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Densidade Mineral Óssea e Síndrome de Turner

editorial

Densidade Mineral Óssea e Síndrome de Turner

Marise Lazaretti-Castro

Ieda T.N. Verreschi

Disciplina de Endocrinologia,

Departamento de Medicina,

Universidade Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina,

UNIFESP/EPM, São Paulo, SP

DOIS ASPECTOS PARTICULARES conferem importância clínica sempre atual à síndrome de Turner: a sua elevada incidência - de 1:2.000 nascidos vivos do sexo feminino -, e a curiosa condição de ser a primeira desordem cromossômica com tratamento hormonal eficaz, melhorando substancialmente a qualidade de vida das portadoras. Embora os aspectos clínicos descritivos da síndrome sejam a baixa estatura e a disgenesia gonadal, a sua morbidade está principalmente relacionada ao comprometimento de outros órgãos e sistemas, dentre estes, o comprometimento ósseo, como a displasia óssea referida desde os primeiros relatos da síndrome - mas ainda pouco entendida -, e a osteoporose.

Osteoporose tornou-se uma grande preocupação a partir da segunda metade do século passado, em decorrência do grande avanço na expectativa de vida testemunhada nos países desenvolvidos. Juntamente com a constatação clínica de suas principais complicações - as fraturas - e de suas conseqüências sobre mortalidade e qualidade de vida, os métodos utilizados para seu diagnóstico e as alternativas terapêuticas tiveram um grande avanço. Em 1947, Albright foi o primeiro a associar a osteoporose e suas fraturas vertebrais à queda dos estrogênios provenientes da falência ovariana fisiológica do climatério. Desde então, inúmeros trabalhos constataram uma perda acentuada da massa óssea associada à queda dos esteróides sexuais (1). Da mesma forma, passou-se a valorizar a aquisição de massa óssea que atinge seus valores máximos no fim da puberdade e do crescimento longitudinal, e que ocorre por volta dos 20 anos de idade, denominado de pico de massa óssea (2).

Foi baseado nestes fatos que Costa e cols (3) propuseram seu trabalho publicado neste fascículo, estudando a densidade mineral óssea (DMO) em uma população de pacientes portadoras de síndrome de Turner. Trata-se de modelo interessante para avaliação da massa óssea, pelo hipogonadismo e pela baixa estatura. O momento em que deve ser iniciada a reposição estrogênica ainda é assunto em debate, e os argumentos favoráveis sugerem que uma reposição precoce seria de utilidade na constituição de uma massa óssea mais saudável e possibilitaria uma otimização na aquisição do pico de massa óssea destas meninas. Por outro lado, outros estudos indicam que a utilização precoce de microdoses de estrogênio poderia prejudicar a estatura final alcançada com o uso de hormônio de crescimento.

A partir dos dois encontros paulistas para o Consenso sobre o tratamento da síndrome (4), sugeriu-se não iniciá-lo antes de testar a resposta com GH, nem antes dos 12 anos de idade cronológica, ou antes de ter sido alcançado 15 anos de idade óssea. Por outro lado, estudos que avaliaram a DMO nas pacientes com síndrome de Turner sem tratamento, comparando-as com a população normal, são quase unânimes em observar uma elevada taxa de osteoporose ou reduzida massa óssea nesta população (5,6).

Aqui cabe, entretanto, um comentário sobre a metodologia aplicada nesta avaliação: a densitometria óssea avaliada por absormetria com raio-X de dupla energia (DEXA). Este método baseia-se na atenuação que os feixes de radiação sofrem ao passar por tecidos de diferentes densidades, conseguindo desta forma identificar qualitativamente os diferentes tecidos (separar as partes moles dos tecidos mineralizados) e ainda determinar a quantidade de mineral dentro desta área delimitada identificada como tecido ósseo pelo equipamento (7). Embora seja um método com elevada precisão e acurácia, sua grande limitação está justamente em medir a densidade mineral identificada sobre uma determinada área projetada, e não sobre um volume. Tanto é assim que a DMO é expressa em gramas sobre centímetros quadrados, e não cúbicos, como deve ser uma medida de densidade verdadeira. Isto pode produzir uma distorção especialmente nos casos de extremas variações de tamanhos ósseos, como nas baixas e altas estaturas. Ocorre que nos ossos de pequenas proporções, as medidas determinadas pela DEXA subestimam os valores de densidade, especialmente por que eles são comparados com populações agrupadas pela idade cronológica, e não pelo tamanho vertebral ou pela sua representação mais viável que seria a estatura (8). Desta forma, a interpretação da DMO na infância apresenta ainda obstáculos difíceis de superar. O próprio incremento acentuado que se observa na DMO durante infância e adolescência representa muito mais o crescimento ósseo do que um aumento real na sua densidade. Isto pode ser observado quando se analisa a densidade volumétrica, como observado por Brandão em uma população de crianças e adolescentes normais (9). A correlação inversa entre quantidade de massa óssea e risco de fraturas também pode ser observada em crianças, porém ainda não se conseguiu estabelecer os limites da DMO que estão associados a um maior risco de fraturas nesta faixa etária. Por este motivo, é incorreta a utilização dos termos osteoporose e osteopenia para indivíduos jovens, baseados nos mesmos critérios definidos pela OMS para mulheres pós-menopausadas, levando em consideração os resultados densitométricos por DEXA (10).

A baixa estatura é característica constante na síndrome de Turner, e por este motivo, as considerações descritas acima adquirem grande importância na interpretação dos resultados de densitometria nesta condição. Costa e cols (3) observaram um z DMO de até -1 em apenas cerca de 20% da população estudada. Lage e cols (11) estudaram exatamente a discrepância encontrada entre os resultados obtidos pela densitometria convencional comparada com a volumétrica em pacientes com síndrome de Turner. Enquanto que apenas 16,2% das pacientes apresentavam uma DMO de até 1 desvio-padrão abaixo da média de um grupo controle pareado para idade, 58,1% o tinham quando avaliadas pela densidade volumétrica. Por outro lado vale aqui ressaltar que 41,9% das pacientes apresentavam densidade volumétrica abaixo dos respectivos grupos controles, o que não deixa de ser um número bastante respeitável, mas muito distante dos 83,8% detectados pela medida de densidade convencional (por área). Costa e cols (3) compararam os resultados de densitometria óssea com uma população de meninas normais pareadas pela idade cronológica e observaram que o grupo com pior massa óssea encontrava-se entre as pacientes mais velhas, que, conseqüentemente, eram as mais altas, embora a mais de 3 desvios-padrão abaixo da altura normal para a idade. A grande maioria das pacientes já fazia reposição estrogênica (76,5%) e neste grupo, encontravam-se quase que eqüitativamente divididas entre os z DMO de > -2,5 e < -2,5. A única diferença observada foi entre as que não haviam recebido reposição estrogência, dentre as quais a maioria (87,5%) encontrava-se curiosamente no grupo de melhor z score. Embora não se descreva a idade destas pacientes, provavelmente deveriam ser mais jovens do que as que receberam reposição. O próprio texto diz que 5 pacientes das 8 não receberam reposição hormonal por terem menos que 10 anos. Como o grupo de pior massa óssea, quando comparado ao grupo controle, é o de pacientes de maior faixa etária, a idade deveria ter sido levada em consideração na interpretação dos resultados relacionados à reposição hormonal, para evitar conclusões inadequadas.

De qualquer maneira, embora os resultados obtidos pela densitometria convencional certamente subestimam os valores de densidade mineral induzindo a falsos diagnósticos de fragilidade óssea neste grupo de pacientes, tudo indica também que esta seja uma população de maior risco para osteoporose no futuro. As conclusões finais sobre a doença óssea na síndrome de Turner ainda não estão estabelecidas e somente serão obtidas quando outros estudos demonstrarem definitivamente a presença de um maior risco de fraturas nesta população, e conseguirem estabelecer uma correlação entre as medidas densitométricas e esta fragilidade óssea.

REFERÊNCIAS

1. Bilezikian JP. Estrogens and post menopausal osteoporosis: was Albright right after all? J Bone Min Res 1998;13(5):763-73.

2. Theintz G, Buchs B, Rizzoli R, et al. Longitudinal monitoring of bone mass accumulation in healthy adolescents: evidence for a marked reduction after 16 years of age at the levels of lumbar spine and femoral neck in female subjects. J Clin Endocrinol Metab 1992;75: 1060-5.

3. Costa AMG, Lemos-Marini SHV, Baptista MTM, Santos AO, Morcillo AM, Maciel-Guerra AT, et al. Densidade mineral óssea: estudo transversal em pacientes com síndrome de Turner. Arq Bras Endocrinol Metab 2002,46/2: - .

4. Síndrome de Turner: Avanços e qualidade de vida. Centro de Extensão Universitária, São Paulo, novembro 1999 e agosto 2000.

5. Brown DM, Jowsey J, Bradford DS. Osteoporosis in ovarian dysgenesis. J Pedriatr 1964;84:816-9.

6. Davies MC, Guleki B, Jacobs HS. Osteoporosis in Turner's syndrome and other forms of primary amenorrhoea. Clin Endocrinol 1995;43:741-6.

7. Miller PD, Bonnick SL. Clinical application of bone densitometry. In: Favus MJ, editor. Primer on the metabolic bone diseases and disorders of mineral metabolism. Philadelphia: Lippincott Williams & Williams; 1999.p.152-9.

8. Carter DR, Bouxsein ML, Marcus R. New approaches for interpreting projected bone densitometry data. J Bone Min Res 1992;7:137-45.

9. Brandão CM. Avaliação da densidade mineral óssea durante puberdade em crianças normais de São Paulo. Influência de fatores antropométricos, composição corporal e do SDHEA na massa óssea. Universidade Federal de São Paulo, Tese de Doutorado; 1999.

10. The WHO Study Group. Assessment of fracture risk and its application to screening for postmenopausal osteoporosis. Geneva: World Health Organization; 1994.

11. Lage A, Brandão CM, Verreschi IT, Mendes J, Huayallas M, Liberman B, et al. Comparação entre as medidas de densidade mineral óssea areal e volumétrica na síndrome de Turner. Arq Bras Endocrinol Metab 2001;45 (supl 2):S205.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Jul 2002
  • Data do Fascículo
    Abr 2002
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