Acessibilidade / Reportar erro

Mutações do Gene do Receptor Sensível ao Cálcio Extracelular e Suas Doenças Associadas

Mutations of the Extracellular Calcium-Sensing Receptor Gene and its Associated Diseases

Resumos

O receptor sensível ao cálcio extracelular (CaR) é um receptor acoplado à proteína G (GPCR), que exerce um papel essencial na regulação da homeostase do cálcio extracelular. O CaR encontra-se expresso em todos os tecidos relacionados com o controle desta homeostase (paratiróides, células C tiroideanas, rins, intestino e ossos). Logo após a clonagem do CaR, mutações inativadoras e ativadoras do gene deste receptor foram associadas com doenças genéticas humanas: hipercalcemia hipocalciúrica familiar (FHH) e hiperparatiroidismo neonatal severo (NSHPT) são causados por mutações inativadoras do gene do CaR, enquanto que a hipocalcemia autossômica dominante é resultante de mutações ativadoras do gene do CaR. Apesar de raras, tais doenças devem ser consideradas no diagnóstico diferencial de distúrbios hipercalcêmicos e hipocalcêmicos. O reconhecimento do papel fundamental do CaR na manutenção da homeostase do cálcio extracelular motivou o desenvolvimento de drogas capazes de modular a função do CaR, ativando-o (drogas calcimiméticas) ou inativando-o (drogas calciolíticas). Tais drogas têm uma implicação terapêutica potencial, como o controle clínico de casos específicos de hiperparatiroidismo primário e urêmico com o uso de drogas calcimiméticas e um tratamento promissor para osteoporose com o uso de drogas calciolíticas.

Receptor sensível ao cálcio extracelular; Hipercalcemia hipocalciúrica familiar; Hiperparatiroidismo neonatal severo; Hipocalcemia autossômica dominante


The extracellular calcium-sensing receptor (CaR) is a G protein coupled receptor (GPCR) that plays a key role in the regulation of extracellular calcium homeostasis, being expressed in all tissues related to this control (parathyroid glands, thyroid C-cells, kidneys, intestine and bones). The cloning of the CaR was immediately followed by the association of genetic human diseases with inactivating and activating mutations of the CaR gene: familial hypocalciuric hypercalcemia (FHH) and neonatal severe hyperparathyroidism (NSHPT) are caused by inactivating mutations of the CaR gene, whereas autosomal dominant hypoparathyroidism is secondary to activating mutations of the CaR gene. In spite of being rare, these diseases should be considered in the differential diagnosis of hypercalcemic and hypocalcemic disorders. Recognition of the important role of the CaR for the regulation of extracellular calcium homeostasis motivated the development of drugs that modulate the CaR function, by either activating (calcimimetic drugs) or antagonizing it (calcilytic drugs). These drugs have potential therapeutic implications, such as medical control of specific cases of primary and uremic hyperparathyroidism with calcimimetic drugs and a potential treatment for osteoporosis with a calcilytic drug.

Calcium-sensing receptor; Familial hypocalciuric hypercalcemia; Neonatal severe hyperparathyroidism; Autosomal dominant hypoparathyroidism


revisão

Mutações do Gene do Receptor Sensível ao Cálcio Extracelular e Suas Doenças Associadas

Kozue Miyashiro

Omar M. Hauache

Laboratório de Endocrinologia

Molecular, Disciplina de

Endocrinologia, Departamento de

Medicina, Universidade Federal de

São Paulo (UNIFESP/EPM), SP.

Recebido em 15/01/2002

Revisado em 27/02/2002

Aceito em 03/03/2002

RESUMO

O receptor sensível ao cálcio extracelular (CaR) é um receptor acoplado à proteína G (GPCR), que exerce um papel essencial na regulação da homeostase do cálcio extracelular. O CaR encontra-se expresso em todos os tecidos relacionados com o controle desta homeostase (paratiróides, células C tiroideanas, rins, intestino e ossos). Logo após a clonagem do CaR, mutações inativadoras e ativadoras do gene deste receptor foram associadas com doenças genéticas humanas: hipercalcemia hipocalciúrica familiar (FHH) e hiperparatiroidismo neonatal severo (NSHPT) são causados por mutações inativadoras do gene do CaR, enquanto que a hipocalcemia autossômica dominante é resultante de mutações ativadoras do gene do CaR. Apesar de raras, tais doenças devem ser consideradas no diagnóstico diferencial de distúrbios hipercalcêmicos e hipocalcêmicos. O reconhecimento do papel fundamental do CaR na manutenção da homeostase do cálcio extracelular motivou o desenvolvimento de drogas capazes de modular a função do CaR, ativando-o (drogas calcimiméticas) ou inativando-o (drogas calciolíticas). Tais drogas têm uma implicação terapêutica potencial, como o controle clínico de casos específicos de hiperparatiroidismo primário e urêmico com o uso de drogas calcimiméticas e um tratamento promissor para osteoporose com o uso de drogas calciolíticas. (Arq Bras Endocrinol Metab 2002;46/4:411-417).

Descritores: Receptor sensível ao cálcio extracelular; Hipercalcemia hipocalciúrica familiar; Hiperparatiroidismo neonatal severo; Hipocalcemia autossômica dominante

ABSTRACT

Mutations of the Extracellular Calcium-Sensing Receptor Gene and its Associated Diseases.

The extracellular calcium-sensing receptor (CaR) is a G protein coupled receptor (GPCR) that plays a key role in the regulation of extracellular calcium homeostasis, being expressed in all tissues related to this control (parathyroid glands, thyroid C-cells, kidneys, intestine and bones). The cloning of the CaR was immediately followed by the association of genetic human diseases with inactivating and activating mutations of the CaR gene: familial hypocalciuric hypercalcemia (FHH) and neonatal severe hyperparathyroidism (NSHPT) are caused by inactivating mutations of the CaR gene, whereas autosomal dominant hypoparathyroidism is secondary to activating mutations of the CaR gene. In spite of being rare, these diseases should be considered in the differential diagnosis of hypercalcemic and hypocalcemic disorders. Recognition of the important role of the CaR for the regulation of extracellular calcium homeostasis motivated the development of drugs that modulate the CaR function, by either activating (calcimimetic drugs) or antagonizing it (calcilytic drugs). These drugs have potential therapeutic implications, such as medical control of specific cases of primary and uremic hyperparathyroidism with calcimimetic drugs and a potential treatment for osteoporosis with a calcilytic drug. (Arq Bras Endocrinol Metab 2002;46/4:411-417).

Keywords: Calcium-sensing receptor; Familial hypocalciuric hypercalcemia; Neonatal severe hyperparathyroidism; Autosomal dominant hypoparathyroidism

Regulação da Homeostase do Cálcio Extracelular

O ÍON CÁLCIO (Ca2+) é fundamental para uma grande variedade de processos intracelulares e extracelulares em todos os organismos. Intracelularmente, o cálcio está envolvido principalmente na proliferação, diferenciação e motilidade celular, no controle de diversas funções celulares como contração muscular, secreção hormonal e metabolismo do glicogênio, além de atuar como mensageiro secundário e cofator enzimático. No processo extracelular, participa de numerosas funções essenciais, tais como coagulação sangüínea, adesão celular, manutenção da integridade do esqueleto e regulação da excitabilidade extracelular (1,2).

O valor basal do cálcio intracelular (Ca2+i), geralmente em torno de 100nM, é aproximadamente 10.000 vezes menor do que a concentração do cálcio ionizado extracelular (Ca2+o), que é de cerca de 1mM. O Ca2+i pode sofrer rápidas elevações quando ocorre ativação celular, devido à liberação de cálcio do estoque intracelular e/ou proveniente do cálcio extracelular (2). Em contraste, o valor de Ca2+o medido no sangue varia muito pouco, permanecendo dentro de um intervalo estreito (1,14 - 1,30mmol/L). Neste sentido, um mecanismo ultra-sensível a pequenas mudanças de Ca2+o regula e mantém a homeostase desse íon (1,2).

A elucidação de um dos principais componentes deste mecanismo veio em 1993, quando Brown e cols. (3) identificaram o gene do receptor sensível ao cálcio extracelular (CaR) em células paratiroideanas bovinas, através de clonagem de expressão em oócitos de Xenopus laevis. O CaR é o mecanismo molecular pelo qual as células paratiroideanas e outras células reconhecem e respondem a pequenas mas fisiologicamente relevantes mudanças de Ca2+o, tendo, portanto, um papel fundamental no sistema homeostático responsável pela manutenção da constância do Ca2+o (1,4).

A homeostase do Ca2+o em mamíferos é mantida através de um complexo processo envolvendo a interação de alguns hormônios [paratormônio (PTH), 1,25-dihidroxivitamina D (1,25(OH)2D3), calcitonina] e sistemas orgânicos, como as glândulas paratiróides, células-C tiroideanas, rins, ossos e intestino (1). Alterações na concentração de Ca2+o são reconhecidas pelas células sensíveis a essas mudanças por intermédio do CaR, resultando na ativação a curto prazo (minutos a horas) e a longo prazo (dias a semanas) da resposta homeostática, com a finalidade de normalizar o nível de cálcio (1,2).

Na vigência de hipocalcemia, por exemplo, há um aumento rápido da secreção de PTH pelas células paratiroideanas e, em questão de horas, há um aumento no nível de mRNA para a síntese de PTH. Esta resposta de aumento de secreção de PTH está diretamente relacionada ao mecanismo de percepção dos níveis séricos de cálcio, mediado pelo CaR. O PTH mobiliza o cálcio ósseo, aumentando o fluxo de cálcio do osso para a circulação sangüínea, reduz a excreção renal de cálcio (aumentando a reabsorção de cálcio pelos túbulos distais) e aumenta a produção de 1,25(OH)2D3 a nível renal. Por sua vez, este metabólito ativo da vitamina D age no intestino aumentando a absorção do cálcio proveniente da dieta. Assim, através da ação conjunta do PTH e da vitamina D, a concentração de cálcio sérico se eleva, resultando na diminuição de PTH, completando o mecanismo clássico de feedback negativo (1,2,5).

Em contraste, na hipercalcemia ocorre a supressão da secreção de PTH e conseqüente redução da síntese de 1,25(OH)2D3, com resultante diminuição da reabsorção renal de cálcio, da mobilização do cálcio do osso e da absorção do cálcio pelo intestino. Neste caso, o excesso de cálcio circulante é "sentido" pelo CaR, que, uma vez ativado, sinaliza a informação para a célula paratiroideana secretar menos PTH. A hipercalcemia também estimula diretamente a secreção de calcitonina pelas células C tiroideanas através de um mecanismo de feedback positivo. A calcitonina é um hormônio que possui uma atividade hipocalcêmica e exerce sua função reduzindo o fluxo de cálcio do osso para o fluido extracelular e aumentando a excreção de cálcio. Entretanto, a calcitonina possui um efeito hipocalcêmico modesto em circunstâncias normais, quando comparado aos efeitos do PTH e da 1,25(OH)2D3 (1,2,5). Assim, esses 3 hormônios calciotrópicos agem em seus órgãos efetores, principalmente osso, intestino e rins, alterando o transporte dos íons cálcio para o interior ou para o exterior do fluido extracelular, modulando desta forma a manutenção da homeostase desse íon (1,4).

Receptor Sensível ao Cálcio Extracelular (CaR)

O CaR, estando expresso em todos os tecidos relacionados à manutenção da homeostase do Ca2+o (6-11), exerce importante papel na manutenção desta homeostase. Expressão do CaR também é encontrada em tecidos sem função aparente no controle homeostático do Ca2+o, como por exemplo mamas, pâncreas, diversas áreas do sistema nervoso central, queratinócitos, dentes etc... A função específica do CaR nestes tecidos ainda não está claramente estabelecida (1).

Subseqüentemente à clonagem do cDNA do CaR em paratiróide bovina (BoPCaR1) (3), homólogos do CaR bovino foram isolados em ratos (células C, cérebro, rim) (12), humanos (paratiróide, rim) (13,14), coelho (rim) (15) e galinha (paratiróide) (16), todos muito similares ao BoPCaR1. Os CaRs humano (1078 aminoácidos) e do rato (1079 aminoácidos), possuem estruturas altamente conservadas, com 93% de identidade com o BoPCaR1 (2,6,11). As características estruturais do CaR humano incluem um largo domínio extracelular (ECD) amino-terminal de 612 aminoácidos, um domínio central com cerca de 250 aminoácidos formando sete regiões transmembranosas, característico dos receptores acoplados à superfamília da proteína G (GPCRs), e uma cauda carboxi-terminal com mais de 200 aminoácidos (4,17).

O CaR pertence a uma subfamília de GPCRs onde também estão incluídos os seguintes receptores: receptor metabotrópico do ácido glutâmico (18), receptores de feromônios (19-21), receptores gustativos (22) e receptor do GABAB (23).

A clonagem do CaR também possibilitou a identificação de doenças hereditárias decorrentes de mutações inativadoras e ativadoras do gene desse receptor (1,4,24). Esses fatos reforçaram a importância do CaR na homeostase do Ca2+o e levaram os pesquisadores a uma reavaliação do conceito tradicional do papel desse íon. Neste sentido, o Ca2+o não pode mais ser visto como um componente passivo do fluido extracelular, mas sim comportando como um hormônio que modula a função do tecido alvo através de seu próprio receptor (1).

Doenças associadas com mutações inativadoras do gene do CaR: Hipercalcemia Hipocalciúrica Familiar (FHH) e Hiperparatiroidismo Neonatal Severo (NSHPT)

Na FHH e no NSHPT, mutações inativadoras do gene do CaR levam a uma resistência generalizada ao Ca2+o. Mais de 35 mutações inativadoras do gene do CaR já forma descritas em pacientes, com conseqüente FHH ou NSHPT (4,24). Muitas destas mutações são pontuais e se localizam no longo domínio extracelular do CaR, local de ligação do agonista cálcio ao receptor com sua conseqüente ativação (25). Entretanto, algumas mutações inativadoras já foram identificadas nos domínios transmembranosos e na cauda carboxi-terminal (4,24). Estudos funcionais com células HEK293 transfectadas com DNA do CaR contendo estas mutações descritas em pacientes com FHH ou NSHPT comprovam a capacidade diminuída desta CaR mutado em "sentir" os níveis de cálcio extracelular circulantes (26,27), através da demonstração de um EC50 aumentado (por EC50 entende-se a concentração efetiva de cálcio extracelular que proporciona metade da resposta máxima referente à liberação de cálcio intracelular, medida por estes estudos funcionais).

A FHH é doença com herança autossômica dominante com uma penetrância superior a 90% (28-30). A maioria das famílias com FHH apresenta um linkage do gene afetado com o cromossomo 3 (banda q21-24), que sabidamente alberga o gene do CaR. Uma exceção diz respeito a uma família aparentemente portadora de FHH e que apresenta linkage com o braço curto do cromossomo 19 (banda 19p 13.3) (31). A FHH é um distúrbio raro do metabolismo mineral caracterizado por hipercalcemia leve a moderada, geralmente assintomática. Esta hipercalcemia na maior parte dos casos não ultrapassa um valor de mais de 10% acima do limite superior da normalidade. O nível de PTH é inapropriadamente normal, e estes são os casos que podem criar dificuldades no diagnóstico diferencial entre FHH e os casos de hiperparatiroidismo primário com níveis de PTH normais. Os pacientes com FHH apresentam uma hipocalciúria relativa, frente à hipercalcemia vigente. Nestes casos, a razão do clearance renal de cálcio sobre o clearance de creatinina é inferior a 0,01. Esta razão geralmente é maior em pacientes com hiperparatiroidismo primário ou com outros distúrbios hipercalcêmicos. Os sintomas característicos e complicações que afetam pacientes com outras formas de hipercalcemia parecem não fazer parte da FHH. Entretanto, mesmo algumas famílias com FHH portadoras de hipercalciúria e/ou nefrolitíase já foram descritas (29,32). Alguns indivíduos de famílias com FHH apresentaram pancreatite, colelitíase ou condrocalcinose (24).

Em resumo, o diagnóstico de FHH pode ser estabelecido através da combinação de uma razão de clearance de cálcio sobre clearance de creatinina inferior a 0,01, nível de PTH normal e uma hipercalcemia leve e assintomática com herança autossômica dominante. Baseado nisso, é muito importante o diagnóstico diferencial com hiperparatiroidismo primário. Paratiroidectomia não está indicada nos pacientes com FHH e não deve melhorar a hipercalcemia destes casos, comprovando que o defeito nestes pacientes é intrínseco ao gene do CaR.

Via de regra, o valor da hipercalcemia nos pacientes com NSHPT é maior que nos pacientes com FHH. Os pacientes portadores de NSHPT apresentam hiperplasia de todas as paratiróides e esta doença pode ser fatal caso paratiroidectomia total não for realizada nas primeiras semanas de vida. O quadro clínico pode ser dramático, com presença de desmineralização óssea e múltiplas fraturas de ossos longos e costelas. Algumas crianças com NSHPT representam a forma homozigota da FHH (33). Mais raramente, pode ser verificada heterozigosidade composta, onde duas mutações inativadoras distintas foram herdadas, uma do pai e outra da mãe (34). Em alguns casos, pode ser observado o fenômeno de dominância negativa, onde um alelo mutado exerce um efeito inibidor sobre o alelo normal. Nesta situação, uma mutação inativadora heterozigota do gene do CaR, seja herdada ou de novo em uma criança com pais sem mutação no gene do CaR, pode levar à manifestação do fenótipo de NSHPT (35). Entretanto, é importante destacar que alguns relatos recentes documentam uma forma de NSHPT onde a hipercalcemia não era tão elevada e/ou transitória. Estes casos não estavam relacionados a famílias com FHH e podem responder bem ao tratamento clínico medicamentoso (24). Camundongos apresentando unicamente inativação heterozigota ou homozigota do gene do CaR foram estudados (36). Estes animais compartilham as alterações bioquímicas apresentadas por pacientes portadores de FHH e NSHPT, o que reforça a importância fisiológica do CaR no metabolismo mineral iônico.

Doença associada com mutações ativadoras do CaR: Hipocalcemia Autossômica Dominante

A hipocalcemia autossômica dominante é decorrente de mutações ativadoras do gene do CaR. Até o presente, mais de 20 mutações ativadoras distintas já foram descritas em pacientes portadores de hipocalcemia autossômica dominante (4,24). Da mesma forma que as mutações inativadoras, a maioria das mutações ativadoras do gene do CaR localiza-se no ECD. Mutações do gene do CaR em pacientes com hipocalcemia autossômica dominante via de regra levam a uma sensibilidade aumentada ao cálcio extracelular (37,38). A exceção a esta regra diz respeito a uma mutação constitutivamente ativadora (A843E) localizada no sétimo domínio transmembranoso do CaR (39). Estas mutações ativadoras, quando expressas em células HEK293 e estudadas funcionalmente, resultam em reduções do EC50, o que denota uma sensibilidade aumentada ao agonista cálcio (26,38,40). Indivíduos afetados de famílias com hipocalcemia autossômica dominante apresentam hipocalcemia de graus variados (geralmente entre 6,0 e 8,0mg/dL) na presença de níveis de PTH inapropriadamente baixos. Os níveis de PTH geralmente são mais baixos nos pacientes portadores de hipoparatiroidismo do que nos pacientes com hipocalcemia autossômica dominante. A presença de uma mutação ativadora do CaR, contrariamente ao que é observado na FHH, reduz a reabsorção renal de cálcio diante de uma calcemia inapropriadamente baixa (37). Desta forma, observamos uma hipercalciúria relativa nestes pacientes com hipocalcemia autossômica dominante.

Os pacientes com hipocalcemia autossômica dominante geralmente apresentam poucos sintomas. Entretanto, alguns pacientes mais jovens podem apresentar convulsões. Outros sintomas de hipocalcemia, como parestesias e tetania não são comuns (24). Hiperfosfatemia e hipomagnesemia podem ser observadas em alguns pacientes. A resposta ao tratamento com vitamina D é um diferencial em relação ao hipoparatiroidismo. No caso de pacientes com hipocalcemia autossômica dominante, a tentativa de reposição de cálcio e principalmente de vitamina D com o intuito de normalizar a calcemia pode piorar a hipercalciúria, podendo chegar ao ponto de apresentarem nefrocalcinose. Alguns pacientes também apresentam um diabetes insipidus nefrogênico. Isto reforça a idéia de que, nestes pacientes com hipocalcemia autossômica dominante, o sistema homeostático do cálcio está adaptado a uma calcemia inferior à calcemia normal e eventuais tentativas de torná-los normocalcêmicos podem resultar em hipercalciúria e diabetes insipidus nefrogênico (41). Assim, muito cuidado deve ser tomado no sentido de evitar o excesso de tratamento da hipocalcemia autossômica dominante com vitamina D ou suplementos de cálcio. O risco de nefrocalcinose durante o tratamento pode ser minimizado através da monitorização periódica da excreção urinária de cálcio (42).

Comentário final: Potencial terapêutico de drogas que modulam a atividade do CaR

Considerando que o CaR representa um alvo terapêutico em potencial, alguns compostos estão sendo testados com o objetivo de ativar o CaR (calcimiméticos) (43,44) ou inativá-lo (calciolíticos) (45,46).

Os calcimiméticos são compostos orais que ativam o CaR e conseqüentemente aumentam a sensibilidade do CaR ao cálcio extracelular, resultando em uma menor secreção de PTH. Diferentemente do agonista cálcio que ativa o CaR ligando-se a sítios de ligação situados principalmente no domínio extracelular (25), o local de ação do calcimimético R-568 parece estar situado especificamente nos domínios transmembranosos (40). Esta inibição da secreção de PTH foi demonstrada in vitro e em pacientes portadores de hiperparatiroidismo primário (47,48) e urêmico (49,50). Desta maneira, constituem-se em excelentes candidatos para o manejo clínico de determinados casos de hiperfunção paratiroideana e de sua conseqüente hipercalcemia, como por exemplo em pacientes sem condições clínicas para um procedimento cirúrgico.

Neer e cols. (51) recentemente comprovaram o efeito benéfico do PTH 1-34 no tratamento de osteoporose na pós-menopausa. Estes autores verificaram que o uso de PTH 1-34 por via subcutânea diária esteve associado a um aumento significativo de massa óssea em fêmur e coluna vertebral e a um menor risco de fraturas vertebrais e não vertebrais. Com isto em mente, o desenvolvimento e a aplicabilidade clínica de uma droga calciolítica para o tratamento da osteoporose parece muito promissor. Tal droga, cuja farmacodinâmica é muito atraente por ser administrada via oral, age antagonizando o CaR e conseqüentemente estimula a secreção de PTH (45,46).

Endereço para correspondência:

Omar M. Hauache

Disciplina de Endocrinologia - UNIFESP/EPM

Rua Pedro de Toledo 781 - 12o andar

04039-032 São Paulo, SP

Fax: (011) 5084-5231

e.mail: ohauache-endo@pesquisa.epm.br

  • 1. Brown EM. Physiology and pathophysiology of the extracellular calcium sensing receptor. Am J Med 1999;106:238-53.
  • 2. Brown EM. Extracellular Ca2+ sensing, regulation of parathyroid cell function, and role of Ca2+ and other ions as extracellular (first) messengers. Physiol Rev 1991;71:371-411.
  • 3. Brown EM, Gamba G, Riccardi D, Lombardi M, Butters R, Kifor O, et al. Cloning and characterization of an extracellular Ca2+ sensing receptor from bovine parathyroid. Nature 1993;366:575-80.
  • 4. Hauache OM. Extracellular calcium-sensing receptor: structural and functional features and association with diseases. Braz J Med Biol Res 2001;34:577-84.
  • 5. Brown EM, Pollak M, Seidman CE, Seidman JG, Chou YH, Riccardi D, et al. Calcium-ion-sensing cell-surface receptors. N Engl J Med 1995;333:234-40.
  • 6. Garrett JE, Tamir H, Kifor O, Simin RT, Rogers KV, Mithal A, et al. Calcitonin-secreting cells of the thyroid express an extracellular calcium receptor gene. Endocrinology 1995;136:5202-11.
  • 7. Freichel M, Zinc-Lorenz A, Hollishi A, Hafner M, Flockerzi V, Raue F. Expression of a calcium-sensing receptor in a human medullary thyroid carcinoma cell line and its contribution to calcitonin secretion. Endocrinology 1996;137:3842-8.
  • 8. Gama L, Baxenlale-Cox LM, Breitwieser GE. Ca2+-sensing receptor in intestinal epithelium. Am J Physiol 1997;273:C1168-75.
  • 9. Chattopadhyay N, Cheng I, Rogers K, Riccardi D, Hall A, Diaz R, et al. Identification and localization of extracellular Ca2+-sensing receptor in rat intestine. Am J Physiol 1998;274:G122-30.
  • 10. Yamaguchi T, Chattopadhyay N, Kifor O, Brown EM. Extracellular calcium (Ca2+0)-sensing receptor in a murine bone marrow-derived stromal cell line (ST2): Potential mediator of the action of Ca2+0 on the function of ST2 cells. Endocrinology 1998;139:3561-8.
  • 11. Yamaguchi T, Chattopadhyay N, Kifor O, Butters RR, Sugimoto T, Brown EM. Mouse osteoblastic cell line (MC3T3-E1) expresses extracellular calcium (Ca2+0)-sensing receptor and its agonists stimulate chemotaxis and proliferation of MC3T3-E1 cells. J Bone Miner Res 1998;13:1530-8.
  • 12. Riccardi D, Park J, Lee W-S, Gamba G, Brown EM, Hebert SC. Cloning and functional expression of a rat kidney extracellular calcium/polyvalent cation-sensing receptor. Proc Natl Acad Sci USA 1995;92:131-5.
  • 13. Garrett JE, Capuano IV, Hammerland LG, Hung BCP, Brown EM, Hebert SC, et al. Molecular cloning and functional expression of human parathyroid calcium receptor cDNAs. J Biol Chem 1995;270:12919-25.
  • 14. Aida K, Koishi S, Tawata M, Onaya T. Molecular cloning of a putative Ca2+-sensing receptor cDNA from human kidney. Biochem Biophys Res Commun 1995;214:524-9.
  • 15. Butters RR Jr, Chattopadhyay N, Nielsen P, Smith CP, Mithal A, Kifor O, et al. Cloning and characterization of a calcium-sensing receptor from the hypercalcemic New Zealand white rabbit reveals unaltered responsiveness to extracellular calcium. J Bone Miner Res 1997;12:568-79.
  • 16. Diaz R, Hurwitz S, Chattopadhyay N, Pines M, Yang Y, Kifor O, et al. Cloning, expression and tissue localization of the calcium-sensing receptor in the chicken (Gallus Domesticus). Am J Physiol 1997;273:R1008-16.
  • 17. Bai M. Structure and function of the extracellular calcium-sensing receptor (review). Int J Mol Med 1999;4:115-25.
  • 18. Nakanishi S. Molecular diversity of glutamate receptors and implications for brain function. Science 1992;258:597-603.
  • 19. Matsunami H, Buck LB. A multigene family encoding a diverse array of putative pheromone receptors in mammals. Cell 1997;90:775-84.
  • 20. Ryba NJ, Tirindelli R. A new multigene family of putative pheromone receptors. Neuron 1997;19:371-9.
  • 21. Herrada G, Dulac C. A novel family of putative pheromone receptors in mammals with a topographically organized and sexually dimorphic distribution. Cell 1997;90:763-73.
  • 22. Hoon MA, Adler E, Lindemeier J, Battey JF, Ryba NJP, Zuker CS. Putative mammalian taste receptors: a class of taste-specific GPCRs with distinct topographic selectivity. Cell 1999;96:541-51.
  • 23. Kaupmann K, Huggel K, Heid J, Flor PJ, Bischoff S, Mickel SJ, et al. Expression cloning of GABA(B) receptors uncovers similarity to metabotropic glutamate receptors. Nature 1997;386:239-46.
  • 24. Hendy GN, D'Souza-Li L, Yang B, Canaff L, Cole DE. Mutations of the calcium-sensing receptor (CASR) in familial hypocalciuric hypercalcemia, neonatal severe hyperparathyroidism, and autosomal dominant hypocalcemia. Hum Mutat 2000;16:281-96.
  • 25. Bräuner-Osborne H, Jensen AA, Sheppard PO, O'Hara , Krogsgaard-Larsen P. The agonist-binding domain of the calcium-sensing receptor is located at the amino-terminal domain J Biol Chem 1999;274:18382-6.
  • 26. Bai M, Quinn S, Trivedi S, Kifor O, Pearce SHS, Pollak MR, et al. Expression and characterization of inactivating and activating mutations in the human Ca2+0-sensing receptor. J Biol Chem 1996;271:19537-45.
  • 27. Bai M, Janicic N, Trivedi S, Quinn SJ, Cole DEC, Brown EM, et al. Markedly reduced activity of mutant calcium-sensing receptor with an inserted Alu element from a kindred with familial hypocalciuric hypercalcemia and neonatal severe hyperparathyroidism. J Clin Invest 1997;99:1917-25.
  • 28. Foley T Jr, Harrison H, Arnaud C, Harrison H. Familial benign hypercalcemia. J Pediatr 1972;81:1060-7.
  • 29. Marx SJ, Attie MF, Levine MA, Spiegel AM, Downs RW Jr, Lasker RD. The hypocalciuric or benign variant of familial hypercalcemia: clinical and biochemical features in fifteen kindreds. Medicine (Baltimore) 1981;60:397-412.
  • 30. Law WM Jr, Heath III H. Familial benign hypercalcemia (hypocalciuric hypercalcemia). Clinical and pathogenetic studies in 21 families. Ann Intern Med 1985;105:511-9.
  • 31. Heath H, Jackson C, Otterud B, Leppert M. Genetic linkage analysis of familial benign (hypocalciuric) hypercalcemia: evidence for locus heterogeneity. Am J Hum Genet 1993;53:193-200.
  • 32. Carling T, Szabo E, Bai M, Ridefelt P, Westin G, Gustavsson P, et al. Familial hypercalcemia and hypercalciuria caused by a novel mutation in the cytoplasmic tail of the calcium receptor. J Clin Endocrinol Metab 2000;85:2042-7.
  • 33. Pollak MR, Chou YH, Marx SJ, Steinmann B, Cole DE, Brandi ML, et al. Familial hypocalciuric hypercalcemia and neonatal severe hyperparathyroidism. Effects of mutant gene dosage on phenotype. J Clin Invest 1994;93:1108-12.
  • 34. Kobayashi M, Tanaka H, Tsuzuki K, Tsuyuki M, Igaki H, Ichinose Y, et al. Two novel missense mutations in calcium-sensing receptor gene associated with neonatal severe hyperparathyroidism. J Clin Endocrinol Metab 1997; 82:2716-9.
  • 35. Bai M, Pearce SH, Kifor O, Trivedi S, Stauffer UG, Thakker RV, et al. In vivo and in vitro characterization of neonatal hyperparathyroidism resulting from a de novo, heterozygous mutation in the Ca2+-sensing receptor gene: normal maternal calcium homeostasis as a cause of secondary hyperparathyroidism in familial benign hypocalciuric hypercalcemia. J Clin Invest 1997;99:88-96.
  • 36. Ho C, Conner DA, Pollak MR, Ladd DJ, Kifor O, Warren HB, et al. A mouse model of human familial hypocalciuric hypercalcemia and neonatal severe hyperparathyroidism. Nat Genet 1995;11:389-94.
  • 37. Pearce SH, Williamson C, Kifor O, Bai M, Coulthard MG, Davies M, et al. A familial syndrome of hypocalcemia with hypercalciuria due to mutations in the calcium-sensing receptor. N Engl J Med 1996;335:1115-22.
  • 38. De Luca F, Ray K, Mancilla EE, Fan GF, Winer KK, Gore P, et al. Sporadic hypoparathyroidism caused by de novo gain-of-function mutations of the Ca2+-sensing receptor. J Clin Endocrinol Metab 1997;82:2710-5.
  • 39. Zhao XM, Hauache O, Goldsmith PK, Collins R, Spiegel AM. A missense mutation in the seventh transmembrane domain constitutively activates the human Ca2+ receptor. FEBS Lett 1999;448:180-4.
  • 40. Hauache OM, Hu J, Ray, Xie R, Jacobson KA, Spiegel AM. Effects of a Calcimimetic Compound and Naturally Activating Mutations on the Human Ca2+ Receptor and on Ca2+ Receptor/Metabotropic Glutamate Chimeric Receptors. Endocrinology 2000;141:4156-63.
  • 41. Chattopadhyay N, Mithal A, Brown EM. The calcium-sensing receptor: a window into the physiology and pathophysiology of mineral ion metabolism. Endocrine Rev 1996;17:289-307.
  • 42. Lienhardt A, Bai M, Lagarde JP, Rigaud M, Zhang Z, Jiang Y, et al. Activating mutations of the calcium-sensing receptor: management of hypocalcemia. J Clin Endocrinol Metab 2001;86:5313-23.
  • 43. Nemeth EF, Steffey ME, Hammerland LG, Hung BCP, Van Wagenen BC, DelMaR EG, et al. Calcimimetics with potent and selective activity on the parathyroid calcium receptor. Proc Natl Acad Sci USA 1998;95:4040-5.
  • 44. Nemeth EF, Steffey ME, Fox J. The parathyroid calcium receptor: a novel therapeutic target for treating hyperparathyroidism. Pediatr Nephrol 1996;10:275-9.
  • 45. Gowen M, Stroup GB, Dodds RA, James IE, Votta BJ, Smith BR, et al. Antagonizing the parathyroid calcium receptor stimulates parathyroid hormone secretion and bone formation in osteopenic rats. J Clin Invest 2000;105:1595-604.
  • 46. Nemeth EF, Delmar EG, Heaton WL, Miller MA, Lambert LD, Conklin RL, et al. Calcilytic compounds: potent and selective Ca2+ receptor antagonists that stimulate secretion of parathyroid hormone. Pharmacol Exp Ther 2001;299:323-31.
  • 47. Silverberg SJ, Bone HG 3rd, Marriott TB, Locker FG, Thys-Jacobs S, Dziem G, et al. Short-term inhibition of parathyroid hormone secretion by a calcium-receptor agonist in patients with primary hyperparathyroidism. N Engl J Med 1997;337:1506-10.
  • 48. Collins MT, Skarulis MC, Bilezikian JP, Silverberg SJ, Spiegel AM, Marx SJ. Treatment of hypercalcemia secondary to parathyroid carcinoma with a novel calcimimetic agent. J Clin Endocrinol Metab 1998;83:1083-8.
  • 49. Chin J, Miller SC, Wada M, Nagano N, Nemeth EF, Fox J. Activation of the calcium receptor by a calcimimetic compound halts the progression of secondary hyperparathyroidism in uremic rats. J Am Soc Nephrol 2000;11:903-11.
  • 50. Goodman WG, Frazao JM, Goodkin DA, Turner SA, Liu W, Coburn JW. A calcimimetic agent lowers plasma parathyroid hormone levels in patients with secondary hyperparathyroidism. Kidney Int 2000;58:436-45.
  • 51. Neer RM, Arnaud CD, Zanchetta JR, Prince R, Gaich GA, Reginster JY, et al. Effect of parathyroid hormone (1-34) on fractures and bone mineral density in postmenopausal women with osteoporosis. N Engl J Med 2001;344:434-41.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Nov 2002
  • Data do Fascículo
    Ago 2002

Histórico

  • Aceito
    03 Mar 2002
  • Revisado
    27 Fev 2002
  • Recebido
    15 Jan 2002
Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia Rua Botucatu, 572 - conjunto 83, 04023-062 São Paulo, SP, Tel./Fax: (011) 5575-0311 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: abem-editoria@endocrino.org.br