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Trocando galanterias: a diplomacia do comércio de escravos, Brasil-Daomé, 1810-1812

Resumos

O artigo trata da correspondência entre o rei de Portugal e os reis africanos da Costa dos Escravos entre 1910 e 1812. Esses anos correspondem à assinatura de dois importantes tratados com a Grã-Bretanha envolvendo a extinção do tráfico atlântico de escravos. O artigo recupera a análise da historiadora brasileira Ângela de Castro Gomes sobre as correspondências interpessoais como gênero literário para explorar cartas de Adandozan (rei do Daomé) e d. João (na época, regente de Portugal). Essa correspondência mostra um d. João apegado à diplomacia e às diretrizes estabelecidas por seus antepassados, trazendo à tona seus compromissos políticos com a escravidão.

tráfico atlântico de escravos; diplomacia; Brasil; Daomé; cartas


The article analyses the correspondence between the Portuguese and Slave Coast African kings between 1810 and 1812. Those years cover the signing of two important treaties with Great Britain involving the abolition of the transatlantic slave trade. The paper brings to scene the Brazilian historian Angela Castro Gomes' analysis about personal correspondences as a literary genre to explore the letters of Adandozan, the king of Dahomey, and Dom João, at that time, regent of Portugal. This correspondence presents Dom João as a man attached to the early Portuguese diplomacy of his ancestors, bringing out his political commitment with slavery.

transatlantic slave trade; diplomacy; Brazil; Dahomey; letters


  • 1
    1 O inventário da coleção do IHGB foi publicado em Regina M. Pereira Wanderley (coord.), "Inventário analítico da documentação colonial portuguesa na África, Ásia e Oceania integrante do acervo do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro", Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, v. 166, n. 427 (2005), pp. 27-570.
  • 3 J. F. de Almeida Prado, "A Bahia e as suas relações com o Daomé", in O Brasil e o colonialismo europeu, São Paulo: Nacional, 1956, pp. 114-22;
  • Pierre Verger, Fluxo e refluxo do tráfico de escravos entre o Golfo do Benin e a Bahia de Todos os Santos dos séculos XVII a XIX, São Paulo: Corrupio, 1987;
  • Silvia Hunold Lara, Fragmentos setecentistas: escravidão, cultura e poder na América portuguesa, São Paulo: Companhia das Letras, 2007, pp. 173-218.
  • 4 Nicolau Parés publicou um conjunto de quatorze cartas de reis do Daomé: Agonglo (3), Adandozan (10) e Guezo (1). Dez delas já haviam sido publicadas anteriormente por Pierre Verger, quatro eram inéditas. As cartas inéditas de Adandozan, assim como a de Guezo pertencem ao acervo do IHGB. Ver Luís Nicolau Parés, "Cartas do Daomé: uma introdução" e "Cartas do Daomé (comentário e notas)", Afro-Ásia, n . 47 (2013), pp. 295-328 e 329-95.
  • 5 Ver Pierre Verger, Os libertos: sete caminhos na liberdade de escravos na Bahia do século XIX, Salvador/São Paulo: Corrupio, 1992 e,
  • mais especificamente sobre o tema, "Uma rainha africana mãe de santo em São Luís", Revista da USP, v. 6 (1990), pp. 151-8;
  • Alberto da Costa e Silva, "Uma visão brasileira da escultura tradicional africana", in Peter Junge (org.), Arte da África (Rio de Janeiro: Centro Cultural Banco do Brasil, 2004), pp. 60-1;
  • John K. Thornton, "Dahomey in the World: Dahomean Rulers and European Demands, 1726-1894", <http://www.wcfia.harvard.edu/sites/default/files/Dahomey%20in%20the%20World%20-%20Thornton.pdf>, acessado em 12.07.2013;
  • Ana Lucia Araújo,"Dahomey, Portugal and Bahia: King Adandozan and the Atlantic Slave Trade", Slavery & Abolition, v. 33, n. 1 (2012), pp. 1-19.
  • 6 Desde 2010, coordeno o projeto Africana do Museu Nacional, hoje financiado pela Faperj. Para os primeiros resultados do estudo da coleção, ver Mariza de Carvalho Soares e Rachel Corrêa Lima, "A Africana do Museu Nacional: história e museologia", in Camilla Agostini (org.), Objetos da escravidão: abordagens sobre a cultura material da escravidão e seu legado (Rio de Janeiro: 7Letras, 2013), p. 337-59.
  • 11 Sobre o trajeto dos presentes até o museu existem duas possibilidades mais viáveis. A primeira é que os presentes permaneceram como "curiosidade" entre os pertences de d. João e foram enviados ao museu por ocasião de sua criação. Para essa hipótese o problema é que tais objetos não constam da lista de objetos doados por d. João ao Museu em 1818. A outra possiblidade, que parece mais plausível, é que o próprio conde das Galveas tenha enviado os presentes ao chamado Gabinete de Curiosidades, cujo acervo integrou a coleção inaugural do Museu Real. Sobre os objetos africanos na coleção inaugural do Museu Nacional, ver Mariza de Carvalho Soares. "Collectionism and Colonialism: The Africana Collection at Brazil's National Museum (Rio de Janeiro)" in Ana Lucia Araujo (ed.) African Heritage and Memory of Slavery in Brazil and the South Atlantic World (Amherst/New York: Cambria Press, no prelo).
  • 12 José Freire Montarroio Mascarenhas, Relaçam da Embayxada que o Poderosso Rey de Angome Kiay Chiri Broncom, Senhor dos dilatadíssimos Sertões de Guiné mandou ao Illustrissimo e Excellentissimo Senhor D. Luiz Peregrino de Ataide, Conde de Atouguia... Vice-Rey do Estado do Brasil: Pedindo a amizade, e aliança do muito At; e Poderoso Rey de Portugal nosso senhor, Lisboa, Na Officina de Francisco da Silva, 1751, p. 10-1. Para uma análise dessa embaixada, ver Silvia Hunold Lara, Fragmentos setecentistas: escravidão, cultura e poder na América portuguesa, São Paulo: Companhia das Letras, 2007;
  • 20 Leslie Bethell, A abolição do comércio brasileiro de escravos: a Grã-Bretanha, o Brasil e a questão do comércio de escravos, 1807-1869, Brasília: Senado Federal, 2002.
  • 21 Artigo X da ratificação do Tratado de Aliança e Amizade, José Ferreira Borges de Castro, Colleção dos tratados, convenções, contratos e actos públicos.. tomo IV, Lisboa: Imprensa Nacional, 1857, p. 408.
  • 24 Suponho que a embaixada tenha embarcado em Ajudá, o principal porto de comércio na costa sob o domínio do Daomé. Em suas cartas Adandozan faz longas referências a esse porto e à administração local portuguesa. Sobre o tema, ver Verger, Fluxo e refluxo; Robin Law, Ouidah: the Social History of a West African Slaving 'Port' 1727-1892, Athens: Ohio University Press; Oxford: James Currey, 2004.
  • 33 Sobre o conde dos Arcos, ver João José Reis, Rebelião escrava no Brasil: a história do Levante dos Malês em 1835, São Paulo: Companhia das Letras, 2003. pp. 81-93.
  • 36 Segundo Costa e Silva, por esse motivo Felix de Souza deslocou seus negócios para Ajudá, de onde passou a embarcar seus escravos para a Bahia. Em 1812, 45 embarcações da Bahia aportaram em Ajudá. Ver Alberto da Costa e Silva, Francisco Félix de Souza: mercador de escravos, Rio de Janeiro: EdUerj/Nova Fronteira, 2004, p. 82.
  • 37 Importante destacar que, paralela a essa correspondência diplomática, corria uma regular correspondência comercial. Um caso bem posterior que mostra a longevidade dessas práticas está sendo estudado por Alexandre Vieira Ribeiro a partir da correspondência comercial entre o rei Kosoko, de Onim (Lagos) e seus agentes em diversos portos, especialmente Bahia/Brasil e Cuba, entre 1848-1850. Alexandre Vieira Ribeiro, "Conexões mercantis do rei de Onim em meados do século XIX", in Alexandre Vieira Ribeiro e Alexsander L. A. Gebara (orgs.), Estudos Africanos: múltiplas abordagens (Niterói: EdUFF/PPGHIS, 2013), pp. 430-51.
  • 38 Ismênia de Lima Martins, "Dom João - Príncipe Regente e Rei - um soberano e muitas controvérsias", Navigator, v. 6, n. 11 (2011), pp. 32-3;
  • Oliveira Lima, D. João VI no Brasil, Rio de Janeiro: Topbooks, 1996, p. 271.
  • 39 Ver Jaime Rodrigues, "O tráfico de escravos e a experiência diplomática afro-luso-brasileira: transformações ante a presença da corte portuguesa no Rio de Janeiro", Anos 90, v. 15, n. 27 (2008), pp. 107-23.
  • 48 Nunca é demais relembrar aqui o clássico "Essai sur le don" de Marcel Mauss publicado em 1923-24 e a farta literatura que sucedeu esse texto. Ver Marcel Mauss, "Ensaio sobre a dádiva. Forma e razão da troca nas sociedades arcaicas", in Marcel Mauss, Sociologia e Antropologia, v. 2, São Paulo: EPU/EdUSP, 1974, p. 35-184.
  • 52 Sobre a decapitação de prisioneiros de guerra, ver Robin Law, "'My Head Belongs to the King': on the Political and Ritual Significance of Decapitation in Pre-Colonial Dahomey", The Journal of African History, v. 30, n. 3 (1989), pp. 401-6.
  • 57 Sobre os bastões, ver Alexandre Sènou Adandé, Les récades des rois du Dahomey, Dakar: IFAN, 1962.
  • 58 O original da memória de Oliveira Mendes pertence ao IHGB (DL310,79 - registro número 812 do Inventário analítico Wanderley "Inventário analítico". O texto transcrito pelo projeto do Inventário foi publicado com comentários de Alberto da Costa e Silva. Ver Alberto da Costa e Silva, "A memória histórica sobre os costumes particulares dos povos africanos, com relação privativa ao Reino da Guiné, e nele com respeito ao rei de Daomé, de Luis Antônio de Oliveira Mendes", Afro-Ásia, n. 28 (2002), p. 272.
  • 67 Documentação atualmente sob a guarda do Arquivo Histórico do Itamarati: Pasta 06 - Missões Especiais estrangeiras diversas - África, Argentina e Bolívia. 1824-1920 - 273/1/13. Alberto da Costa e Silva analisou e a embaixada publicou duas cartas, mas não a tramitação burocrática da embaixada no Rio de Janeiro. Ver Alberto da Costa e Silva, "Cartas de um embaixador de Onim", Cadernos do CHDD, v. 4, n. 6 (2005), pp. 195-205 (perió
  • 77 Ângela de Castro Gomes, "Escrita de si, escrita da História: a título de prólogo", in Ângela de Castro Gomes (org.), Escrita de si escrita da história (Rio de Janeiro: FGV Editora, 2004), pp. 7-24.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Jul 2014
  • Data do Fascículo
    Jun 2014

Histórico

  • Recebido
    11 Jul 2013
  • Aceito
    25 Nov 2013
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