e suspensão de medicamento, as quais estavam diretamente relacionadas com os PRM detectados. Observou-se diferença na taxa de aceitabilidade entre os dois períodos, uma vez que as intervenções no período A consistiram principalmente no ajuste entre prescrição e recomendação, enquanto que, no período B, estiveram relacionadas com o enfoque clínico.

As intervenções não aceitas neste período necessitavam de dados adicionais não disponíveis para a equipe da farmácia, como, por exemplo, toxicidade não evidenciada nos exames laboratoriais, que desencadeou prescrição do antineoplásico em subdose.

Como limitações deste estudo, pode-se citar a ausência da superfície corporal do paciente em algumas prescrições médicas, dificultando a análise da dose do antineoplásico. Desta forma, nossos resultados de PRM relacionados à dose podem estar subestimados. Além disso, o fato de o prontuário do paciente não estar disponível eletronicamente dificultou o acesso a dados fundamentais para a validação farmacêutica da prescrição.

CONCLUSÃO

Os serviços farmacêuticos clínicos implementados contribuíram para aumentar a detecção de problemas relacionados com medicamentos, principalmente com dose e com esquema terapêutico, os quais, em sua maioria, apresentaram impacto clínico significante. Este serviço também proporcionou a detecção de problemas relacionados com medicamentos em prescrições de pacientes adultos atendidos ambulatoriamente, principal público em tratamento de neoplasias hematológicas no hospital.

Os serviços farmacêuticos clínicos demonstraram ser um método efetivo para a garantia da segurança do paciente em tratamento antineoplásico, proporcionando o uso seguro e racional dos medicamentos.

AGRADECIMENTOS

À Unidade de Farmácia Hospitalar do Complexo Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná, e ao Programa de Residência Multiprofissional, pelo suporte no desenvolvimento deste serviço.

REFERENCES

  • 1
    Pereira Guerreiro M, Martins AP, Cantrill JA. Preventable drug-related morbidity in community pharmacy: commentary on the implications for practice and policy of a novel intervention. Int J Clin Pharm. 2012;34(5):682-5.
  • 2
    Vantard N, Ranchon F, Schwiertz V, Gourc C, Gauthier N, Guedat MG, et al. EPICC study: evaluation of pharmaceutical intervention in cancer care. J Clin Pharm Ther. 2015;40(2):196-203.
  • 3
    Fernandez-llimos F, Faus MJ. Importance of medicine-related problems as risk factors. Lancet. 2003;362(9391):1239.
  • 4
    Bedouch P, Charpiat B, Conort O, Rose FX, Escofier L, Juste M, et al. Assessment of clinical pharmacists' interventions in French hospitals: results of a multicenter study. Ann Pharmacother. 2008;42(7):1095-103.
  • 5
    Ranchon F, Salles G, Späth HM, Schwiertz V, Vantard N, Parat S, et al. Chemotherapeutic errors in hospitalised cancer patients: attributable damage and extra costs. BMC Cancer. 2011;11:478.
  • 6
    Gandhi TK, Bartel SB, Shulman LN, Verrier D, Burdick E, Cleary A, et al. Medication safety in the ambulatory chemotherapy setting. Cancer. 2005; 104(11):2477-83.
  • 7
    Walsh KE, Dodd KS, Seetharaman K, Roblin DW, Herrinton LJ, Von Worley A, et al. Medication errors among adults and children with cancer in the outpatient setting. J Clin Oncol. 2009;27(6):891-6.
  • 8
    Delpeuch A, Leveque D, Gourieux B, Herbrecht R. Impact of clinical pharmacy services in a hematology/oncology inpatient setting. Anticancer Res. 2015; 35(1):457-60.
  • 9
    Zermansky AG, Petty DR, Raynor DK, Freemantle N, Vail A, Lowe CJ. Randomised controlled trial of clinical medication review by a pharmacist of elderly patients receiving repeat prescriptions in general practice. BMJ. 2001;323(7325):1340-3.
  • 10
    Roberts AS, Benrimoj SI, Chen TF, Williams KA, Aslani P. Practice change in community pharmacy: quantification of facilitators. Ann Pharmacother. 2008; 42(6):861-8.
  • 11
    Gastelurrutia MA, Fernandez-Llimos F, Garcia-Delgado P, Gastelurrutia P, Faus MJ, Benrimoj SI. Barrieds and facilitators to the dissemination and implementation of cognitive services in Spanish community pharmacies. Seguim Farmacoter. 2005;3(2):65-77.
  • 12
    Shah S, Dowell J, Greene S. Evaluation of clinical pharmacy services in a hematology/oncology outpatient setting. Ann Pharmacother. 2006;40(9): 1527-33.
  • 13
    Bulsink A, Imholz AL, Brouwers JR, Jansman FG. Characteristics of potential drug-related problems among oncology patients. Int J Clin Pharm. 2013; 35(3):401-7.
  • 14
    Tuffaha HW, Abdelhadi O, Omar SA. Clinical pharmacy services in the outpatient pediatric oncology clinics at a comprehensive cancer center. Int J Clin Pharm. 2012;34(1):27-31.
  • 15
    Bremberg ER, Hising C, Nylén U, Ehrsson H, Eksborg S. An evaluation of pharmacist contribution to an oncology ward in a Swedish hospital. J Oncol Pharm Pract. 2006;12(2):75-81.
  • 16
    ASHP Council on Professional Affairs. ASHP guidelines on preventing medication errors with antineoplastic agents. AM J Health Syst Pharm. 2002;59(17): 1648-68.
  • 17
    Overhage JM, Lukes A. Practical, reliable, comprehensive method for characterizing pharmacists' clinical activities. Am J Health Syst Pharm. 1999;56(23):2444-50. Review.
  • 18
    Fernández-Llamazares CM, Pozas M, Feal B, Cabañas MJ, Villaronga M, Hernández-Gago Y, et al. Profile of prescribing errors detected by clinical pharmacists in paediatric hospitals in Spain. Int J Clin Pharm. 2013;35(4):638-46.
  • 19
    Ranchon F, Moch C, You B, Salles G, Schwiertz V, Vantard N, et al. Predictors of prescription errors involving anticancer chemotherapy agents. Eur J Cancer. 2012;48(8):1192-9.
  • 20
    White R, Cassano-Piché A, Fields A, Cheng R, Easty A. Intravenous chemotherapy preparation errors: patient safety risks identified in a pan-Canadian exploratory study. J Oncol Pharm Pract. 2014;20(1):40-6.
  • 21
    Chew C, Chiang J, Yeoh TT. Impact of outpatient interventions made at an ambulatory cancer centre oncology pharmacy in Singapore. J Oncol Pharm Pract. 2015;21(2):93-101.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2016

Histórico

  • Recebido
    04 Mar 2016
  • Aceito
    20 Maio 2016
Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein Avenida Albert Einstein, 627/701 , 05651-901 São Paulo - SP, Tel.: (55 11) 2151 0904 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@einstein.br