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Descenso pressórico durante o sono e microalbuminúria em pacientes normotensos com diabetes tipo 1

Resumos

O objetivo deste trabalho é estudar o descenso pressórico durante o período do sono em pacientes normotensos com diabetes tipo 1, estratificados em função da microalbuminúria. Submeteram-se 37 pacientes, com idade de 26,5 ± 6,7 anos e duração da doença de 8 anos (1-34), à determinação da taxa de excreção urinária de albumina (EUA) por radioimunoensaio e à monitorização ambulatorial da pressão arterial (MAPA). A microalbuminúria foi definida como EUA > ou = 20 e < 200µg/min em pelo menos duas de três amostras de urina noturna. Considerou-se "não-dipper" sistólico ou diastólico, como o descenso pressórico durante o sono < 10% dos respectivos valores de vigília. Encontramos 9 pacientes microalbuminúricos. A freqüência de "não-dipper" sistólico foi de 89% nos micro e de 78% nos normoalbuminúricos (8/9 vs. 22/28; p=0,656) e de "não-dipper" diastólico de 55% e de 18%, respectivamente (5/9 vs. 5/28; p= 0,041). O grupo "não-dipper" diastólico tinha maior duração da doença [10,5 (2-18) vs. 7 (1-34 anos); p= 0,043], maior EUA [20,6 (2,2-82,4) vs. 6,2 (2,1-63,7µg/min); p= 0,04] e concomitante ausência do descenso sistólico. No modelo de regressão múltipla apenas a microalbuminúria manteve-se correlacionada com a ausência do descenso diastólico (p= 0,036; R= 0,236). Concluímos que o comprometimento do descenso sistólico em pacientes diabéticos tipo 1 normotensos é o mais freqüente e a ausência do descenso diastólico está associada principalmente com a microalbuminúria.

Monitorização ambulatorial da pressão arterial; Neuropatia autonômica; Nefropatia diabética; Diabetes tipo 1


This study was designed to examine the circadian pattern of blood pressure (BP) during ambulatory blood pressure monitoring (ABPM) in normotensive patients with type 1 diabetes and its association with microalbuminuria. Methods - 37 patients with type 1 diabetes without hypertension, aged 26.5 ± 6.7 years and with 8 years (1-34) of disease, were submitted to determination of the albumin excretion rate (AER) and ABPM. Microalbuminuria was defined when two out of three nocturnal urine samples had AER between 20-200µg/min. Non-dippers were defined as subjects with nocturnal fall in either systolic or diastolic BP of less than 10%. 9 patients were defined as microalbuminuric. 8/9 patients microalbuminuric (89%) and 22/28 normoalbuminuric (78%) were non-dippers systolic (p= 0.656) and 5/9 (55%) vs. 5/28 (18%) respectively, were non-dippers diastolic (p= 0.041). The impaired fall in diastolic BP was associated with higher AER [20.6 (2.2-82.4) vs. 6.2 (2.1-63.7µg/min); p= 0.04], duration of diabetes [10.5 (2-18) vs. 7 (1-34 years); p= 0.043] and was also associated with impaired fall in systolic BP. A logistic regression model was used and impaired fall in diastolic BP correlated significantly as so as with microalbuminuria (p= 0.036; R= 0,236). The impaired fall of systolic BP in normotensive type 1 diabetic patients was the most frequent and the phenomenon non-dipper for diastolic BP was associated mainly with microalbuminuria.

Ambulatory blood pressure monitoring; Autonomic neuropathy; Diabetic nephropathy; Type 1 diabetes


artigo original

Descenso Pressórico Durante o Sono e Microalbuminúria em Pacientes Normotensos Com Diabetes Tipo 1

Cesar N. Cohen

Francisco M. Albanesi Filho

Maria F.R. Gonçalves

Marília B. Gomes

Disciplinas de Diabetes e de

Cardiologia, Hospital Universitário

Pedro Ernesto, Universidade do Estado

do Rio de Janeiro (UERJ),

Rio de Janeiro, RJ.

Recebido em 25/02/00

Revisado em 25/05/00

Aceito em 17/06/00

RESUMO

O objetivo deste trabalho é estudar o descenso pressórico durante o período do sono em pacientes normotensos com diabetes tipo 1, estratificados em função da microalbuminúria. Submeteram-se 37 pacientes, com idade de 26,5 ± 6,7 anos e duração da doença de 8 anos (1-34), à determinação da taxa de excreção urinária de albumina (EUA) por radioimunoensaio e à monitorização ambulatorial da pressão arterial (MAPA). A microalbuminúria foi definida como EUA ³ 20 e < 200µg/min em pelo menos duas de três amostras de urina noturna. Considerou-se "não-dipper" sistólico ou diastólico, como o descenso pressórico durante o sono < 10% dos respectivos valores de vigília. Encontramos 9 pacientes microalbuminúricos. A freqüência de "não-dipper" sistólico foi de 89% nos micro e de 78% nos normoalbuminúricos (8/9 vs. 22/28; p=0,656) e de "não-dipper" diastólico de 55% e de 18%, respectivamente (5/9 vs. 5/28; p= 0,041). O grupo "não-dipper" diastólico tinha maior duração da doença [10,5 (2-18) vs. 7 (1-34 anos); p= 0,043], maior EUA [20,6 (2,2-82,4) vs. 6,2 (2,1-63,7µg/min); p= 0,04] e concomitante ausência do descenso sistólico. No modelo de regressão múltipla apenas a microalbuminúria manteve-se correlacionada com a ausência do descenso diastólico (p= 0,036; R= 0,236). Concluímos que o comprometimento do descenso sistólico em pacientes diabéticos tipo 1 normotensos é o mais freqüente e a ausência do descenso diastólico está associada principalmente com a microalbuminúria.

Unitermos: Monitorização ambulatorial da pressão arterial; Neuropatia autonômica; Nefropatia diabética; Diabetes tipo 1

ABSTRACT

This study was designed to examine the circadian pattern of blood pressure (BP) during ambulatory blood pressure monitoring (ABPM) in normotensive patients with type 1 diabetes and its association with microalbuminuria. Methods - 37 patients with type 1 diabetes without hypertension, aged 26.5 ± 6.7 years and with 8 years (1-34) of disease, were submitted to determination of the albumin excretion rate (AER) and ABPM. Microalbuminuria was defined when two out of three nocturnal urine samples had AER between 20-200µg/min. Non-dippers were defined as subjects with nocturnal fall in either systolic or diastolic BP of less than 10%. 9 patients were defined as microalbuminuric. 8/9 patients microalbuminuric (89%) and 22/28 normoalbuminuric (78%) were non-dippers systolic (p= 0.656) and 5/9 (55%) vs. 5/28 (18%) respectively, were non-dippers diastolic (p= 0.041). The impaired fall in diastolic BP was associated with higher AER [20.6 (2.2-82.4) vs. 6.2 (2.1-63.7µg/min); p= 0.04], duration of diabetes [10.5 (2-18) vs. 7 (1-34 years); p= 0.043] and was also associated with impaired fall in systolic BP. A logistic regression model was used and impaired fall in diastolic BP correlated significantly as so as with microalbuminuria (p= 0.036; R= 0,236). The impaired fall of systolic BP in normotensive type 1 diabetic patients was the most frequent and the phenomenon non-dipper for diastolic BP was associated mainly with microalbuminuria.

Keywords: Ambulatory blood pressure monitoring; Autonomic neuropathy; Diabetic nephropathy; Type 1 diabetes

A NEUROPATIA AUTONÔMICA APRESENTA alta prevalência em pacientes com diabetes mellitus, tendo diversos trabalhos demonstrado ser a disautonomia diabética fator de maior mortalidade e morbidade nesta população (1,2). É esperado que durante o sono sincronizado ocorra uma redução do débito cardíaco e da resistência vascular periférica, com conseqüente queda da pressão arterial devido à diminuição da atividade simpática. O comprometimento do descenso pressórico durante o sono é relatado por muitos autores e parece estar intimamente relacionado à neuropatia autonômica (3). A associação entre o comprometimento do descenso pressórico sistólico com o predomínio do tônus simpático durante a noite é citada, podendo isto representar fator de risco cardiovascular e modificador da característica circadiana dos eventos cardiovasculares em pacientes diabéticos (4).

É relatada associação entre a neuropatia autonômica com a nefropatia diabética no diabetes tipo 1 (5). Neste aspecto, existem evidências da influência da regulação neural sobre a função renal, sendo documentado aumento do fluxo sangüíneo renal em pacientes com diabetes tipo 1 e neuropatia autonômica (6).

A microalbuminúria definida como EUA entre 20 e 200µg/min, em pelo menos duas de três amostras de urina noturna (7), está relacionada com o desenvolvimento da nefropatia diabética clínica (8). Tem sido demonstrado o comprometimento do descenso pressórico durante o sono em pacientes diabéticos microalbuminúricos (9-11) e alguns autores já relataram esta alteração também em normoalbuminúricos (12-14). A ausência do descenso pressórico poderia tornar os glomérulos mais vulneráveis aos efeitos hemodinâmicos da pressão arterial, podendo ser fator para a progressão da nefropatia diabética (15).

O objetivo deste estudo foi avaliar as características do descenso pressórico em pacientes normotensos com diabetes tipo 1, estratificados em função da presença de microalbuminúria.

CASUÍSTICA E MÉTODOS

Foram estudados 37 pacientes com diabetes tipo 1 regularmente atendidos pelo setor de Diabetes do Hospital Universitário Pedro Ernesto (UERJ), com idade média de 26,5 ± 6,7 anos, sendo 59% do sexo feminino e tempo mediano de duração do diabetes de 8 anos (1-34), os quais foram submetidos à determinação da EUA e à MAPA. Os critérios de inclusão foram idade até 40 anos, pressão arterial clínica <140/90mmHg (16), ausência de doença cardíaca ou tireoidiana e de nefropatia clínica (EUA >200µg/min). Os pacientes estudados apresentavam diabetes tipo 1, não apresentavam sintomas de descompensação do diabetes e não estavam utilizando nenhuma medicação cardiovascular. Foram excluídos pacientes que apresentassem infecção sistêmica e outras doenças renais (evidenciadas por hematúria e sedimento urinário anormal).

Os pacientes eram orientados a colher três amostras de urina noturna por um período de seis meses, evitando atividade física intensa prévia à coleta. O volume urinário foi registrado e as amostras estocadas em frascos a -20° até posterior análise. A concentração de albumina foi determinada pela técnica de radioimunoensaio por duplo-anticorpo (Diagnostic Products Corporation, Los Angeles, CA) (17), e a EUA foi definida pela média das três amostras. Considerou-se microalbuminúria se EUA fosse ³ 20 e < 200µg/min em pelo menos duas de três amostras de urina (7). A sensibilidade do método foi de 0,30µg/ml, sendo os coeficientes de variação intra e inter-ensaio de 2,9 e 3,5%, respectivamente. Nas três ocasiões em que os pacientes colheram urina, foram também realizados, no mesmo material, pesquisa de elementos anormais e de sedimentos além de urinocultura. A presença de infecção urinária exigiu a repetição da coleta de urina, após sua respectiva negativação com tratamento antibiótico guiado por antibiograma.

Após jejum de doze horas, determinou-se o nível de hemoglobina glicosilada (HbA1) pelo método resina de troca iônica (18) (valor de referência: 4,5-8,0%). A creatinina sérica foi determinada pela reação de Jaffé.

A pressão arterial clínica foi considerada como a média de três medidas obtidas após 5 minutos de repouso com esfigmomanômetro de mercúrio, na posição sentada e nas três vezes em que o paciente compareceu ao hospital trazendo as amostras de urina. Utilizou-se como pressão arterial diastólica a fase V de Korotkoff (16).

A MAPA foi realizada através de unidades do tipo oscilométrico SpaceLabs 90207, totalmente automáticas e programadas para avaliação de medidas com intervalos de 15 minutos entre 6:00 e 23:00h e a cada 20 minutos entre 23:01 e 5:59h. O aparelho foi instalado pela manhã, sendo os pacientes orientados a realizarem suas atividades habituais no decurso da monitorização e a informarem a hora em que foram dormir e que despertaram. Os períodos de sono e vigília foram determinados individualmente de acordo com o relatório fornecido ao término da MAPA. Os exames tiveram duração mínima de 24h, sendo considerado apenas aqueles em que se conseguiu atingir pelo menos 85% de leituras válidas, com no mínimo duas leituras por hora (19,20). Foram registrados os valores médios da pressão arterial sistólica (PAS), diastólica (PAD) e da freqüência cardíaca (FC) em 24h, na vigília e durante o sono de cada paciente. A carga pressórica sistólica foi definida como a prevalência de registros da PAS > 140mmHg em vigília e > 120mmHg no sono e a carga pressórica diastólica como a prevalência de leituras da PAD > 90mmHg em vigília e > 80mmHg durante o sono (19,21,22). O descenso pressórico sistólico e o diastólico no sono foram calculados individualmente. Considerou-se "não-dipper" sistólico ou diastólico quando o descenso durante o sono foi menor do que 10% dos respectivos valores de vigília (19). As variáveis peso e altura foram medidas e o IMC calculado (kg/m2). A duração do diabetes e a dose diária de insulina foram também obtidas.

Para comparação das variáveis não-categóricas utilizou-se o teste t de Student se a variável apresentasse distribuição normal (teste de Shapiro) e variância homogênea (teste de Bartlet’s). Nos casos de distribuição anormal, utilizamos o teste não-paramétrico de Mann-Whitney. Os testes do Chi-Quadrado e de Fisher foram usados para comparações das variáveis categóricas. A correlação entre variáveis numéricas foi efetuada pelo cálculo do coeficiente de Spearman. No modelo de regressão logística múltipla consideramos como variável dependente o comprometimento do descenso pressórico e como variáveis independentes sexo, cor, tabagismo, microalbuminúria, duração do diabetes, dose diária de insulina e HbA1. Sendo que para as três últimas variáveis considerou-se como limite o valor obtido pela fórmula média e/ou mediana + (2 x desvio padrão) / (raiz quadrada de n). Foram utilizados os programas Statistical Package for the Social Science (SPSS, versão 6.0) e EPI INFO (versão 6.0) para os cálculos estatísticos. Os valores das variáveis foram expressos como média ± desvio padrão, sendo a duração do diabetes, HbA1, EUA e carga pressórica apresentadas como mediana e variação por não terem distribuição normal. Considerou-se como significante um valor de p < 0,05 (23).

RESULTADOS

Encontramos nove pacientes microalbuminúricos. A duração do diabetes teve tendência a ser maior nos microalbuminúricos [11 (5-18) vs. 7 (1-34 anos); p = 0,078], assim como a HbA1 [8,9 (8,1-13,4) vs. 8,4 (6,3-17,9%); p = 0,076]. A PAS clínica foi maior nos microalbuminúricos (113,5 ± 7,1 vs. 106,4 ± 7,9mmHg; p = 0,021 - tabela 1). A freqüência de "não-dipper" sistólico foi de 89% nos micro e 78% nos normoalbuminúricos (8/9 vs. 22/28; p = 0,656) e de "não-dipper" diastólico de 55% e 18%, respectivamente (5/9 vs. 5/28; p = 0,041). A análise do descenso pressórico revelou que o grupo "não-dipper" diastólico teve maior duração da doença [10,5 (2-18) vs. 7 (1-34 anos); p = 0,043], maior EUA [20,6 (2,2-82,4) vs. 6,2 (2,1-63,7µg/min); p = 0,04 - tabela 2] e concomitante ausência do descenso sistólico. O grupo "não-dipper" diastólico apresentou durante o sono maior carga pressórica sistólica [34,1 (9,5-95,2) vs. 9,5 (0-64,7%); p = 0,005] e diastólica [22,0 (9,5-71,4) vs. 0 (0-52,9%); p = 0,0001 - tabela 3]. Os "não-dippers" para a PAS apresentaram apenas maior carga pressórica sistólica no mesmo período [24,4 (0-95,2) vs. 4,8 (0-9,5%); p = 0,005]. O descenso da PAS não diferiu entre os micro e normoalbuminúricos (5,1 ± 3,5 vs. 6,8 ± 4,4%, respectivamente; p = 0,275), assim como o descenso da PAD (10,4 ± 6,9 vs. 13,5 ± 5,5%, respectivamente; p = 0,183). A FC em 24h não diferiu em função da microalbuminúria, sendo nos micro e normoalbuminúricos de 89,8 ± 12 vs. 83,8 ± 8bpm (p = 0,107), em vigília de 93,7 ± 13 vs. 88,0 ± 9bpm (p = 0,123) e no sono de 79,1 ± 12 vs. 70,9 ± 9bpm (p = 0,082), respectivamente. A duração do diabetes se correlacionou com a EUA (rS = 0,48; p = 0,003), com a PAD no sono (rS = 0,35; p = 0,035) e teve tendência a se correlacionar com o menor descenso da PAD (rS = -0,32; p = 0,052). Não obtivemos correlação entre o descenso da PAS nem da PAD com a EUA. No modelo de regressão múltipla utilizando o comprometimento do descenso diastólico como variável dependente e sexo, cor, tabagismo, microalbuminúria, duração do diabetes ³ 10 anos, HbA1 ³ 9,5 e dose diária de insulina > 56 unidades como variáveis independentes, observamos que apenas a microalbuminúria manteve-se correlacionada com a ausência do descenso diastólico (p = 0,036; R = 0,236; odds ratio de 5,75; coeficiente b = 1,7491; Wald 4,41). Por outro lado, o sexo masculino que na análise univariada havia se associado com o comprometimento do descenso sistólico, perdeu significância estatística no modelo de regressão múltipla.

DISCUSSÃO

Encontramos grande freqüência de "não-dippers" para a PAS, inclusive entre os normoalbuminúricos. Acreditamos que, além da possibilidade da presença de neuropatia autonômica subjacente, outros fatores, que não foram avaliados, podem ter influenciado neste resultado, como por exemplo a interferência da própria monitorização no período do sono. É citado que a interferência no sono por má adaptação ao monitor pressórico pode ser fator de comprometimento do descenso, tornando o exame falso-positivo para "não-dipper" (24). Isto poderia ter contribuído, de certa forma, para a elevada freqüência de "não-dippers", notadamente para a PAS.

Acreditamos que a associação do sexo masculino com o comprometimento do descenso sistólico pode ter sido prejudicada estatisticamente pela ausência completa de pacientes masculinos "dippers", o que reduziu o valor desse achado. Isto foi confirmado ao realizarmos a regressão múltipla, quando o sexo masculino, desta vez ajustado por outras variáveis, perdeu o significado estatístico.

A análise do comprometimento do descenso pressórico em função da microalbuminúria demonstrou que apenas o comprometimento do descenso diastólico foi mais prevalente nos pacientes diabéticos com nefropatia incipiente, apresentando também esses pacientes "não-dippers" maior duração da doença. É de se ressaltar que no modelo de regressão múltipla, a microalbuminúria continuou correlacionada com o fenômeno "não-dipper" diastólico, mesmo quando ajustada pela duração do diabetes. Este dado possivelmente reflete que o fenômeno "não-dipper" diastólico parece ser uma alteração mais específica da nefropatia incipiente.

Dos nove pacientes diabéticos microalbuminúricos, apenas um foi considerado como "dipper." Este achado sugere ser a ausência do descenso pressórico prevalente em pacientes diabéticos com nefropatia incipiente, porém não obrigatoriamente presente. Da mesma forma, Lurbe et al. (25), estudando 45 pacientes diabéticos tipo 1, encontrou comprometimento do descenso pressórico definido através da relação sono/vigília da PAS > 1,0 e da PAD > 0,90, em 9 de 11 pacientes microalbuminúricos.

Diferentemente de outros autores (11,26), não observamos diferença significativa do descenso pressórico em valor numérico, ao compararmos os pacientes diabéticos micro com os normoalbuminúricos. Isto poderia ser atribuído às características clínicas do grupo diabético estudado e também ao pequeno número da amostra. Entretanto, outros autores, da mesma forma, não diferenciaram o descenso pressórico em função da micro albuminúria (27,28).

Apesar de ser descrito maior FC em pacientes diabéticos microalbuminúricos devido à disautonomia concomitante (9,25), observamos apenas uma tendência para maior FC durante o sono, porém seriam necessários métodos mais sensíveis, como o Holter por exemplo, para avaliação do sistema autonômico.

Rubler, em 1982, primeiramente realizou a MAPA em pacientes diabéticos, observando níveis pressóricos mais elevados à noite, associando estas alterações à presença de neuropatia autonômica (3). É muito prevalente a associação da neuropatia autonômica com a nefropatia diabética, sendo demonstrada relação entre a atividade vagal diminuída e a presença de nefropatia incipiente e/ou clínica determinada pela EUA, indicando mecanismo patogênico comum entre a disautonomia e a nefropatia diabética (5).

A associação da neuropatia autonômica com a progressiva redução da taxa de filtração glomerular foi confirmada em estudo prospectivo (29). Acredita-se que o acometimento da inervação vascular renal pela neuropatia autonômica favoreceria o aumento do fluxo sangüíneo e da taxa de filtração glomerulares que, somados aos efeitos da maior pressão arterial mantida devido ao comprometimento do descenso pressórico no sono, teriam participação no desencadear e/ou progressão da nefropatia diabética (15).

Em estudo realizado em pacientes diabéticos através da MAPA, simultaneamente com análise espectral de potência pelo Holter, evidenciou-se associação entre o comprometimento do descenso sistólico com o predomínio de atividade simpática noturna, podendo a ausência do descenso refletir neuropatia autonômica subjacente (4). Outros autores, da mesma forma, demonstraram maior prevalência do comprometimento do descenso sistólico, mesmo em pacientes diabéticos normoalbuminúricos (13,26). Em estudo realizado em 36 adolescentes com diabetes tipo 1 normoalbuminúricos, foram encontrados 13 pacientes "não-dippers" para a PAS (36%) e 6 para a PAD (17%) (26). Em outro trabalho, com 13 pacientes diabéticos tipo 1 normoalbuminúricos, foram observados 7 pacientes "não-dippers" para a PAS (54%) e 6 para a PAD (46%) (13).

O achado do comprometimento do descenso diastólico com a maior duração do diabetes encontrado em nosso estudo foi citado por Lurbe et al. (25), o qual estratificou pacientes com diabetes tipo 1 em função da idade, demonstrando maior prevalência de ausência do descenso diastólico no grupo com maior idade e duração do diabetes.

A importância do descenso diastólico no diabetes tipo 1 foi citada em estudo longitudinal envolvendo 40 pacientes inicialmente normoalbuminúricos, sendo demonstrado no início, maior EUA e relação sono/vigília da PAD nos pacientes diabéticos que progrediram para a microalbuminúria após três anos de evolução (30).

Outro trabalho recente (31), com 115 pacientes normoalbuminúricos diabéticos tipo 1, estratificados em função dos valores medianos da EUA (4,2µg/min) e da relação sono/vigília da PAD (0,82), demonstrou que o grupo com ambos os valores acima destes níveis apresentava maior nível de hemoglobina glicada, maior pressão arterial média em 24 horas e comprometimento vagal, detectado pela análise espectral de potência da variabilidade RR. Os autores sugeriram que estes pacientes representariam um subgrupo de alto risco para evolução da nefropatia diabética incipiente (31).

A presença de maior carga pressórica no sono nos pacientes diabéticos "não-dippers", pode refletir uma possível relação existente entre o comprometimento do descenso pressórico com o maior risco cardiovascular, assim como ocorre nos hipertensos "não-dippers" (32). Não podemos afastar a participação do comprometimento do descenso pressórico e principalmente do descenso diastólico, em ser fator agressor glomerular e cardiovascular, favorecendo assim o desenvolvimento e a progressão da nefropatia diabética (15).

Este estudo apresenta algumas limitações como a pequena casuística, notadamente quanto aos pacientes diabéticos microalbuminúricos, além do fato de ser um estudo de corte, não oferecendo condições de análise prospectiva.

Concluímos que, por ser a nefropatia diabética uma importante causa de insuficiência renal crônica, os métodos que permitem o diagnóstico precoce do envolvimento renal pelo diabetes mellitus são de relevante importância para esta população. A detecção da microalbuminúria representou um grande avanço neste aspecto e a MAPA, ao evidenciar os "não-dippers", poderia estratificar um subgrupo com maior risco de desenvolver nefropatia. A ausência do descenso diastólico está associada com a presença de microalbuminúria, sendo que o valor deste achado em pacientes com diabetes tipo 1 só poderá ser definido em estudos prospectivos.

AGRADECIMENTOS

Gostaríamos de agradecer ao Dr. Roberto Pozzan e à funcionária Eliete Leão pela ajuda na realização do trabalho.

Endereço para correspondência:

Cesar Nissan Cohen

Rua Dona Romana 621

20.710-200 Rio de Janeiro, RJ

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Jul 2001
  • Data do Fascículo
    Jun 2001

Histórico

  • Aceito
    17 Jun 2000
  • Recebido
    25 Fev 2000
  • Revisado
    25 Maio 2000
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