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"Revistas" de endocrinologia com pretensões científicas

editorial

"Revistas" de Endocrinologia com Pretensões Científicas

Claudio E. Kater

Editor-chefe, ABE&M

DESDE SUA CRIAÇÃO HÁ 50 ANOS a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia tem se expressado à comunidade científica em geral através de sua participação em Congressos e Cursos de Atualização e pela publicação da produção de seus sócios nas várias revistas da especialidade e de áreas correlatas. No Brasil, além de se utilizar de publicações voltadas a outras áreas afins (Clínica Médica, Ginecologia, Pediatria, etc), os endócrino-metabologistas e mesmo colegas de outras especialidades, têm se utilizado dos "ABE&M" como o veículo de divulgação e acervo de seus dados, trabalhos e idéias, nestes também quase 50 anos.

A SBEM tem crescido visivelmente tanto no número de associados como no de trabalhos e publicações dos centros produtores de ciência em todo o território. Por isso, os ABE&M têm procurado assegurar a publicação dos resultados das pesquisas desta comunidade, de maneira séria, consistente e efetiva. Tanto é que desde o início de 1998 passamos a editá-la bimestralmente e a ampliar o número de artigos por edição e o total de páginas de texto, garantindo uma disponibilidade de espaço para publicação bem maior do que havia há poucos anos.

No entanto, o crescimento inicialmente linear da nossa Sociedade (sob todos os aspectos considerados), está tendendo a progredir geometricamente, como acontece nas grandes sociedades internacionais. Como exemplo, temos hoje quatro Sociedades Brasileiras oficiais - de Endocrinologia e Metabologia, de Diabetes, de Obesidade e de Metabolismo Ósseo -, além da compartimentalização da primeira e maior delas em seis Departamentos. Graças aos esforços recentes das diretorias dessas Sociedades, elas encontram-se, hoje, unidas em torno de objetivos comuns, afastando a possibilidade da dispersão ou da pulverização, se isoladas. Mantendo-se a individualidade e os interesses particulares de cada sociedade, busca-se agora alcançar interesses comuns e convenientes, como o de organizar uma grade de eventos e seu calendário anual (evitando-se coincidências incômodas), e manter a uniformidade em torno de suas publicações de interesse comunitário.

Desta maneira, na medida em que a demanda aumente consideravelmente, é provável que tenhamos necessidade em futuro próximo de ampliar ainda mais nosso espaço, com a criação de novos veículos de divulgação científica. Temos, efetivamente, observado um incremento substancial no volume de submissões aos ABE&M e temos tido condições de atender esta demanda sem maiores problemas. Existe, evidentemente, potencial para crescimento maior e para comportar esta eventual solicitação, duplicando ou triplicando o número de páginas por edição ou mesmo passando a oferecer tiragens mensais.

Assim, como Editor dos ABE&M e representante científico oficial desta Federação Brasileira de Sociedade de Endocrinologia e Metabologia (FEBRASEM), vejo com certa inquietação, a proliferação de inúmeros opúsculos dirigidos para a nossa área de atuação, sem o devido aval dos representantes oficiais de nossas Sociedades.

Não me refiro aqui àquela revista que representava no Brasil a Associação Francesa para o Estudo do Diabetes (!), mas que morta e renascida representa agora a Regional do Pacífico Oeste (!!) da Federação Internacional de Diabetes; não me refiro nem mesmo a tentativas regionais de criar suas próprias revistas científicas, em evidente confronto com o direcionamento por eles mesmos defendido de solidificarmos nossa união em torno de uma Federação. Vale ressaltar que não me refiro tampouco aos excelentes e bem cuidados folhetos informativos e noticiários que várias regionais estão distribuindo pelo país dando conta de sua programação e atividades locais.

Refiro-me a uma nova modalidade de impertinência que estamos recebendo em nossos consultórios ou escritórios: " ENDO isso", "ENDO aquilo", pretensas "revistas" de endocrinologia explicitamente vinculadas à indústria farmacêutica. É sobre elas que eu gostaria de discutir um pouco mais.

À semelhança de nossas Sociedades Científicas, a indústria famacêutica tem também crescido, se organizado e - dado seu caráter econômico -, assumido posições de grande poder. Ainda assim (ou até por isso), muitas delas são nossas patrocinadoras constantes e até contumazes, numa inegável associação de interesses mútuos. Não há por que negar que tanto os ABE&M, como nossos Cursos, Simpósios e Congressos, dependem do apoio financeiro e do patrocínio destes colaboradores. Este empreendimento, uma simbiose científico-comercial, tem se mostrado saudável e benéfico para o desenvolvimento de ambos, desde que mantido nos limites da ética e da respeitabilidade, impedindo interferências espúrias e intromissões inaceitáveis.

Visando realce num campo cada vez mais concorrido, algumas destas empresas editam e distribuem publicações do tipo magazine, de caráter informativo, turístico, educacional, recreacional, etc. que são até muito boas e agradáveis de serem lidas e consumidas, inclusive pelas informações comerciais sobre seus produtos, apoiadas em entrevistas de colegas e opiniões pessoais que em nada comprometem a Sociedade ou denigrem o indivíduo.

Acontece que, baseados em princípios mercadológicos de ética duvidosa, algumas delas querem ir além. Sem qualquer direcionamento médico ou orientação científica profissional própria, alguns representantes da indústria pretendem agora oferecer "revistas" com maquiagem de publicação científica séria. Alguns colegas servem-se da lisonja do convite para atuar como "editores" e abraçam a causa com uma seriedade admirável, convidando e convocando colegas para colaborar, não percebendo nem mesmo constrangimentos evidentes. Não pretendo polemizar sobre o assunto, deixando clara minha confiança no bom senso dos eventuais convidados. Parece-me, entretanto, no mínimo descuidado alguém que tendo um veículo oficial para se comunicar com o público especializado prefira divulgar seus dados e idéias numa publicação menor e explicitamente comercial.

Além disso, sinto que os ABE&M - representante científico oficial desta FEBRASEM -, estão sendo traídos nos seus interesses comuns. Entendo que os membros de nossa comunidade científica, antes de cuidar de interesses pessoais, devessem comungar dos mesmos objetivos e pretensões, visando uma Sociedade mais profissional que busca seu reconhecimento internacional. Definitivamente, não é possível aceitar que aqueles nos quais depositamos nossa confiança convidando-os para integrar o Conselho Editorial ou o Conselho de Revisores da revista, aceitem se colocar na contra-mão dos nossos interesses, assumindo a absurda incumbência de se tornarem nossos próprios concorrentes.

Assim, peço àqueles que tem aceitado participar de colegiados que sejam contrários aos interesses dos ABE&M e da FEBRASEM que façam sua opção. Não há espaço para outras publicações científicas (muito menos de caráter meramente comercial), que não aquelas endossadas e avalizadas pelas nossas Sociedades irmanadas.

Não tenho a intenção de me posicionar isoladamente sobre este tema. Espero que haja solidariedade e que ela seja manifesta. Não acho justificáveis nem a abstenção nem o apoio nos bastidores. Peço, portanto, que os colegas utilizem a seção de Cartas ao Editor para expressar sua opinião e convoco desde já todos os membros do Conselho Editorial para a reunião dos ABE&M que será realizada durante o 24o Congresso Brasileiro de Endocrinologia e Metabologia, no Rio de Janeiro, em Novembro deste ano, na qual discutiremos este tema com mais profundidade.

Antes de finalizar, chamo a atenção para o fato de neste número estarmos, mais uma vez, tendo a satisfação de contar com a colaboração científica de novos colegas brasileiros do exterior. Júlio Licinio, novo integrante do nosso Conselho Editorial Internacional co-autora com André Negrão, um artigo de revisão atualíssimo sobre: "Leptina: o Diálogo entre Adipócito e Neurônios". Proximamente estarei apresentando um curriculum resumido destes novos colaboradores internacionais.

Claudio E. Kater,

Editor-chefe, ABE&M

PS: Por uma falha imperdoável de minha parte que, para piorar, foi lembrada repetidas vezes por colegas, deixei de dar o devido crédito à foto publicada no meu editorial do número de fevereiro da revista (vol. 44, no. 1, fevereiro de 2000). Ela foi tirada por minha esposa, Estela Kater, a quem peço desculpas pela desatenção.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Out 2005
  • Data do Fascículo
    Jun 2000
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