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Importância da dosagem da 17OH-progesterona na síndrome dos ovários policísticos

Resumos

A dosagem da 17-hidroxiprogesterona (17OHP) é usada para screening de hiperplasia congênita de adrenal (HCSR) por defeito da 21-hidroxilase e, nesta situação, se encontra muito aumentada. Pode estar alterada em mulheres com síndrome de ovários policísticos (SOP), porém a freqüência e a magnitude desta alteração foram pouco descritas. Analisamos retrospectivamente queixas, índice de massa corpórea (IMC), dosagens na fase folicular precoce de LH, FSH, testosterona livre, 17OHP, sulfato de deidroepiandrosterona (SDHEA) e volume ovariano ao ultra-som de 83 mulheres no menacme com SOP, antes de iniciar tratamento. HCSR foi excluída pela prova de ACTH nas que apresentaram valores basais de 17OHP maiores que 200ng/dL. A 17OHP esteve acima do valor de referência em 67,5% dos casos comparada a 38,6% para o LH; 10,8% para testosterona livre e 4,9% para SDHEA. A relação LH/FSH esteve maior que 1 em 50,6% das mulheres. O volume de pelo menos um dos ovários esteve aumentado em 53,5% das pacientes. O aumento médio da 17OHP foi de 30% acima do limite superior da normalidade (mediana 18%). Correlacionou-se inversamente com os valores de FSH e houve uma tendência de relação direta com os níveis de SDHEA. Das dosagens analisadas, a 17OHP foi a mais freqüentemente aumentada, sugerindo que além de funcionar como screening para HCSR, aumentos discretos desse hormônio possam apoiar o diagnóstico de SOP dentro de um quadro clínico compatível

17-Hidroxiprogesterona; Ovários policísticos; Síndrome de ovários policísticos; Hiperplasia congênita adrenal


17-Hydroxyprogesterone (17OHP) is measured to screen for congenital adrenal hyperplasia (CAH) caused by 21-hydroxylase deficiency, in which 17OHP levels are extremely elevated. It can also be abnormal in PCO but the frequency and magnitude of this alteration is poorly described. We analyzed retrospectively: complaints, body mass index (BMI), follicular phase levels of LH, FSH, testosterone (T), 17OHP, dehydroepiandrosterone sulfate (DHEAS) and ovarian volume by ultrasound from 83 PCO patients not previously treated. CAH has been excluded by ACTH testing if basal 17OHP levels were > 200ng/dL. Hormone levels were above reference values in 67.5% for 17OHP; 38.6% for LH; 10.8% for T and 4.9% for DHEAS. LH/FSH ratio was above 1 in 50.6% of the women. At least one of the ovaries was increased in 53.5% of the patients. The mean increase in 17OHP was 30% above the normal limit (median 18%). There was a negative correlation with FSH and a positive correlation trend with DHEAS. 17OHP was the most frequently elevated hormone, suggesting that in addition to screening for CAH, mild increases of this hormone can be used to support PCO diagnosis in an appropriate clinical setting

17-Hydroxyprogesterone; Polycystic ovaries; PCO; Congenital adrenal hyperplasia


artigo original

Importância da Dosagem da 17OH-Progesterona na Síndrome dos Ovários Policísticos

Solange Alves Pinheiro

Ruth Clapauch

Divisão de Endocrinologia Feminina,

Setor de Endocrinologia,

Serviço de Clínica Médica,

Hospital da Lagoa, Ministério da

Saúde, Rio de Janeiro, RJ

Recebido em 13/03/01

Aceito em 20/03/01

RESUMO

A dosagem da 17-hidroxiprogesterona (17OHP) é usada para screening de hiperplasia congênita de adrenal (HCSR) por defeito da 21-hidroxilase e, nesta situação, se encontra muito aumentada. Pode estar alterada em mulheres com síndrome de ovários policísticos (SOP), porém a freqüência e a magnitude desta alteração foram pouco descritas. Analisamos retrospectivamente queixas, índice de massa corpórea (IMC), dosagens na fase folicular precoce de LH, FSH, testosterona livre, 17OHP, sulfato de deidroepiandrosterona (SDHEA) e volume ovariano ao ultra-som de 83 mulheres no menacme com SOP, antes de iniciar tratamento. HCSR foi excluída pela prova de ACTH nas que apresentaram valores basais de 17OHP maiores que 200ng/dL. A 17OHP esteve acima do valor de referência em 67,5% dos casos comparada a 38,6% para o LH; 10,8% para testosterona livre e 4,9% para SDHEA. A relação LH/FSH esteve maior que 1 em 50,6% das mulheres. O volume de pelo menos um dos ovários esteve aumentado em 53,5% das pacientes. O aumento médio da 17OHP foi de 30% acima do limite superior da normalidade (mediana 18%). Correlacionou-se inversamente com os valores de FSH e houve uma tendência de relação direta com os níveis de SDHEA. Das dosagens analisadas, a 17OHP foi a mais freqüentemente aumentada, sugerindo que além de funcionar como screening para HCSR, aumentos discretos desse hormônio possam apoiar o diagnóstico de SOP dentro de um quadro clínico compatível.

Unitermos: 17-Hidroxiprogesterona; Ovários policísticos; Síndrome de ovários policísticos; Hiperplasia congênita adrenal.

ABSTRACT

17-Hydroxyprogesterone (17OHP) is measured to screen for congenital adrenal hyperplasia (CAH) caused by 21-hydroxylase deficiency, in which 17OHP levels are extremely elevated. It can also be abnormal in PCO but the frequency and magnitude of this alteration is poorly described. We analyzed retrospectively: complaints, body mass index (BMI), follicular phase levels of LH, FSH, testosterone (T), 17OHP, dehydroepiandrosterone sulfate (DHEAS) and ovarian volume by ultrasound from 83 PCO patients not previously treated. CAH has been excluded by ACTH testing if basal 17OHP levels were > 200ng/dL. Hormone levels were above reference values in 67.5% for 17OHP; 38.6% for LH; 10.8% for T and 4.9% for DHEAS. LH/FSH ratio was above 1 in 50.6% of the women. At least one of the ovaries was increased in 53.5% of the patients. The mean increase in 17OHP was 30% above the normal limit (median 18%). There was a negative correlation with FSH and a positive correlation trend with DHEAS. 17OHP was the most frequently elevated hormone, suggesting that in addition to screening for CAH, mild increases of this hormone can be used to support PCO diagnosis in an appropriate clinical setting.

Keywords: 17-Hydroxyprogesterone; Polycystic ovaries; PCO; Congenital adrenal hyperplasia.

EM 1935, STEIN E LEVENTHAL relataram a associação de ovários aumentados e policísticos com amenorréia, hirsutismo e obesidade. A morfologia descoberta nessas pacientes com túnica albugínea espessa, hiperplasia de estroma e células da teca, pequenos folículos sub-capsulares, associada à clinica, sugeriu presença de anovulação e hiperandrogenismo de origem ovariana. Em 1937, Broster notou hiperplasia adrenal e ovariana durante cirurgia sugerindo ligação entre adrenal e desenvolvimento de síndrome de ovários policísticos (SOP). Ao longo desses anos muitos autores tentam esclarecer a fisiopatologia da SOP e o papel de ovário, adrenal (1,2) e, mais recentemente, da resistência insulínica como iniciadores do quadro.

Mulheres com hiperplasia congênita adrenal (HCSR) de forma não clássica também apresentam como manifestações hirsutismo, acne, irregularidade menstrual, em quadro clínico indistigüível da SOP (3,4). A forma mais comum é por deficiência da enzima 21-hidroxilase. Caracteriza-se por alteração da esteroidogênese adrenal, levando a níveis muito elevados da 17OHP que se comporta como marcador desta patologia. O aumento da 17OHP ocorreria por um bloqueio na transformação deste hormônio em 11-desoxicortisol, mediada pela 21-hidroxilase.

Recomenda-se, portanto, em mulheres com quadro clínico de SOP, realizar screening para HCSR através da dosagem da 17OHP. Mulheres com SOP, entretanto, podem apresentar níveis basais de 17OHP acima dos valores de referência e mostrar resposta aumentada da 17OHP, androstenediona e testosterona ao teste de estímulo com análogo do GnRH em relação a mulheres normais na fase folicular (5,6). Apesar de funcionar como teste de screening obrigatório, a dosagem da 17OHP na SOP pode levar a alguma dúvida e confusão em mulheres com SOP. Dependendo dos valores encontrados, os menos avisados correm a rotular as pacientes como portadoras de hiperplasia adrenal, quando esta patologia tem critérios diagnósticos estritos, baseados na prova de ACTH ou em estudos gênicos.

Nossos objetivos são: 1) descrever e quantificar o comportamento da 17OHP na SOP, correlacionando esta dosagem com queixas clínicas, outras dosagens hormonais e dados ultra-sonográficos e 2) após determinar o perfil da 17OHP, analisar sua importância como ferramenta diagnóstica na SOP, além da mera exclusão de HCSR.

PACIENTES E MÉTODOS

Realizamos uma análise retrospectiva de fichas de 83 mulheres em idade reprodutiva com quadro clínico de SOP, antes de iniciar tratamento, que tivessem dosado 17OHP para afastar HCSR por defeito de 21-hidroxilase de forma não clássica. O diagnóstico final de SOP foi baseado simultaneamente em dois itens:

1) Pelo menos uma evidência clínica entre as seguintes: hirsutismo, definido como pelo menos 9 pontos na escala de Ferriman & Gallwey (7) ou acne ou oligoamenorréia (ciclos com intervalo maior que 36 dias) ou presença de sangramento vaginal após administração de progesterona quando em oligoamenorréia;

2) Pelo menos uma evidência laboratorial ou radiológica entre as seguintes: relação LH/FSH maior que 2:1 na fase folicular precoce ou níveis acima das normais de androgênios ou ultra-sonografia pélvica ou transvaginal mostrando ovários aumentados com vários cistos periféricos menores que 8mm e aumento do estroma (sinal do anel ou do colar) (8).

Qualquer fator que pudesse influenciar as dosagens hormonais foi considerado critério de exclusão, como ooforectomia parcial prévia, doenças da tireóide, uso de drogas como barbitúricos, corticóides ou hiperprolactinemia (prolactina > 25ng/dL).

Anotamos dados da avaliação inicial como peso e altura das pacientes para cálculo do índice de massa corpórea (IMC) e suas queixas como obesidade, infertilidade, irregularidade menstrual, acne, hirsutismo. Considerou-se normal o IMC compreendido entre 20 e 25kg/m2, sobrepeso entre 25 e 30kg/m2 e obesidade quando maior que 30kg/m2. Somente foram analisadas as dosagens hormonais quando realizadas na fase folicular precoce (3o ao 5o dia do ciclo), compreendendo 17OHP, sulfato de deidroepiandrosterona (SDHEA), testosterona livre (Testo-L), hormônio luteinizante (LH) e hormônio folículo estimulante (FSH) para cálculo da relação LH/FSH. De posse das dosagens hormonais, calculamos a porcentagem de variações dos valores encontrados em relação ao valor máximo de referência para normalidade, fornecido pelo laboratório.

Os métodos e valores de referência de cada hormônio para a fase folicular foram os seguintes:

LH (quimioluminescência /ACS-180/Chiron, LD= 0,07U/l): 1,7-7,2mUI/mL;

FSH (quimioluminescência /ACS-180/Chiron, LD= 0,30U/l): 3,9-10mUI/mL;

SDHEA (quimioluminescência /Immunolite): 40-430mcg/dL;

Testo-L (RIA iodo 125): 0,7-3,6pg/mL;

17OHP (RIA iodo 125): 10-120ng/dL.

As pacientes que apresentaram valores de 17OHP maiores que 200ng/dL na fase folicular precoce só foram incluídas na amostra se após prova com 250mcg de ACTH IV não tivessem apresentado nenhum valor acima de 1.200ng/dL ou delta de aumento entre 0 e 30 minutos maior que 7ng/dL/min (9).

Pesquisaram-se dados de ultra-som, pélvico ou transvaginal, como o volume ovariano, calculado multiplicando-se as três medidas obtidas (transverso, longitudinal e antero-posterior) pelo fator 0,45, bem como o número de folículos periféricos < 8mm. Considerou-se normal ovário com volume até 9cm3 com menos de 5 folículos periféricos menores que 8mm (10).

Os dados coletados foram organizados em tabela e submetidos à análise estatística pelos seguintes testes: (1) teste t de Student ou o teste de Mann-Whitney, para comparação de médias entre dois grupos independentes; (2) teste de Qui-quadrado ou teste exato de Fisher; para comparação de proporções; e (3) coeficiente de correlação de Pearson (r), para medir o grau de associação entre duas variáveis numéricas.

Estabeleceu-se o nível de significância estatística em 5% (p ³ 0,05).

RESULTADOS

O gráfico 1 ilustra a freqüência das queixas clínicas. A queixa mais prevalente foi a de irregularidade menstrual, em 69,6% das pacientes, seguida de hirsutismo em 54,2%.


A tabela 1 mostra o perfil da amostra, fornecendo média, desvio padrão (DP), mediana, mínimo e máximo para idade, peso, dosagens hormonais e volume ovariano ao ultra-som. Pelo pequeno número de anotações obtidas referentes ao número de folículos periféricos visualizados nos ovários esse dado foi excluído. As dosagens com percentual (%) expressam a variação em relação ao valor máximo para normalidade; no caso da relação LH/FSH expressam o percentual de valores acima de 1, pois apenas 20% das mulheres apresentaram relação LH:FSH maior que 2.

Pouco mais de um terço das pacientes mostrava IMC acima do normal, sendo que 21,6% apresentava IMC entre 25 e 30 (sobrepeso) e 16,8% maior que 30 (obesas).

Os valores médios de 17OHP estiveram 30% acima do valor máximo para normalidade, com mediana em 18%.

O gráfico 2 fornece o percentual de valores de cada dosagem hormonal acima do valor máximo para normalidade (proporção de alterados). Das dosagens hormonais solicitadas para esclarecimento diagnóstico de SOP, a que se mostrou alterada em maior número de casos foi a 17OHP (acima do valor de referência para a fase folicular em 67,5% das pacientes).


Quinze pacientes (18% do total) apresentaram valores basais de 17OHP acima de 200ng/dL, sendo observados valores de até 450ng/dL. HCSR foi posteriormente excluída pela prova de ACTH, em que nenhuma paciente da amostra apresentou qualquer valor acima de 900ng/dL.

Não houve correlação entre 17OHP e queixas clínicas ou volume ovariano. Pelo coeficiente de correlação de Pearson (tabela 2) observamos:

(1) associação significativa direta entre a Idade e IMC (r= 0,32; p= 0,002) e entre a Idade e FSH (r= 0,28; p= 0,01). Isto significa que quanto maior a idade, maior o IMC e o FSH médios esperados nas pacientes com SOP;

(2) associação significativa negativa entre o IMC e LH/FSH (r= -0,22; p= 0,04). Isto significa que quanto maior o IMC menor o nível médio esperado da razão LH/FSH nas pacientes com PCO;

(3) associação significativa negativa (r= -0,22; p= 0,03) entre o 170HP e FSH. Isto significa que, quanto maior o nível de 170HP menor o nível médio esperado de FSH.

As demais correlações não mostraram relação significativa ao nível de 5% mas houve tendência de relação direta entre SDHEA e 17OHP. Quanto maiores os índices de 17OHP maiores os níveis de SDHEA (r= 0,19; p= 0,08).

DISCUSSÃO

A prevalência de irregularidade menstrual e obesidade em nossas pacientes está de acordo com a literatura (11). Já a expressão clínica de hiperandrogenismo, seja por hirsutismo, alopécia ou acne, pode variar com a raça e predisposição genética do grupo estudado.

Apesar da população com SOP ser heterogênea, tanto os dados da literatura como os obtidos em nosso estudo, mostram que podemos utilizar como parâmetro de definição da SOP as queixas clínicas de irregularidade menstrual e hirsutismo pela freqüência com que são encontradas, apoiadas nas dosagens hormonais de LH, FSH, testosterona livre e SDHEA realizados na fase folicular precoce (3o ao 5o dias do ciclo), além do ultra-som pélvico ou transvaginal (8). Mais recentemente alguns autores defendem a necessidade de comprovação de resistência insulínica.

A incidência de resistência insulínica e hiperinsulinismo na SOP vem sendo considerada como uma característica genética (12). Muitas adolescentes são filhas de pais com intolerância à glicose ou mães afetadas por diabetes gestacional. A hiperinsulinemia dos progenitores deixaria estas adolescentes com sensibilidade alterada à ação da insulina e mais expostas a seus efeitos nos ovários, estimulando a produção de androgênios, e com maior probabilidade de desenvolver ovários policísticos. Além disso a literatura mostra que o uso de metformina e de outros agentes sensibilizantes de insulina é um forte aliado para diminuir o excesso de androgênios ovarianos e a secreção de insulina em pacientes com SOP (12,13). Estudos mostram redução da secreção de insulina após a administração de metformina, com significativo aumento de SHBG (globulina carreadora de hormônios sexual) (14) e diminuição da testosterona, androstenediona e 17OHP basal e após estímulo com GnRH (15,16) foi também relatado. Este resultado ocorre tanto em mulheres magras quanto obesas (17), confirmando que a metformina tem efeito molecular específico na sensibilidade insulínica (12).

Como nosso estudo fez análise retrospectiva de fichas de alguns anos atrás, a dosagem de insulina e glicose não era comum e infelizmente o número de pacientes com estes dados foi pequeno para ser avaliado.

Uma forte indicação de SOP é a relação LH:FSH maior que 2. Em nossa casuística LH esteve acima da normalidade em 38,6% das pacientes; a relação LH:FSH esteve maior que 1 em 50,6% dos casos e maior que 2 em apenas 20% dos casos. Dados da literatura revelam que uma única dosagem de gonadotrofinas pode não ser esclarecedora (11,18,19). LH na SOP segue um padrão pulsátil de maior amplitude (20), questionando-se também maior freqüência (20,21). Foi proposto que melhores resultados seriam obtidos com 4 dosagens de LH com 10 minutos de intervalo para cálculo da área sob a curva (21) ou, quando em oligomenorréia, o melhor período para coleta seria entre 15 dias após a última menstruação e 21 dias antes da próxima (22). O fato de termos considerado uma única dosagem, na fase folicular, e que 4,8% das pacientes apresentaram valores de FSH acima da normalidade, apontando para insuficiência ovariana inicial, também podem ter influenciado no percentual de valores alterados da relação LH:FSH.

A 17OHP

Aumento da secreção de andrógenos adrenais e ovarianos é comum em mulheres com SOP (23,24). A 17OHP faz parte tanto da esteroidogênese adrenal quanto ovariana. Neste estudo observamos que foi a dosagem na fase folicular mais freqüentemente acima do valor normal, superando também o percentual de aumento de volume ovariano. O aumento médio foi de 30% acima do normal, com mediana de 18%. A literatura mostra que a 17OHP nas pacientes com SOP está em média 20% acima do normal (5,25).

Infelizmente é comum recebermos pacientes em que se foi aventado o diagnóstico de HCSR forma tardia apenas por valores basais elevados de 17OHP, mostrando a confusão que pode existir entre os endocrinologistas quanto ao diagnóstico diferencial dessas duas patologias. A discriminação deve ser efetuada através do teste de estímulo com ACTH, a ser indicado sempre que a 17OHP basal estiver 50% ou mais acima do valor normal. Na prática sempre que a 17OHP na fase folicular precoce está acima de 200ng/dL indicamos esta prova. Faz-se o diagnóstico de HCSR de forma tardia quando o valor da 17OHP 60 minutos após 250mcg de ACTH IV se situa acima de 1.200ng/dL, segundo Marcondes (9). Outros autores (26,27) utilizam o delta de aumento de 17OHP entre 0 e 30 minutos após Cortrosina", dividido pelo tempo em minutos: em mulheres normais e nas com SOP estaria até 7ng/dL/min; nas heterozigóticas entre 7 e 18 e nas homozigóticas o menor valor obtido foi de 62,4ng/dL/min. Há indicações de que este parâmetro seja mais sensível e menos específico (27).

Nenhuma de nossas pacientes submetidas à prova de ACTH chegou a valores de sequer 900ng/dL ou apresentou delta maior que 7 em qualquer momento do teste, concordando com a literatura que descreve resposta excessiva ao teste de estímulo com ACTH em pacientes com SOP, mas em proporções menores que nas mulheres com HCSR (11,28).

Há os que questionam a prova de ACTH só dando valor à investigação gênica para descartar nestes indivíduos heterozigose (carreadores) para a deficiência de 21-hidroxilase. A tipagem de HLA e a análise molecular do gene CYP21B que codifica para a 21-hidroxilase, buscando mutações pontuais ou deleções, geralmente não é disponível em nosso meio. Em um grupo de crianças com puberdade precoce (que pode mais tarde evoluir para SOP), que mostraram resposta exagerada ao ACTH mas não preenchendo critérios para HCSR observou-se alta freqüência de alelos A28 e B14, peculiares da HCSR não clássica por deficiência de 21-hidroxilase. Os heterozigotos mostraram na prova de ACTH níveis altos mas menores do que os afetados pela hiperplasia adrenal (29).

No entanto, mulheres com HCSR de forma tardia apresentam respostas diferentes à prova de ACTH e diferentes mutações no gene da 21-hidroxilase em relação a pacientes com a forma clássica e seus heterozigotos obrigatórios, sendo mais freqüentes as V281L (46%) e P30L (10%) (30). Os níveis basais de 17OHP não podem excluir HCSR de forma tardia mas a prova de ACTH a distingüe claramente de outras situações.

Para alguns autores repetir o teste de ACTH após 6 meses de tratamento com acetato de ciproterona e etinil-estradiol melhora a especificidade, diminui os falsos negativos para 19% e aumenta a sensibilidade de 55% para 84% quando se deseja distingüir entre pacientes com HCSR de início tardio por deficiência da 21-hidroxilase das pacientes com SOP (27).

Porque a 17OHP encontrou-se tão consistentemente aumentada na SOP? A prova da nafarrelina com dosagem de 17OHP foi considerada por Barnes (5) como o teste mais promissor para diagnóstico de hiperandrogenismo de origem ovariana. O autor considerou como anormalidade mais comum da SOP a hiper-resposta da 17OHP 16 a 24 horas após a nafarrelina, que ocorreu mesmo após tratamento destas pacientes com 2mg por dia de dexametasona por 4 dias (5,25). O mesmo tipo de resposta é descrito com outros análogos de GnRH como a buserrelina (31).

A causa provável desta hiper-resposta parece ser a regulação anormal do citocromo P450c17, um complexo enzimático presente na adrenal e no córtex ovariana, nas células da teca e em algum grau em células do estroma luteinizadas (32). Na espécie humana age duplamente: 1) catalisando a 17-alfa hidroxilação dos esteróides C21 pregnenolona e progesterona transformando-os em 17-hidroxipregnenolona e 17OHP respectivamente; e 2) catalisando a atividade da 17,20 liase, que promove a clivagem da ponte entre os carbonos 17 e 20 e produz esteróides C19, como na conversão da 17-hidroxipregnenolona em DHEA e na da 17OHP em androstenediona (figura 1). Um único gene, o CYP17, codifica para o P450c17 e muitas mutações foram nele descritas afetando simultaneamente ou não as atividades da 17-hidroxilase e da 17,20 liase, mostrando que a regulação dessas enzimas pode ocorrer de forma independente (33).


Em mulheres com SOP foi descrita resposta secretória exagerada do córtex adrenal após estímulo com ACTH, provavelmente por maior atividade da P450c17, especialmente da via delta 4, com aumento de deidroepiandrosterona e androstenediona (34). Após infusão de insulina houve amplificação da resposta intermediária de 17-alfa corticosteróides, levando à hipótese de possível menor atividade relativa da 17,20 liase e maior da 17-hidroxilase (35).

O nível aumentado de andrógenos está relacionado ao aumento da ação da enzima citocromo P450c17 também sobre a teca ovariana aumentando o volume da mesma, observando-se correlação positiva entre volume de estroma ovariano e níveis séricos de 17OHP (36).

Recentemente observou-se em células da teca isoladas de mulheres com SOP que a expressão do gene da 17-alfa hidroxilase (CYP17) se encontra persistentemente aumentada ocorrendo uma regulação diferenciada da esteroidogênese através de proteínas promotoras (37).

Desta forma, assim como aumentos discretos de SDHEA, testosterona ou androstenediona refletem a hiperfunção da teca e/ou adrenal na produção de androgênios, também a elevação da 17OHP traduz a atividade excessiva da P450c17 característica da SOP. Houve tendência à relação direta entre SDHEA e 17OHP: quanto maior os níveis de 17OHP maior os níveis de SDHEA. Talvez além de uma regulação seletiva das enzimas do citocromo P450c17, favorecendo o acúmulo de 17OHP, possa haver características inerentes deste hormônio que o tornem mais comumente elevado que as dosagens de outros componentes da esteroidogênese, como um padrão de secreção mais estável.

Observamos neste estudo que os valores de 17OHP correlacionam-se inversamente com os valores de FSH, talvez apontando que este seja um marcador sensível também para o declínio da esteroidogênese que acompanha o início da falência ovariana nas mulheres com SOP.

Podemos concluir, então, que o aumento discreto da 17OHP foi comum em pacientes com SOP. Dentre as dosagens hormonais avaliadas na fase folicular foi a que se apresentou com maior freqüência acima do valor normal. Sua utilidade na SOP, portanto, pode ultrapassar o mero screening para HCSR: quando discretamente aumentada apoiaria o diagnóstico de SOP dentro de um quadro clínico compatível.

Endereço para correspondência:

Ruth Clapauch

Estrada da Barra da Tijuca 1006 - bloco 4/1104

22.641-000 Rio de Janeiro, RJ

Fax: (021) 493-0963

e.mail: rclapauch@openlink.com.br

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Out 2001
  • Data do Fascículo
    Ago 2001

Histórico

  • Aceito
    20 Mar 2001
  • Recebido
    13 Mar 2001
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