ARTIGO ORIGINAL
Incidentalomas da tireóide
Rosalinda Y. A. de Camargo; Eduardo Kiyoshi Tomimori
Unidade de Tireóide, Disciplina de Endocrinologia Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP
Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Unidade de Tireóide, Disciplina de Endocrinologia Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP Caixa Postal 3671 01060970 São Paulo Fone: 2828522 Fax: 2113367 Email: tireóide@uol.com.br / uspaaf@uol.com.br
A PREVALÊNCIA DOS INCIDENTALOMAS DA TIREÓIDE varia muito dependendo do país onde foi realizado o estudo. Sabemos que os nódulos tireóideos são mais comuns em mulheres, em pacientes idosos, em áreas de carência de iodo e também em pacientes submetidos à radiação (1). Em quase todos os grandes centros, o método diagnóstico mais empregado atualmente para se diferenciar os nódulos benignos dos malignos é a punção aspirativa por agulha fina (211).
Nos últimos anos, com a introdução dos modernos métodos diagnósticos por imagem como a ultrasonografia, tem sido identificado um número cada vez maior de lesões nodulares não palpáveis da tireóide, denominados de incidentalomas. A recomendação existente até então, de se biopsiar todos os nódulos tireóideos, tem criado um problema sério na avaliação destes incidentalomas, quer seja pela sua alta prevalência ou pela dificuldade de se puncionar tais lesões pela palpação. A necessidade de se utilizar novas técnicas de punção, utilizandose a ultrasonografia para dirigir a biópsia, tem elevado o custo da avaliação de todos esses nódulos, além de exigir um profissional mais habilitado para realizar tais punções. As controvérsias existentes quanto à avaliação e conduta aumentaram. Os modelos existentes até o momento são inadequados para se avaliar e determinar a conduta adequada frente aos incidentalomas.
Em nossa opinião, é recomendável uma nova análise na abordagem e na conduta diante de tais lesões.
PREVALÊNCIA
Nos estudos realizados sobre a prevalência dos incidentalomas diagnosticados pelo ultrasom, diversos fatores devem ser levados em consideração, tais como: região geográfica, ingestão de iodo pela população, influência genética e falta de padronização na caracterização dos nódulos tireóideos ao exame ultrasonográfico. Sabemos que o ultrasom é um exame dinâmico e sua eficácia depende diretamente da habilidade do examinador. Portanto, a avaliação das lesões nodulares da tireóide pelo exame ultrasonográfico varia enormemente. Pseudo nódulos como, por exemplo, imagens nodulares hipoecóicas observadas na tireodite de Hashimoto, que correspondem às áreas de maior infiltrado linfocitário, ao exame histológico, contribuem para aumentar a prevalência dos incidentalomas. Apesar disso, o número de nódulos tireóideos não palpáveis diagnosticados pelo ultrasom tem aumentado significativamente (tabela 1)(12).
ULTRASONOGRAFIA DA TIREÓIDE
Em um estudo comparativo entre o exame clínico e o exame ultrasonográfico da tireóide, Brander demonstrou que a palpação da tireóide não é eficaz para o diagnóstico dos nódulos e para classificálos em solitário ou múltiplos, e que o exame ultrasonográfíco freqüentemente altera a avaliação clínica inicial da tireóide (13). Em estudo comparativo entre a palpação e o exame ultrasonográfico da tireóide, Tan concluiu que 50% dos pacientes com nódulos solitários diagnosticados pela palpação apresentavam vários nódulos quando examinados pelo ultrasom. Esse autor sugere que a palpação é menos sensível que o ultrasom na avaliação da tireóide multinodular e que a palpação é confiável somente se o nódulo tiver mais de 1 cm de diâmetro (14).
A capacidade do exame ultrasonográfico diferenciar nódulos tireóideos benignos de malignos é controverso. Na avaliação dos nódulos tireóideos realizado por Takashima, os nódulos hiperecóicos são geralmente benignos, os isoecóicos têm somente uma pequena probabilidade de serem malignos enquanto que os nódulos hipoecóicos têm maior probabilidade de malignidade (15). Müller, em um excelente trabalho, demonstrou que se um nódulo tireóideo apresentar um padrão homogêneo e isoecóico, podese afastar a hipótese de malignidade (16). Klima afirma que a probabilidade de um nódulo anecóico, hiperecóico ou isoecóico ser maligno é da ordem de 1/1000 (17). Portanto, o ultrasom pode ser utilizado na avaliação inicial dos nódulos tireóideos e o encontro de nódulos isoecóicos ou hiperecóicos, na prática, afasta a possibilidade de malignidade. Isto é um dado importante pois podemos selecionar os nódulos que serão submetidos à PAAF daqueles que simplesmente serão acompanhados clinicamente.
RISCO DE MALIGNIDADE DOS INCIDENTALOMAS DA TIREÓIDE
Os microcarcinomas da tireóide são definidos no Japão e em alguns países europeus como carcinomas com menos de 11 mm de diâmetro e na América do Norte como carcinomas com menos de 15 mm de diâmetro (18). A prevalência dos microcarcinomas na população é influenciada pelas diferenças geográficas, genéticas, sociais e culturais e varia de 2,3 % a 35,6% conforme o estudo realizado (tabela 2)(19).
Os carcinomas papilíferos da tireóide são geralmente pouco agressivos, apresentam uma longa evolução e um bom prognóstico. Apesar da alta incidência de microcarcinoma da tireóide no Japão, a mortalidade pelo câncer da tireóide é baixa (12). Em um estudo realizado por Noguchi, de 867 pacientes operados por carcinomas de tireóide menores de 10 mm de diâmetro, somente 2 pacientes faleceram por causa da doença. Uma paciente faleceu 6 anos e meio após a cirurgia inicial e uma outra paciente faleceu 11 anos após a primeira cirurgia (18).
Considerandose a alta prevalência dos incidentalomas da tireóide e a baixa freqüência de malignidade destas lesões, recomendamos uma abordagem bastante conservadora. A recomendação é válida também para todos os nódulos da tireóide. É necessário uma avaliação inicial que selecione os nódulos com maior probabilidade de serem malignos, através da anamnese cuidadosa e de uma avaliação ultrasonográfica criteriosa e encaminhar estes pacientes para uma punção aspirativa por agulha fina (PAAF) dirigida ou não pelo ultrasom. Vale lembrar que todos os nódulos, biopsiados ou não, devem ser cuidadosamente observados em intervalos variados, para se determinar a evolução dos mesmos.
Recebido em 25/6/98;
Revisado em 24/7/98;
Aceito em 28/7/98.
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
13 Set 2011 -
Data do Fascículo
Ago 1998