Acessibilidade / Reportar erro

Importância do iodo radiativo no tratamento da doença de graves

editorial

Importância do Iodo Radiativo no Tratamento da Doença de Graves

Hans Graf

Chefe do Serviço de Endocrinologia do

Hospital de Clínicas da Universidade

Federal do Paraná

POUCOS ASSUNTOS SE MANTÉM tão controversos por tanto tempo como o tratamento da doença de Graves, a causa mais comum de hiper-tireoidismo. Embora descrita por Robert James Graves (1796-1853) em 1835, em três mulheres no Meath Hospital em Dublin, Irlanda, como uma síndrome de taquicardia, bócio e exoftalmia (1), a doença já havia chamado a atenção, cinqüenta anos antes, de Caleb H. Parry (1755-1822), conhecido médico inglês, primeiro a relacionar as manifestações cardíacas com a presença de bócio, e publicadas por seu filho apenas em 1825, três anos após a morte de seu pai (2). Atualmente, é bem reconhecido que a doença é o resultado da produção de anticorpos contra o receptor do TSH (Thyrotropin Receptor Antibodies, TRAb), que mimetizam o efeito do hormônio sobre as células foliculares, estimulando a produção autônoma de tiroxina e triiodotironina. Entretanto, o descontrole da função imunológica que leva à produção destes auto-anticorpos patológicos é complexa, envolvendo linfócitos B e T e vários auto-antígenos além do TRAb (3).

O objetivo essencial do manejo da tireotoxicose da Doença de Graves é reduzir a hipersecreção de hormônios tireoideanos. Apesar de informações novas sobre a etiologia, patogênese e anormalidades subjacentes associadas na Doença de Graves, as opções terapêuticas continuam as mesmas das disponíveis na década de 50, consistindo de ablação tireoideana, cirúrgica ou actínica, ou tratamento com drogas anti-tireoideanas (DAT). Os pacientes têm as opções das três principais terapias para a doença de Graves, cada uma com suas vantagens, desvantagens, indicações e contra-indicações. A recomendação de uma determinada opção terapêutica pode ser influenciada por vários aspectos, como fatores clínicos, preferência do médico e do paciente. A recomendação pelo médico por uma das modalidades pode ser influenciada pelo custo, conveniência, história de exposição recente ao iodo, disponibilidade de um cirurgião experiente, fatores culturais locais, tamanho do bócio, severidade da doença e dados mais objetivos que reflitam os riscos e benefícios de cada uma das três modalidades terapêuticas (4). A decisão final quanto a terapia leva todos estes fatores em consideração, devendo ser individualizada e feita pelo paciente após discussão com o seu médico.

Neste número dos "Arquivos", Di Ninno e colaboradores (5) relatam a sua experiência com o uso do iodo radioativo em 120 pacientes com doença de Graves. Aspectos novos e importantes desta forma de terapia são abordados e merecem comentários. O tratamento lógico e ideal para a doença de Graves, enquanto não se dispõe de intervenções imunológicas para prevenção da doença, é de restaurar de forma rápida o eutireoidismo e obter a cura da mesma. Os efeitos da exposição tissular prolongada a níveis elevados de hormônios tireoideanos são muito bem conhecidos. Pacientes com doença de Graves, como um todo, têm uma diminuição da sobrevida em comparação a indivíduos normais (6). Entre os motivos, existe um aumento na mortalidade devido à doença cardiovascular, doença cerebrovascular e fraturas, claramente transparecendo o malefício do hipertireoidismo tissular prolongado (6).

As DAT, propiltiouracil e metimazol, muito eficazes na normalização dos níveis hormonais, costumam ser ineficazes no objetivo mais almejado, da remissão clínica, mesmo após uso prolongado das mesmas. Mesmo assim, em inquéritos realizados há cerca de 10 anos, era a principal opção terapêutica na Europa e no Japão (7,8). Está bem claro que devemos selecionar os pacientes com maiores chances de cura com DAT, correspondendo àqueles com glândulas não muito grandes, quadros de tireotoxicose de intensidade não tão grave, refletidos por níveis não tão elevados de T3 e de TRAb, que estejam no seu primeiro episódio de tireotoxicose e de preferência que sejam mais idosos. Mesmo nestas condições, fatores extemporâneos como má aderência dos pacientes e efeitos colaterais das DAT freqüentemente tornam impraticáveis o uso prolongado das mesmas.

As claras alternativas apontam para a ablação da glândula. A ablação cirúrgica, a forma mais antiga e inicialmente muito popular de tratamento da doença de Graves, que fez com que Kocker recebesse o prêmio Nobel de medicina em 1909 (9), na maioria dos países hoje é reservada para pacientes com glândulas exageradamente grandes ou com contra-indicação para as outras formas de tratamento.

Neste contexto, qual a importância do uso do iodo radioativo? O iodo radioativo foi desenvolvido em 1934 e foi empregado pela primeira vez em 1941, quando Hertz e Roberts trataram pacientes com hipertireoidismo no Massachussets General Hospital (10). O 131-I surgiu com vantagens claras de ser segura, com muito baixa morbidade e custo, tornando-se a principal opção terapêutica na América do Norte e a segunda escolha em outros países. Se estima que mais de 2 milhões de pessoas já receberam 131-I para a doença de Graves.

Qual o papel do 131-I quando o objetivo é a cura da doença? Enquanto alguns autores buscam o eutireoidismo clínico, outros consideram curados tanto pacientes levados ao eutireoidismo como ao hipotireoidismo (11,12). Di Ninno e colaboradores (5) se incluem nos últimos e comentam que a partir de 1985 começaram a empregar de maneira mais liberal o uso do iodo radioativo no seu serviço, com uma dose média de 9,17 mCi, obtendo a cura em 93,3% de seus pacientes após 48 meses. Apesar disso, a dose empregada pelos autores, de 80 mCi/g de tecido tireoideano, não é uma dose definitivamente ablativa, com pacientes em tireotoxicose mesmo após 48 meses da dose. De forma clara, doses maiores de 131-I certamente irão aumentar o número de pacientes que evoluem para hipotireoidismo, na nossa opinião realmente curados. Nós preferimos uma dose única de 131-I, ablativa, levando o paciente ao hipotireoidismo o mais rápido possível, de preferência em até 3 meses, diminuindo a frustração, morbidade e gastos associados com doses repetidas. Para tal, empregamos doses de 100 a 200 mCi/g de tecido, mesmo em pacientes mais jovens.

Quais os principais riscos e contra-indicaçõe do mesmo? Não consideramos o hipotireoidismo uma complicação do 131-I, mas fazendo parte da história natural da doença, ocorrendo de forma espontânea em muitos pacientes em uso de DAT (13). Os potenciais efeitos colaterais a longo prazo em pacientes com doença de Graves submetidos a doses terapêuticas, como riscos de câncer de tireóide, principalmente em crianças, leucemia, infertilidade, e anormalidades neonatais em pacientes tratados com 131-I, não têm sido confirmadas (4). A piora da oftalmopatia é assunto ainda controverso (14).

Após mais de 50 anos do uso terapêutico em pacientes com hipertireoidismo, não existe relação consistente de causa e efeito entre o uso do 131-I e câncer subsequente, bem demonstrado em importantes levantamentos epidemiológicos nos EUA e na Suécia (15,16). O Collaborative Thyrotoxicosis Study Group (CTSG) demonstrou que a incidência de carcinoma de tireóide num período de 10 a 20 anos é 5 vezes maior em pacientes adultos com doença de Graves tratados com DAT (1 caso/332 pacientes) do que em pacientes tratados com 131-I (1 caso/1.783 pacientes) (15). Estas observações podem refletir a persistência de mais tecido tireoideano em pacientes tratados com DAT do que em pacientes tratados com 131-I (17). O desastre de Chernobyl resultou numa incidência elevada de carcinoma de tireóide (18), especialmente em crianças com menos de 10 anos, de surgimento muito precoce, até 4 anos após o acidente (19). Estas observações podem refletir a irradiação numa grande área de deficiência de iodo (20) e mostram que o risco de câncer de tireóide aumenta com exposição de quantidades leves ou moderadas de radioiodo (17). Em contraste, o risco de câncer de tireóide é muito menor após altos níveis de irradiação que resultam em morte das células foliculares ou reduzida capacidade das células em se dividir (20,21). Recentemente, se considerou o 131-I como uma terapia conveniente e efetiva para crianças com doença de Graves, submetidas a doses ablativas de 150 a 200 mCi/g de tecido, minimizando a possibilidade de tecido tireoideano residual e risco de tumor (17). Logo após o 131-I, com indícios de hipotireoidismo, recomendamos iniciar precocemente a reposição com 1-tiroxina.

Não existem evidências de uma taxa aumentada de leucemia, infertilidade, e defeitos congênitos de filhos de pacientes com doença de Graves tratados com iodo radioativo (17). A piora da oftalmopatia continua sendo controverso, com trabalhos mostrando eventual chance de piora e outros trabalhos que não encontraram qualquer piora da oftalmopatia (14,22).

Além de todas as vantagens mencionadas do uso do iodo radioativo, o seu uso em nosso meio representa a melhor relação custo/benefício entre as três formas terapêuticas (23).

A análise retrospectiva de Di Ninno e colaboradores (5), mostra de forma convincente as potenciais vantagens do uso do iodo radioativo, desde que cercado de todos os cuidados e individualizando o tratamento de cada paciente.

  • 1. Graves RJ. Clinical lectures. Lond Med Surg J (Renshaw)1835;7:516.
  • 2. Parry CH. Collections from the unpublished medical writings. London:Underwoods, 1825;11:110.
  • 3. Mclver B, Morris JC. The pathogenesis of Grave's Disease. Endocrinol Metab Clin N Amer 1998;27(1):205-23.
  • 4. Wartofsky L. Radioiodine therapy for Graves' disease: case selection and restrictions recommended to patients in North America. Thyroid 1997;7:213-16.
  • 5. Di Ninno FB, Esteves RZ, Marone MS, Silva MRD, Matsumura LK, Hidal JT, et al. Análise retrospectiva do resultado do tratamento com iodo radioativo em 120 pacientes tireotóxicos por doença de Basedow-Graves. Arq Bras Endocrinol Metab 1999;43/2:83 -92.
  • 6. Franklyn JA, Maisonneuve P, Sheppard MC, Betteridge J, Boyle P. Mortality after the treatment of hyperthy-roidism with radioactive iodine. N Eng J Med 1998;338:712-9.
  • 7. Glinoer D, Hesch D, LaGasse R, Laurberg P. The management of hyperthyroidism due to Grave's disease in Europe in 1986. Results of an international survey. Acta Endocrinol 1987;185(Suppl):9-37.
  • 8. Nagayama Y, Izumi M, Nagataki S. The management of hyperthyroidism due to Graves' disease in Japan in 1988. Endocrinol Japan 1989;36:299-314.
  • 9. Cooper DS. Treatment of thyrotoxicosis. In: Braverman LE, Utiger RD, eds. Werner and Ingbar's The Thyroid. AFundamental and Clinical Text. 6th edition, Philadelphia:Lippincott, 1997;pp.887-919.
  • 10. Becker DV. Radioiodine and thyroid disease: The beginning. Semin Nucl Med 1996;26:155-64.
  • 11. Ladenson P. Treatment of thyrotoxicosis. In: Braverman LE, Utiger RD, eds. Werner and Ingbar's The Thyroid. A Fundamental and Clinical Text. 6th edition, Philadelphia:Lippincott; 1997;pp.887-919.
  • 12. Maciel RMB. Tratamento do hipertireoidismo. In: Prado FC, Ramos JA, Ribeiro do Valle J. eds. Atualizaçăo Terapęutica. 18Ş ediçăo. Artes Médicas:Săo Paulo; 1997;pp.478-82.
  • 13. Volpé R. Graves' disease pathogenesis. In: Braverman LE, Utiger RD, eds. Werner and Ingbar's The Thyroid. A Fundamental and Clinical Text. 6th edition, Philadelphia:Lippincott, 1997;pp.648-96.
  • 14. Tallstedt L, Lundell G. Radioiodine treatment, ablation, and ophthalmopathy: A ballanced perspective. Thyroid 1997;7:241-5.
  • 15. Dobyns BM, Sheline GE, Workman JB, Tompkins EA, McConahey WM, Becker DV. Malignant and benign neoplasms of the thyroid in patients treated for hyperthyroidism: a report of the Cooperative Thyrotoxicosis Therapy Followup Study. J Clin Endoctinol Metab 1974;38:976-98.
  • 16. Holm LE, Wiklund K. Cancer risk after iodine-131 therapy for hyperthyroidism. J Natl Cancer Inst 1991;83:1072-7.
  • 17. Rivkees AS, Sklar C, Freemark M. The management of Graves' disease in children, with special emphasis on radioiodine treatment. J Clin Endoctinol Metab 1998;83:3767-76.
  • 18. Baverstock K, Egloff B, Pinchera A, Ruchti C, Williams D. Thyroid cancer after Chernobyl. Nature 1992;359:21-2.
  • 19. Nikiforov YE, Hefness CS, Korzenko AV, Fagin JA, Gnepp DR. Characteristics of follicular tumors and non-neoplastic thyroid lesions in children and adolescents exposed to radiation as a result of the Chernobyl disaster. Cancer 1995;76:900-9.
  • 20. Boice Jr JD. Radiation and thyroid cancer - what more can be learned? Acta Oncol 1998;34:321-4.
  • 21. Tucker MA, Jones PH, Boice Jr JD. Therapeutic radiation at a young age is linked to secondary thyroid cancer. The Late Effects Study Group. Cancer 1991;51:2885-8.
  • 22. DeGroot LJ, Gorman CA, Pinchera A, et al. Therapeutic controversies. Retro-orbital radiation and radioactive iodine ablation of the thyroid may be good for Graves' ophthalmopathy. J Clin Endocrinol Metab 1995;90:339-40.
  • 23. Ward LS, Castelo Filho A, Menabo E, Ribeiro SRR, Lima MC, Maciel RMB. Estudo da relaçăo custo/efetividade no tratamento da doença de Basedow Graves. Arq Bras Endocrinol Metab 1996;32:147-54.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Jul 2010
  • Data do Fascículo
    Mar 1999
Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia Rua Botucatu, 572 - conjunto 83, 04023-062 São Paulo, SP, Tel./Fax: (011) 5575-0311 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: abem-editoria@endocrino.org.br