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Hiperplasia adrenal congênita: deficiência de 17alfa-hidroxilase

Resumos

Os autores apresentam um caso de deficiência de 17alfa-hidroxilase, uma forma rara de defeito enzimático responsável pela H.A.C. A primeira descrição deste defeito enzimático foi feita por Biglieri e colaboradores em 1966, existindo cerca de 180 casos atualmente na literatura (defeito parcial ou completo). A paciente relatada apresentava amenorréia primária, ausência de caracteres sexuais secundários e quadro hipertensivo de difícil controle. Durante investigação diagnostica detectou-se cariótipo 46XY, níveis suprimidos de renina, androstenediona, testosterona e nível bastante elevado de pregnenolona. A paciente foi submetida à orquiectomia bilateral seguindo em acompanhamento clínico com estrógenos conjugados, espironolactona, beta-bloqueador e dexametasona. Encontra-se em pré-operatório para construção vaginal.

Hiperplasia adrenal congênita; deficiência de 17-hidroxilase; Esteróides; Hipertensão


The authors present a case of 17alpha-hydroxylase deficiency, a rare enzymatic defect responsible for C.A.H. Biglieri and cols. published in 1966 the first report of this enzymatic defect. Today there are 180 cases reported in the literature. The patient being reported showed primary amenorrhea, absence of secondary sexual characteristics and hypertension of difficult control. During investigation a 46XY kariotype was found together with renin suppression, low androstenedione and testosterone and elevated pregnenolone levels. The patient was submitted to bilateral orchiectomy and is being clinically accompanied with conjugated estrogens, spironolactone, beta-blockers and dexamethasone while waiting for vaginoplasty.

Congenital adrenal hyperplasia; 17a-Hydroxylase deficiency; Steroids; Hypertension


apresentação de caso

Hiperplasia Adrenal Congênita - Deficiência de 17a-Hidroxilase

Eliana Aparecida da Silva

Ana Carla Lobo Siqueira

Suzana Pacheco

Alexandre Kazantzi Ribeiro

Serviços de Endocrinologia,

Endócrino-Pediatria e Cirurgia

Pediátrica do Hospital do Servidor

Público Estadual "Francisco Morato de

Oliveira", São Paulo, SP.

Recebido em 14/07/1999

Revisado em 04/02/2000

Aceito em 03/03/2000

RESUMO

Os autores apresentam um caso de deficiência de 17a-hidroxilase, uma forma rara de defeito enzimático responsável pela H.A.C. A primeira descrição deste defeito enzimático foi feita por Biglieri e colaboradores em 1966, existindo cerca de 180 casos atualmente na literatura (defeito parcial ou completo). A paciente relatada apresentava amenorréia primária, ausência de caracteres sexuais secundários e quadro hipertensivo de difícil controle. Durante investigação diagnostica detectou-se cariótipo 46XY, níveis suprimidos de renina, androstenediona, testosterona e nível bastante elevado de pregnenolona. A paciente foi submetida à orquiectomia bilateral seguindo em acompanhamento clínico com estrógenos conjugados, espironolactona, beta-bloqueador e dexametasona. Encontra-se em pré-operatório para construção vaginal. (Arq Bras Endocrinol Metab 2000;44/2: 175-7)

Unitermos: Hiperplasia adrenal congênita; deficiência de 17-hidroxilase; Esteróides; Hipertensão.

ABSTRACT

The authors present a case of 17a-hydroxylase deficiency, a rare enzymatic defect responsible for C.A.H. Biglieri and cols. published in 1966 the first report of this enzymatic defect. Today there are 180 cases reported in the literature. The patient being reported showed primary amenorrhea, absence of secondary sexual characteristics and hypertension of difficult control. During investigation a 46XY kariotype was found together with renin suppression, low androstenedione and testosterone and elevated pregnenolone levels. The patient was submitted to bilateral orchiectomy and is being clinically accompanied with conjugated estrogens, spironolactone, beta-blockers and dexamethasone while waiting for vaginoplasty. (Arq Bras Endocrinol Metab 2000;44/2: 175-7)

Keywords: Congenital adrenal hyperplasia; 17a-Hydroxylase deficiency; Steroids; Hypertension,

HAC É O TERMO UTILIZADO PARA UM GRUPO de distúrbios autossômicos recessivos, causados por um defeito em qualquer das 5 vias enzimáticas que levam à síntese do cortisol à partir do colesterol. Existem 4 formas distintas do citocromo P450) que catalisam a síntese de esteróides adrenais: P450SCC, P45021, P45011b e P45017. A enzima 17-hidroxilase/17,20 liase (citocromo P45017) catalisa duas reações seqüenciais: 17a-hidroxilação da pregnenolona e da progesterona e clivagem da cadeia lateral 17,20 dos produtos 17-hidroxilados produzindo DHEA e androstenediona, respectivamente. Logo, a deficiência do P45017 leva à diminuição da síntese de cortisol e esteróides sexuais (andrógenos e estrógenos) com aumento dos níveis circulantes de ACTH e, conseqüentemente, excesso de produção de corticosterona, deoxicorticosterona e 18OH-corticosterona, que provavelmente exercem função mineralocorticóide neste distúrbio enzimático.

RELATO DE CASO

FAP, 14 anos, fenótipo feminino, nascida de parto cesárea, sem intercorrências, foi encaminhada ao setor de Endócrino-Pediatria por quadro de ausência de puberdade. Ao exame, apresentava ausência de características sexuais secundárias, genitália externa com pequenos e grandes lábios, clitoris, hímen e orifício vaginal normais.

Foram solicitados exames laboratoriais, porém a paciente abandonou o acompanhamento. Retornou após 3 anos com quadro hipertensivo importante. Relatava não ter apresentado menarca. Trazia o resultado do cariótipo solicitado na primeira avaliação (todas as células 46XY).

Ao exame: peso = 47kg, altura = 165cm, segmentos superior e inferior, respectivamente, 71 e 94cm, envergadura = 176cm, ausência total de caracteres secundários, região inguinal sem testículos palpáveis, genitália externa feminina normal.

PA = 160x100 mmHg; FC = 88bpm; Estádio puberal = M1P1.

Introduzido Propranolol (40mg, 12x12hs) e solicitados exames - tabelas 1 e 2.

Ultrassom pélvico não visualizava útero e ovários.

Paciente foi submetida à videolaparoscopia diagnostica e orquiectomia bilateral (testículos localizados ao nível do anel inguinal profundo - testículos tipo infantil ao anátomo-patológico).

Foi iniciada reposição com Premarin (0,3mg/dia) e introduzido Aldactone (100mg/dia) em associação com o Propranolol (20mg 6x6hs).

Durante a evolução iniciou-se o desenvolvimento mamário, porém níveis pressóricos permaneciam elevados. Novos exames foram, então, realizados (tabelas 3 e 4). Com o estabelecimento do diagnóstico de deficiência de 17-hidroxilase, instituiu-se a terapêutica com Decadron (0,5mg/dia), mantendo-se as outras medicações. A paciente evoluiu com normalização dos níveis pressóricos e está em programação para cirurgia de construção vaginal.

DISCUSSÃO

Os altos níveis de DOC causam supressão da renina e redução dos níveis circulantes de aldosterona e clinicamente se manifesta por quadro hipertensivo, hipocalemia e alcalose metabólica (1,5,8). A diminuição da síntese de esteróides sexuais leva a distúrbios no desenvolvimento sexual.

Mulheres (cariótipo 46XX) apresentam quadro de infantilismo sexual, amenorréia primária e ausência de pêlos pubianos e axilares. Em homens (46XY), o defeito enzimático manifesta-se por quadro de pseudo-hermafroditismo masculino (5,7,8), com genitália externa feminina, vagina em fundo cego e ausência de estruturas mullerianas (1/3 superior da vagina, útero e tubas uterinas), bem como ausência de pêlos axilares e pubianos.

Outras manifestações secundárias à deficiente produção de hormônios sexuais, como eunucoidismo, alta estatura, osteoporose e retardo da idade óssea são freqüentes. Alguns pacientes apresentam deficiência parcial de 17-hidroxilase com algum grau de síntese de hormônios sexuais, levando a quadros de genitália ambígua (em homens genéticos) e irregularidade menstrual (em mulheres genéticas) (3,6,8).

Apesar da diminuição da síntese de cortisol, evidência clínica de insuficiência de glicocorticóides é rara, já que a excessiva produção de corticosterona, em níveis circulantes cerca de 30 vezes maiores que o normal, promovem adequada resposta a situações de estresse. É importante ressaltar que a severidade da HAS e hipocalemia não se correlaciona diretamente com a insuficiência gonadal.

Com relação ao diagnóstico laboratorial, os níveis de progesterona, deoxicorticosterona, corticosterona e pregnenolona estão bastante elevados, ao passo que os níveis de androstenediona, DHEA, testosterona e estradiol estão diminuídos (1,3,9,10). Os níveis de ACTH são mais baixos que em outras condições de diminuição de síntese de cortisol, talvez como resultado do limitado efeito de "feedback" de alguns precursores esteróides adrenais. Os níveis de gonadotrofinas são bastante elevados em ambos os sexos. A herança genética da deficiência de 17-hidroxilase segue um padrão autossômico recessivo. O citocromo P450C17a humano é composto por 508 aminoácidos. O gene humano que codifica a 17aOH/17,20 Lyase (CyP17) está localizado no cromossomo 10 (1,3,4).

O estudo anátomo-patológico das glândulas adrenais dos portadores mostra hiperplasia cortical difusa, hiperplasia nodular ou hiperplasia adenomatosa. A histologia testicular de homens genéticos afetados mostra atrofia testicular macroscópica. Já a histologia ovariana de mulheres genéticas com infantilismo sexual mostra ovários contendo folículos em diferentes estágios de desenvolvimento.

O tratamento consiste na supressão da produção de esteróides secretados em excesso e suplementação dos esteróides deficientes. O uso de dexametasona associado ou não a drogas anti-hipertensivas diminui os níveis pressóricos nestes pacientes. A definição do sexo é baseada nas características anatômicas e fisiológicas da genitália externa, mais que no sexo genético. Em alguns pacientes, cirurgia plástica para corrigir hipertrofia clitoriana ou vaginoplastia são necessárias. Testículos localizados em região intraabdominal ou inguinal devem ser removidos cirurgicamente devido a alta freqüência de tumorigênese.

Em mulheres genéticas, o desenvolvimento das mamas ocorre com a reposição de estrógenos.

Endereço para correspondência:

Eliana Aparecida da Silva

Rua Padre Machado 96 / 54

04127-000 São Paulo, SP.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Out 2005
  • Data do Fascículo
    Abr 2000

Histórico

  • Aceito
    03 Mar 2000
  • Recebido
    14 Jul 1999
  • Revisado
    04 Fev 2000
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