Acessibilidade / Reportar erro

Marcadores Bioquímicos da Remodelação Óssea na Prática Clínica

Biochemical Bone Markers in Clinical Practice

Resumos

Em situações fisiológicas os processos de reabsorção e formação ósseas são fenômenos acoplados e dependentes. O predomínio de um sobre o outro resulta em ganho ou perda de massa óssea. É esta capacidade de avaliação dinâmica que se deseja em um marcador de remodelação óssea. A osteocalcina sérica intacta e fosfatase alcalina óssea melhor representam o processo de formação óssea enquanto as piridinolinas e fragmentos telopeptídeos carboxi e amino-terminais do colágeno tipo I melhor refletem a reabsorção óssea. Na avaliação da resposta ao tratamento, marcadores de reabsorção têm grande sensibilidade e especificidade, sendo que a queda de seus valores após tratamento com anti-reabsortivos correlaciona-se com o ganho de massa óssea obtido. Os marcadores de remodelação, apesar de terem trazido grandes avanços no entendimento das doenças ósseas, ainda necessitam de melhor sensibilidade e especificidade para que sua larga utilização na clínica diária seja estimulada. Entretanto, podem auxiliar no diagnóstico e decisão terapêutica em casos difíceis e no acompanhamento do tratamento.

Remodelação óssea; Osteoporose; Marcadores bioquímicos


In physiological circumstances, bone resorption and formation are coupled processes. When, however, one predominates over the other the result is a gain or a loss of bone mass. To study this dynamic process, biochemical bone markers have been developed. Osteocalcin and bone alkaline phosphatase better represent bone formation, while pyridinoline, deoxypyridinoline and collagen type I cross-linking (amino and carboxi-terminal) telopeptides, the bone resorption. In the follow up of osteoporosis treatment, the bone resorption markers are more specific and sensitive than the formation markers. During the treatment of post-menopausal osteoporosis with anti-reabsortive therapy, the rate of fall from basal values of resorption markers at 3 or 6 months are related to the increase on bone mass after long-term treatment. The bone markers have applications in a number of diseases of the skeleton including osteoporosis, and helped to understand the pathophysiological mechanisms of many diseases that affect bone tissue. Although they still need better sensibility and specificity to be strongly recommended in the clinical routine, their use should be encouraged to assess risk of fractures in special cases, to aid treatment decisions, and to monitor treatment.

Bone remodeling; Bone markers; Osteoporosis


atualização

Marcadores Bioquímicos da Remodelação Óssea na Prática Clínica

Gabriela Luporini Saraiva

Marise Lazaretti-Castro

Grupo de Doenças Ósteo-Metabólicas,

Disciplina de Endocrinologia,

Escola Paulista de Medicina,

Universidade Federal de São Paulo

(EPM/UNIFESP), São Paulo, SP.

Recebido em 04/12/01

Aceito em 10/01/02

RESUMO

Em situações fisiológicas os processos de reabsorção e formação ósseas são fenômenos acoplados e dependentes. O predomínio de um sobre o outro resulta em ganho ou perda de massa óssea. É esta capacidade de avaliação dinâmica que se deseja em um marcador de remodelação óssea. A osteocalcina sérica intacta e fosfatase alcalina óssea melhor representam o processo de formação óssea enquanto as piridinolinas e fragmentos telopeptídeos carboxi e amino-terminais do colágeno tipo I melhor refletem a reabsorção óssea. Na avaliação da resposta ao tratamento, marcadores de reabsorção têm grande sensibilidade e especificidade, sendo que a queda de seus valores após tratamento com anti-reabsortivos correlaciona-se com o ganho de massa óssea obtido. Os marcadores de remodelação, apesar de terem trazido grandes avanços no entendimento das doenças ósseas, ainda necessitam de melhor sensibilidade e especificidade para que sua larga utilização na clínica diária seja estimulada. Entretanto, podem auxiliar no diagnóstico e decisão terapêutica em casos difíceis e no acompanhamento do tratamento.

Descritores: Remodelação óssea; Osteoporose; Marcadores bioquímicos

ABSTRACT

Biochemical Bone Markers in Clinical Practice.

In physiological circumstances, bone resorption and formation are coupled processes. When, however, one predominates over the other the result is a gain or a loss of bone mass. To study this dynamic process, biochemical bone markers have been developed. Osteocalcin and bone alkaline phosphatase better represent bone formation, while pyridinoline, deoxypyridinoline and collagen type I cross-linking (amino and carboxi-terminal) telopeptides, the bone resorption. In the follow up of osteoporosis treatment, the bone resorption markers are more specific and sensitive than the formation markers. During the treatment of post-menopausal osteoporosis with anti-reabsortive therapy, the rate of fall from basal values of resorption markers at 3 or 6 months are related to the increase on bone mass after long-term treatment. The bone markers have applications in a number of diseases of the skeleton including osteoporosis, and helped to understand the pathophysiological mechanisms of many diseases that affect bone tissue. Although they still need better sensibility and specificity to be strongly recommended in the clinical routine, their use should be encouraged to assess risk of fractures in special cases, to aid treatment decisions, and to monitor treatment.

Keywords: Bone remodeling; Bone markers; Osteoporosis

O TECIDO ÓSSEO TEM COMO PRINCIPAL função a sustentação do esqueleto e é sujeito a fraturas quando sua resistência sofre colapso frente a uma força maior. As fraturas são passíveis de acontecer em qualquer pessoa, em especial frente a grandes traumas. Entretanto existem situações patológicas em que esta fragilidade está aumentada, como ocorre na osteoporose, na osteomalácia, no hiperparatiroidismo, na osteogênese imperfeita, entre outras. Dentre estas, é a osteoporose a de maior prevalência na população mundial e, portanto, a que recebe maior atenção na literatura científica.

A medida de massa óssea tem sido o método mais utilizado para diagnóstico da osteoporose, pois trabalhos populacionais demonstraram elevada correlação entre resistência óssea e quantidade de matriz mineralizada, característica medida por este exame (1). Entretanto sabemos que a densidade mineral óssea (DMO) é uma medida pontual estática e, portanto, não reflete as alterações dinâmicas que este tecido ósseo está sofrendo na ocasião do exame. Para suprir esta limitação e, desta forma, melhorar a sensibilidade e especificidade na avaliação do risco de fratura, marcadores bioquímicos de remodelação óssea vêm sendo desenvolvidos.

A remodelação é um fenômeno que nos acompanha ao longo da vida, sendo fundamental para renovação do esqueleto e preservação de sua qualidade. Nele a reabsorção é seguida da formação óssea em ciclos constantes orquestrados pelas células do tecido ósseo, que incluem os osteoclastos, osteoblastos e osteócitos. Em situações fisiológicas, a reabsorção e a formação são fenômenos acoplados e dependentes, e o predomínio de um sobre o outro pode resultar em ganho ou perda de massa óssea (2). É esta capacidade de avaliação dinâmica que se deseja em um marcador de remodelação óssea.

Os marcadores são considerados indispensáveis hoje em dia nas avaliações de efetividade de uma nova droga para tratamento da osteoporose, além de terem trazido grandes contribuições científicas sobre fisiologia e fisiopatologia do tecido ósseo. Entretanto, nossa proposta para este artigo será enfocar especialmente a utilização dos marcadores bioquímicos de remodelação óssea na prática clínica diária.

Podemos didaticamente dividir os marcadores como representantes do processo de formação ou de reabsorção óssea.

MARCADORES DE FORMAÇÃO ÓSSEA

Atividade de fosfatase alcalina total, fosfatase alcalina óssea, osteocalcina, pró-peptídeo do colágeno tipo I.

A fosfatase alcalina total (FA ou Total ALP) é medida através de sua atividade e corresponde à soma das diversas isoformas presentes no soro. Na osteoporose, entretanto, os valores de FA estão usualmente dentro da normalidade. Valores elevados nesta situação podem ocorrer na vigência de uma fratura ou então sugerem fortemente a presença de outra doença óssea concomitante. Justamente por este método não ser tecido-específico, a existência de uma produção extra-óssea, freqüentemente hepática, não pode ser afastada. Mais de 90% do seu valor corresponde às isoformas hepática e óssea. A forma óssea, secretada pelos osteoblastos, predomina na infância até o fim do crescimento longitudinal, quando então a hepática passa a ser a forma circulante mais abundante. Hoje ainda é o marcador de formação óssea mais freqüentemente utilizado (3,4).

Derivadas de um mesmo gene, a estrutura de 507 aminoácidos destas isoformas é idêntica diferindo apenas no grau de glicosilação pós-tranlacional. Apesar da grande semelhança entre elas, os imunoensaios específicos desenvolvidos para a isoforma óssea apresentam baixa reação cruzada (15 a 20%) com a isoforma hepática. A medida da isoforma óssea-específica tem vantagens sobre a total uma vez que, além de não sofrer influências hepáticas, é mais sensível a pequenas variações no pool circulante. Apesar de ser um marcador de formação, também está aumentada nos distúrbios onde a reabsorção óssea predomina (5) devido ao fenômeno já referido de acoplamento entre os dois processos.

Os fenômenos ósseos associados a elevações da FA total necessitam ser de grande intensidade, como ocorre nas fraturas, na doença de Paget, na displasia fibrosa, no hiperparatiroidismo com doença óssea avançada e na osteomalácia ou raquitismo. Nestas situações pode ser utilizada como um marcador de atividade da doença ou como parâmetro de resposta ao tratamento instituído. Entretanto, quando se busca maior sensibilidade e especificidade, a fosfatase alcalina óssea (FAO ou Bone ALP) é a mais indicada. Na doença de Paget, por exemplo, a FAO tem elevada acurácia diagnóstica estando elevada em 60% dos pacientes com níveis de FA dentro da normalidade (4,6).

Osteocalcina (OC) é a proteína não colágena mais abundante no osso e dentina, possui 49aa e, embora sua função específica não seja conhecida, sabe-se que é sintetizada predominantemente pelos osteoblastos diferenciados, incorporada à matriz óssea extracelular e relacionada à mineralização da matriz osteóide. Seu gene, codificado no cromossoma 1 (1q25-q31) sofre influência direta da 1,25 dihidroxivitamina D, que estimula sua síntese. A Vitamina K1 é um co-fator essencial para que ocorra g-carboxilação pós-traducional do resíduo glutamil, originando os resíduos g-carboxiglutamil (Gla). Possui em sua estrutura três ácidos glutâmicos que lhe conferem a capacidade de ligar-se ao cálcio (7) e isto pode ser importante no processo de mineralização da matriz óssea já formada.

Uma fração (10 a 40%) da OC intacta recém sintetizada é liberada na circulação, possuindo uma meia-vida curta pois é rapidamente hidrolisada no fígado e rim por metaloproteases. Os fragmentos carboxiterminais são clareados do sangue, onde permanecem os fragmentos aminoterminais intermediários (20-49aa), sendo esta forma juntamente com a intacta as mais abundantes na circulação. Podem ser mensuradas por imunoensaios comercialmente disponíveis e específicos para a forma intacta e/ou fragmentos, com grande variabilidade de resultados quando aplicados a um mesmo paciente. A OC também é bastante instável in vitro, sendo rapidamente degradada em temperatura ambiente. Garnero e col. descreveram degradação de 17% em amostras de sangue mantidas a temperatura ambiente por 2h, e é provável que esta degradação ocorra também durante o ensaio. Por isso é recomendado que as amostras sejam mantidas a 4°C imediatamente após a venopuntura até a separação, e o soro ou plasma deve ser congelado até a dosagem (5,7).

Sua liberação respeita um ritmo circadiano com pico às 4 horas e nadir às 17 horas. Possivelmente há influência do ritmo de secreção de cortisol. Entre o pico e nadir, a diferença é de aproximadamente 15%. Além do ritmo circadiano, a interpretação dos resultados deve levar em conta alterações sazonais, dos ciclos menstruais, carga genética (que pode ser responsável por até 40% da variação deste marcador), metodologia empregada e condições de coleta (8,9). Na osteoporose pós-menopausa podemos encontrara valores iguais, elevados ou reduzidos em relação aos controles normais. Elevações de até 10% nos valores normais de OC foram descritas em mulheres com osteoporose pós-menopáusica, em contraste com um aumento de cerca de 50% dos valores de deoxipiridinolinas, que parecem ser mais sensíveis nesta situação. Os níveis de OC estão elevados na doença de Paget e no hiperparatiroidismo primário. Entretanto, na primeira patologia a FAO é mais sensível e na segunda os marcadores de reabsorção mostraram-se superiores à OC na avaliação das alterações ósseas. Na osteomalácea a OC também pode estar elevada, mas nos escassos estudos realizados a FA também mostrou-se mais útil na avaliação (4).

Os fragmentos de pró-colágeno produzidos durante o processo de maturação do colágeno são liberados para a circulação e também podem ser dosados por ensaios específicos, representando a formação óssea. Apesar de promissor por ser um marcador bastante específico da atividade osteoblástica, os ensaios para dosagem dos fragmentos carboxi-terminais do pró-colágeno tipo I (PICP) mostraram até o momento baixa sensibilidade. Os fragmentos amino-terminais (PINP) apresentam diferentes formas circulantes com origens não necessariamente na formação óssea, e os ensaios iniciais mostraram resultados ainda menos específicos que o PICP. Um novo método desenvolvido especificamente contra a forma intacta do PINP mostrou-se mais sensível na avaliação do metabolismo ósseo, mas resultados mais consistentes ainda são necessários (5).

MARCADORES DE REABSORÇÃO ÓSSEA

Cálcio urinário, hidroxiprolina urinária, fosfatase ácida tartarato-resistente, moléculas interligadoras do colágeno tipo I.

A relação cálcio/creatinina em urina de jejum é marcador utilizado para avaliar a reabsorção óssea e deve ser colhido em jejum pela manhã e corrigido pela excreção de creatinina na mesma amostra. É um marcador barato porém pouco específico, uma vez detectada a presença de hipercalciúria (> 0,11mg Ca/mg creatinina), podendo auxiliar na detecção grandes variações na reabsorção óssea. A especificidade diagnóstica pode ser comprometida pela presença de hipercalciúria renal (2).

A dosagem de cálcio em urina de 24 horas é utilizada para avaliação da excreção renal de cálcio. Os limites da normalidade estão estipulados em 4mg/kg peso/24h. As medidas de excreção urinária de cálcio sofrem grande influência da dieta, função renal e dos hormônios reguladores do cálcio. Devido a estes interferentes, embora muito utilizada, sua interpretação exige cautela pois as variações individuais são muito elevadas (2).

Derivada da hidroxilação da prolina, a hidroxiprolina representa aproximadamente 13% do conteúdo da molécula de colágeno. Como após ser liberada não é reutilizada, sua concentração sérica representa a degradação das várias formas de colágeno. Antes de ser excretada a hidroxiprolina é metabolizada sendo que a excreção urinária representa apenas 10% do catabolismo real do colágeno. Não é específica do tecido ósseo, sendo sua excreção influenciada pela ingestão de alimentos que contenham gelatina. Quando comparada a estudos histomorfométricos, sua excreção correlaciona-se fracamente como a reabsorção óssea. Por esses motivos e pelo surgimento de produtos mais específicos da reabsorção óssea, seu uso como marcador de reabsorção óssea vem sendo abandonado (4).

A fosfatase ácida tartarato-resistente (TRACP) é uma enzima lisossômica presente primariamente no osso, próstata, plaquetas, eritrócitos e baço. Reflete mais o número do que a atividade dos osteoclastos. Como a fosfatase alcalina total, apresenta diferentes isoenzimas, mas a falta de especificidade, sensibilidade e sua instabilidade (deve ser analisada imediatamente ou estocada a -70°C) desestimulam o desenvolvimento de novos e melhores métodos de dosagem sérica e separação da fração óssea deste marcador (10).

As moléculas interligadoras do colágeno tipo I são atualmente os melhores marcadores bioquímicos da reabsorção óssea e, portanto, são os mais utilizados mostrando boa correlação com estudos histomorfométricos.

Piridinolina (PYD) e deoxipiridinolina (DPD) são ligações formadas no espaço extracelular entre a porção não helicoidal (telopeptídeo) de uma molécula de colágeno depositada na matriz e resíduos específicos da hélice da molécula vizinha (figura). São produtos de ligações covalentes geradas entre resíduos de lisina e hidroxilisina e são específicos para colágeno e elastina maduras. Estas formações propiciam a estabilização das moléculas de colágeno da matriz óssea. Durante a reabsorção, pela ação de proteases, são liberadas na circulação nas formas livres (20%) e ligadas ainda a fragmentos terminais (telopeptídeos) do colágeno (80%). Parte destes telopeptídeos são metabolizados no rim, aumentando a proporção de formas livres na urina para 40%. A PYD difere da DPD apenas pela presença de um grupo hidroxila, sendo que a primeira tem distribuição tecidual ampla, enquanto a segunda é mais específica do tecido ósseo e correlaciona-se melhor com a cinética do cálcio e histomorfometria óssea (5).


Ao contrário das PYD livres, a avaliação dos telopeptídeos do colágeno tipo I parecem mostrar maior correlação com a dinâmica do osso (9). Podem ser dosados no sangue e na urina, sendo que uma série de ensaios diferentes existem, o que muitas vezes dificulta sua solicitação e interpretação pelo clínico. Na urina podem ser dosadas as formas livres de PYD e DPD, e as formas ainda ligadas a telopeptídeos aminoterminais e carboxiterminais do colágeno tipo I (NTX e CTX, respectivamente).

Como descrito para OC, os marcadores de reabsorção presentes na urina também mostram um ritmo circadiano com pico pela manhã e nadir ao entardecer. A diferença de aproximadamente 100% dos valores entre estes dois pontos mostra a importância da padronização de coleta (pela manhã). Não sofrem, entretanto, influência da dieta (2,5). A grande variabilidade de valores observada, mesmo que respeitadas as condições e horários de coleta de urina, é certamente agravada pela correção que sofrem em função da excreção de creatinina urinária. Por isso pesquisadores tem se empenhado em desenvolver novos ensaios séricos, que têm se mostrado promissores, como é o caso do S-CTX. (11), que apresenta um coeficiente de variação a longo prazo de 15,1%, e uma variação mínima calculada de 30,2%, inferior à observada para NTX urinário (54,0%).

Outras modificações pós-translacionais diferentes das piridinolinas interligadoras foram observadas nas moléculas de colágeno e podem ter utilidade clínica. Uma beta-isomerização da seqüência Asp-Gly ocorre nos C-telopeptídeos da cadeia alfa 1 do colágeno tipo I. Esta beta-isomerização é uma reação lenta e expontânea que está relacionada ao envelhecimento das moléculas de proteínas, e os fragmentos não isomerizados (aCTX) e beta-isomerizados (bCTX) do telopetídeo do colágeno tipo I podem ser dosados separadamente por imunoensaios específicos. A relação entre aCTX e bCTX apresenta características especiais em diferentes doenças, como Paget, por exemplo. Nesta doença ocorre maior liberação de aCTX, um peptídeo mais "imaturo", provavelmente relacionado à produção do woven bone (osso desorganizado) característico das alterações do Paget. A proporção aCTX/bCTX retorna ao normal com o tratamento com bisfosfonatos. (5). Um trabalho recém publicado estudou também a relação de excreção urinária destas duas formas que os autores chamaram de autêntica e envelhecida, em mulheres, e observou um aumento deste relação na pós-menopausa, pelo aumento da remodelação já sabidamente existente nesta fase da vida. Entretanto, estas modificações foram igualmente observadas em mulheres com densidade óssea normal, osteopenia ou osteoporose (12).

APLICAÇÃO CLÍNICA

Nas doenças em que o osso está marcadamente acometido, os marcadores menos específicos, menos sensíveis, mais baratos e mais facilmente disponíveis (fosfatase alcalina total e calciúria) mostram-se efetivos no auxílio diagnóstico e acompanhamento destes casos. Por outro lado, mudanças menos marcantes do metabolismo ósseo, como ocorre na osteoporose secundária à deficiência estrogênica ou do processo de envelhecimento, são mais bem avaliadas com os novos marcadores.

O uso destes marcadores em jovens tem sua utilidade bastante restrita, pois faltam padrões de normalidade. Além disto, as altas taxas de remodelação que ocorrem na infância, puberdade e em adultos jovens ampliam ainda mais as variações fisiológicas detectadas por estes métodos, prejudicando sua interpretação e limitando sua utilidade.

Baseando-se na fisiologia do processo de remodelação óssea, os marcadores ideais seriam aqueles capazes de:

-Diagnosticar osteoporose;

-Diferenciar pacientes classificados como perdedores rápidos (e portanto com maior risco de perda e fratura) dos perdedores lentos, agregando sensibilidade e especificidade à medida de densidade óssea na avaliação de risco de fraturas;

-Direcionar a terapêutica, ou seja, identificar os pacientes que se beneficiariam das medidas anti-reabsortivas (perdedores rápidos ou de alto turn over) ou das medidas de aumento da formação óssea (perdedores lentos, ou de baixo turn over);

-Servir de marcadores da resposta à terapêutica;

-Monitorar a aderência do paciente à terapia instituída.

Embora este marcador bioquímico ideal ainda não exista, novas pesquisas e ensaios estão se desenvolvendo rapidamente e caminham nesta direção. Até o momento, entretanto, uma série de restrições e ponderações limitam o uso dos marcadores de remodelação na prática clínica diária. Não resta dúvidas de que uma medida destes marcadores é incapaz de predizer a massa óssea e, portanto, diagnosticar osteoporose densitométrica, pois isto é resultado de um processo ocorrido ao longo da vida, desde a aquisição do pico de massa óssea, intercorrências sofridas durante a idade adulta e a perda observada no climatério. Mas o risco de fratura foi relacionado à alta remodelação em mulheres pós-menopausadas, quando uma correlação mais estreita entre medidas de marcadores, DMO e incidência de fraturas pode ser feita. Os dados existentes sugerem fortemente que mulheres idosas com marcadores de reabsorção elevados possuem maior risco de fraturas, e estes poderiam ser uma alternativa na avaliação das pacientes para as quais as medidas de densidade não estiverem disponíveis (13). O EPIDOS, um grande estudo epidemiológico prospectivo sobre risco de fraturas realizado em vários países europeus observou que um aumento dos marcadores de reabsorção óssea (CTX, PYD e NTX urinários) acima dos valores da pré-menopausa foram associados de maneira independente com maior risco de fratura de colo de fêmur (risco relativo de 2.2, 1.9 e 1.4 respectivamente) quando comparadas ao grupo considerado normal ou perdedor lento (14).

O uso dos marcadores de remodelação, mais especificamente de reabsorção, na predição do ganho de massa óssea com o tratamento com anti-reabsortivos tem mostrado resultados interessantes. Uma correlação inversa entre a proporção de redução dos marcadores após 3 a 6 meses do tratamento com anti-reabsortivos (estrógenos, bisfosfonatos) e o ganho de massa óssea foi observada por vários autores. Entretanto um número razoável de falso-positivos e negativos ainda são observados nestes estudos, dificultando sua aplicação clínica (15,16).

Delmas e col. (17) avaliaram 4 marcadores (OC, fosfatase alcalina óssea, e CTX urinário e sérico) em 569 mulheres pós-menopausadas recentes (6 meses à 6 anos), normais e osteoporóticas, tratadas por 2 anos com estrógeno. A taxa de redução de todos os marcadores correlacionou-se negativamente com o ganho de massa óssea, sendo os marcadores de reabsorção os que apresentaram melhores correlações. Uma redução de > 33% no CTX sérico 3 meses após início do tratamento correlacionou-se com em aumento de > 2,26% DMO após 2 anos. Entretanto, 23% das pacientes foram excluídas desta análise, pois a variação da DMO foi inferior ao erro do método de densitometria e, portanto, não puderam ser classificadas como perdedoras ou ganhadoras. Isto significa que das 569 mulheres estudadas, pelo menos 131 a princípio não se beneficiaram das duas dosagens dos marcadores. Se incluirmos os falsos-positivos (32%) e falsos negativos (10%), este número aumenta ainda mais.

Pode-se observar, desta forma, que os trabalhos recentes apontam para uma maior utilidade prática para estes marcadores, principalmente os novos marcadores de reabsorção. Os grandes ensaios clínicos com bisfosfonatos e raloxifeno demonstram que não é necessário ganhar massa óssea para ver o benefício do tratamento com anti-reabsortivos em relação à redução do risco de fraturas, o que poderia aumentar a utilidade dos marcadores (18).

Um dos últimos aspectos relacionados à indicação destes marcadores seria a possibilidade de se incrementar aderência ao tratamento, pressupondo-se que as mulheres "respondedoras" permaneceriam mais facilmente no tratamento. Se por um lado isto é verdade, por outro poderia criar insegurança e dificultar a aderência nos casos em que os resultados não correspondam ao esperado, isto é, se os marcadores não se reduzirem. Isto pode ter diferentes interpretações que vão desde os grandes CV% dos métodos à não utilização ou efetividade do medicamento ou, ainda, que os valores iniciais já eram baixos e por isso não se reduziram ainda mais com o uso de anti-reabsortivos. O que fazer então com uma paciente que não reduz marcadores ou não ganha massa óssea? São perguntas ainda não respondidas que preocupam o clínico que lida com osteoporose.

Uma grande dificuldade encontrada pelo clínico quando solicita o exame é a falta de padronização na nomenclatura e na metodologia dos marcadores de reabsorção utilizados pelos diferentes laboratórios clínicos no país, especialmente por que os diferentes métodos apresentam resultados não comparáveis entre si. Existe uma proposta de padronização desta nomenclatura, feita por um comitê da Fundação Internacional de Osteoporose, que obedecemos neste texto e colocamos na tabela, resumidamente, com os marcadores mais utilizados em nosso meio (19).

Concluindo, os marcadores de remodelação óssea trouxeram um grande avanço no conhecimento da fisiologia e fisiopatologia do tecido ósseo. Entretanto, a presença de uma ampla variação de suas concentrações séricas e urinárias devido às suas características não somente biológicas mas também analíticas, ainda dificultam a interpretação de seus resultados na prática diária. Por outro lado, surgiram novas ferramentas que podem e devem ser utilizadas para avaliar com maior sensibilidade as alterações do tecido ósseo em patologias como Paget e hiperparatiroidismo, além de orientar sobre o risco de fraturas em casos difíceis e não habituais, dar subsídios mais racionais para a definição da conduta a ser tomada e ainda oferecer informações mais precoces sobre a resposta ao tratamento instituído.

Endereço para correspondência:

Marise Lazaretti-Castro

Caixa Postal 20266

04034-970 São Paulo, SP

e.mail: mlazaretti@endocrino.epm.br

  • 1. Kanis JA, Melton LJ, Christiansen C. The diagnosis of osteoporosis. J Bone Min Res 1994;9:1137-41.
  • 2. Hanley DA. Biochemical markers of bone turnover. In: Henderson JE, Goltzman D, editors. The osteoporosis primer 1st ed. Cambridge:University Press, 2000:239-52.
  • 3. Vieira JG. Considerações sobre os marcadores bioquímicos do metabolismo ósseo e sua utilidade prática. Arq Bras Endocrinol Metabol 1999;43:415-22.
  • 4. Bikle DD. Biochemical markers in the assessment of bone disease. Am J Med 1997;103:427-36.
  • 5. Garnero P, Delmas PD. Biochemical markers of bone turnover - Applications for Osteoporosis. Endocrinol Metab Clin N Am 1998;27:303-23.
  • 6. Lyles KW, Siris ES, Singer FR, Menier PJ. A clinical approach to diagnosis and management of Pagets disease of bone. J Bone Min J Res 2001;16:1379-87.
  • 7. Lee AJ, Hodges JS, Eastell R. Measurement of osteocalcin. Am Clin Biochem 2000;37:432-46.
  • 8. Heshmati HM, Riggs BL, Burritt MF, McAlister CA, Wollan PC, Khosla S. Effects of the circadian variation in serum cortisol on markers of bone turnover and calcium homeostasis in normal postmenopausal women. J Clin Endocrinol Metabol 1998;83:751-7.
  • 9. Delmas PD, Eastell R, Garnero P, Seibel MJ, Stepan J. The use of biochemical markers of bone turnover in osteoporosis. Osteoporosis Int 2000;Suppl6:S2-17.
  • 10. Blumsohn A, Eastell R. The performance and utility of biochemical markers of bone turnover: do we know enough to use them in clinical practice? Am Clin Biochem 1997;34:449-59.
  • 11. Rosen HN, Moses AC, Garber J, Iloputaif ID, Ross DS, Lee SL, et al. Serum CTX: a new marker of bone resorption that shows treatment effect more often than other markers because of low coefficient of variability and large changes with bisphosphonate therapy. Calcif Tissue Int 2000;66:100-3.
  • 12. Reginster JY, Herontin Y, Christiansen C, Gamwell-Henriksen E, Bruyere O, Collette J, et al. Bone resorption in post-menopausal women with normal and low BMD assessed with biochemical markers specific for telopeptide derived degradation products of collagen type I. Calcif Tissue Int 2001;69:130.
  • 13. Looker AC, Bauer DC, Chesnut III CH, Gundberg CM, Hochberg MC, Klee G, et al. Clinical use of biochemical markers of bone remodeling: current status and future directions. Osteoporosis Int 2000;11:467-80.
  • 14. Garnero P, Dargent-Molina P, Hans D, Shott AM, Bréart G, Meunier PJ, et al. Do markers of bone resorption add to bone mineral density and ultrasonographic heel measurement for the prediction of hip fracture in elderly women? The EPIDOS prospective study. Osteoporosis Int 1998;8:563-9.
  • 15. Chesnut CH, Bell NH, Clark GS. Hormone replacement therapy in postmenopausal women: urinary N-telopeptide of type I collagen monitors therapeutic effect and predicts response of bone mineral density. Am J Med 1997;102:29-37.
  • 16. Garnero P, Darte C, Delmas PD. A model to monitor the efficacy of alendronate treatment in women with osteoporosis using a biochemical marker of bone turnover. Bone 1999;24:603-9.
  • 17. Delmas PD, Hardy P, Garnero P, Dain MP. Monitoring individual response to hormone replacement therapy with bone markers. Bone 2000;26:553-60.
  • 18. Falkner KG. Bone matters: is density increase necessary to reduce fracture risk? J Bone Min Res 2000;15:183-7.
  • 19. Delmas PD. Bone marker nomenclature. Bone 2001;28:575.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Dez 2006
  • Data do Fascículo
    Fev 2002

Histórico

  • Recebido
    04 Dez 2001
  • Aceito
    10 Jan 2002
Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia Rua Botucatu, 572 - conjunto 83, 04023-062 São Paulo, SP, Tel./Fax: (011) 5575-0311 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: abem-editoria@endocrino.org.br