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Um panorama da diabetologia brasileira: Pelotas, Rio de Janeiro, Curitiba, Salvador, Fortaleza, Sorocaba, Ribeirão Preto e São Paulo

editorial

Um Panorama da Diabetologia Brasileira: Pelotas, Rio de Janeiro, Curitiba, Salvador, Fortaleza, Sorocaba, Ribeirão Preto e São Paulo

Adriana Costa e Forti

Presidente da

Sociedade Brasileira de Diabetes

Como o Kater ARQUIVA a ENDOCRINOLOGIA e METABOLOGIA dos BRASILEIROS de maneira original!

Na realidade, essa edição, com artigos em Diabetes, não foi organizada sob encomenda mas, surgiu da freqüência com que nos últimos tempos esse assunto vem aparecendo nos artigos submetidos à revista e da criatividade do editor em agrupá-los, no mês do Congresso Nacional de Diabetes.

Resumindo jocosamente, nesse número se descreve um caso de uma gestante diabética que acompanhada por Montenegro (1) dá à luz um gaúcho diabético (2) que, bem controlado pelo SDM (3) com a bomba de infusão com Lispro (4), conseguiu evitar os picos e vales indesejáveis (5) e a obesidade esperada com o hábito diário dos acarajés (6). Encaminhado precocemente para uma capilaroscopia com a Dra. Terezinha (7), conseguiu diminuir a casuística do pé de Sorocaba (8), do rim e do olho da Escola Paulista (9) e da mortalidade do Fundão (10).

Vejam como essa historinha reflete a abrangência (também geográfica) da produção científica nacional na discussão de problemas e soluções para os diversos aspectos do diabetes mellitus (DM). São trabalhos nas áreas de epidemiologia, fatores de risco, morbidade, mortalidade, prevenção primária e secundária, controle adequado de pacientes, e novos avanços terapêuticos.

Esse brasileirinho já nasceu com a carteirinha da SBD quando o sistema SUS (Sistema Unificado de Saúde) o reconheceu como prioridade em saúde (Portaria do Ministério da Saúde, 24/01/01).

Interessante a observação de que em mulheres negras, da cidade de Salvador, a prevalência de diabetes e de intolerância à glicose é maior do que em mulheres brancas (mesmo sendo mulheres obesas, não houve relação com os diferentes valores de IMC entre brancas e negras) (6). Embora se saiba que não há na população brasileira uma identificação rígida de cor, dada a alta taxa de miscigenação, o estudo da prevalência de Diabetes de 1987 não demonstrou diferença entre a população negra e branca, embora tenha demonstrado entre os negros, uma menor freqüência de diagnóstico prévio de DM e de história familiar e, maior freqüência de obesidade (11). Além da importância de se conhecer os fatores determinantes da maior prevalência de DM na população negra, e do maior coeficiente de morbimortalidade por diabetes nesse grupo étnico, há que se conscientizar a comunidade negra sobre esse importante problema de saúde (Laércio Franco, no "Manual de Doenças Afrodescendentes", publicado pelo Ministério da Saúde; www.saude.gov.br/sps/menu.htm).

A necessidade de um modelo compreensivo de atendimento que possa contemplar todas as etapas necessárias para um adequado controle aliado à aderência e à redução de custos tem sido procurado insistentemente. O Staged Diabetes Management (SDM) ¾ um modelo sistematizado para prevenção e tratamento de DM, foi desenvolvido há mais de uma década pelo Internacional Diabetes Center, Minneapolis, Minnesota, USA, com o objetivo de estabelecer um atendimento sistematizado de modo que novas terapias e resultados de pesquisas pudessem ser incorporados na prática clínica (12). Foi iniciado no Brasil, em 1995, com a formação de um comitê de endocrinologistas que adaptaram o modelo principalmente pela introdução da glicosúria como forma de monitoramento. O estudo piloto foi realizado no Centro Integrado de Diabetes e Hipertensão da Secretaria de Saúde do Ceará com 84 pacientes e os primeiros resultados apresentados no Congresso de Diabetes de 1997. O segundo estudo foi realizado no Centro de Diabetes e Endocrinologia do Estado da Bahia, onde 121 pacientes com diabetes do tipo 2 foram comparados com 101 pacientes que não receberam os cuidados do SDM. O trabalho de Silmara Leite e cols. (3) é, portanto, a experiência do SDM em uma clínica privada, que vem trazer à discussão a possibilidade de modelos como esses na melhoria do atendimento, principalmente no aspecto da aderência de pacientes e dos profissionais. Um simpósio sobre o SDM foi realizado durante o Congresso Brasileiro de Diabetes, no Rio de Janeiro.

E como anda o manejo da maioria da população diabética no Brasil? Um exemplo de como está esse atendimento é dado, nessa edição, pela avaliação de Silveira e cols. (2) de uma população de pacientes com diabetes do tipo 1, residentes em onze municípios do Sul do Brasil. Sabemos que nos Estados Unidos o controle metabólico dos pacientes não é adequado (13). Imaginamos como poderia ser melhor no Brasil, quando não são accessíveis, na maioria dos serviços públicos, os insumos para monitorização, as consultas regulares e a realização de exames para controle e rastreamento de complicações. O plano de reorganização das ações em DM do Ministério da Saúde, com a participação da SBD, está garantindo, nesse primeiro momento e de prioridade para o tipo 2, a glibenclamida e a metformina, a reciclagem dos profissionais e a educação dos pacientes através de campanhas e material educativo incentivando principalmente o habito saudável de vida. O projeto da implantação e implementação dos centros de referencias está em discussão. Temos ainda muito trabalho pela frente!

Diminuir a morbimortalidade por DM é o objetivo maior de todo o trabalho em prol do diabetes. Conhecer essa mortalidade, analisar os dados de mortalidade por DM é algo recente em nossa população já que nas Secretarias de Saúde o assunto diabetes não era prioridade. Inclusive, não está na cultura dos médicos lembrar de DM como causa de mortalidade na hora de assinar um atestado de óbito. Diabetes mellitus é sub-registrado. Os dados da Secretaria de Saúde do Rio de Janeiro (10) são um documento da importância do DM como problema de saúde publica.

Marcadores comuns à nefropatia e à retinopatia diabética têm sido descritos, como a dosagem de renina sérica (14) e a atividade da proteína quinase C em células mononucleares de pacientes com diabetes (15). O trabalho de Reggi Jr e cols. (9) responde a questão de se existe concordância clínica no acometimento renal e retiniano da microangiopatia diabética com relação não apenas à presença conjunta das duas complicações, como também ao grau de lesão renal e retiniana. O artigo também avalia as associações da microangiopatia com o controle glicêmico, tempo de diabetes, fumo, dislipidemia, IMC e níveis de pressão arterial.

Realmente, a preocupação com a microcirculação no DM também aparece nesse número através do artigo sobre capilaroscopia da prega ungueal (7) como método de diagnóstico das complicações vasculares do diabetes.

Estudos demonstram que a maioria dos pacientes não é examinada de rotina para identificação de pé em risco (16). Várias estratégias têm sido utilizadas para reduzir a freqüência de úlceras de pé na população. O artigo de Milman e cols. (8) faz um alerta para a importância da prevenção do pé diabético quando analisa a evolução de pacientes com diabetes, hospitalizados, portadores de lesões podais, com relação à evolução para amputação, tempo de internação, custos financeiros e sociais. Sabe-se que um programa de cuidados com os pés pode reduzir em 50% a necessidade de amputações (17).

O consenso sobre pé diabético também foi apresentado durante o Congresso da SBD no Rio.

O tratamento intensivo é realmente a grande arma para diminuir as temíveis complicações do DM (DCCT, UKPDS). Desde a introdução da infusão de insulina subcutânea contínua, no final da década de 70 (18), tem sido publicado todos os benefícios e também os critérios de seleção baseados sempre na relação custo-benefício desse procedimento. O trabalho de Hissa e cols. (4) é uma das primeiras experiências nacionais com o uso da bomba de insulina em pacientes com diabetes do tipo1, com idade variável de 11 a 48 anos. Será muito interessante quando pudermos comparar, através de vários parâmetros, o esquema de bomba com o da insulina de ação lenta, sem pico, associado a doses múltiplas de insulina de ação ultra-rápida.

As complicações materno-fetais decorrentes da intolerância à glicose (gestantes diabéticas ou com diabetes gestacional) ainda são uma grande preocupação, dada a alta freqüência, inclusive de natimortalidade. O conhecimento de dados nacionais - e nessa edição temos uma boa casuística do grupo de Ribeirão Preto (1) -, demonstra a necessidade para a busca de estratégias que possam resultar em normalização dos níveis sanguíneos de glicose e de glico-hemoglobina. O Grupo de Trabalho em Diabetes e Gravidez (coordenado por Maria Inês Schmidt e Ângela Jacob Reichelt) reunido em 2001 atualizou as normas para o manejo do diabetes gestacional e pré-gestacional de 1997, definindo sobre o rastreamento do diabetes gestacional, pontos de corte, tipo de teste, critérios para o diagnóstico, como também estratégias de manejo metabólico e obstétrico do diabetes gestacional e do diabetes pré-gestacional (a ser publicado).

E essa SBD continua rica de cientistas, clínicos, epidemiologistas, batalhadores, inovadores e de amigos! E formada principalmente de endocrinologistas. E essa SBD quer cada vez mais trabalhar com os seus parceiros (SBEM, ABESO, SOBEMOM), compartilhando conhecimentos, discutindo e realizando todos os seus objetivos do Oiapoque ao Chui.

A criação da FEBRASEM veio para unir os mesmos endocrinologistas que, em momentos distintos, batalham por prioridades, através de cada uma das entidades nacionais. Quantos de nós já fomos presidentes tanto da SBEM, como da SBD, da ABESO, ou da SOBEMOM. O importante é que saibamos nos manter em torno de objetivos maiores, que são comuns, sem atitudes ou fatos que possam prejudicar o desenvolvimento dos projetos individuais de cada entidade. E procurando conhecer os planos e estratégias para apoiá-los concretamente.

Sabemos que com o número de endocrinologistas que temos é impossível o atendimento da população diabética sem a participação do clínico geral. E, dada as características de doença crônica, heterogênea, de difícil controle, de aspectos marcantes bio-psico-econômico-sociais, requer uma equipe de profissionais para que juntos possam atender a todas as necessidades terapêuticas do indivíduo com diabetes. E nós, endocrinologistas, entendendo o problema, temos que arregaçar as mangas para discutirmos com ênfase o assunto, quer em Brasília, quer nos debates a nível endotelial, quer na sensibilização e motivação de profissionais, quer no relacionamento cotidiano com colegas da enfermagem, nutrição, assistência social, psicólogos, educadores físicos, odontólogos, farmacêuticos, e tantos outros.

Sem dúvida, um grande ponto comum a todos os sócios da FEBRASEM são os ABE&M, veículo de publicação dos trabalhos e do pensamento técnico-científico dessa comunidade.

Parabéns ao editor-chefe e aos autores que propiciaram a elaboração desse número especial que é um panorama da diabetologia brasileira...

REFERÊNCIAS

1. Montenegro Jr RM, Paccola GMFG, Faria CM, Sales APM, Montenegro APDRM, Jorge SM, et al. Evolução materno-fetal de gestantes diabéticas seguidas no HC-FMRP-USP no período de 1992-1999. Arq Bras Endocrinol Metab 2001;45/5:467-474.

2. Silveira VMF, Menezes AMB, Post CLA, Machado EC. Uma amostra de pacientes com diabetes tipo1 no Sul do Brasil. Arq Bras Endocrinol Metab 2001;45/5:433-440.

3. Leite SAO, Costa PAB, Guse C, Dorociaki JG, Silveira MC, Tedorovicz R, et al. Arq Bras Endocrinol Metab 2001;45/5:481-486.

4. Hissa MN, Hissa ASR, Bruin VMS. Tratamento do diabetes mellitus tipo 1 com bomba de infusão subcutânea contínua de insulina e insulina Lispro. Arq Bras Endocrinol Metab 2001;45/5:487-493.

5. Milech A, Chacra AR, Kayath MJ. Revisão da hiperglicemia pós-prandial e a hipoglicemia no controle do diabetes mellitus. O papel da insulina lispro e suas pré-misturas nos picos e vales. Arq Bras Endocrinol Metab 2001;45/5:423-432.

6. Brito IC, Lopes AA, Araújo LMB. Associação da cor da pele com diabetes mellitus tipo 2 e intolerância à glicose em mulheres obesas em Salvador, Bahia. Arq Bras Endocrinol Metab 2001;45/5:475-480.

7. Fernandes TJ, Bernardini EMT, Morais IC, Castilho C, Halfoun VLRC. Capilaroscopia da prega ungueal em crianças com diabetes mellitus tipo 1. Arq Bras Endocrinol Metab 2001;45/5:441-446.

8. Milman MHAS, Leme CBM, Borelli DT, Kater FR, Baccili ECDC, Rocha RCM, et al. Pé diabético: Avaliação da evolução e custo hospitalar de pacientes internados no conjunto hospitalar de Sorocaba. Arq Bras Endocrinol Metab 2001;45/5:447-451.

9. Reggi Jr SS, Morales PHA, Ferreira SRG. Existe concordância no acometimento renal e retiniano da microangiopatia diabética? Arq Bras Endocrinol Metab 2001;45/5:452-459.

10. Belfort R, Oliveira JEP. Mortalidade por diabetes mellitus e outras causas no município do Rio de Janeiro. Diferenças por sexo e idade. Arq Bras Endocrinol Metab 2001;45/5:460-466.

11. Franco LJ. Diabetes in Brazil: a review of recent survey data. Ethnicity & Disease 1992;2:158-75.

12. Mazze RS et al. Staged Diabetes Management: a systematic evidence-based approach to the prevention and treatment of diabetes and its co-morbidities. Pract Diab Int 2001;18/7 (suppl):S1-S16.

13. Davidson MB. Quality and the Art of Diabetes Maintenance. Professional section. Quartely News from the American Diabetes Association 1997.

14. Wilson DM, Luetscher JA. Plasma prorenin activity and complications in children with insulin-dependent diabetes mellitus. N Engl J Med 1990;323:1101.

15. Naotaka S et al. Correlation of PKC activity in mononuclear cells to the severity of diabetic nephropathy and retinopathy in diabetic patients. Diabetes 2001;50(suppl.2):A180.

16. Peters AL et al. Quality of outpatient care provided to diabetic patients. Diabetes Care 1996;19:601.

17. Bild A et al. Lower extremity amputation in people with diabetes: epidemiology and prevention. Diabetes Care 1989;12:24-31.

18. Pickup JC, Keen H, Parsons JA, Alberti KGMM. Continuous subcutaneous insulin infusion: an approach to achieving normoglycemia. Br J Med 1978;1:204.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Dez 2001
  • Data do Fascículo
    Out 2001
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