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Efeitos do treinamento físico contra resistência sobre a composição corporal e a potência muscular em adultos deficientes de hormônio do crescimento

Resumos

A síndrome da deficiência do hormônio do crescimento (GH) no adulto está bem estabelecida, assim como os benefícios da terapia de reposição com o GH recombinante. Dentre as alterações observadas nesses pacientes, as da composição corporal estão entre as mais estudadas, sendo caracterizadas por um aumento da gordura corporal total com predomínio de gordura no tronco, diminuição da massa magra, da força muscular e da água corporal total. Todas são quase completamente revertidas após tratamento de reposição com GH. Estudamos a composição corporal e potência muscular de 11 pacientes com deficiência de GH, antes e após serem submetidos a um programa de treinamento com exercícios contra resistência por 12 semanas, sem reposição com o GH. Avaliamos a composição corporal através de medidas de circunferências, dobras cutâneas, peso, altura, cálculo do índice de massa corporal e relação cintura-quadril. A potência muscular localizada foi avaliada em vários grupos musculares através de cinco exercícios numa unidade de exercícios musculares localizados, onde foi acoplado um tensiômetro. Após análise dos resultados, observamos que não houve mudança na composição corporal destes pacientes, em relação ao índice de massa corporal, relação cintura-quadril e peso. Quando estudamos separadamente a soma das dobras cutâneas centrais e periféricas, houve diminuição no volume da soma das dobras centrais. Em relação à força e potência muscular, não houve ganho de força de preensão manual medida através do dinamômetro (p>0,05), já a potência mostrou um aumento significativo após treinamento (p<0,01). Concluímos que esses pacientes, se submetidos a um programa de treinamento de exercícios contra resistência realizado em casa, ganham potência muscular e que esta forma de exercício é uma alternativa terapêutica para que possam melhorar sua qualidade de vida, quando não for possível a utilização do GH.

Composição corporal; Potência muscular; Exercício; Hormônio do crescimento


Growth hormone (GH) deficiency syndrome in adults is well established, as well as the benefits of replacement with recombinant GH. Body composition changes are frequently studied in these patients, and are characterized by an increase in total body fat with predominant trunk obesity, a decrease in lean body mass, muscular strength and total body water. All of these features are almost completely reversed after recombinant GH therapy. This study evaluated body composition and muscle power in 11 GH-deficient patients before and after undergoing a resistance-training program for 12 weeks without GH replacement. We evaluated the body composition by measuring girths, skinfolds, weight, height, body mass index, waist-hip ratio and abdominal computerized tomography. Muscle power was assessed in several muscle groups by mean of five exercises in a muscle-training machine, to which a tensiometer was attached. The data analysis showed that there were no changes in body composition, body mass index, waist-hip ratio and weight. When we studied separately the sum of central and peripheral skinfolds, we noted a volume reduction in the sum of central skinfolds. With relation to muscular strength and power there was no gain in handgrip muscular strength (p>0.05), whereas muscular power showed a significant increase after the training (p<0.01). We concluded that when these patients are submitted to a home-based training program of resistance - type exercises they gain muscular power, and that this type of exercise is a therapeutic alternative that can improve their quality of life whenever the use of recombinant GH is not possible.

Body composition; Muscular power; Exercise; Growth hormone


artigo original

Efeitos do Treinamento Físico Contra Resistência Sobre a Composição Corporal e a Potência Muscular em Adultos Deficientes de Hormônio do Crescimento

Rosane R.L.O. Brasil

Flávia L. Conceição

Carla W. Coelho

Cláudio V. Rebello

Claudio G.S. Araújo

Mário Vaisman

Serviços de Endocrinologia e de Medicina

do Esporte e do Exercício, Hospital

Universitário da Universidade Federal

do Rio de Janeiro - UFRJ, Rio de

Janeiro, RJ.

Recebido em 20/04/00

Revisado em 14/07/00

Aceito em 10/09/00

RESUMO

A síndrome da deficiência do hormônio do crescimento (GH) no adulto está bem estabelecida, assim como os benefícios da terapia de reposição com o GH recombinante. Dentre as alterações observadas nesses pacientes, as da composição corporal estão entre as mais estudadas, sendo caracterizadas por um aumento da gordura corporal total com predomínio de gordura no tronco, diminuição da massa magra, da força muscular e da água corporal total. Todas são quase completamente revertidas após tratamento de reposição com GH. Estudamos a composição corporal e potência muscular de 11 pacientes com deficiência de GH, antes e após serem submetidos a um programa de treinamento com exercícios contra resistência por 12 semanas, sem reposição com o GH. Avaliamos a composição corporal através de medidas de circunferências, dobras cutâneas, peso, altura, cálculo do índice de massa corporal e relação cintura-quadril. A potência muscular localizada foi avaliada em vários grupos musculares através de cinco exercícios numa unidade de exercícios musculares localizados, onde foi acoplado um tensiômetro. Após análise dos resultados, observamos que não houve mudança na composição corporal destes pacientes, em relação ao índice de massa corporal, relação cintura-quadril e peso. Quando estudamos separadamente a soma das dobras cutâneas centrais e periféricas, houve diminuição no volume da soma das dobras centrais. Em relação à força e potência muscular, não houve ganho de força de preensão manual medida através do dinamômetro (p>0,05), já a potência mostrou um aumento significativo após treinamento (p<0,01). Concluímos que esses pacientes, se submetidos a um programa de treinamento de exercícios contra resistência realizado em casa, ganham potência muscular e que esta forma de exercício é uma alternativa terapêutica para que possam melhorar sua qualidade de vida, quando não for possível a utilização do GH.

Unitermos: Composição corporal; Potência muscular; Exercício; Hormônio do crescimento.

ABSTRACT

Growth hormone (GH) deficiency syndrome in adults is well established, as well as the benefits of replacement with recombinant GH. Body composition changes are frequently studied in these patients, and are characterized by an increase in total body fat with predominant trunk obesity, a decrease in lean body mass, muscular strength and total body water. All of these features are almost completely reversed after recombinant GH therapy. This study evaluated body composition and muscle power in 11 GH-deficient patients before and after undergoing a resistance-training program for 12 weeks without GH replacement. We evaluated the body composition by measuring girths, skinfolds, weight, height, body mass index, waist-hip ratio and abdominal computerized tomography. Muscle power was assessed in several muscle groups by mean of five exercises in a muscle-training machine, to which a tensiometer was attached. The data analysis showed that there were no changes in body composition, body mass index, waist-hip ratio and weight. When we studied separately the sum of central and peripheral skinfolds, we noted a volume reduction in the sum of central skinfolds. With relation to muscular strength and power there was no gain in handgrip muscular strength (p>0.05), whereas muscular power showed a significant increase after the training (p<0.01). We concluded that when these patients are submitted to a home-based training program of resistance - type exercises they gain muscular power, and that this type of exercise is a therapeutic alternative that can improve their quality of life whenever the use of recombinant GH is not possible.

Keywords: Body composition; Muscular power; Exercise; Growth hormone.

A PRIMEIRA DESCRIÇÃO DO USO DO HORMÔNIO de crescimento (GH) em adulto foi feita por Raben em 1962. Desde então tem crescido o interesse sobre a importância fisiológica do GH no adulto, após o crescimento linear se tornar completo (1,2). O GH é um hormônio anabólico importante e seu papel na vida adulta tem recebido muita atenção nos últimos anos.

Desde 1989, vários trabalhos tem analisado indivíduos com deficiência de GH, adquirida desde a infância e adultos que ficaram deficientes na vida adulta (3-6).

Os indivíduos deficientes de GH apresentam alterações na composição corporal caracterizada por aumento da massa gorda e uma diminuição da massa livre de gordura ou massa magra. Esse aumento na massa gorda ocorre, principalmente, através de acúmulo de gordura intra-abdominal (visceral). O acúmulo de gordura nesta região leva ao desenvolvimento de resistência à insulina, dislipidemia e uma predisposição ao desenvolvimento de doenças cardiovasculares. Em relação à diminuição da massa magra, esses pacientes apresentam uma diminuição de massa muscular, com diminuição da força e da capacidade física com fadiga fácil (4,7-10).

Estudos em acromegálicos e em crianças com deficiência de GH antes e após a reposição com GH indicam que o hormônio afeta profundamente a composição corporal (11,12). Isso indica, indiretamente, que uma das funções do GH durante a vida adulta é a manutenção da composição corporal (9).

Os objetivos deste estudo foram: 1) Avaliar pacientes adultos com deficiência de GH adquirida tanto na infância como na vida adulta, em relação à sua composição corporal através de medidas antropométricas, estudo da força e da potência muscular; 2) Analisar os efeitos de um programa de exercícios contra resistência sobre a potência muscular sem o uso do GH.

PACIENTES E MÉTODOS

Foram avaliados 11 pacientes (7M / 4F), com idades entre 22 e 54 anos (média de 39 anos). Todos possuíam deficiência de GH por mais de um ano, sendo que quatro apresentavam deficiência desde a infância, com diagnóstico de hipopituitarismo idiopático e sete, hipopituitarismo adquirido após cirurgia e/ou radioterapia hipofisária, na vida adulta. Três tinham déficit isolado de GH e os outros oito possuíam mais de uma deficiência hormonal. Uma paciente apresentava hiperprolactinemia (em uso de bromocriptina), enquanto três que se encontravam no climatério faziam reposição hormonal com estrogênios conjugados e progestágeno (tabela 1).

Foram incluídos os pacientes que apresentavam pico de GH menor que 5ng/ml em pelo menos dois testes de estímulo farmacológicos: 1) teste de tolerância à insulina (0,1-0,15U IV de insulina regular / kg de peso – todos manifestaram sintomas de hipoglicemia e/ou níveis de glicemia menor que 50mg/dl); 2) teste com glucagon (1mg IM).

Os pacientes estavam em uso de terapia de substituição com glicocorticóides, tiroxina e esteróides gonadais com doses estáveis por pelo menos três meses antes de iniciar o estudo. Afim de evitar flutuações nos níveis de testosterona, os pacientes masculinos foram avaliados nos primeiros 10 dias após a injeção, já que os níveis deste hormônio atingem maiores valores neste período.

Adotamos como critérios de exclusão: presença de doença mental, gravidez, diabetes mellitus descompensado, hipertensão arterial severa, uso de GH nos últimos 12 meses, doença aguda severa, doença hepática ou renal crônica e história de malignidade.

O protocolo do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da UFRJ e todos os pacientes assinaram um consentimento informado antes de iniciarem o estudo.

Cada paciente realizou quatro visitas para avaliações da composição corporal, força e potência muscular no Serviço de Medicina do Esporte e do Exercício do mesmo hospital.

A primeira e a segunda visitas tiveram um intervalo de duas semanas entre si, de modo que as duas avaliações minimizassem eventuais efeitos de aprendizagem da bateria de testes. A partir da segunda avaliação, os pacientes foram submetidos a um programa de treinamento com exercícios contra resistência (PTECR) com um conjunto de materiais (um par de tornozeleiras, um par de halteres e uma bolinha de borracha), realizados em casa em dias alternados com duração de 12 semanas. A terceira e quarta visitas ocorreram com seis e 12 semanas após o início do PTECR.

Na avaliação da composição corporal foram realizadas medidas de circunferências (braço relaxado/contraído, antebraço, punho, tórax, cintura, quadril, coxa, perna e tornozelo) utilizando uma fita não elástica, dobras cutâneas (triciptal, subescapular, crista ilíaca, supraespinhal, abdominal, coxa e perna medial) através de um compasso Harpender, peso (balança Filizola), estatura (estadiômetro), cálculo do índice de massa corporal (IMC) e relação cintura-quadril (WHR).

A potência muscular em Watts foi determinada através de tensiômetro específico (Fitrodyne, Eslováquia). Para essa finalidade, obteve-se a curva potência (potência = força X velocidade) versus carga em diferentes grupos musculares, foi obtida em cinco exercícios distintos, a seguir apresentados de acordo com a terminologia própria da área com os respectivos grupos musculares envolvidos: desenvolvimento supino (deltóide anterior, peitoral e tríceps), puxada por trás (grande dorsal, redondo maior e bíceps), extensão de joelhos (quadríceps), remada alta (deltóide, bíceps e trapézio) e rosca tríceps (tríceps). Todos os exercícios foram realizados em uma unidade de exercícios musculares localizados (Kiko – Estados Unidos), iniciando-se com 5kg e incrementando-se a seguir de 5 em 5kg até que a potência medida diminuísse. O ponto mais alto da curva representava a carga na qual desenvolvia-se a potência máxima para aquele grupo muscular e foi utilizada para as análises subsequentes. O procedimento de testagem para cada exercício foi realizado imprimindo velocidade máxima ao movimento, sendo iniciado com 5 ou 10kg e finalizado logo após a leitura do primeiro valor de potência menor do que o da carga anterior.

Também foi executado o teste de força de preensão manual (HANDGRIP), utilizando um dinamômetro de mão (Takei, Estados Unidos), duas vezes alternadamente em cada mão, adotando-se o maior valor alcançado como representativo da medida.

O PTECR foi iniciado a partir da segunda avaliação, quando os pacientes receberam as orientações sobre como fazer os exercícios e o conjunto de materiais. O peso prescrito foi baseada nos resultados e potência muscular obtidos na segunda avaliação, utilizando-se 10% da média das cargas de pico de potência nos exercícios realizados. O PTECR foi composto por 13 exercícios, novamente adotando-se a terminologia própria da área: flexão de cotovelos, flexão de braços, flexão de joelhos, extensão de joelhos, abdução de ombros, agachamento, desenvolvimento, abdominais, remada em pé, flexão de punhos, extensão de punhos, compressão da bolinha e supino reto. Os exercícios foram realizados nessa sequência e, para melhor entendimento e controle do treinamento, foi utilizado uma ficha com o nome e desenho dos exercícios, número de séries e repetições e dias a serem realizados os treinamentos para cada mês. Em todos os exercícios, com exceção dos abdominais e compressão da bolinha, foram feitas 12 repetições divididas em duas séries de seis, sempre utilizando-se velocidade alta de movimento na fase concêntrica da contração. Nos abdominais e compressão da bolinha foram utilizadas 30 repetições divididas em três séries de dez.

Todo o treinamento foi realizado na casa do paciente, sem supervisão, numa periodicidade de dias alternados durante 12 semanas. Após seis semanas de treinamento os pacientes foram reavaliados e reorientados com relação aos mesmos exercícios já realizados, porém com uma mudança de carga que foi acrescida de 1kg em cada material, objetivando manter um nível de sobrecarga muscular.

ANÁLISE ESTATÍSTICA

Os resultados de todas as variáveis analisadas foram apresentados como média e desvio padrão. O teste utilizado para comparar os valores obtidos nos quatro momentos das avaliações foi a análise de variância (ANOVA) para medidas repetidas, considerando diferenças como significativas a um nível de p£ 0,05. Quando havia diferenças significativas, utilizou-se o teste de Bonferroni como post-hoc da ANOVA.

RESULTADOS

A média da idade dos 11 pacientes foi de 39±10,6 anos.

O peso e o cálculo do IMC não apresentaram mudanças significativas entre as avaliações, com p de 0,71 e de 0,69, respectivamente (tabela 2).

Para análise das dobras cutâneas, realizamos a soma total das sete dobras (triciptal, subescapular, crista ilíaca, supraespinhal, abdominal, coxa e perna medial) medidas nas quatro avaliações, assim como a soma das dobras centrais e das periféricas separadamente. As médias da soma das sete dobras na 1ª, 2ª, 3ª e 4ª avaliações foram 171,7±53,6, 177,8±58,7, 160,4±55,6 e 162,4±56,2cm, respectivamente. Observamos que houve uma diminuição na média da soma das sete dobras com um p= 0,011. A redução foi mais significativa entre a segunda e a terceira avaliação, 17,4cm (p< 0,05) (tabela 2).

Quando estudamos separadamente a soma das dobras centrais e periféricas, notamos que houve uma diminuição mais importante no volume da soma das dobras centrais (p= 0,002) do que na soma das dobras periféricas (p= 0,182). Houve diferença estatisticamente significante (p< 0,05) entre a 1a e 3a, 1a e 4a, 2ª e 3ª e entre a 2ª e 4ª avaliações com o treinamento físico (figura 1).


Na análise das circunferências (braço relaxado/contraído, antebraço, punho, tórax, cintura, quadril, coxa, perna e tornozelo) não encontramos alterações com a intervenção (p> 0,05) (tabela 2).

O cálculo do WHR mostrou que o mesmo não variou durante o treinamento, apesar das medidas das dobras centrais terem diminuído (p= 0,698). Também não houve ganho de força pela análise do Handgrip tanto na mão direita (p= 0,570) quanto na mão esquerda (p= 0,942) (tabela 2).

Para a análise do WHR, das dobras cutâneas, das circunferências, IMC, peso e Handgrip foram utilizados os resultados dos 11 pacientes.

As médias das medidas das quatro avaliações estão na tabela 2.

Em relação à potência muscular, foram estudados 10 pacientes porque uma (no. 11), apresentava em membro superior esquerdo impotência funcional na mão devido a uma seqüela de acidente vascular encefálico, durante neurocirurgia. Entretanto, a paciente fez todo o treinamento em casa e na última avaliação conseguiu realizar todos os exercícios para medida da potência muscular.

O paciente no. 10 realizou somente 3 dos 5 exercícios preconizados no estudo para a avaliação da potência (desenvolvimento supino, extensão do joelho e rosca tríceps), devido a uma deformidade em membro superior esquerdo que restringe a flexibilidade do membro para a realização dos exercícios.

No exercício remada alta houve um incremento de potência significativo com ganho maior entre a 1ª e 4ª avaliação (p= 0,003). A média de potência entre essas avaliações foi de 133,7 e 156,7W, respectivamente. Houve também ganho de potência significativa entre as 2ª e 4ª e 1ª e 3ª avaliações (p< 0,05) (figura 2).


Na rosca tríceps, o aumento da potência também foi significativo com ganho maior entre a 1ª e 3ª e entre a 2ª e 3ª avaliações, a diferença das médias entre estas avaliações foi de 37,3 e 33,0W, respectivamente (p= 0,002) (figura 2).

Na puxada por trás (pulley), o ganho de potência foi significativo entre a 1ª e 3ª, 2ª e 4ª e entre 1ª e 4ª avaliações com um p= 0,011. A diferença das médias entre estas avaliações foi de 56,6 e 49,1W, respectivamente (figura 2).

No desenvolvimento supino observamos ganho de potência entre a 2ª e 4ª e entre a 2ª e 3ª avaliações com um ganho na média de 28,4 e 25,1W, respectivamente (p= 0,003) (figura 2).

A potência muscular no exercício extensão dos joelhos não mostrou ganho estatisticamente significante (p= 0,193).

DISCUSSÃO

A literatura tem mostrado o aumento de massa magra e aumento de músculo esquelético em pacientes deficientes de GH após tratamento com o hormônio (13).

Não existe relato de trabalhos analisando a resposta desses pacientes submetidos a um treinamento de exercícios de resistência sem o uso do GH.

A redução da tolerância ao exercício observada nestes pacientes tem sido atribuída a uma redução da massa esquelética, força e/ou concomitante diminuição do rendimento cardíaco.

Pouco é conhecido sobre os efeitos do GH na distribuição do tipo de fibra muscular. Zorzano e col. (14) mostraram que a tirosina quinase do receptor no músculo esquelético do rato é 2 a 3 vezes mais ativa em resposta ao IGF-1 no músculo vermelho que no músculo branco. Esse estudo explica o mecanismo pelo qual alterações nos níveis de GH e IGF-1 podem alterar a síntese protéica nos dois tipos de fibras (14). Por existir mais fibras do tipo II nos indivíduos deficientes do GH, eles apresentam mais sensação de fadiga, queixa comum observada entre nossos pacientes antes de entrarem no programa de exercícios.

Durante um programa de treinamento de exercícios físicos, o músculo esquelético sofre adaptações. Ele é extremamente sensível à ação do exercício repetido, demonstrando uma série de modificações morfológicas, bioquímicas e funcionais (15).

Na fase inicial do treinamento, destacam-se o aumento na área de corte transversal do músculo e da quantidade de proteínas contráteis, hipertrofia seletiva das fibras do tipo II, aumento do glicogênio (estoque de fonte de energia) e elevação da atividade das enzimas musculares.

Muitas são as observações sobre as adaptações hormonais em indivíduos saudáveis que são submetidos a um treinamento de resistência. Entretanto, tem sido atribuído às alterações hormonais a capacidade de influenciar as adaptações neuromusculares também em fase inicial de treinamento (16). Kramer e col. (16), estudando os efeitos do treinamento de resistência por um período curto de 8 semanas, sobre a função endócrina em homens e mulheres, mostrou que existe diferenças entre os sexos.

Os hormônios envolvidos nessa adaptação são a testosterona, o GH e o cortisol. As mulheres apresentam uma concentração de GH, antes do treinamento, maior que os homens, provavelmente para compensar os níveis baixos de testosterona. Essas adaptações hormonais podem influenciar e ajudar a mediar outras no sistema nervoso e nas fibras musculares (16).

Afim de evitar este viés no nosso trabalho, todos os pacientes estavam com suas reposições estáveis por pelo menos três meses antes de entrarem no estudo.

Apesar do período curto da intervenção, 12 semanas, raros são os estudos utilizando um período maior. Existe relato mostrando aumento de síntese protéica no músculo esquelético após 2 semanas de treinamento com exercícios de resistência (17).

A escolha de se utilizar 2 séries de 6 repetições nos exercícios feitos em casa é explicada porque com esse esquema diminuímos a acidose, o cansaço é menor na realização dos exercícios, a execução é consequentemente melhor além de diminuir a sobrecarga cardíaca.

Sabe-se que a associação de GH com exercícios de resistência em adultos jovens e idosos sem deficiência de GH, promove um aumento de massa magra, água corporal total e balanço protéico positivo comparado com o uso isolado do exercício. Entretanto, a análise de força e de síntese protéica no músculo não mostra ganho adicional quando associa-se o GH ao exercício. Isso indica que o aumento da massa corporal magra, quando da adição de GH, não seja devido a um aumento de músculo esquelético e sim pelo aumento da síntese de proteínas não contráteis e pela retenção de líquido (18-20).

No presente grupo de pacientes deficientes de GH, a melhora observada na potência muscular pode ser explicada por outros fatores que quando estimulados pelo exercício promovem um aumento no desempenho muscular. Além das adaptações já descritas é provável que o ganho de potência seja devido a um recrutamento motor mais eficiente, ou seja, uma melhora na eficiência mecânica.

Questiona-se ainda se o ganho de massa muscular nos programas de treinamento possa dever-se à hipertrofia ou se existe algum grau de hiperplasia, associado à diferenciação de células pós-natal indiferenciadas (células satélites mesenquimais) (15).

Em nosso grupo de pacientes não houve aumento nas medidas antropométricas como as medidas de circunferência, o que significa que os pacientes tiveram um ganho de potência muscular sem hipertrofia da musculatura. Logo o exercício proporcionou adaptações que parecem estar mais associadas a um melhor recrutamento das fibras, maior relaxamento dos músculos antagonistas aos movimentos desempenhados e um ganho de propriedades contráteis das fibras, como aumento relativo nas áreas das fibras do tipo I, menor utilização de glicogênio pela célula muscular, aumento das enzimas do ciclo de Krebs e do número e do volume das mitocôndrias (15).

Em relação ao melhor recrutamento das fibras motoras, desconhece-se quais são os receptores das vias aferentes e eferentes e o eventual centro integrador (15).

Na análise das medidas antropométricas, os resultados encontrados eram esperados já que o tipo de treinamento proposto não visava diminuição da massa gorda e sim um trabalho específico para melhorar a potência muscular. Apesar disso, observamos diminuição das dobras cutâneas centrais (do tronco) em relação a dobras periféricas. Isso talvez seja devido ao fato de em uma população adulta haver maior concentração de gordura nessa região, levando a que as perdas também comecem por essa região.

Apesar do protocolo proposto poder ser criticado em relação ao fato dos exercícios serem feitos em casa, os resultados mostram que houve boa adesão. Todos ganharam potência muscular, relataram melhora do bem-estar e que estavam desempenhando suas atividades diárias de forma mais eficiente.

Os pacientes que inicialmente tinham dificuldade para a realização dos movimentos dos exercícios, no final do treinamento conseguiram executá-los completamente. Como exemplo temos a paciente no. 11: no início do treinamento ela não conseguia realizar os exercícios no aparelho. Após submeter-se corretamente ao protocolo de exercícios propostos executou todos os movimentos sem qualquer problema. Isso demonstra um provável ganho na eficiência mecânica dos músculos trabalhados.

Adultos deficientes de GH, se submetidos a um treinamento simples de exercícios contra resistência, ganham potência muscular. A indicação de exercícios para estes pacientes é uma alternativa terapêutica para que eles possam desempenhar melhor suas atividades físicas diárias e, consequentemente, melhorar a qualidade de vida, quando não for possível a reposição com o GH.

Endereço para correspondência:

Rosane Resende de Lima Oliveira Brasil

Rua Zizi 50, apto. 702

20.710-320 Rio de Janeiro, RJ

e.mail: rosanebrasil@uol.com.br

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Jul 2001
  • Data do Fascículo
    Abr 2001

Histórico

  • Aceito
    10 Set 2000
  • Recebido
    20 Abr 2000
  • Revisado
    14 Jul 2000
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