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Bioequivalência de Preparações Comerciais de L-Tiroxina (100 e 200µg): Avaliação em Pacientes Hipotireóideos Previamente Tireoidectomizados

Bioequivalence of Commercial Formulations of L-Thyroxine (100 and 200µg): Evaluation in Previously Thyroidectomized Hypothyroid Patients

Resumos

A bioequivalência e biodisponibilidade das preparações comerciais de L-tiroxina podem apresentar diferenças significativas entre si. O objeto do presente trabalho foi comparar variáveis séricas tireóideas (T4 e T3 totais, T4 livre e TSH endógeno) em pacientes previamente tireoidectomizados (há mais de 5 anos) e sem evidência clínica ou ecográfica de tecido glandular cervical remanescente. Os referidos parâmetros foram medidos, por 15 dias, a intervalos de tempo regulares, durante administração de solução oral de L-tiroxina (100µg), presumivelmente de absorção e biodisponibilidade ideais. Comparou-se, em seguida, a oscilação das mesmas variáveis com duas outras preparações comerciais, sob forma de comprimidos de L-tiroxina (LT4A e LT4B) nas doses de 100µg/dia e a seguir 200µg/dia. Não se observou diferença significativa entre a solução oral e as duas preparações comerciais nos vários tempos de medida. Tampouco houve diferença significativa entre os comprimidos de L-T4A e L-T4B em doses de 100µg ou de 200µg/dia. Concluímos que ambas as preparações apresentam biodisponibilidade e bioequivalência adequadas nas condições utilizadas neste estudo.

L-tiroxina; Hipotireoidismo; Tireoidectomia total; Carcinoma de tireóide; Bioequivalência


A major issue influencing prescribing patterns of physicians has been the relative bioavailability and bioequivalence of commercial levothyroxine preparations. Some studies have suggested similar bioequivalence between various L-T4 tablets while other reports have found differences. Some of these studies have been criticized for methodological defects in patients' selection or study design, which have become appreciated only in retrospect. Moreover the US Pharmacopeia has proposed that commercial tablets of L-T4 should be tested for its dissolution in two different solutions. Each manufacturer should periodically test batches of tablets as indicated. In the present study, we have compared serum thyroid function parameters (total T4, total T3, free T4, and serum TSH) in previously totally thyroidectomized patients, without sonographic evidence for reminiscent thyroid tissue in the cervical area. The above parameters were measured, as function of time, for 15 days of either an oral solution of L-T4 (100µg) or tablets of L-T4A and L-T4B (100µg/tablet). There was no significant difference between the various parameters, in relation to time, for each of the different preparations. Moreover L-T4A tablets did not differ from L-T4B tablets, when those parameters were tested, either at the concentration of 100 or 200µg/day. We conclude that the two oral formulations of L-thyroxine have similar bioavailability and bioequivalence under the present experimental conditions.

L-thyroxine; Hypothyroidism; Total thyroidectomy; Thyroid carcinoma; Bioequivalence


artigo original

Bioequivalência de Preparações Comerciais de L-Tiroxina (100 e 200µg): Avaliação em Pacientes Hipotireóideos Previamente Tireoidectomizados

Rosalinda Y.A. Camargo

Jean Jorge S. de Souza

Ana K.M. Bezerra

Katia Seidenberger

Eduardo Tomimori

Maria Silvia Cardia

Meyer Knobel

Lenine Brandão

Geraldo Medeiros-Neto

Unidade de Tireóide, Disciplinas de

Endocrinologia e de Cabeça e Pescoço

(LB), Faculdade de Medicina da

Universidade de São Paulo (FMUSP),

São Paulo, SP.

Recebido em 23/08/01

Aceito em 04/02/02 e 29/04/02

Aceito em 24/05/02

RESUMO

A bioequivalência e biodisponibilidade das preparações comerciais de L-tiroxina podem apresentar diferenças significativas entre si. O objeto do presente trabalho foi comparar variáveis séricas tireóideas (T4 e T3 totais, T4 livre e TSH endógeno) em pacientes previamente tireoidectomizados (há mais de 5 anos) e sem evidência clínica ou ecográfica de tecido glandular cervical remanescente. Os referidos parâmetros foram medidos, por 15 dias, a intervalos de tempo regulares, durante administração de solução oral de L-tiroxina (100µg), presumivelmente de absorção e biodisponibilidade ideais. Comparou-se, em seguida, a oscilação das mesmas variáveis com duas outras preparações comerciais, sob forma de comprimidos de L-tiroxina (LT4A e LT4B) nas doses de 100µg/dia e a seguir 200µg/dia. Não se observou diferença significativa entre a solução oral e as duas preparações comerciais nos vários tempos de medida. Tampouco houve diferença significativa entre os comprimidos de L-T4A e L-T4B em doses de 100µg ou de 200µg/dia. Concluímos que ambas as preparações apresentam biodisponibilidade e bioequivalência adequadas nas condições utilizadas neste estudo. (Arq Bras Endocrinol Metab 2002;46/5:526-535)

Descritores: L-tiroxina; Hipotireoidismo; Tireoidectomia total; Carcinoma de tireóide; Bioequivalência

ABSTRACT

Bioequivalence of Commercial Formulations of L-Thyroxine (100 and 200µg): Evaluation in Previously Thyroidectomized Hypothyroid Patients.

A major issue influencing prescribing patterns of physicians has been the relative bioavailability and bioequivalence of commercial levothyroxine preparations. Some studies have suggested similar bioequivalence between various L-T4 tablets while other reports have found differences. Some of these studies have been criticized for methodological defects in patients' selection or study design, which have become appreciated only in retrospect. Moreover the US Pharmacopeia has proposed that commercial tablets of L-T4 should be tested for its dissolution in two different solutions. Each manufacturer should periodically test batches of tablets as indicated. In the present study, we have compared serum thyroid function parameters (total T4, total T3, free T4, and serum TSH) in previously totally thyroidectomized patients, without sonographic evidence for reminiscent thyroid tissue in the cervical area. The above parameters were measured, as function of time, for 15 days of either an oral solution of L-T4 (100µg) or tablets of L-T4A and L-T4B (100µg/tablet). There was no significant difference between the various parameters, in relation to time, for each of the different preparations. Moreover L-T4A tablets did not differ from L-T4B tablets, when those parameters were tested, either at the concentration of 100 or 200µg/day. We conclude that the two oral formulations of L-thyroxine have similar bioavailability and bioequivalence under the present experimental conditions. (Arq Bras Endocrinol Metab 2002;46/5:526-535)

Keywords: L-thyroxine; Hypothyroidism; Total thyroidectomy; Thyroid carcinoma; Bioequivalence

A PRESENÇA DE HIPOTIREOIDISMO, quer em sua forma clássica (com níveis elevados de TSH sérico, queda de T4 livre), quer na variante subclínica (TSH sérico elevado e T4 livre normal) atinge cerca de 75% das mulheres menopausadas e, aproximadamente, 2,8% dos indivíduos do sexo masculino (1,2). Em termos populacionais, estes dados permitem estimar que cerca de 10,3% da população adulta brasileira pode apresentar alguma forma de insuficiência tireóidea (ou seja, cerca de 17 milhões de pessoas). A maior parte destes indivíduos jamais será tratada, uma vez que o rastreamento do hipotireoidismo não é rotineiramente executado na população adulta. Sabe-se, contudo, que existem óbvias vantagens no tratamento da insuficiência tireóidea, quer pela queda dos níveis de auto-anticorpos (em doenças autoimunes), pela melhora do metabolismo interno, quer pela normalização de dislipidemias secundárias ao hipotireoidismo (3). Decidida a terapêutica do quadro de hipotireoidismo, inicia-se a administração de L-tiroxina, a qual terá duração, provavelmente, por toda a vida do paciente. A estimativa de Wartofsky (4) é de que 8 a 12 milhões de americanos estão sob tratamento com L-tiroxina tanto por condições de insuficiência tireóidea por várias causas, como por supressão do TSH endógeno, em casos de carcinoma diferenciado de tireóide. Este amplo mercado de prescrição de L-T4 indica dispêndio de quantias elevadas, atingindo centenas de milhões de dólares, anualmente (4,5). A situação de uso de L-T4 por parte de outras populações, além da norte-americana, não deverá ser muito diferente, tornando a L-tiroxina uma das preparações farmacêuticas mais prescritas, mundialmente, pelos médicos. Compreensivelmente, várias indústrias farmacêuticas lançaram no mercado suas respectivas marcas de L-tiroxina, em várias denominações e dosagens diversas. A simples observação de publicidade em revistas médicas indica que cada grupo farmacêutico afirma que o seu produto é aquele de melhor qualidade, em comparação com outros comprimidos de igual potência: vários trabalhos surgiram em revistas internacionais de indiscutível prestígio (6-13) tentando documentar que existem evidentes diferenças entre as várias apresentações existentes no mercado. A controvérsia presente nos meios científicos foi resumida e revista em publicações que tentaram analisar, respectivamente, os vários estudos publicados e suas conclusões (4,5).

Diante destes fatos julgamos útil comparar duas preparações comerciais de L-tiroxina (Synthroid [L-tiroxina, Abbott Laboratórios do Brasil Ltda.] e Tetroid [L-tiroxina, Aché Laboratórios Farmacêuticos S.A.], existentes em nosso meio, através de aferição de parâmetros tireóideos (T4 e T3 totais, T4 livre e TSH sérico) em pacientes em que a glândula tireóide foi totalmente removida (tireoidectomia total) e estavam sob uso de L-T4 por mais de cinco anos.

MATERIAIS E MÉTODOS

Pacientes

Os pacientes foram recrutados por um dos co-autores (LB) dentro da população submetida à tireoidectomia total, em passado superior a cinco anos. A condição clínica que levou à indicação de tireoidectomia total foi carcinoma diferenciado de tireóide (93%) ou bócio multinodular (7%). Vários pacientes, após a cirurgia, foram submetidos à dose terapêutica com radioiodo. Na evolução de cada caso, nos cinco ou mais anos de seguimento, não havia qualquer indicação de presença de metástases em linfonodos cervicais ou à distância, comprovada pelos vários exames de tireoglobulina sérica realizados, como por exames de imagem com traçadores radioativos (PCI). Todos os pacientes incluídos neste estudo foram instruídos quanto aos procedimentos do presente trabalho e assinaram o Termo de Consentimento pós-informação. O presente projeto de pesquisa foi aprovado pela Comissão de Ética para Análise de Projetos de Pesquisa do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Desenho do projeto de pesquisa

O protocolo do presente trabalho está esquematizado na figura 1. O desenho deste projeto de pesquisa foi aprovado pela Comissão de Ética da FMUSP em 11 de Fevereiro de 1999, cerca de 2 anos precedendo à Resolução ANVISA RDC nº 10, que regulamentou estudo de bioequivalências. No entanto, no inciso 6 (seis) da referida Resolução, indica-se que a bioequivalência pode ser baseada na concentração sérica de parâmetro aferidor (no caso, TSH sérico), no ponto de equilíbrio e no ponto final (end-point) de farmacodinâmica. O período de abstenção de L-tiroxina, inicialmente de 25 dias (wash-out), foi reduzido para 15 dias por sugestão da Comissão de Ética. Por outro lado, o desenho do projeto, inicialmente com estudo cruzado (crossover), foi simplificado para diminuir múltiplos deslocamentos dos pacientes ao recinto hospitalar. Com estas limitações indicamos abaixo os detalhes do protocolo do presente trabalho.


Estudamos 30 pacientes, sendo 28 do sexo feminino e 2 do sexo masculino, com idades variando entre 28 e 70 anos. Todos os pacientes estavam em tratamento com preparações comerciais de L-tiroxina. Após suspensão da medicação (L-T4) por 21 dias, os parâmetros de função tireóidea foram analisados, constituindo a Fase BASAL. Nesta fase foi realizada ultra-sonografia da região cervical e dosada a tireoglobulina sérica.

Na fase seguinte (fase 2), durante 15 dias, os pacientes foram instruídos para ingerir o conteúdo de flaconetes contendo L-tiroxina (100µg) em solução oral. Esta solução oral era composta por L-tiroxina sódica, propilenoglicol, sorbitol a 70%, sacarina sódica, ciclamato de sódio e essência de morango (52303) para ter paladar agradável. A solução fornecia 100µg de L-T4 por flaconetes, sendo considerada como Padrão Ouro no que se refere à ingestão, absorção e adequada concentração na circulação, em tempos variáveis. Wenzel & Kirschsieper (14) confirmaram que os excipientes (lactose, amido de milho) usados em comprimidos de T4 têm algum efeito na absorção, reduzindo-a, mormente após refeições. Por outro lado Greenstadt e cols. (15) demonstraram que a solução oral de LT4 possui correlação linear comparativamente à absorção de LT4 determinada isotopicamente. Mostraram ainda que, tanto para a preparação isotópica como para a solução oral de L-tiroxina estável, a elevação de T4 sérico foi praticamente idêntica nos vários tempos. De acordo com estes trabalhos experimentais pode-se aceitar que a solução oral de L-tiroxina, administrada em jejum, se constitui o padrão ideal para absorção e disponibilidade sérica de LT4.

Na fase seguinte (fase 3), de 15 dias, os pacientes foram instruídos para ficar sem medicação. Tanto na fase 2 como na fase sem medicação (wash-out), coletaram-se amostras de sangue para verificar-se os níveis das variáveis tireóideas.

Na fase seguinte (fase 4) os pacientes foram separados ao acaso, para uso, respectivamente, de preparações comerciais de L-T4A (100µg) ou L-T4B (100µg), coletando-se amostras de sangue a intervalos regulares por 15 dias adicionais. A correta concentração de LT4 em cada comprimido de 100 ou 200µg foi confirmada pelo seu respectivo fabricante, através de testes realizados por HPLC (High Performance Liquid Chromatography) de acordo com US Pharmacopea, 24a. edição (vide ref. 12).

Na fase 5 realizou-se novo período de ausência de medicação (wash-out) por 15 dias adicionais, ao fim do qual os pacientes foram instruídos para ingerir 2 comprimidos de 100µg, seja de L-T4B ou de L-T4A por 15 dias adicionais. Nesta fase, os pacientes foram, mais uma vez, casualmente selecionados para cada preparação farmacológica comercial de L-T4 e realizou-se coleta de sangue a intervalos regulares, conforme indicado.

Os comprimidos de L-T4A (100µg) e os de L-T4B (100µg) foram fornecidos pelos respectivos fabricantes e acondicionados em frascos na quantidade necessária para uso na respectiva fase. A adesão ao tratamento instituído foi verificada por meio de questionário, bem como de verificação dos comprimidos existentes no frasco previamente fornecido.

Dissolução dos comprimidos em soluções solventes (estudo analítico in vitro)

De acordo com as instruções da "United States Pharmacopea" (14) os comprimidos de L-T4A 100µg e de L-T4B 100µg foram submetidos a teste analítico de dissolução em solução (tabela 1). Para testar a capacidade de dissolução, um comprimido de cada apresentação de 3 lotes diferentes foi colocado individualmente em três frascos separados, contendo cada um tampão fosfato (pH = 7,4), e em outra solução de ácido clorídrico 0,01N e lauril sulfato de sódio a 0,2%, respectivamente.

Os frascos com as soluções indicadas e os comprimidos de L-T4 foram agitados por, respectivamente, 80 minutos para a primeira solução e por 45 minutos para a segunda solução solvente.

MÉTODOS

As concentrações séricas de T3, T4, TSH, T4 livre foram determinadas por técnica eletroquimioluminescente automatizada (Elecsys System 1010) utilizando estojos comerciais da Roche Diagnostics GmbH, Manheim, Alemanha. Exibem, respectivamente, intra e inter-ensaio de: TSH: 5,4 e 6%, T4: 6,7 e 7,3%, T3: 7,1 e 7,8% e T4 livre: 6 e 6,8%. As sensibilidades mínimas são: TSH: 0,005µU/mL, T4L: 0,023ng/dL, T4: 0,4ng/mL e T3: 0,195ng/dL. Os valores de referência são: TSH: 0,5-3,5µU/mL, T4: 4,0-12µg/dL, T3: 80-200ng/dL, T4L: 0,6-2,0ng/dL.

A tireoglobulina sérica foi determinada por técnica imunorradiométrica, mediante uso de estojos comerciais (Optiquant Thyroglobulin kit, Kronus, Boise, ID, EUA). Os coeficientes de variação intra- e inter-ensaio são, respectivamente, 9 e 10%, sensibilidade mínima de 0,45ng/mL. Os valores de 24 indivíduos normais variaram de 1,0 a 15,5ng/mL.

Análise estatística dos dados

Submetemos os dados para análise estatística na qual foi utilizada a Análise de Variância (ANOVA) dos valores delta percentuais obtidos a partir dos resultados de dosagens séricas dos vários parâmetros examinados (TT4, TT3, T4L, TSH) nas várias fases do protocolo utilizado. Os resultados foram expressos como média e EPM, comparando-se as médias pelo teste t de Student. O nível de significância para os testes foi de 5%. Utilizamos o programa GraphPad Prism 2 (GraphPad Intuitive Software for Science, San Diego, CA, USA) para a realização dos testes estatísticos.

RESULTADOS

Capacidade de dissolução dos comprimidos em soluções solventes (USP 23)

Verificamos que, em todos os lotes de comprimidos, quer de L-T4A quer de L-T4B, houve dissolução adequada e acima do mínimo exigido pela Farmacopéia Norte Americana. O fenômeno de dissolução foi superior ao mínimo em ambas as soluções solventes não se observando diferença significativa entre comprimidos de L-T4A e L-T4B.

Solução oral de L-T4 (100µg) versus comprimidos de 100µg de L-T4A

O exame da tabela 2 indica que, na situação basal, todos os pacientes apresentaram níveis muito baixos de hormônios tireóideos com valores elevados de TSH sérico. Nestas circunstâncias medimos os valores de tireoglobulina sérica. Em todos os pacientes o nível de Tg sérica oscilou entre valores não dosáveis (<0,5ng/mL) a 6,9ng/mL, valores estes considerados como normais para pacientes em remissão permanente da moléstia tireóidea anterior quando suspensa a medicação supressiva de TSH endógeno. Igualmente o estudo sonográfico cervical indicou a ausência total de tecido tireóideo remanescente cervical. Nos dias subseqüentes ao tratamento, quer com solução oral, quer com comprimidos de L-T4A, observou-se progressiva elevação de T4 e T3 total bem como de T4 livre. Notou-se que o T4 total e T4 livre atingiram valor médio dentro da normalidade, enquanto o T3 total permanecia em nível médio inferior a 90ng/dL. Observou-se, igualmente, que as concentrações de TSH sérico embora progressivamente declinantes em função do tempo, ainda apresentavam valores médios muito elevados (média ± SEM, 40,6 ± 5,1 e 33,2 ± 5,2µU/mL, respectivamente, para solução oral de LT4 e para comprimidos de L-T4A) ao fim de 15 dias. Não houve diferença significativa entre as médias em nenhum dos períodos assinalados através da Análise de Variância (ANOVA) dos valores delta percentuais a cada tempo para cada parâmetro analisado.

Solução oral de LT4 versus comprimidos de L-T4B (100µg)

Na tabela 3 estão os dados de parâmetros tireóideos séricos antes e após a introdução de solução oral de L-T4 (100µg) e comprimidos de L-T4B 100µg. Os dados são totalmente superponíveis àqueles verificados para o estudo empregando L-T4A 100µg. Não houve diferença significativa entre os valores médios de cada parâmetro nos vários períodos de coleta (tabela 3), utilizando-se Análise de Variância dos valores delta percentuais a cada tempo para cada parâmetro sérico.

Comparação da evolução de parâmetros de função tireóidea durante a administração de L-T4A e L-T4B (100µg)

Os comprimidos de L-T4A apresentaram resultados mais elevados nos períodos de coleta concernentes aos valores de T3 total comparativamente àqueles observados para o L-T4B. No que se refere a T4 total e T4 livre, ambas as preparações comerciais comportaram-se de forma idêntica. Igualmente, a administração de L-T4A levou a valores mais baixos de TSH sérico comparativamente a L-T4B, embora sem diferença estatisticamente significante. (figura 2), por Análise de Variância conforme especificado na seção Análise Estatística.


Avaliação comparativa entre comprimidos de L-T4A e L-T4B (200µg)

Na tabela 5 estão indicados os valores das variáveis tireóideas dos diversos períodos de coleta. Na situação basal os valores indicaram hipotireoidismo, confirmado por valor médio de TSH muito elevado (53,7 e 58,2µU, respectivamente, para o grupo que iria receber L-T4A ou L-T4B). Após a introdução de 200µg diários, os valores médios de T4 total, T3 total e T4 livre foram mais elevados nos pacientes que receberam L-T4A 200µg, comparativamente ao L-T4B 200µg. Igualmente verificou-se que o valor final de TSH sérico foi relativamente mais elevado no grupo que recebeu L-T4B (5,73 ± 2,20µU/mL) comparativamente ao L-T4A (2,62 ± 1,90µU/mL), embora sem significação estatística (figura 2) após Análise de Variância dos valores delta percentuais obtidos a partir dos resultados de determinações dos vários parâmetros estudados.

DISCUSSÃO

O principal hormônio tireóideo, levo-tiroxina, é o fármaco prescrito para deficiência da glândula tireóide e utilizado durante todo o período de vida de grande parte da população. Possivelmente, cerca de 8 a 12 milhões de brasileiros estariam necessitando do uso contínuo de levo-tiroxina sódica, a qual encontra-se disponível, no mercado brasileiro, sob várias marcas comerciais e, possivelmente no futuro, sob forma genérica. Existe, no entanto, controvérsia se as preparações de levo-tiroxina disponíveis teriam bioequivalência entre si, isto é, se farmacotecnicamente seriam iguais em sua absorção, disponibilidade interna, eficiência de ação junto à frenação da hipófise anterior (células tireotróficas) e ação periférica tissular. Vários estudos propuseram estudar esta questão, mediante comparação entre produtos de marca (brand names) versus preparações genéricas (5,8) ou cotejando absorção e biodisponibilidade entre duas preparações de marca (6,7,12,13). Outros pesquisadores (11) cotejaram bioequivalência em relação a diferentes doses administradas, isto é, comparando formulações de 50 e 100µg por comprimido. Finalmente, Fish e cols. (8) mostraram que a concentração do princípio ativo, isto é, levo-tiroxina sódica, poderia se situar abaixo daquela mencionada pelo fabricante, em algumas preparações genéricas. Segundo estes últimos autores (8) os produtos com marca e nome comercial consistentemente exibiam concentrações compatíveis com as declaradas.

Em 1996, o sub-comitê para bioequivalência da "United States Pharmacopeia" (Laboratório de Pesquisa e Desenvolvimento) propôs metodologia para testar a dissolução de comprimidos de levotiroxina in vitro usando duas soluções solventes (tampão fosfato e ácido clorídrico associado a lauril sulfato de sódio). Na primeira solução solvente o comprimido de L-T4 deve ter um mínimo de dissolução de 55% e na segunda solução solvente espera-se um mínimo de 70% de dissolução.

Em nosso estudo comparativo entre comprimidos de L-T4A e L-T4B, observa-se que ambas as preparações atingem valores superiores aos mínimos estabelecidos para ambas as preparações comerciais (tabela 1). Tal fato documenta que a técnica de fabricação do comprimido o torna adequado para uso medicinal, prevendo-se adequada dissolução e absorção no meio gastro-intestinal. Muito recentemente, Vaisman e cols. (12) indicaram que outra preparação comercial de levo-tiroxina, disponível no mercado brasileiro, também exibia qualidades de dissolução adequadas em várias concentrações da formulação testada.

Na importante e crucial questão de bioequivalência e biodisponibilidade de preparações comerciais de levo-tiroxina, os estudos publicados apresentam aspectos controversos, indicando que as diversas composições não seriam intercambiáveis. Alguns trabalhos (5-7) sugeriram que haveria bioequivalência entre as preparações de levo-tiroxina estudadas, enquanto outros encontraram justamente o contrário, isto é, diferenças significativas em bioequivalência tanto em voluntários normais (13) como em pacientes com hipotireoidismo (9,10). Como bem argumenta Wartofsky (4), as conclusões práticas ou interpretação definitiva dos resultados é dificultada por diferenças metodológicas, seleção de pacientes (ou controles normais) e o tipo de desenho do estudo, possivelmente criticável.

Diante deste quadro decidimos estudar duas preparações de L-tiroxina, comercialmente obtidas no mercado brasileiro, cotejando as suas concentrações crescentes em pacientes tireoidectomizados há mais de cinco anos, livres de doença metastática, com ausência ecográfica de restos tireóideos cervicais, pesquisa de corpo inteiro negativa e nível de tireoglobulina sérica no limite inferior da normalidade sob supressão com L-tiroxina. Após suspensão da L-T4 por 3 semanas todos os pacientes apresentavam valores elevados de TSH endógeno e valores séricos de T3 total, T4 total e T4 livre abaixo dos valores mínimos normais (tabelas 2 e 3). A seguir, comparamos a variação dos parâmetros acima sob administração de solução oral de L-T4 (100µg) (considerada como padrão ouro de absorção e biodisponibilidade), comparativamente à variação das mesmas variáveis, quer sob a administração de 100µg de L-T4A (tabela 2) ou 100µg de L-T4B (tabela 3). Não se observou nenhuma diferença significante (ANOVA) entre a preparação de solução oral de L-T4 e os comprimidos de L-T4A (tabela 2) ou de L-T4B (tabela 3). Verificou-se, contudo, que em ambas as apresentações comerciais e mesmo na administração de solução oral o valor médio de TSH endógeno não atingiu nível normal, permanecendo elevado, apesar do T4 livre médio ter alcançado concentração adequada ao fim de 15 dias de administração diária de L-T4. Interpretamos esta aparente divergência como havendo, em nível dos tireotrofócitos hipofisários, certo tempo de latência para a resposta da retro-regulação por L-T4.

Na experiência seguinte comparamos os vários parâmetros tireóideos mencionados durante a administração de 100µg de L-T4, quer comprimidos de L-T4A ou L-T4B (tabela 4), após período de 15 dias sem hormônio tireóideo (wash-out). Nota-se que não houve diferença significativa entre os valores médios ± EPM para todos os tempos considerados (ANOVA).

Finalmente, após novo período de abstenção de L-T4 (15 dias) iniciamos a administração de 200µg de L-T4A ou de L-T4B, diariamente, por 15 dias (tabela 5). Igualmente, foi verificado que ambas as preparações comerciais são igualmente eficientes no sentido de elevar T3 e T4 total, T4 livre e de reduzir as concentrações elevadas de TSH. Nesta concentração de L-T4 (200µg) observamos, para ambos os produtos, decréscimo significativo de TSH endógeno, que atingiu valor médio dentro da normalidade, ao fim de duas semanas.

Em conclusão, dentro das condições experimentais que utilizamos, não houve diferença significativa entre a solução oral de L-tiroxina, tida como padrão ouro de absorção e biodisponibilidade, e comprimidos comerciais de L-T4A e L-T4B. Tampouco os comprimidos citados não influenciaram de maneira estatisticamente diferente os parâmetros avaliados de função tireóidea, quer na concentração de 100 ou 200µg por dia.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos, inicialmente, aos pacientes que compuseram a casuística deste trabalho, pela sua persistente e efetiva participação, paciência e boa vontade, demonstradas nas várias fases do estudo. A estatística dos dados foi executada pela Dra. Creuza Dal Bó, à qual externamos nossos agradecimentos. Este trabalho pôde ser executado graças ao financiamento obtido junto a ACHÉ Laboratórios Farmacêuticos S.A., a quem agradecemos. Os serviços secretariais de Maria Suzette Pott foram essenciais para a apresentação final deste trabalho.

Endereço para correspondência:

Geraldo Medeiros-Neto

Hospital das Clínicas

Av. Dr. Eneas C. Aguiar, 255 ­ 8a. Bl.3

05403-900 São Paulo, SP

Fax: (11) 3031-5194

e.mail: medneto@uol.com.br

Nota: Os autores esclarecem que o planejamento e o desenho do presente artigo foram delineados antes da Resolução RDC nº 10 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), de 02 de Janeiro de 2001.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Jan 2003
  • Data do Fascículo
    Out 2002

Histórico

  • Aceito
    24 Maio 2002
  • Revisado
    29 Abr 2002
  • Recebido
    23 Ago 2001
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