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Quando a endocrinologia não é clínica!

editorial

Quando a Endocrinologia Não é Clínica!

Doris Rosenthal

Professora Doutora Chefe do

Laboratório de Fisiologia

Endócrina do Instituto de

Biofísica, Carlos Chagas Filho da

Universidade Federal

do Rio de Janeiro.

FAZIA FALTA, HÁ BASTANTE TEMPO, um meio de maior integração entre clínicos e pesquisadores que trabalham em Endocrinologia e Metabologia. A Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia incentivou esta integração a partir do momento em que criou o Departamento de Endocrinologia Básica, para congregar médicos e profissionais de outras áreas biomédicas que se dedicam à pesquisa dos mais variados aspectos básicos da Endocrinologia. Ninguém pode negar a importância da contribuição de anatomistas, histologistas, bioquímicos, fisiologistas, farmacologistas e outros para o desenvolvimento da Endocrinologia. Os livros texto, principalmente os mais atuais, usados por todos os estudiosos da área, contêm uma parte bastante extensa e detalhada na qual são abordados conhecimentos básicos, necessários para a melhor compreensão dos aspectos clínicos e terapêuticos.

Em nosso meio, no entanto, o endocrinologista clínico freqüentemente só toma conhecimento do que faz o seu vizinho, que trabalha na área biomédica básica, quando encontra - por acaso - um artigo ou citação deste em uma revista estrangeira ou no Medline, mesmo porque, na maior parte das vezes, os congressos que ambos freqüentam são diferentes. Por outro lado, o pesquisador em área básica não está muito interessado em publicar seus resultados, tão trabalhosamente obtidos, em revistas que não tenham divulgação internacional; afinal ele está sob o jugo do publish or perish.

Esta edição especial dos "Arquivos", dedicada à Endocrinologia Básica, destina-se a divulgar entre os endocrinologistas brasileiros um pouco do que está acontecendo nos nossos laboratórios, dedicados à pesquisa endocrinológica básica. Em sua maioria, os trabalhos podem ser considerados como mini-revisões ou mise-au-point de assuntos diretamente relacionados aos temas de pesquisa dos autores, muitas vezes com referências a resultados experimentais que já foram objeto de publicações em revistas especializadas. Entre os demais trabalhos vamos encontrar coisas novas, que ainda não foram muito divulgadas e são quase desconhecidas entre os não diretamente ligados às linhas de pesquisa específicas.

A interrelação entre termogênese e hormônios tireóideos é em grande parte - mas não só - dependente das proteínas desacopladoras mitocondriais, principalmente a UCP-1 cuja expressão é regulada por T3. AC Bianco (Depto. de Fisiologia e Biofísica, USP) revê didaticamente este e outros mecanismos importantes para a termogênese, obrigatória ou facultativa, também influenciados pelos hormônios tireóideos.

Aspectos fisiopatológicos e clínicos do, melhor dito dos, diabetes insipidus nefrogênico(s) são revistos por JL Rocha, WL Boson e LD Marco (Depto. de Farmacologia, UFMG), em associação com E. Friedman (Institute of Genetics, Chaim Sheba Medical Center, Israel), com ênfase nas diversas alterações gênicas que podem ser encontradas nessa doença que tem várias causas mas apenas um fenótipo. Ainda no território das mutações gênicas, temos as síndromes de resistência aos hormônios tireóideos, atribuídas a mutações na isoforma b do receptor para hormônios tireóideos. Como bem equacionado na revisão de CC Pazos-Moura (Instituto de Biofísica, CCF, UFRJ) e EG Moura (Depto. de Ciências Fisiológicas, UERJ), os modelos transgênicos têm contribuído muito para a compreensão da patogênese destas síndromes, além de possibilitarem a melhor compreensão dos mecanismos pelos quais os hormônios tireóideos produzem seus efeitos em diversos tecidos.

Os mecanismos endócrinos/parácrinos que regulam ou modulam a função dos tecidos endócrinos despertam o interesse geral entre os endocrinologistas. Cada vez mais, se evidencia que o sistema renina-angiotensina funciona com sinalizador em diversos tecidos, não só na glomerulosa suprarrenal onde, aliás, são também encontrados todos os componentes do sistema, desde angiotensinogênio até EGA. AP Raposo-Costa e AM Reis (Depto. de Fisiologia e Biofísica, UFMG) discutem a relevância do sistema renina-angiotensina para a função ovariana e chamam a atenção para a possível presença da angiotensina-(l-7) como moduladora da produção de estrogênios ovarianos. Em um outro território, há evidências indicadoras de uma modulação parácrina da função adeno-hipofisária por peptídeos bombesina-símiles, as quais são analisadas por TM Ortiga-Carvalho e CC Pazos-Moura (Instituto de Biofísica, CCF, UFRJ), dando ênfase à modulação do TSH pela neuromedina B.

A sociedade como um todo, e os profissionais da área da saúde em especial, se tornam cada vez mais conscientes dos possíveis efeitos danosos de produtos químicos liberados para o meio ambiente. Uma destas substâncias, bisfenol A, tem alguma homologia estrutural com dietilestilbestrol/hexestriol e pode ser liberada por tubos e frascos de policarbonato. Os efeitos sobre trato reprodutivo e função lactotrófica do bisfenol A são analisados por T Goloubkova e PM Spritzer (HCPA e Depto. de Fisiologia, UFRGS) e complementados por uma mini-revisão sobre xenoestrogênios.

A pineal já foi a grande incógnita da endocrinologia. Hoje, surgem mais e mais informações a respeito dos efeitos produzidos por esta glândula neuroendócrina. O artigo de PM Seraphim e colaboradores sobre a interação pineal-metabolismo de carboidratos, é resultante da confluência de interesses entre os ativos grupos de J Cipolla Neto e de UF Machado (Depto. de Fisiologia e Biofísica, USP). Do mesmo departamento, já conhecido pelos seus estudos com restrição alimentar em modelos animais, vem o trabalho de DH Sumida e colaboradores, mostrando que a restrição alimentar aumenta a sensibilidade dos tecidos à insulina, o que poderia levar a uma abordagem complementar para o tratamento do diabetes mellitus.

O uso de iodo como tratamento pré-operatório em tireoidectomias visa diminuir o fluxo sangüíneo para a glândula, tornando-a menos friável e melhorando condições de hemostasia. A diminuição de estimulação colinérgica tireóidea foi aventada para explicar esse efeito do iodo. No entanto, o trabalho de HE Borges e colaboradores (Depto. de Biologia Celular e Genética, UEM) mostra que a vasoconstricção induzida pelo tratamento com iodo não pode ser atribuída à modificação da atividade colinesterásica na tireóide. Um outro efeito tireóideo da sobrecarga de iodo é a inibição da geração de peróxido de hidrogênio (H2O2), cofator essencial da tireoperoxidase que, por sua vez, é enzima essencial à biossíntese dos hormônios tireóideos. Embora vários sistemas enzimáticos tenham sido sugeridos, as indicações mais recentes apontam o sistema NADPH-oxidase como responsável pela geração de H2O2 na tireóide. O desenvolvimento da metodologia que permite quantificar a atividade NADPH-oxidase em tecidos tireóideos humanos é descrito por LC Cardoso e colaboradores (Instituto de Biofísica, CCF, UFRJ), abrindo campo para futuras pesquisas na fisiopatologia tireóidea.

Como Editora desta Edição Especial só me resta desejar que a mesma contribua para que haja maior intercâmbio entre a Endocrinologia Básica e o resto da SBEM. Até breve!

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Out 2005
  • Data do Fascículo
    Ago 2000
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