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Avaliação de indicadores e vivências de prazer/sofrimento em equipes de saúde da família com o referencial da Psicodinâmica do Trabalho

Evaluación de indicadores y vivências de placer/sufrimiento en equipos de salud de la familia con el referencial de la Psicodinámica del Trabajo

Resumo

OBJETIVO

Avaliar indicadores e vivências de prazer e sofrimento entre trabalhadores que atuam em equipes de Saúde da Família a partir do referencial teórico-metodológico da Psicodinâmica do Trabalho.

MÉTODO

Trata-se de estudo de método misto com 153 trabalhadores da equipe multiprofissional de Saúde da Família de 12 Unidades de Saúde de Porto Alegre que responderam a Escala de Indicadores de Prazer e Sofrimento no Trabalho entre setembro e novembro de 2011, destes, 68 participaram das entrevistas coletivas que ocorreram entre outubro e dezembro de 2012. Dados quantitativos foram submetidos à estatística descritiva e analítica, dados qualitativos à análise de conteúdo.

RESULTADOS

Os fatores realização profissional (4,22±1,3), liberdade de expressão (4,21±1,17) e reconhecimento (1,80±1,51) foram considerados satisfatórios pelos trabalhadores. O fator esgotamento profissional apresentou resultado moderado (3,33±1,44). Prazer no trabalho foi vinculado à realização profissional com autonomia, liberdade e criatividade. Falta de reconhecimento e sobrecarga de trabalho foram relacionados às questões institucionais, pessoais e da comunidade, consideradas fontes de sofrimento.

CONCLUSÕES

O prazer no trabalho das equipes estudadas está vinculado à liberdade de expressão, realização e reconhecimento profissional e, sofrimento se origina do esgotamento profissional e sobrecarga de trabalho.

Palavras-chave:
Saúde do trabalhador; Trabalho; Satisfação no trabalho; Estratégia Saúde da Família

Resumen

OBJETIVO

Evaluar los indicadores y las experiencias de placer y dolor entre los trabajadores que trabajan en equipos de salud familiar basado en el marco teórico y metodológico de la psicodinámica del trabajo.

MÉTODO

Se trata de un estudio de método mixto con 153 trabajadores del equipo multiprofesional de Salud de la Familia de 12 Unidades de Salud de Porto Alegre que respondieron a la Escala de Indicadores de Placer y Sufrimiento en el Trabajo entre septiembre y noviembre de 201, de estos, 68 participaron de entrevistas colectivas que ocurrieron entre octubre y diciembre de 2012. Los datos cuantitativos se sometieron a la estadística descriptiva y analítica, datos cualitativos al análisis de contenido.

RESULTADOS

El rendimiento en el trabajo (4,22 ± 1,3), la libertad de expresión (4.21 ± 1.17) y reconocimiento (1,80 ± 1,51) fueron considerados satisfactorios por los trabajadores. factor de agotamiento profesional mostró resultados moderados (3,33 ± 1,44). El placer en el trabajo estaba relacionado con el rendimiento profesional con la autonomía, la libertad y la creatividad. La falta de reconocimiento y la carga de trabajo se relaciona con cuestiones institucionales, personales y comunitarios, considerado fuentes de sufrimiento.

CONCLUSIONES

El placer en el trabajo de los equipos estudiados está vinculada a la libertad de expresión, el logro y el reconocimiento profesional, y el sufrimiento se deriva de agotamiento profesional y el exceso de trabajo.

Palabras clave:
Salud laboral; Trabajo; Satisfacción en el trabajo; Estrategia de Salud Familiar

Abstract

OBJECTIVE

To evaluate indicators and experiences of pain and pleasure among workers of the family health teams based on the theoretical and methodological framework Psychodynamics of Work.

METHOD

This is a mixed-method study with 153 workers from the multiprofessional family health team of 12 health units in Porto Alegre. All the participants answered the Pleasure and Pain in the Workplace Scale (“EIPST”) between September and November 2011 and 68 also participated in the collective interviews between October and December 2012. Quantitative data were submitted to descriptive and analytical statistics, and qualitative data were subjected to content analysis.

RESULTS

The indicators professional achievement (4.22 ± 1.3), freedom of expression (4.21 ± 1.17) and recognition (1.80 ± 1.51) were considered satisfactory by the workers. The indicator professional exhaustion had a moderate result (3.33 ± 1.44). Pleasure at work was linked to professional achievement with autonomy, freedom, and creativity. Lack of recognition and work overload were related to institutional, personal and community issues, and considered sources of suffering in the workplace.

CONCLUSIONS

Pleasure at work for the studied teams was associated with freedom of expression, achievement, and professional recognition, and pain was related to professional exhaustion and work overload.

Keywords:
Occupational health; Work; Job satisfaction; Family Health Strategy

INTRODUÇÃO

O trabalho em equipe é pressuposto fundamental da Estratégia de Saúde da Família na busca pela oferta qualificada de serviços de promoção e prevenção à saúde da população na atenção básica. Para além de um trabalho coletivo, as equipes de saúde da família são desafiadas à horizontalidade das relações interprofissionais e reconhecimento da complementaridade dos conhecimentos e campos de atuação.

Dessa forma, a escuta, o diálogo e o acolhimento não são apenas ferramentas a serem utilizadas na criação e manutenção do vínculo com a comunidade11. Ilha S, Dias MV, Backes DS, Backes MTS. Vínculo profissional-usuário em uma equipe da estratégia saúde da família. Cienc Cuid Saúde. 2014 set [citado 2017 out 25];13(3):556-62. Disponível em: Disponível em: http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/CiencCuidSaude/article/view/19661/pdf_229 .
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, mas são também importantes instrumentos para a organização do processo de trabalho em equipe. Aposta-se que esses quesitos são fundamentais para efetivação de cuidados integrais, singulares e humanizados na atenção básica, pois abrem espaços para a comunicação e o afeto no trabalho, e assim, entende-se que podem propiciar aos profissionais prazer no trabalho.

Contudo, as adversidades do contexto de trabalho, as condições por vezes impróprias para a realização das atividades e os impasses criados entre as necessidades dos profissionais e os interesses da gestão dificultam a realização daquilo que estava previsto22. Shimizu HE, Júnior C. O processo de trabalho na Estratégia Saúde da Família e suas repercussões no processo saúde-doença. Ciênc Saúde Coletiva. 2012 [citado 2017 out 25];17(9):2405-14. Available from: Available from: http://www.scielo.br/pdf/csc/v17n9/a21v17n9.pdf .
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-33. Trindade LDL, Pires DEPD, Amestoy SC, Forte ECN, Machado FL, Bordignon M. Trabalho na estratégia da saúde da família: implicações nas cargas de trabalho de seus profissionais. Cogitare Enferm. 2014 set [citado 2017 out 25];19(3):528-35. Disponível em: Disponível em: http://revistas.ufpr.br/cogitare/article/view/35492/23238 .
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. Dessa forma, muitas vezes o trabalho real se distancia do trabalho prescrito, gerando frustração e sofrimento para os trabalhadores que não desenvolvem suas atividades como gostariam e ainda experimentam a desvalorização e a desmotivação44. Kanno NDP, Bellodi PL, Tess BH. Profissionais da Estratégia Saúde da Família diante de demandas médico-sociais: dificuldades e estratégias de enfrentamento. Saúde Soc. 2012 abr [citado 2017 out 25];21(4):884-94. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/sausoc/v21n4/v21n4a08.pdf .
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. Por outro lado, é na distância entre o real e o prescrito que o trabalhador pode encontrar espaço para a realização de seus desejos por meio da criação, do exercício da autonomia e do uso da inteligência prática55. Mendes AM. Psicodinâmica do trabalho: teoria, método e pesquisas. 1. ed. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2007.).

Considerando as repercussões do trabalho na Estratégia de Saúde da Família para a saúde dos profissionais é que se identifica a potencialidade do Referencial da Psicodinâmica do Trabalho para a avaliação das vivências de prazer e sofrimento no trabalho. Inicialmente voltado à compreensão das patologias do trabalho, o referencial proposto pelo psiquiatra francês Christophe Dejours busca em bases psicanalíticas a compreensão a relação entre o prazer e o sofrimento no campo laboral. Para Dejours66. Dejours C, Barros JDO, Lancman S. A centralidade do trabalho para a construção da saúde: entrevista com Christophe Dejours. Rev Ter Ocup Univ São Paulo. 2016 maio/ago [citado 2017 out 25];27(2):228-35. Disponível em: Disponível em: http://revistas.usp.br/rto/article/viewFile/119227/116632 .
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-77. Wlosko M. Clinical approach to work-related subjective processes: the perspective of psychodinamic of work. Vertex. 2015 nov/dec.; 26(124):417-26., o trabalho é espaço primordial na construção da saúde dos sujeitos, uma vez que impulsiona processos de subjetivação e realização de si.

O sofrimento no trabalho começa quando, apesar de seu zelo, o trabalhador não consegue dar conta da tarefa. O prazer, ao contrário, começa quando por meio do seu zelo, o trabalhador inventa soluções convenientes. Prazer e sofrimento no trabalho são, portanto, indissociáveis do trabalho e o zelo consiste no engajamento afetivo da subjetividade em conflito com as demandas experimentadas na execução das atividades cotidianas88. Dejours C, Melo Neto GA. Psicodinâmica do trabalho e teoria da sedução. Psicol Estud. 2012 [citado 2017 out 25];17(3):363-71. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/pe/v17n3/a02v17n3.pdf .
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Esse entendimento da Psicodinâmica do Trabalho requer a análise da organização do trabalho em primeira instância para se compreender os processos que permeiam a realização profissional, a liberdade de expressão, o esgotamento profissional e a falta de reconhecimento, requisitos determinantes nas vivências de prazer e sofrimento. A realização profissional e liberdade de expressão resultam em vivências de prazer no contexto do trabalho, sendo que a primeira está relacionada à gratificação profissional, orgulho e identificação com o trabalho que faz, e a segunda às vivências de liberdade para pensar, organizar e falar sobre o seu trabalho. O esgotamento e a falta de reconhecimento podem acarretar em vivências de sofrimento aos trabalhadores. O esgotamento profissional caracteriza-se por frustração, insegurança, inutilidade, desgaste e estresse no trabalho, ao passo que a falta de reconhecimento está ligada à injustiça, indignação e desvalorização pelo não-reconhecimento do seu trabalho55. Mendes AM. Psicodinâmica do trabalho: teoria, método e pesquisas. 1. ed. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2007..

Com base no exposto, o presente estudo teve o objetivo de avaliar indicadores e vivências de prazer e sofrimento entre trabalhadores que atuam em equipes de Saúde da Família (SF) a partir do referencial teórico-metodológico da Psicodinâmica do Trabalho. A investigação justifica-se pela relevância de se lançar olhares à saúde dos profissionais que atuam na Estratégia de Saúde da Família, uma vez que se trata de modelo assistencial reconhecido como prioritário na reorientação da atenção básica em saúde com vistas à melhoria da saúde da população.

MÉTODO

Trata-se de um estudo de método misto, com abordagem quantitativa e qualitativa, que teve como referencial teórico-metodológico a Psicodinâmica do Trabalho (PDT)55. Mendes AM. Psicodinâmica do trabalho: teoria, método e pesquisas. 1. ed. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2007.. A etapa quantitativa é denominada pela PDT como uma pré-pesquisa, por ter seu foco na busca de uma noção mais generalizada sobre o contexto do trabalho e a relação entre o prazer e o sofrimento. E, a etapa seguinte - qualitativa - destina-se ao aprofundamento das questões subjetivas envolvidas nas vivências de prazer e sofrimento55. Mendes AM. Psicodinâmica do trabalho: teoria, método e pesquisas. 1. ed. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2007..

A etapa quantitativa caracterizou-se pelo delineamento transversal e descritivo, realizado com trabalhadores da equipe multiprofissional de 12 Unidades de Saúde (US) de Porto Alegre - Rio Grande do Sul que compõe o Serviço de Saúde Comunitário de um grupo hospitalar e situam-se em nos distritos sanitários norte e noroeste. Atendem cerca de 105 mil pessoas cadastradas para um permanente acompanhamento de seu estado de saúde por meio de programas de prevenção e de tratamento médico e odontológico. Foi utilizada a Escala de Indicadores de Prazer e Sofrimento no Trabalho (EIPST), uma das quatro escalas que compõem o Inventário de Trabalho e Risco de Adoecimento Relacionado ao Trabalho - Itra55. Mendes AM. Psicodinâmica do trabalho: teoria, método e pesquisas. 1. ed. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2007..

A EIPST avalia quatro fatores: dois para avaliar o prazer - realização profissional e liberdade de expressão - e dois para avaliar o sofrimento no trabalho - esgotamento profissional e falta de reconhecimento. A EIPST avalia categorias centrais da Psicodinâmica do Trabalho, apresentando indicadores que podem ser considerados universais das vivências, dada a consistência em mais de um processo de validação e sua coerência com os pressupostos pela teoria55. Mendes AM. Psicodinâmica do trabalho: teoria, método e pesquisas. 1. ed. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2007..

Foram incluídos todos os profissionais que estavam trabalhando no período da coleta de dados, há no mínimo seis meses. Foram excluídos os trabalhadores que estavam em férias, licença saúde, maternidade e/ou licença prêmio e com vínculo com empresas terceirizadas. O cálculo amostral considerou um coeficiente de correlação maior ou igual a 0,3 entre as dimensões da escala com um poder de 95% em nível de significância 0,5, perfazendo um total de 139 trabalhadores de equipes de SF. O instrumento de coleta dos dados foi distribuído para toda população do estudo (N=253), sendo a amostra final composta por 153 instrumentos válidos. A coleta de dados quantitativos foi realizada entre os meses de setembro a novembro de 2011.

Os dados foram analisados com auxílio do Software Package for the Social Science (SPSS) versão 18.0. As variáveis categóricas foram apresentadas por meio de frequências absolutas e relativas, e as contínuas por medidas de tendência central e dispersão. Foi realizado o teste de Kolmogorov-Smirnov para testar a hipótese de normalidade na da distribuição dos dados. Para avaliar a correlação entre as variáveis foram calculados os coeficientes de correlação de Pearson. Fez-se ainda o Coeficiente de Alpha de Cronbach, com vistas ao estabelecimento da consistência interna.

A partir da análise dos resultados dos dados relativos aos trabalhadores na etapa quantitativa e, tendo como critério a análise fatorial de correspondência da escala, foram selecionados para a etapa qualitativa, os integrantes das equipes: da US que na etapa quantitativa apresentou o menor risco de adoecimento relacionado ao trabalho; a US com o resultado moderado, e a US com o maior risco de adoecimento relacionado ao trabalho, constituindo-se como amostra da etapa qualitativa os trabalhadores dessas três US.

A etapa qualitativa caracterizou-se como descritiva, analítica e incluiu todos os trabalhadores das três US (denominadas pelas letras A, B e C) totalizando 68 profissionais, dentre eles enfermeiros, técnicos de enfermagem, médicos, dentistas, psicólogos, técnicos em saúde bucal, assistente social.

As informações foram coletadas a partir de observação de campo e entrevistas coletivas. Foram realizadas vinte horas de observação em cada US, os turnos manhã e tarde, totalizando sessenta horas de observação que foram registradas em um diário de campo.

No método da Psicodinâmica do Trabalho, a observação clínica é essencial e deve ser fundamentada nos discursos dos participantes da sessão99. Athayde, M. Dejours C. Christophe Dejours: da psicopatologia à psicodinâmica do trabalho [resenha]. Cad Saúde Pública. 2005 [citado 2017 out 25];21(3):984-90. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/csp/v21n3/39.pdf .
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e foi realizada previamente às entrevistas coletivas. A coleta de informações foi realizada nos meses de outubro a dezembro de 2012.

As entrevistas coletivas foram divididas em dois momentos. Na US ‘A’ foram realizados dois encontros, um para apresentação dos resultados quantitativos e outro para a discussão e entrevista coletiva. Nas US ‘B’ e ‘C’, foi agendado um único encontro em que a pauta da reunião de equipe foi a presente pesquisa, dividida em dois momentos ― apresentação dos resultados quantitativos e entrevista coletiva. Desse modo, a entrevista coletiva permitiu que os profissionais entrevistados falassem livremente sobre o tema proposto, conforme as seguintes questões norteadoras: fale sobre o seu trabalho na Saúde da Família; fale sobre os fatores que causam prazer em seu trabalho; e fale sobre situações que lhe causam sofrimento no trabalho. Como lida com isso? Os encontros tiveram duração de duas horas em cada US. As entrevistas coletivas foram identificadas com as letras EC para entrevista coletiva, acrescida do número conforme a Unidade de saúde e, letras A, B, C, sucessivamente, para diferenciar os profissionais, EC1-A, EC2 -A, EC3-B.

A análise das informações foi realizada utilizando-se o método de análise de conteúdo após a transcrição das entrevistas na íntegra e da organização das anotações de campo. Essa análise foi constituída de três passos fundamentais: pré-análise, exploração do material, tratamento dos resultados obtidos e interpretação1010. Minayo MCS. Análise qualitativa: teoria, passos e fidedignidade. Ciênc Saúde Coletiva . 2012 [citado 2017 out 25];17(3):621-6. Disponível em: Disponível em: http://www.scielosp.org/pdf/csc/v17n3/v17n3a07 .
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. Os dados foram discutidos à luz do referencial da Psicodinâmica do Trabalho.

Foram seguidos os preceitos éticos da Resolução 466/2012, sendo a pesquisa aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição, sob parecer número 11-140. Os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em duas vias.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os profissionais das equipes de SF eram em sua maioria do sexo feminino (n=121; 79,6%), com média de idade de 43 (DP= 10,76) anos, casado (n=73; 48,3%), da categoria profissional de auxiliar de enfermagem (n=39; 26,2%) e possuíam pós-graduação 50%(n=76). Em relação ao exame médico periódico, 6,6%(n=10) dos profissionais não realizaram no último ano, e 6%(n=9) tiveram mais de três afastamentos no ano por problemas de saúde relacionados ao trabalho. A tabela 1 apresenta os quatros fatores referentes à Escala de Indicadores de Prazer-sofrimento, os quais apresentaram valores de alfa de Cronbach de 0,93, 0,86, 0,9 e 0,93 para cada fator (F1 - Realização Profissional; F2 - Liberdade de Expressão; F3 - Esgotamento Profissional; F4 - Falta de Reconhecimento), respectivamente.

Tabela 1
Fatores da Escala de Indicadores de Prazer-sofrimento avaliados pelos trabalhadores das equipes de SF. Porto Alegre, 2014 (n=153)

Ao que se refere ao fator realização profissional, o resultado foi satisfatório (média 4,22±1,3) para 59,6% dos profissionais de todas as US. Os valores mais altos foram orgulho pelo que faço (média 4,9±1,48) e identificação com minhas tarefas (média 4,67±1,48). O fator liberdade de expressão foi avaliado como satisfatória por 58,9% dos profissionais (média 4,21±1,17). Os itens liberdade para falar sobre o meu trabalho com os colegas (média 4,46± 1,57) e liberdade para falar sobre o meu trabalho com as chefias (4,41±1,73) apresentaram maiores escores.

O fator esgotamento profissional apresentou resultado moderado (média 3,33±1,44) para 45% dos profissionais. Os itens com escores mais altos foram: estresse (média 4,13±1,77) e sobrecarga (4,05±1,77). O fator falta de reconhecimento apresentou resultado satisfatório para 63,6% dos profissionais (média 1,80±1,51). Os escores mais altos foram para os itens indignação (média 2,59±2,04) e falta de reconhecimento do meu esforço (média 2,52±1,97).

Na análise bivariada entre os fatores da Escala de Indicadores de Prazer e Sofrimento no Trabalho (EIPST), observou-se que o fator realização profissional se correlacionou positivamente com a liberdade de expressão r=0,58; p<0,01) e negativamente com o esgotamento profissional (r=-0,38; p< 0,01) e a falta de reconhecimento (r=-0,44; p< 0,01).

Identificou-se correlação negativa entre o fator liberdade de expressão e os fatores esgotamento profissional (r = - 0,16; p<0,01) e falta de reconhecimento r =-0, 31; p< 0,01). Adicionalmente, associado aos fatores esgotamento profissional e falta de reconhecimento, apontou para uma correlação positiva (r = 0,69; p<0,01).

A partir desses resultados que fizeram parte da pré-pesquisa com aplicação da EIPST e seguindo as etapas do método da Psicodinâmica do Trabalho, deu-se seguimento às entrevistas coletivas, das quais emergiram as seguintes categorias: realização profissional, reconhecimento do trabalho e sobrecarga de trabalho. Cabe salientar que as temáticas abordadas por essas categorias refletem o conteúdo do discurso das três equipes de SF.

Realização profissional

Na escala de Indicadores de Prazer e Sofrimento no Trabalho evidenciou-se que a realização profissional e a liberdade de expressão são vivenciadas como fontes de prazer no trabalho, corroborando com outro estudo com trabalhadores da Saúde da Família1111. Maissiat GS, Lautert L, Dal Pai D, Tavares JP. Work context, job satisfaction and suffering in primary health care. Rev Gaúcha Enferm. 2015 Jun [cited 2017 Oct 25];36(2):42-9. Available from: Available from: http://seer.ufrgs.br/index.php/RevistaGauchadeEnfermagem/article/view/51128/34180 .
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No presente estudo, os itens que mais se relacionaram com a realização profissional, segundo os itens avaliados pela EIPST, foram orgulho pelo que faço e identificação com minhas tarefas. A liberdade de falar com os colegas e a liberdade para falar sobre o meu trabalho com as chefias foram os itens que mais expressam a liberdade de expressão como fonte de prazer.

Os depoimentos e observações dos profissionais referendam o prazer no trabalho associado à realização profissional que se mostrou oriunda da organização do trabalho e que considera a autonomia, a liberdade, a criatividade. Estas provêm do espaço de fala e de escuta junto aos pares.

[...] mas quando tu vê o grau de liberdade que tu tens aqui, no que já foi dito em relação a criar o teu trabalho, a tu propores novas práticas, isso dá uma possibilidade de um pouco mais de saúde no teu trabalho, coisa que eu não conseguiria num hospital [...] A questão da criação está na maioria dos processos no “desplanejamento[...] (EC1- C).

Eu acho que uma das coisas boas que eu vejo nessa equipe, no trabalho, é a questão da autonomia […] eu, pelo menos como profissional tenho autonomia (EC1- C).

[...] ela (a autonomia) é boa porque deixa nas mãos da gente o processo e não só obedecer regras (EC2- E).

A autonomia está nas nossas mãos [...] Nós temos uma história de ter mais autonomia, de definir melhor (o trabalho) e estar fazendo isso sempre com afetividade, com leveza (EC2-F)

Desse modo, evidenciou-se que os profissionais das equipes de SF das US estudadas devem desenvolver/utilizar estratégias para implementar o desenvolvimento da autonomia com poder para criar e inventar o seu trabalho, sentindo-se sujeitos do seu trabalho, e que o exercício da autonomia produza sentido ao seu trabalho e resulte em entusiasmo pelo objetivo do trabalho ou mesmo pela atividade em si.

Sobre essa questão, cabe considerar que a realização profissional dos trabalhadores e a construção da saúde se dá quando o trabalho impulsiona processos de subjetivação e de exercício da democracia no contexto do trabalho66. Dejours C, Barros JDO, Lancman S. A centralidade do trabalho para a construção da saúde: entrevista com Christophe Dejours. Rev Ter Ocup Univ São Paulo. 2016 maio/ago [citado 2017 out 25];27(2):228-35. Disponível em: Disponível em: http://revistas.usp.br/rto/article/viewFile/119227/116632 .
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. Neste sentido, ao exercer a democracia, o trabalhador sente-se com liberdade para criar o seu trabalho, como relatado nas entrevistas coletivas.

Ainda relacionado aos resultados que versam sobre os itens que compõem o fator ‘liberdade de expressão’, cabe destacar o resultado satisfatório da solidariedade, confiança e cooperação. Para a psicodinâmica do trabalho a (re)construção de relações de confiança horizontais e verticais passa pelo desenvolvimento de habilidades específicas de escuta1212. Dejours C, Gernet I. Travail, subjectivité et confiance. Nouv Rev Psychosociol. 2012 [cité 2017 cct 25];13(1):75-91. Disponible à: Disponible à: http://www.cairn.info/load_pdf.php?ID_ARTICLE=NRP_013_0075 .
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Pelos resultados positivos encontrados acerca da realização profissional e liberdade de expressão, entende-se que os trabalhadores de equipes de SF têm encontrado espaço potencial para o uso da inteligência astuciosa, denominada por Dejours como a intelligence de la pratique, proveniente da confluência da necessidade de ajustamento entre as prescrições das tarefas, os obstáculos impostos pela organização do trabalho, a inteligência originada da experiência real do trabalhador e da sua concepção sobre a atividade99. Athayde, M. Dejours C. Christophe Dejours: da psicopatologia à psicodinâmica do trabalho [resenha]. Cad Saúde Pública. 2005 [citado 2017 out 25];21(3):984-90. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/csp/v21n3/39.pdf .
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,1313. Katsurayama M, Parente RCP, Moraes RDD, Moretti-Pires RO. Trabalho e sofrimento psíquico na estratégia saúde da família: uma perspectiva Dejouriana. Cad Saúde Coletiva. 2013 [citado 2017 out 25];21(4):414-9. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/cadsc/v21n4/v21n4a09.pdf .
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-1414. Bendassolli PF. Reconhecimento no trabalho: perspectivas e questões contemporâneas. Psicol Estud . 2012 [citado 2017 out 25];17(1):37-46. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/pe/v17n1/v17n1a04.pdf .
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A inteligência astuciosa encontra-se no uso de alternativas não prescritas pelo sistema para o atendimento da demanda de forma a alcançar a resolutividade do serviço, a fim de reparar as lacunas nas condições e organização de trabalho para manter a produtividade estabelecida. Assim, os profissionais se protegem do sofrimento psíquico proveniente do trabalho precário por meio do uso da criatividade para a resolução dos problemas99. Athayde, M. Dejours C. Christophe Dejours: da psicopatologia à psicodinâmica do trabalho [resenha]. Cad Saúde Pública. 2005 [citado 2017 out 25];21(3):984-90. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/csp/v21n3/39.pdf .
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,1414. Bendassolli PF. Reconhecimento no trabalho: perspectivas e questões contemporâneas. Psicol Estud . 2012 [citado 2017 out 25];17(1):37-46. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/pe/v17n1/v17n1a04.pdf .
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, e consequentemente proporcionando realização profissional.

Então, a criatividade é prazer quando os trabalhadores das equipes de SF exercitam a autonomia, a liberdade para fazer, inventar e sair da rotina prescrita do trabalho, exercendo sua autogovernabilidade, produzindo um “desplanejamento” e novas práticas, em que criar é imprimir sua identidade, produzir saúde no trabalho e realização profissional.

Assim, o trabalho nas US para além do trabalho prescrito caracteriza-se como um trabalho que permite espaço para o exercício da autonomia, da capacidade de criar frente às necessidades e reconhecimento pela ação desenvolvida. Trabalhar sentindo-se realizado profissionalmente significa ter prazer naquilo que se realiza e que se produz. Isso se converte em algo positivo para toda a equipe, para os usuários e desse modo torna-se mais fácil criar, produzir, (re) organizar o trabalho.

Reconhecimento no trabalho

Na escala de Indicadores de Prazer e Sofrimento no Trabalho, os fatores que indicam sofrimento no trabalho são esgotamento profissional e falta de reconhecimento. No presente estudo, o esgotamento profissional foi considerado moderado, enquanto que o reconhecimento foi considerado satisfatório, indicando que se percebem reconhecidos no trabalho. Os itens da escala que mais possibilitaram a falta de reconhecimento foram indignação e falta de reconhecimento no meu esforço.

O reconhecimento do trabalho configura-se como prazeroso ao mesmo tempo que a falta de reconhecimento imprime um sentimento de sofrimento relacionado ao trabalho. Os profissionais trouxeram a necessidade de reconhecimento tanto institucional como da comunidade, como manifestado nas entrevistas:

Falta reconhecimento, falta olhar para nossas necessidades, de falta de apoio para um conjunto de necessidades que a gente tem, mas a gente se segura um nos outros (EC1- A).

O reconhecimento acho que é o bravo, parece que a gente pode se gastar, trabalha mais, desde que a gente tenha esse reconhecimento. E, esse reconhecimento não se dá pela questão da equipe, e sim instâncias na comunidade, como é que a comunidade reconhece e da própria instituição que não reconhece. Eu acho que esses dois reconhecimentos são fundamentais (EC2 - D).

O referencial da psicodinâmica do trabalho tem chamado a atenção para o nexo entre falta de reconhecimento e processos de sofrimento, adoecimento e despersonalização. Inversamente, tem mostrado a importância do reconhecimento nos processos de construção de significados, mediando a relação do sujeito com o outro no contexto de trabalho, considerando-o enquanto utilidade (valor) e beleza (qualidade) no coletivo88. Dejours C, Melo Neto GA. Psicodinâmica do trabalho e teoria da sedução. Psicol Estud. 2012 [citado 2017 out 25];17(3):363-71. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/pe/v17n3/a02v17n3.pdf .
http://www.scielo.br/pdf/pe/v17n3/a02v17...
,1515. Kessler AI, Krug SBF. Do prazer ao sofrimento no trabalho da enfermagem: o discurso dos trabalhadores. Rev Gaúcha Enferm . 2012 mar [citado 2017 out 25];33(1):49-55. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rgenf/v33n1/a07v33n1.pdf .
http://www.scielo.br/pdf/rgenf/v33n1/a07...
. Por essa razão, o reconhecimento tem um impacto considerável sobre a identidade e na transformação do sofrimento em prazer no trabalho77. Wlosko M. Clinical approach to work-related subjective processes: the perspective of psychodinamic of work. Vertex. 2015 nov/dec.; 26(124):417-26..

Estudo que objetivou identificar situações causadoras de prazer e de sofrimento no trabalho da enfermagem de duas instituições de saúde, localizadas em área rural, apontou que a falta de reconhecimento e valorização das atividades desempenhadas, tanto por colegas da equipe de trabalho, quanto por gestores das instituições foi identificada como um fator contributivo para insatisfação no trabalho citado pelos trabalhadores de enfermagem dos dois serviços de saúde, o que acaba, muitas vezes, gerando sobrecarga aos trabalhadores1515. Kessler AI, Krug SBF. Do prazer ao sofrimento no trabalho da enfermagem: o discurso dos trabalhadores. Rev Gaúcha Enferm . 2012 mar [citado 2017 out 25];33(1):49-55. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rgenf/v33n1/a07v33n1.pdf .
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.

Os trabalhadores apontaram a falta de espaço físico enquanto aspecto que prejudica o reconhecimento do trabalho, ou seja, aquele que é mais reconhecido tem mais acesso a ocupação de determinados espaços físicos.

[...] tem uma relação quando a gente tem um espaço físico adequado, quando a gente tem uma condição de trabalho boa, a gente se sente com reconhecimento no trabalho (EC2 - H).

A partir das falas dos trabalhadores e da observação clínica, pode-se dizer que o espaço físico destinado ao exercício do trabalho é a materialização do reconhecimento institucional. A busca por esse espaço se constitui como um campo de disputa que implica nas vivências de prazer e sofrimento das equipes de SF.

O reconhecimento depende da realização de julgamentos, os quais recaem sobre a qualidade do trabalho realizado, sobre o fazer - e não sobre a pessoa; mas o reconhecimento pela qualidade do trabalho pode inscrever-se no nível da personalidade em termos de ganhos no registro da identidade. Isso nos conduz a uma outra importante conceptualização: a relação entre trabalho e identidade é mediada pelo outro na gramática do julgamento de reconhecimento. Esse julgamento assume duas formas: a de utilidade, que é realizada pela hierarquia; e a de beleza, que é julgada com base em critérios estéticos pelos pares. Enquanto o primeiro atende ao desejo de ser útil, o segundo gera um sentimento de pertencimento a um coletivo de trabalho66. Dejours C, Barros JDO, Lancman S. A centralidade do trabalho para a construção da saúde: entrevista com Christophe Dejours. Rev Ter Ocup Univ São Paulo. 2016 maio/ago [citado 2017 out 25];27(2):228-35. Disponível em: Disponível em: http://revistas.usp.br/rto/article/viewFile/119227/116632 .
http://revistas.usp.br/rto/article/viewF...
,1414. Bendassolli PF. Reconhecimento no trabalho: perspectivas e questões contemporâneas. Psicol Estud . 2012 [citado 2017 out 25];17(1):37-46. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/pe/v17n1/v17n1a04.pdf .
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.

O julgamento de utilidade é condição para afiliação à sociedade. O julgamento de utilidade pode também (além do chefe) emanar do cliente, do usuário, do paciente, do aluno, ou seja, do beneficiário da qualidade do trabalho. Quando, então, na ocasião de um remanejamento nos quadros dirigentes da empresa ou de uma administração, conclui-se que um empregado até então bem considerado e bem visto é inútil, o sofrimento pode ter consequências negativas para a saúde do trabalhador22. Shimizu HE, Júnior C. O processo de trabalho na Estratégia Saúde da Família e suas repercussões no processo saúde-doença. Ciênc Saúde Coletiva. 2012 [citado 2017 out 25];17(9):2405-14. Available from: Available from: http://www.scielo.br/pdf/csc/v17n9/a21v17n9.pdf .
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. Do mesmo modo, estudo de revisão aponta que as consequências negativas para a saúde do trabalhador são oriundas do sofrimento no trabalho pela violência psicológica que atinge principalmente profissionais da saúde1616. Ansoleaga E, Gómez-Rubio, C; Mauro A. Violencia laboral en América Latina: una revisión de la evidencia científica. Vertex Rev Arg Psiquiat. 2015;XXVI:p.444-52..

Neste sentido, os trabalhadores das equipes de SF sentem-se úteis quando são reconhecimentos pela comunidade, colegas de trabalho e institucionalmente. O reconhecimento institucional está ligado às condições adequadas de trabalho, principalmente no que se refere ao espaço físico. Assim, quando ocorre o reconhecimento oriundo do sentimento de pertencimento ao local de trabalho e ao processo de trabalho desenvolvido de forma coletiva, isso implica em prazer aos trabalhadores; e na falta desse reconhecimento surge o sofrimento.

Sobrecarga de trabalho

Os trabalhadores das equipes de SF relataram sobrecarga de trabalho relacionada às exigências institucionais, da comunidade e pessoais.

A gente é um pouco pressionado em cima das metas que a gente tem que estar produzindo para atingir aquela meta que a instituição está nos cobrando (EC1 - G).

A gente sofre muitas cobranças da instituição[...] (metas, indicadores e reuniões) (EC3 - F).

A sobrecarga de trabalho é fruto do acúmulo de normatizações que dificultam a reflexão do sobre sua prática. Essa realidade pode gerar estados de alienação perante a pouca reflexão sobre a própria prática88. Dejours C, Melo Neto GA. Psicodinâmica do trabalho e teoria da sedução. Psicol Estud. 2012 [citado 2017 out 25];17(3):363-71. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/pe/v17n3/a02v17n3.pdf .
http://www.scielo.br/pdf/pe/v17n3/a02v17...
,1717. Caçador BS, Brito MJM, Moreira DDA, Rezende LC, Vilela GDS. Ser enfermeiro na estratégia de saúde da família: desafios e possibilidades. Rev Min Enferm. 2015 set [citado 2017 out 25];19(3):612-9. Disponível em: Disponível em: http://www.reme.org.br/artigo/detalhes/1027 .
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, e alienação frente às exigências do trabalho podem levar o trabalhador das equipes de SF ao estresse e sobrecarga de trabalho, conforme itens avaliados da EIPST, e consequentemente sofrimento psíquico.

Estudo com trabalhadores da Estratégia de Saúde da Família em um distrito sanitário de Belo Horizonte, Minas Gerais, destacou que a sobrecarga de trabalho decorre da necessidade de oferecer respostas às demandas relacionadas ao funcionamento do centro de saúde e à população e, ainda, às metas estabelecidas, pactuações e indicadores1717. Caçador BS, Brito MJM, Moreira DDA, Rezende LC, Vilela GDS. Ser enfermeiro na estratégia de saúde da família: desafios e possibilidades. Rev Min Enferm. 2015 set [citado 2017 out 25];19(3):612-9. Disponível em: Disponível em: http://www.reme.org.br/artigo/detalhes/1027 .
http://www.reme.org.br/artigo/detalhes/1...
. Já em estudo realizado com equipes de Estratégia de Saúde da Família da região sul do Brasil revelou que o aumento das cargas de trabalho decorre das lacunas entre o trabalho prescrito e o real, ou seja, na distância entre o modelo assistencial previsto para o sistema de saúde e a manutenção de tradicionais práticas biomédicas1818. Trindade LL, Pires DEP. Implicações dos modelos assistenciais da atenção básica nas cargas de trabalho dos profissionais da saúde. Texto Contexto Enferm. 2013 jan-mar [citado 2017 out 25];22(1):36-42. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/tce/v22n1/pt_05.pdf .
http://www.scielo.br/pdf/tce/v22n1/pt_05...
).

Sobre a alienação no trabalho, cabe considerar a potencialidade da aplicação do referencial teórico-metodológico da psicodinâmica do trabalho77. Wlosko M. Clinical approach to work-related subjective processes: the perspective of psychodinamic of work. Vertex. 2015 nov/dec.; 26(124):417-26., uma vez que, a pesquisa em si proporciona espaço para escuta e fala, permitindo a conscientização dos impasses do trabalho sendo, portanto, o primeiro passo na busca pela transformação. A conscientização que possibilita a mobilização do sujeito e do coletivo de trabalhadores é o que pode impulsionar a transformação do sofrimento em prazer.

Acho que a gente vive um momento que tem um nível de exigência muito grande, tanto por parte da instituição, como da comunidade. O fato de hoje a unidade de saúde estabelecer uma relação que é mais horizontal com a comunidade faz com que a comunidade também se coloque de um jeito diferente e a gente tem que aprender a mediar, tem que dialogar com essa solicitação que a comunidade faz. E, muitas vezes não tem como a gente dar conta de questões do que é solicitado (EC2 - E).

A equipe entra num sofrimento muito grande no risco de não atender a comunidade. [...] a equipe entra num caos, nós entramos num stress, deixar de fazer uma coisa que é o que fazemos de melhor, que é atender a comunidade (EC3 - D).

Assim, percebe-se que os profissionais sofrem quando não conseguem satisfazer as necessidades da comunidade, seja por buscarem a resolutividade em suas ações ou mesmo pela cobrança da comunidade. O sofrimento se instala na impotência do profissional em satisfazer a necessidade do usuário1919. Glanzner, CH. O descompasso entre o trabalho real e o prescrito: prazer e sofrimento dos profissionais das equipes de Saúde da Família no Grupo Hospitalar Conceição [tese]. Porto Alegre: Escola de Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2014. e também nas culpabilizações que se originam do desgosto do mesmo face ao que lhe é ofertado.

Quanto à sobrecarga institucional, estudo com trabalhadores de SF destacou como desgaste no trabalho, a lentidão no fluxo do serviço, muitas vezes, ocasionada pelo excesso de exigências burocráticas nas solicitações e encaminhamentos de exames e consultas especializadas, além das desigualdades no acesso e na utilização dos serviços de saúde pelos usuários são consequências de barreiras organizacionais que apontam a necessidade de repensar a estrutura dos atendimentos, principalmente o fluxo do usuário na rede de serviço1515. Kessler AI, Krug SBF. Do prazer ao sofrimento no trabalho da enfermagem: o discurso dos trabalhadores. Rev Gaúcha Enferm . 2012 mar [citado 2017 out 25];33(1):49-55. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rgenf/v33n1/a07v33n1.pdf .
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).

Entende-se que a sobrecarga na Atenção Básica decorre principalmente da demanda espontânea e da realização de atividades que vão além das atividades programadas, prejudicando a realização de ações que compõem as atribuições dos trabalhadores1717. Caçador BS, Brito MJM, Moreira DDA, Rezende LC, Vilela GDS. Ser enfermeiro na estratégia de saúde da família: desafios e possibilidades. Rev Min Enferm. 2015 set [citado 2017 out 25];19(3):612-9. Disponível em: Disponível em: http://www.reme.org.br/artigo/detalhes/1027 .
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. Nas entrevistas coletivas, os trabalhadores de equipes de SF relataram que a sobrecarga de trabalho também está intimamente ligada às exigências que o trabalho lhes impõe, podendo ser institucionais, pessoais e da comunidade.

CONCLUSÃO

O estudo permitiu avaliar indicadores e vivências de prazer e sofrimento entre trabalhadores que atuam em equipes de Saúde da Família a partir do referencial teórico metodológico da Psicodinâmica do Trabalho. Os resultados da etapa quantitativa demonstraram que a realização profissional e a liberdade de expressão são indicadores de prazer no trabalho. Em relação aos indicadores de sofrimento, o esgotamento profissional foi considerado moderado, enquanto que o reconhecimento foi considerado satisfatório, indicando que se percebem reconhecidos no trabalho.

As vivências de prazer do trabalho vincularam-se aos sentimentos de satisfação e bem-estar, em que o profissional sente liberdade em ser e construir seu trabalho, sentindo-se realizado profissionalmente. As manifestações de sofrimento foram permeadas pela sobrecarga dos trabalhadores das equipes de SF, que estava relacionada às exigências que o trabalho lhes impõe, sendo elas, institucionais, pessoais e da comunidade. Nesse sentido, o processo de reconhecimento no trabalho emerge como uma das formas recompensatórias e de minimização destas exigências, sendo fundamental para enfrentar o sofrimento e transformá-lo em prazer no trabalho.

O estudo apresentou como limitações o recorte transversal e a representação de trabalhadores de US de uma região de Porto Alegre. Contudo, a potencialidade dos resultados permite sugerir estudos sugere-se que sejam realizadas outras pesquisas relacionadas a organização do trabalho de profissionais de saúde e as estratégias defensivas utilizadas para minimizar o sofrimento e evitar o adoecimento relacionado ao trabalho.

Avaliar indicadores e vivências de prazer e sofrimento entre trabalhadores que atuam em equipes de Saúde da Família permitiu concluir a importância da liberdade de expressão, realização e reconhecimento profissional para a saúde mental desses trabalhadores. Assim, evidencia-se a necessidade de provocar a mobilização subjetiva dos trabalhadores para repensar a organização do trabalho e buscarem a transformação do sofrimento em prazer, uma vez que atuam em um modelo assistencial reconhecido como prioritário na reorientação da atenção básica em saúde com vistas à melhoria da saúde da população.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Jun 2018
  • Data do Fascículo
    2017

Histórico

  • Recebido
    28 Abr 2017
  • Aceito
    16 Ago 2017
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