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Autopercepção da qualidade de saúde e satisfação de idosos acompanhados por equipe Estratégia Saúde da Família

RESUMO

Objetivo:

Verificar o perfil de idosos acompanhados por equipes Estratégia Saúde da Família e a influência de doenças crônicas autorreferidas nas variáveis sociodemográficas, descrevendo a autopercepção e a satisfação com a qualidade de sua saúde.

Métodos:

Pesquisa transversal, de base populacional, realizada com 301 idosos residentes em duas áreas de um município do sul do Brasil. Os dados foram coletados por um questionário baseado no questionário do estudo Saúde, Bem-Estar e Envelhecimento, adaptado pelos pesquisadores, e um escala lúdica, para avaliar a satisfação com a saúde. Para a análise estatística, foi utilizado o teste χ2 (p<0,05).

Resultados:

Com relação à avaliação cognitiva, a maioria da população foi classificada como independente (86,4%), não necessitando de auxílio de cuidador para responder o questionário. A população foi predominantemente feminina (55,8%), branca (64,8%), casada (51,2%) e católica (82,1%). Ainda, 47,5% consideraram seu estado de saúde atual como regular. Com relação à satisfação com a saúde, 72,4% sentiam-se felizes, mesmo tendo relatado possuir, no mínimo, um problema de saúde crônico (58,5%).

Conclusão:

A presença de doenças crônicas foi relatada pela maioria dos entrevistados, com a prática de automedicação significativamente mais frequente nestes idosos. Apesar disto, o grau de satisfação com suas condições de saúde foi referido de forma predominantemente positiva, tanto em relação ao ano anterior quanto quando comparado a outras pessoas da mesma idade.

Descritores:
Saúde do idoso; Doença crônica; Autocuidado; Satisfação do paciente; Estratégia saúde da família; Serviços de saúde para idosos

ABSTRACT

Objective:

To verify the profile of elderly followed up by Family Health Strategy teams and the influence of self-reported chronic diseases on demographic variables, describing self-perception and satisfaction with quality of health.

Methods:

This is a cross-sectional population- based study carried out with 301 elderly residents in two areas of a city in southern Brazil. Data were collected through a questionnaire based on the Health, Well-Being, and Aging Study adapted by researchers, and a playful scale to assess satisfaction with health. For the statistical analysis, the χ2 test was used (p<0.05).

Results:

Regarding cognitive assessment, the majority was classified as independent (86.4%), not requiring caregiver assistance to answer the questionnaire. The population was predominantly female (55.8%), White (64.8%), married (51.2%), and catholic (82.1%). A total of 47.5% considered their current health status as regular. Regarding satisfaction with health, 72.4% were happy, even reporting having at least one chronic health problem (58.5%).

Conclusion:

The presence of chronic diseases was reported by most respondents, and the practice of self-medication is significantly more frequent among the aged. Nevertheless, the degree of satisfaction with their health status was predominantly positive, both related to the previous year and compared to others of the same age.

Keywords:
Health of the elderly; Chronic disease; Self care; Patient satisfaction; Family health strategy; Health services for the aged

INTRODUÇÃO

O visível processo de envelhecimento da população mundial está vinculado ao aumento da longevidade da população brasileira, e isto ocorre concomitante ao aumento da atenção com a Saúde Pública, que, por sua vez, passa por um sólido movimento de humanização e ampliação do cuidado.(11. Mafra SC. [The task of social care and social expectations towards ageing: the importance of reframing the family's role]. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2011;14(2):353-63. Review. Portuguese.) Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), não há uma idade cronológica exata para definir a pessoa como idosa. Porém, grande parte das nações considera os indivíduos que têm 60 ou mais anos como idosos, e, em alguns países em desenvolvimento ou desenvolvidos, este limite pode se estender para 65 anos.(22. World Health Organization (WHO). Active ageing: a policy framework [Internet]. Geneva: WHO; 2002 [cited 2016 Dec 2]. Available from: http://www.who.int/ageing/publications/active_ageing/en/
http://www.who.int/ageing/publications/a...
) Este envelhecimento populacional pode ser exemplificado pela mudança conformacional da pirâmide demográfica do Brasil, demonstrando a real ascendência da longevidade brasileira.(33. Lima MG, Barros MB, César CL, Goldbaum M, Carandina L, Alves MC. Health- related behavior and quality of life among the elderly: a population-based study. Rev Saude Publica. 2011;45(3):485-93.,44. Araújo I, Paúl C, Martins M. [Living older in the family context: dependency in self-care]. Rev Esc Enferm USP 2011;45(4):869-75. Portuguese.)

A percepção da pessoa idosa sobre sua saúde é sitiada por vários fatores, os quais afetam, direta ou indiretamente, sua qualidade de saúde. A prática de exercícios físicos, o bem-estar e o convívio agradável entre familiares, bem como a circunstância de exercer sua autonomia, são fatores determinantes para a satisfação pessoal com a saúde.(55. Penna FB, Santos FH. [The moving of emotion on elderly's life: a study with a third age group]. Rev Eletr Enferm. 2006;8(1):17-24. Portuguese.,66. Rigo L, Basso K, Pauli J, Cericato GO, Paranhos LR, Garbin RR. [Satisfaction with life, dental experience and self-perception of oral health among the elderly]. Cienc Saude Colet. 2015;20(12):3681-8. Portuguese.) O avanço do Brasil no cuidado com a saúde da população idosa, agregado às implementações de novas políticas públicas destinadas ao cuidar desta parcela da população, influenciou na produção de novas pesquisas voltadas para esta faixa etária, principalmente no âmbito da qualidade de vida e de envelhecimento.(55. Penna FB, Santos FH. [The moving of emotion on elderly's life: a study with a third age group]. Rev Eletr Enferm. 2006;8(1):17-24. Portuguese.,77. Minayo MC. Coping with the process of dying and mourning. Cienc Saude Colet. 2013;18(9):2485.) Desta forma, o zelo com a pessoa idosa deve visar à manutenção de seu estado de saúde e à harmonia deste idoso com sua família e com a comunidade, além da independência psicológica e funcional.(88. Veras R. Population aging today: demands, challenges and innovations. Rev Saude Publica. 2009;43(3):548-54. Review. Portuguese.)

Apesar de muitos idosos não associarem a satisfação pessoal com sua saúde à ausência de doença,(55. Penna FB, Santos FH. [The moving of emotion on elderly's life: a study with a third age group]. Rev Eletr Enferm. 2006;8(1):17-24. Portuguese.,77. Minayo MC. Coping with the process of dying and mourning. Cienc Saude Colet. 2013;18(9):2485.,88. Veras R. Population aging today: demands, challenges and innovations. Rev Saude Publica. 2009;43(3):548-54. Review. Portuguese.) há que se pensar em como promover a saúde da população idosa, buscando-se prevenir seus agravos(99. Garbin CA, Dias Ide A, Rovida TA, Garbin AJ. [Challenges facing health professionals in the notification of violence: mandatory implementation and follow-up procedures]. Cienc Saude Colet. 2015;20(6):1879-90. Portuguese.) e afastar as causas evitáveis de morbidades e mortalidade, proporcionando-lhe um envelhecimento saudável e ativo.(88. Veras R. Population aging today: demands, challenges and innovations. Rev Saude Publica. 2009;43(3):548-54. Review. Portuguese.,1010. Joia LC, Ruiz T, Donalisio MR. [Life satisfaction among elderly population in the city of Botucatu, Southern Brazil]. Rev Saude Publica. 2007;41(1):131-8. Portuguese.,1111. Alexandre Tda S, Cordeiro RC, Ramos LR. Factors associated to quality of life in active elderly. Rev Saude Publica. 2009;43(4):613-21.) A inserção da Estratégia Saúde da Família (ESF) tem papel fundamental no processo de cuidado da população idosa.(77. Minayo MC. Coping with the process of dying and mourning. Cienc Saude Colet. 2013;18(9):2485.,1212. Sakata KN, de Almeida MC, Alvarenga Ade M, Craco PF, Pereira MJ. [Conceptions of the family health team about home visits]. Rev Bras Enferm. 2007;60(6):659-64. Portuguese.) Isto porque quando o indivíduo, em razão de alguma incapacidade, não pode se deslocar até o serviço de saúde, a ESF realiza atividades externas, garantindo saúde e qualidade de vida aos anos vividos por esta população.(1212. Sakata KN, de Almeida MC, Alvarenga Ade M, Craco PF, Pereira MJ. [Conceptions of the family health team about home visits]. Rev Bras Enferm. 2007;60(6):659-64. Portuguese.,1313. Anjos KF, Boery RN, Pereira R, Pereira LC, Vilela AB, Santos VC. Association between social support and quality of life of relative caregivers of elderly dependents. Cienc Saude Colet. 2015;20(5):1321-30.) Ainda, o programa deve deixar de pensar no indivíduo de forma fragmentada, ou seja, isolado de seu contexto familiar, social e de seus valores, e desenvolver novas ações humanizadas baseadas em articulações intersetoriais, e que sejam competentes em termos técnicos e socialmente apropriadas.(1414. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria n. 2.528, de 19 de outubro de 2006. Aprova a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa [Internet]. Brasília (DF): Diário Oficial da União; 2006 [citado 2017 Nov 8]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2006/prt2528_19_10_2006.html
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis...
,1515. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Envelhecimento e saúde da pessoa idosa. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2007. [Série A. Normas e Manuais Técnicos]. [Cadernos de Atenção Básica; n. 19].) Entender o que os idosos valorizam e como vivenciam suas questões de saúde, suas relações sociais, seu convívio familiar, seu lazer, seu trabalho e, ainda, o acesso às suas necessidades básicas pode direcionar os processos de trabalho das equipes na perspectiva da promoção da saúde, auxiliando os atuais e futuros idosos a viverem esta etapa, e implantar ações que concretizem a mudança do modelo de assistência à saúde no Brasil, contempladas nas políticas públicas.

OBJETIVO

Verificar o perfil dos idosos acompanhados por equipes Estratégia Saúde da Família e a influência de doenças crônicas autorreferidas nas variáveis sociodemográficas, além de descrever a autopercepção da qualidade da saúde e sua satisfação com a mesma.

MÉTODOS

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa com Seres Humanos da Universidade de Passo Fundo (UPF), sob número 438/2010 e CAAE: 0264.0.398.398-10.

Trata-se de uma pesquisa observacional quantitativa de corte transversal. A população do estudo foi composta por idosos residentes nas áreas de abrangência dos bairros Adolfo Groth e Planaltina, no município de Passo Fundo (RS), durante os meses de agosto a dezembro de 2011.

O estudo foi desenvolvido em duas Unidades Básicas de Saúde (UBS), com ESF de Passo Fundo (RS), definidas por conveniência, pelo fato de terem equipes do Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde/Saúde em Atividade). Este município está situado na região norte do Estado do Rio Grande do Sul e, segundo o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) do ano de 2007, possui população de 183 mil habitantes, com área correspondente a 789 km2. Seu sistema de saúde conta com 4 hospitais, 23 ambulatórios e 15 equipes ESF. O processo de implantação da ESF no município foi crescente, tendo sido iniciado no ano 2000, com 4 equipes e uma cobertura de 7,7% da população; em 2003, foram implantadas mais 3 equipes, atingindo cobertura de 13,4%; e, em 2004, houve a implantação de mais 8 equipes. Atualmente, existem 15 equipes, com cobertura de 28,8% da população do município, conforme o Sistema de Informação de Atenção Básica (SIAB), de 2008, fornecidos pela Secretaria Municipal de Saúde.

A partir dos dados digitados no SIAB nas duas ESF abrangidas pelo estudo, a população total de residentes era de 9.000 pessoas, e cerca de 15% correspondia aos residentes com mais de 60 anos, totalizando 1.350 indivíduos. O cálculo da população alvo adotou como parâmetros: erro amostral de 5%, intervalo de confiança de 95% e prevalência máxima de 40. Foram acrescentados mais 10% para cobrir eventuais perdas e/ou recusas. Como a população de idosos para as duas equipes de saúde era de 1.500 indivíduos, fariam parte do estudo 338 pessoas.

Como critérios de inclusão, os sujeitos da pesquisa deveriam ter idade igual ou superior a 60 anos;(22. World Health Organization (WHO). Active ageing: a policy framework [Internet]. Geneva: WHO; 2002 [cited 2016 Dec 2]. Available from: http://www.who.int/ageing/publications/active_ageing/en/
http://www.who.int/ageing/publications/a...
) residir na cidade de Passo Fundo (RS); possuir condições de comunicação e ser capaz de responder de forma coerente às questões abrangidas pelos instrumentos ao entrevistador. Foram excluídos os sujeitos que mudaram de residência durante as visitas domiciliares para coleta de dados.

A coleta de dados foi realizada por dois acadêmicos do curso de Medicina da Universidade Federal de Sergipe (UFS), participantes do PET-Saúde nas duas unidades selecionadas no referido estudo, que foram previamente treinados. Os instrumentos foram calibrados para aplicar os questionários durante a coleta de dados. A abordagem junto aos idosos se deu por meio de visita domiciliar e na sala de espera da unidade de saúde. Para o controle da qualidade do estudo, foi realizado um treinamento da equipe executora do trabalho para a coleta de dados, a qual foi realizada a partir de instrumentos validados e confiáveis (questionários) e um teste piloto em 10% da amostra, a fim de testar a metodologia proposta.

Para caracterizar a população estudada segundo perfil sociodemográfico, percepção e satisfação com a saúde, foi aplicado um questionário estruturado, adaptado pelos pesquisadores, baseado no questionário sociossanitário do Estudo Saúde, Bem-Estar e Envelhecimento (SABE), disponível em http://www.fsp.usp.br/sabe.(1616. Lebrão ML, Laurenti R. [Health, well-being and aging: the SABE study in São Paulo, Brazil]. Rev Bras Epidemiol. 2005;8(2):127-41. Portuguese.) Foram retiradas algumas perguntas do SABE relacionadas a dados pessoais (sexo, idade, grupo étnico, estado civil e religião), características da moradia (número de moradores por domicílio, tipo de casa, material da casa, abastecimento de água, luz própria, vive só, recebe ajuda de alguém, ajuda de alguém que mora na mesma casa e ajuda de alguma instituição no último ano) e estado de saúde (estado de saúde atual, como considera sua saúde atualmente, como era há 1 ano sua saúde, comparando sua saúde com pessoas da mesma idade que a sua, grau de satisfação com sua saúde, referências a doenças crônicas, quantidade de doenças crônicas relatadas e o uso crônico de medicamentos).

A avaliação cognitiva presente no SABE, realizada por meio do questionário de Pfeffer, foi aplicada aos idosos no início da coleta de dados. Tal questionário é utilizado na prática médica com o objetivo de analisar o comprometimento cognitivo do indivíduo em suas atividades, classificando-o como independente ou dependente de auxílio nas práticas da vida diária. A partir de seus resultados, os dados foram informados pelo próprio participante ou com a ajuda de seu cuidador. O questionário de Pfeffer é constituído por dez itens relacionados com a capacidade do indivíduo para realizar Atividades Instrumentais de Vida Diária (AIVDs) e funções cognitivo-sociais, como fazer compras, preparar alimentação, manter-se em dia com a atualidade, prestar atenção em programas de rádio e televisão, e de discuti-los. Quanto menor a pontuação obtida pelo indivíduo, maior sua independência e autonomia. O escore mínimo é zero, e o máximo é 30.(1717. Pfeiffer E. A short portable mental status questionnaire for the assessment of organic brain deficit in elderly patients. J Am Geriat Soc. 1975;23(10):433-41.)

O questionário que consiste em sete rostos desenhados (com expressões: uma face neutra, três desmotivadas e três motivadas) foi utilizado como instrumento lúdico para medir a satisfação com a saúde dos idosos. Tal instrumento foi adaptado de outro estudo(1010. Joia LC, Ruiz T, Donalisio MR. [Life satisfaction among elderly population in the city of Botucatu, Southern Brazil]. Rev Saude Publica. 2007;41(1):131-8. Portuguese.) realizado com uma população idosa, a fim de verificar a satisfação com a vida. Desta forma, os idosos foram questionados somente sobre o grau de satisfação que apresentavam em relação à sua saúde, medido em uma escala de 1 a 7, utilizando reconhecimento visual.

Para avaliar os instrumentos a serem utilizados na pesquisa, procedeu-se à realização de um teste-piloto, que serviu para o treinamento dos pesquisadores e a adequação da forma de solicitação das respostas aos sujeitos da pesquisa. Ele fora aplicado a um total de 10% da amostra estabelecida (30 idosos).

As variáveis descritivas formaram dois grupos: (1) variáveis sociodemográficas, compostas por faixa etária, local do ESF, grupo étnico, estado civil, religião, moradores por domicílio, tipo de moradia, material da moradia, abastecimento de água, luz própria na moradia, se vivia sozinho, se recebia ajuda de alguém, se recebia ajuda de alguém que morava na mesma casa e se recebeu ajuda de alguma instituição no último ano; (2) variáveis de autopercepção e satisfação com a saúde, que abordavam estado de saúde atual, como considerava a saúde atualmente, como era a saúde há 1 ano, comparação da saúde com pessoas da mesma idade, grau de satisfação com sua saúde e uso crônico de medicamentos.

A variável dependente utilizada foi doenças crônicas referidas, obtida entre aqueles que relataram ter ou não doenças crônicas. As doenças crônicas foram mensuradas conforme as respostas autorreferidas referente à presença de uma das seguintes doenças crônicas: hipertensão arterial; diabetes mellitus; doenças cardíacas (angina, infarto e outros problemas cardíacos); doenças pulmonares (bronquite, asma e/ou enfisema); câncer e artropatia (artrose, artrite e/ou reumatismo).

As variáveis selecionadas para testar as associações com as variáveis sociodemográficas foram faixa etária, local do ESF, grupo étnico, estado civil, religião, número de moradores por domicílio, tipo de moradia, se vivia sozinho e se recebia ajuda de alguém; e variáveis de autopercepção com a saúde, a saber: uso crônico de medicamentos.

Os dados quantitativos foram codificados e digitados em um banco de dados específico para a análise estatística descritiva e inferencial e, subsequentemente exportados para o programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 17.0, a fim de processar os dados. Para avaliar a associação entre a variável dependente (doenças crônicas referidas) e as variáveis independentes, foi utilizado o teste χ2 de Pearson, com o nível de significância de 5% e intervalo de confiança de 95%. As variáveis associadas ao desfecho foram as que tiveram nível de significância menor ou igual a 0,05.

RESULTADOS

Além da adequação aos critérios de elegibilidade, 37 sujeitos não responderam todas as questões da pesquisa de forma apropriada, tendo perda de 11% da amostra. Desta forma, a amostra final da pesquisa foi composta por 301 indivíduos.

Com relação à avaliação cognitiva, realizada no início da pesquisa por meio do questionário de Pfeffer, a maioria dos idosos foi classificada como independente (85,4%), não necessitando de auxílio de cuidador legal do indivíduo para responder o questionário - parte necessitou de cuidador (15,6%).

Os resultados das variáveis sociodemográficas dos idosos avaliados mostram, que 168 eram do sexo feminino, com média de idade de 69,93 (±7,33), mínimo 60 anos e máximo 90 anos (Tabela 1).

Tabela 1
Variáveis demográficas dos idosos

A respeito das condições de saúde, 47,5% dos idosos consideraram seu estado de saúde atual como regular, e a maioria considerou sua saúde atual semelhante há de 1 ano (63,5%) e à de pessoas da mesma idade (44,5%). Quanto à referência a doenças crônicas, 90,7% faz referência a alguma doença crônica e 70,4% relataram fazer uso crônico de medicação (Tabela 2).

Tabela 2
Variáveis de autopercepção sobre a qualidade e satisfação com a saúde

A tabela 2 mostra ainda o grau de satisfação com a saúde utilizando a escala lúdica, a presença de doenças crônicas e a utilização de medicamentos. Para a classificação de satisfação com a saúde, foram unidas todas as escolhas tristes e indiferentes como “não feliz” (a face neutra e as três faces desmotivadas) e todas as escolhas das faces felizes em “feliz” (as três faces motivadas). Desta forma, 218 idosos (72,4%) sentiam-se felizes com sua saúde.

Na análise bivariada da tabela 3, observa-se a relação com as doenças crônicas referidas e as variáveis idade, sexo, ESF de origem e uso crônico de medicamentos. Os resultados evidenciaram que a maioria dos indivíduos que tinham doenças crónicas referidas usava medicamentos de forma crônica (86%), com relação estatisticamente significativa entre estas variáveis (p<0,001). As demais variáveis independentes (sociodemográficas) analisadas na análise não tiveram associação estatística (p>0,05).

Tabela 3
Análise inferencial das variáveis independentes e presença de doenças crônicas referidas

DISCUSSÃO

A subjetividade dos conceitos de qualidade de vida, bem como de saúde e envelhecimento, sofre interferência de vários fatores inerentes ao ser humano, como habilidades e capacidades físicas, condições psicológicas, relações sociais e meio ambiente. A concepção de qualidade de vida relacionada à saúde estabelece o estudo destes fatores para aqueles intimamente envolvidos com a condição física, psíquica e social do indivíduo.(1818. Lima TA, Menezes TM. [Investigating the production of the knowledge on the long-lived elderly person]. Rev Bras Enferm. 2011; 64(4):751-8. Review. Portuguese.,1919. Silva PA, Soares SM, Santos JF, Silva LB. Cut-off point for WHOQOL-bref as a measure of quality of life of older adults. Rev Saude Publica. 2014;48(3):390-7.)

O perfil da população idosa encontrada neste estudo compreendeu, em sua maioria, mulheres da raça branca com residência própria e que moravam geralmente acompanhadas. Perfis muito semelhantes foram encontrados em estudos de outros autores.(1818. Lima TA, Menezes TM. [Investigating the production of the knowledge on the long-lived elderly person]. Rev Bras Enferm. 2011; 64(4):751-8. Review. Portuguese.,1919. Silva PA, Soares SM, Santos JF, Silva LB. Cut-off point for WHOQOL-bref as a measure of quality of life of older adults. Rev Saude Publica. 2014;48(3):390-7.) Alves et al.,(2020. Alves LC, Leite Ida C, Machado CJ. Factors associated with functional disability of elderly in Brazil: a multilevel analysis. Rev Saude Publica. 2010; 44(3):468-78.) por meio de estudo transversal de dados obtidos do IBGE, avaliaram os fatores associados a incapacidade funcional de idosos e obtiveram um perfil caracteristicamente similar ao do presente estudo, sendo, em sua maioria, do sexo feminino, com residência em área urbana, da raça branca e que moravam acompanhadas. Afirmaram, ainda, que a qualidade de saúde tinha relação direta com a independência funcional dos idosos. A independência e a autonomia dos idosos são fatores decisivos à modificação da autopercepção destes em relação à sua saúde,(55. Penna FB, Santos FH. [The moving of emotion on elderly's life: a study with a third age group]. Rev Eletr Enferm. 2006;8(1):17-24. Portuguese.,1111. Alexandre Tda S, Cordeiro RC, Ramos LR. Factors associated to quality of life in active elderly. Rev Saude Publica. 2009;43(4):613-21.) mas, como é possível notar, boa parte dos idosos ainda residia com seus familiares, o que pode inferir uma relação de semidependência.

No que se refere à distribuição proporcional dos idosos residentes nas áreas das duas unidades de ESF da cidade de Passo Fundo (RS), o número de indivíduos por grupo etário – 60 a 69 anos - esteve de acordo com outras pesquisas realizadas sobre o perfil dos idosos em outras cidades, dentro e fora do Estado do Rio Grande do Sul.(1818. Lima TA, Menezes TM. [Investigating the production of the knowledge on the long-lived elderly person]. Rev Bras Enferm. 2011; 64(4):751-8. Review. Portuguese.

19. Silva PA, Soares SM, Santos JF, Silva LB. Cut-off point for WHOQOL-bref as a measure of quality of life of older adults. Rev Saude Publica. 2014;48(3):390-7.
-2020. Alves LC, Leite Ida C, Machado CJ. Factors associated with functional disability of elderly in Brazil: a multilevel analysis. Rev Saude Publica. 2010; 44(3):468-78.)

O método de eleição da amostra pode apresentar limitações quanto à generalização, mas os autores consideraram que ela representou de forma satisfatória a opinião dos idosos pesquisados, por utilizar um cálculo amostral da população em estudo.

A proporção de idosos que considera seu estado de saúde atual como bom e/ou regular foi importante resultado do presente estudo (91,7%). Xavier et al.,(2121. Xavier FM, Ferraz MP Marc N, Escosteguy NU, Moriguchi EH. Elderly people's definition of quality of life. Rev Bras Psiquiatr. 2003;25(1):31-9.) utilizaram uma metodologia semelhante para coleta de dados, porém fazendo uso de diferente instrumento, chegando a resultados semelhantes na cidade de Veranópolis (RS), no qual 57,0% da população idosa estudada referiu valores significativos de satisfação positiva com a vida. Um estudo(1919. Silva PA, Soares SM, Santos JF, Silva LB. Cut-off point for WHOQOL-bref as a measure of quality of life of older adults. Rev Saude Publica. 2014;48(3):390-7.) realizado com 391 idosos, com idade entre 64,4 e 75,1 anos, cadastrado em UBS de Belo Horizonte (MG), mostrou que 52,4% da amostra considera-se satisfeita ou muito satisfeita com sua atual qualidade de vida; destes, 68,6% encontravam-se satisfeitos ou muito satisfeitos com sua saúde.

Apesar de o processo de envelhecimento não estar necessariamente relacionado a doenças e incapacidades, as doenças crónicas-degenerativas estão frequentemente presentes entre os idosos.(2222. Giacomin KC, Firmo JO. Old age, disability and care in public health. Cienc Saude Colet. 2015;20(12):3631-40.) Nesta pesquisa, parcela da população estudada apresentou um problema de saúde (58,5%). Xavier et al.,(2121. Xavier FM, Ferraz MP Marc N, Escosteguy NU, Moriguchi EH. Elderly people's definition of quality of life. Rev Bras Psiquiatr. 2003;25(1):31-9.) ao compararem os satisfeitos com a qualidade de saúde e os insatisfeitos, notaram que, em ambos os grupos, existiam idosos portadores de problemas de saúde, mas estes eram predominantes no grupo dos insatisfeitos.

Cabe refletir que o tipo da doença crónica autorreferida e sua gravidade podem também ter forte influência na prática da automedicação, porém, as doenças não foram nominadas neste estudo. Análises futuras podem ser testadas utilizando estas variáveis mencionadas, ou outras, a fim de verificar novas associações.

A automedicação foi significativamente maior em idosos portadores de doenças crónicas, sendo referida não apenas em nosso estudo, mas também descrita em pesquisa realizada por Cascaes et al.,(2323. Cascaes EA, Falchetti ML, Galato D. [Self-medication profile in elderly participants of located goups of the third age in a city of the south of Brasil]. Arq Catarin Med. 2008;37(1):63-9. Portuguese.) realizada com idosos no município de Tubarão (SC), na qual notou-se que, principalmente em situações de dor, os idosos fazem uso de medicamentos sem prescrição médica, bem como de medicamentos naturais. Alguns aspectos sobre a automedicação também foram descritos em trabalho realizado por Loyola Filho et al.,(2424. Loyola Filho AI, Uchoa E, Guerra HL, Firmo JO, Lima-Costa MF. [Prevalence and factors associated with self-medication: the Bambuí health survey]. Rev Saude Publica. 2002;36(1):55-62. Portuguese.) em que 46% dos idosos referiram o uso de medicamentos não prescritos nos 90 dias anteriores. Isto demonstra o quão alarmante torna-se esta situação, visto que a automedicação acarreta vários riscos a população, principalmente aos idosos, podendo até retardar o diagnóstico adequado e mascarar uma doença.(2525. Santos TR, Lima DM, Nakatani AY, Pereira LV, Leal GS, Amaral RG. [Medicine use by the elderly in Goiânia, Midwestern Brazil]. Rev Saude Publica. 2013; 47(1):94-103. Portuguese.)

Mais estudos são necessários para identificar a situação da população idosa em diferentes regiões brasileiras, com o intuito de servir de base na formulação de programas de saúde pública voltados para educação e promoção de saúde. As ESF devem atuar de forma mais efetiva na promoção e na proteção da saúde, desencorajando a automedicação e promovendo autonomia do idoso, com consequente satisfação com estado de saúde.

CONCLUSÃO

A presença de pelo menos uma doença crônica foi referida pela maioria dos entrevistados, com a prática de automedicação significativamente mais frequente nestes idosos. Apesar disto, o grau de satisfação com suas condições de saúde fora referido de forma predominantemente positiva, tanto em relação ao ano anterior quanto quando comparado a outras pessoas da mesma idade.

AGRADECIMENTOS

Ao Ministério da Saúde, pelo financiamento por meio do Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde (PRO-SAÚDE) e do Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde)/ Saúde da Família.

REFERENCES

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2017

Histórico

  • Recebido
    20 Dez 2016
  • Aceito
    22 Ago 2017
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