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Uso de hormônio de crescimento em crianças com insuficiência renal crônica: avaliação da composição corporal nos primeiros 18 Meses de tratamento

Growth hormone in children with chronic renal failure: evaluation of body composition during the first 18 months of treatment

Resumos

Atualmente, é grande o impacto psicossocial da baixa estatura nas crianças e adolescentes com insuficiência renal crônica (IRC), sendo o hormônio de crescimento recombinante humano (rhGH) uma alternativa terapêutica. Avaliamos o crescimento e a composição corporal (CC) em 11 crianças pré-púberes (9M/2F; 3,5-12,8a) com IRC e baixa estatura e/ou baixa velocidade de crescimento, tratadas com rhGH (0,7-1,0UI/Kg/semana) por 18 meses. Avaliamos antropometria e CC por impedância bioelétrica tetrapolar antes e 6, 12 e 18 meses após o início do rhGH; maturação esquelética e função renal foram avaliadas antes e após 6 e 12 meses. Houve aumento significativo do peso, da altura, da VC e da massa magra (MM), com diminuição significativa da massa gorda (MG) no período de 0 a 6 meses de tratamento. Entre 0 e 12 meses houve apenas aumento significativo da altura. Entre 6 e 12 meses houve inversão da CC, com diminuição significativa da MM e aumento da MG. Entre 12 e 18 meses houve restabelecimento da CC inicial, com diminuição significativa da MG e aumento da MM. Não se observaram alterações na função renal, nem avanço exagerado da maturação esquelética. Em conclusão, o rhGH em doses de reposição por 18 meses promoveu melhora do crescimento com mudança da CC neste grupo de crianças com IRC, especialmente nos primeiros 12 meses de tratamento, sem efeitos colaterais.

Insuficiência renal crônica; Hormônio de crescimento; Crescimento; Composição corporal; Bioimpedância


At present, the impairment of linear growth remains one of the major obstacles to successful social adaptation of children and adolescents with chronic renal insufficiency (CRI), being the recombinant human growth hormone (rhGH) a therapeutic option. We evaluated growth and body composition (BC) in 11 prepubertal patients (9M/2F; 3.5-12.8y) with CRI and short stature and/or slow growth velocity treated with rhGh (0.7-1.0IU/Kg/week) for 18 months. Anthropometry and BC, examined by a tetrapolar bioeletrical impedance, were evaluated before, 6, 12 and 18 months after rhGH treatment; biochemical examinations and bone age were assessed before, and after 6 and 12 months. Six months after the onset of rhGH, there was a significant increment of weight, height, growth velocity and lean mass, with a significant decrease of fat mass; 12 months after, there was only a significant increment of height. Between 6 and 12 months, an inversion of BC was observed, with significant increment of fat mass and decrease of lean mass. Between 12 and 18 months, BC recovered, with a significant increment of lean mass and correspondent decrease of fat mass. The residual renal function was preserved, as well as the normal increment of bone age. In conclusion, rhGH administration for 18 months to children with CRI improved growth significantly and changed the BC, particularly in the first 12 months, with no side effects.

Chronic renal insufficiency; Growth hormone; Growth; Body composition; Bioimpedance


ARTIGO ORIGINAL

Uso de hormônio de crescimento em crianças com insuficiência renal crônica: avaliação da composição corporal nos primeiros 18 Meses de tratamento

Growth hormone in children with chronic renal failure: evaluation of body composition during the first 18 months of treatment.

Josenilson C. Oliveira; Francisco A. Machado Neto; André M. Morcillo; Vera Maria S. Belangero; Sofia H.V. Lemos-Marini; Gil Guerra Júnior

Unidades de Endocrinologia e Nefrologia Pediátrica, Departamento de Pediatria e Centro de Investigação em Pediatria (CIPED), Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Campinas, SP.

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Gil Guerra Júnior R. Giuseppe Máximo Scolfaro, 371, casa 18 13083-100 Campinas, SP e.mail: gilguer@fcm.unicamp.br

RESUMO

Atualmente, é grande o impacto psicossocial da baixa estatura nas crianças e adolescentes com insuficiência renal crônica (IRC), sendo o hormônio de crescimento recombinante humano (rhGH) uma alternativa terapêutica. Avaliamos o crescimento e a composição corporal (CC) em 11 crianças pré-púberes (9M/2F; 3,5-12,8a) com IRC e baixa estatura e/ou baixa velocidade de crescimento, tratadas com rhGH (0,7-1,0UI/Kg/semana) por 18 meses. Avaliamos antropometria e CC por impedância bioelétrica tetrapolar antes e 6, 12 e 18 meses após o início do rhGH; maturação esquelética e função renal foram avaliadas antes e após 6 e 12 meses. Houve aumento significativo do peso, da altura, da VC e da massa magra (MM), com diminuição significativa da massa gorda (MG) no período de 0 a 6 meses de tratamento. Entre 0 e 12 meses houve apenas aumento significativo da altura. Entre 6 e 12 meses houve inversão da CC, com diminuição significativa da MM e aumento da MG. Entre 12 e 18 meses houve restabelecimento da CC inicial, com diminuição significativa da MG e aumento da MM. Não se observaram alterações na função renal, nem avanço exagerado da maturação esquelética. Em conclusão, o rhGH em doses de reposição por 18 meses promoveu melhora do crescimento com mudança da CC neste grupo de crianças com IRC, especialmente nos primeiros 12 meses de tratamento, sem efeitos colaterais. (Arq Bras Endocrinol Metab 2002;46/6:661-667)

Descritores: Insuficiência renal crônica; Hormônio de crescimento; Crescimento; Composição corporal; Bioimpedância

ABSTRACT

At present, the impairment of linear growth remains one of the major obstacles to successful social adaptation of children and adolescents with chronic renal insufficiency (CRI), being the recombinant human growth hormone (rhGH) a therapeutic option. We evaluated growth and body composition (BC) in 11 prepubertal patients (9M/2F; 3.5-12.8y) with CRI and short stature and/or slow growth velocity treated with rhGh (0.7-1.0IU/Kg/week) for 18 months. Anthropometry and BC, examined by a tetrapolar bioeletrical impedance, were evaluated before, 6, 12 and 18 months after rhGH treatment; biochemical examinations and bone age were assessed before, and after 6 and 12 months. Six months after the onset of rhGH, there was a significant increment of weight, height, growth velocity and lean mass, with a significant decrease of fat mass; 12 months after, there was only a significant increment of height. Between 6 and 12 months, an inversion of BC was observed, with significant increment of fat mass and decrease of lean mass. Between 12 and 18 months, BC recovered, with a significant increment of lean mass and correspondent decrease of fat mass. The residual renal function was preserved, as well as the normal increment of bone age. In conclusion, rhGH administration for 18 months to children with CRI improved growth significantly and changed the BC, particularly in the first 12 months, with no side effects. (Arq Bras Endocrinol Metab 2002;46/6:661-667)

Keywords: Chronic renal insufficiency; Growth hormone; Growth; Body composition; Bioimpedance

CRIANÇAS E ADOLESCENTES COM INSUFICIÊNCIA renal crônica (IRC) apresentam freqüentemente distúrbios no crescimento e na composição corporal (CC). Observam-se nestes indivíduos diminuição da velocidade de crescimento, da massa corporal magra, e do compartimento de água intracelular, com aumento da água extracelular. Estas modificações resultam em alterações nutricionais, metabólicas e hormonais que causam comprometimento do balanço energético e protéico (1-3).

O comprometimento no crescimento é mais precoce e grave em crianças com nefropatias congênitas quando comparadas àquelas com doenças renais adquiridas. No entanto, a gravidade da baixa estatura tem maior relação com a idade de início da doença e sua duração do que com a etiologia (4).

São vários os fatores que interferem na gênese da baixa estatura em crianças com IRC, contribuindo, entre eles, a idade de início da IRC, a função renal, a acidose metabólica, a anemia, a anorexia, as anormalidades do metabolismo da vitamina D resultando na osteodistrofia renal, e, recentemente, têm sido também enfatizadas alterações no eixo hormônio de crescimento (GH) e fatores de crescimento semelhantes à insulina (IGF).

Em relação à idade de início da IRC, Betts & MacGrath (5) demonstraram que quando ocorre nos dois primeiros anos de vida, bem como no período próximo ao estirão puberal, a IRC resulta em grave comprometimento do crescimento. Estes autores também observaram diminuição da velocidade de crescimento quando a taxa de filtração glomerular era menor que 25mL/min/1,73m2. No entanto, tal achado não foi confirmado em estudos subseqüentes (6-8).

Quanto à acidose, West & Smith (9) demonstraram a sua presença em 3/4 das crianças com IRC e distúrbio de crescimento, e a ausência de acidose nas que cresciam normalmente. No entanto, não existem dados mostrando que a correção da acidose melhora a velocidade de crescimento nas crianças com IRC.

Em relação à anemia na IRC, observa-se que tanto os estudos de tratamento com transfusão sangüínea (fase anterior ao desenvolvimento da eritropoetina recombinante humana) quanto aqueles com eritropoetina (10) não têm demonstrado benefício na avaliação longitudinal do crescimento.

A anorexia em crianças com IRC é freqüentemente observada, principalmente em lactentes. Rizzoni e cols. (7), avaliando crianças de 1 a 24 meses, observaram significativa correlação entre a velocidade de crescimento e a ingestão calórica. Quando a ingestão era menor que 100% das recomendações diárias para a idade e sexo, a velocidade de crescimento era de 53% da esperada para idade e sexo, no entanto, quando a ingestão era maior que 100%, a velocidade de crescimento era de 97%. Entretanto, estes achados não têm sido observados em crianças maiores, assim como a suplementação calórica por regimes forçados (oral, sonda nasogástrica ou gastrostomia) não têm mostrado benefício importante na velocidade de crescimento (8,11).

Quanto à osteodistrofia renal em crianças com IRC, especialmente quando resulta em deformidades, parece óbvio que deva exercer efeito adverso na estatura. Apesar de existirem relatos de melhora da velocidade de crescimento com o tratamento com 1,25-dihidroxicolecalciferol (12,13), estudos multicêntricos mais recentes e melhor controlados não têm demonstrado o mesmo resultado (14).

As anormalidades endócrinas que mais contribuem para o distúrbio de crescimento em crianças ou adolescentes com IRC são: o hiperparatireoidismo devido às anormalidades do metabolismo da vitamina D (já mencionado anteriormente), o hipogonadismo resultando num estirão puberal achatado e atrasado, e as anormalidades do eixo hormônio de crescimento (GH) e fatores de crescimento semelhante à insulina (IGFs).

Por muitos anos o GH não foi implicado na gênese do distúrbio de crescimento de crianças com IRC, pois suas concentrações séricas são freqüentemente normais ou elevadas nestas crianças. No entanto, as observações recentes de que as concentrações séricas de IGF-1, quando medidas em ensaios biológicos, são baixas nestes pacientes, e aumentam após a diálise, sugeriram a presença de inibidores biológicos da atividade da IGF-1 na uremia. Mais recentemente, observaram-se concentrações normais de IGF-1 nestes pacientes, quando medidas por radioimunoensaio, seguido de cromatografia ácida, que remove o excesso de proteínas ligadoras, como a IGFBP-3 (15).

Esses dados, associados às várias publicações referindo incremento no crescimento de crianças com IRC tratadas com hormônio de crescimento recombinante humano (rhGH), demonstram a importância das alterações do eixo GH/IGF na etiologia do distúrbio de crescimento na IRC (16-21).

Desde o século passado tem sido descrita a associação de distúrbios do crescimento em crianças com IRC (22), no entanto, devido ao progressivo aumento na sobrevida destas crianças, somente nas últimas duas décadas tem-se enfatizado o impacto psicossocial da baixa estatura.

Segundo relatos de Potter e cols. (23) e Van Diemen-Steenvoorde e cols. (24) cerca de 1/3 a 2/3 de crianças com IRC transplantadas apresentam altura adulta mais que dois desvios-padrão abaixo da média (z >-2,0). Recentemente, Hokken-Koelega e cols. (19) mostraram que 77% dos meninos e 71% das meninas com IRC transplantados antes dos 15 anos de idade apresentavam altura adulta menor que o 3o percentil da curva normal de crescimento.

Morel e cols. (25) relataram que 1/3 dos pacientes com IRC transplantados há mais de 10 anos, com transplante tendo ocorrido antes dos 18 anos de idade, apresentavam distúrbio de adaptação psicossocial devido à aparência corporal, em especial à baixa estatura.

O rhGH apresenta eficácia em promover o crescimento em crianças com baixa estatura e/ou baixa velocidade de crescimento portadoras de IRC, antes ou após o transplante renal, assim como melhorar o balanço nitrogenado e o estado nutricional. No entanto, as alterações que o rhGH promove na CC são ainda pouco descritas na literatura.

Portanto, o objetivo deste estudo foi avaliar a velocidade de crescimento e a CC de crianças com IRC, antes e durante 18 meses do início do uso de rhGH.

CASUÍSTICA E METODOLOGIA

Critérios de seleção: todos os pacientes com IRC em tratamento na Unidade de Nefrologia Pediátrica do Hospital de Clínicas - UNICAMP foram avaliados. Foram incluídos no estudo crianças maiores de 2 anos de idade e com idade óssea menor de 11 anos, que apresentavam altura menor que o 2º DP abaixo da média e/ou velocidade de crescimento menor que o percentil 25, utilizando-se as curvas de referência por sexo propostas por Tanner & Davies(26). Foram excluídos os portadores de cistinose, diabetes mellitus e/ou patologia em articulação coxo-femural, e aqueles em puberdade ou com história prévia de uso de corticosteróides. O consentimento pós-informação de todos os pacientes e seus respectivos responsáveis foi obtido antes do início do estudo, seguindo a normatização do Comitê de Ética da FCM - UNICAMP.

Casuística propriamente dita: foi composta de 11 crianças, sendo 8 (2 meninas e 6 meninos) em tratamento conservador, e 3 em diálise, sendo 1 menino em CAPD e 1 menino e 1 menina em hemodiálise.

Metodologia clínica: todas as crianças foram acompanhadas prospectivamente por um período mínimo de 3 meses antes de iniciado o tratamento com rhGH para ser avaliada a velocidade de crescimento pré-tratamento. O rhGH (Saizen® - Serono Produtos Farmacêuticos Ltda.) foi utilizado na dose considerada de reposição de 0,7 a 1,0UI/Kg/semana, SC, à noite, pelo menos 5x/semana. Antes de iniciado o tratamento, 6, 12 e 18 meses após o seu início, foram feitas medidas de peso, estatura, prega cutânea tricipital, perímetro braquial, e avaliação de desenvolvimento puberal (27). Todas estas medidas foram realizadas por examinadores previamente treinados e capacitados. Com estes dados foram calculadas as áreas gorda do braço e muscular braquial, segundo as recomendações de Frisancho (28), bem como o índice de massa corporal:

Área Total do Braço (mm2) = p/4 x d2, onde d = p/p e p = perímetro braquial em mm;

Área Muscular do Braço (mm2) = (p-p x T)2/4

p, onde T = prega tricipital em mm;

Área Gorda do Braço (mm2) = Área Total do Braço - Área Muscular do Braço;

Índice de Massa Corporal (IMC, Kg/m2) = Peso/Atura2

Metodologia laboratorial: Antes de iniciado o tratamento com rhGH, 6, 12 e 18 meses após o seu início, foram feitas medidas de CC por impedância bioelétrica tetrapolar utilizando-se o aparelho BIA 101-Q (RJL Systems, Detroit, EUA). Tal analisador gera uma corrente de 800mA com freqüência de 50kHz. Quando o paciente estava em tratamento dialítico, esta avaliação foi feita sempre ao término da sessão. Antes, 6 e 12 meses após o início do tratamento foram realizadas determinações séricas de uréia, creatinina, sódio, potássio, hemoglobina, hematócrito, leucócitos, plaquetas, ferritina, eletroforese de proteínas, pH, bicarbonato, cálcio, fósforo, fosfatase alcalina, PTH, colesterol, triglicérides, T4 livre, TSH e hemoglobina glicosilada com técnicas e kits comerciais rotineiramente utilizados no Laboratório de Patologia Clínica do Hospital de Clínicas - UNICAMP, além de radiografia simples de punho e mão esquerda. A avaliação de maturidade esquelética foi feita pelo método carpal de Tanner e cols. (29).

Análise estatística: Sempre que possível os dados foram expressos em escores z de desvio-padrão (altura, peso, velocidade de crescimento, índice de massa corporal, áreas gorda do braço e muscular braquial). Foi utilizado o programa estatístico SPSS (30) para análise descritiva dos dados (média e DP) e aplicação do teste não-paramétrico de Wilcoxon para dados pareados. As diferenças foram consideradas significativas quando p<0,05.

RESULTADOS

A idade média no início do estudo das 11 crianças que completaram os 18 meses de tratamento foi de 9,6 anos, variando de 3,5 a 12,8 anos. Quatro pacientes (3 meninos e 1 menina), todos em tratamento conservador, iniciaram o desenvolvimento puberal durante o tratamento. Durante as avaliações nenhuma criança apresentou edema clínico, assim como qualquer sintoma ou sinal referente aos efeitos colaterais possíveis do uso do rhGH. Todas as crianças relataram importante melhora do apetite durante o uso de rhGH.

A idade óssea média inicial foi de 7,5±2,5 anos (variando de 3,8 a 10,8), com 6 meses de tratamento foi de 8,1±2,6 anos (variando de 3,9 a 11,2) e 12 meses após o inicio do uso de rhGH foi de 8,5 anos (variando de 4,3 a 11,8). Portanto, percebe-se que após 12 meses de uso de rhGH a idade óssea aumentou praticamente um ano.

Não se encontrou diferença estatística entre os resultados observados em pacientes em tratamento dialítico e conservador, portanto, devido ao número reduzido de pacientes em diálise, optamos por não separá-los na análise final. O mesmo ocorreu, durante o tratamento, entre os pacientes que se mantiveram pré-púberes e os que iniciaram puberdade.

Os dados clínicos de crescimento e CC estão apresentados na tabela 1 e na figura 1.


Comparando-se os dados de antes do uso do rhGH e 6 meses após o início, verificou-se um aumento estatisticamente significativo no z escore da altura (tanto em relação à idade cronológica, quanto à óssea), do peso (em relação à idade cronológica), da velocidade de crescimento e da percentagem de massa magra. Neste período, ocorreu diminuição estatisticamente significativa no z escore da área gorda do braço e da percentagem de massa gorda. Não foram observadas diferenças estatísticas nas avaliações do z escore da área muscular do braço e do IMC.

Comparando-se os dados de antes e 12 meses após o início do tratamento, verificou-se alteração estatisticamente significativa somente no z escore para estatura (tanto em relação à idade cronológica, quanto à óssea).

Comparando-se os dados de antes e 18 meses após o início do tratamento, não se verificou alteração estatisticamente significativa em nenhum destes parâmetros antropométricos e de composição corporal analisados.

A avaliação dos dados obtidos entre 6 e 12 meses após o inicio do uso de rhGH mostrou um aumento estatisticamente significativo do z escore da altura (em relação à idade cronológica). No mesmo período, observou-se um incremento significativo na porcentagem de massa gorda, com concomitante redução significativa da porcentagem de massa magra, sendo estas alterações também observadas durante o período entre 6 e 18 meses de tratamento.

Finalmente, a avaliação dos dados entre 12 e 18 meses mostrou uma diminuição significativa da porcentagem massa gorda, acompanhada por um aumento estatisticamente significativo do z escore da área muscular do braço, da porcentagem de massa magra e da somatória total das pregas cutâneas.

Em relação ao ganho ponderal, observou-se que todas as crianças ganharam peso durante os 18 meses de uso de rhGH (5,8±1,7Kg, com uma variação de 3,8 a 9,5Kg).

Não foi encontrada diferença estatística quando comparados os grupos de resultados dos exames laboratoriais de acompanhamento da IRC e possíveis complicações do uso do rhGH realizados antes, e 6 e 12 meses após o início do rhGH.

DISCUSSÃO

Devido às concentrações séricas elevadas de GH em crianças com IRC, o uso do rhGH foi pouco explorado como alternativa terapêutica até os trabalhos de Mehls & Ritz (31), que demonstraram o aumento no comprimento e no peso de ratos urêmicos tratados com GH suíno. Ainda nos anos 80, vários estudos foram realizados, encabeçados pelo de Koch e cols. (16), e demonstraram o aumento da velocidade de crescimento no primeiro ano de uso do rhGH.

O presente estudo apresenta uma característica peculiar em relação à maioria presentes na literatura, ou seja, a dose de rhGH utilizada. Nos 18 meses de tratamento, foram administradas doses de reposição de rhGH, as mesmas que habitualmente são dadas para deficientes de GH, e não doses elevadas, como 1,5 a 2 vezes em relação a estes valores, freqüentemente citadas nos demais estudos em crianças com IRC.

O pequeno número de pacientes incluídos neste estudo ocorreu em virtude do rigoroso critério de seleção previamente estabelecido. Entre mais de 40 crianças acompanhadas na Unidade de Nefrologia Pediátrica do Hospital de Clínicas - UNICAMP, apenas 11 crianças preencheram todos os critérios de inclusão.

Neste estudo ocorreu um predomínio do sexo masculino (8 casos) em relação ao feminino (3 casos). Houve também uma dispersão grande em relação à idade, com evidente atraso de maturação esquelética. Devido a estas características, optou-se pela análise dos dados em relação ao escore z de desvio-padrão, e a análise estatística foi feita utilizando-se cada paciente como controle de si mesmo.

Em relação aos dados antropométricos, os resultados encontrados de uma forma global são concordantes com os dados de literatura. No entanto, quando se realiza uma análise por intervalos de tratamento, observou-se significativo aumento da altura nos primeiros 12 meses de tratamento com rhGH, e da velocidade de crescimento nos primeiros 6 meses.

Estas mudanças observadas na altura e na velocidade de crescimento, durante o uso do rhGH neste grupo de crianças com IRC, mostram que o efeito do GH na recuperação do crescimento é muito rápido e intenso nos primeiros 12 meses de tratamento (catch-up growth). Os 4 pacientes que iniciaram puberdade durante o tratamento com rhGH não foram excluídos da análise, pois o desenvolvimento puberal ocorreu nos últimos 6 meses do estudo, não ultrapassou o grau II de Tanner (27), quer para mamas nas meninas, quer para genitais nos meninos, e não foi encontrada diferença estatística quando analisados separadamente os dados entre aqueles que iniciaram e os que não iniciaram puberdade.

Apesar de todas as crianças terem ganho peso durante o tratamento, esta alteração somente foi significativa nos primeiros 6 meses de tratamento, mostrando que a recuperação nutricional é um dos primeiros eventos que ocorre durante o tratamento com rhGH.

Diversas são as metodologias descritas na literatura para se avaliar a composição corporal individual ou populacional. Entre elas destacam-se as não invasivas, como as clínicas (índice de massa corporal e medidas de pregas cutâneas) e a por impedanciometria, e as invasivas, como as que utilizam determinados íons (sódio, potássio, etc) marcados, e as radiológicas, como a DEXA (Dual-Energy X-ray Absorptiometry) (32,33).

Neste estudo utilizou-se a avaliação da composição corporal por métodos simples e não invasivos, como o IMC, a medida das pregas cutâneas, com a decorrente avaliação das áreas gorda e magra do braço, e a impedanciometria.

Observou-se diminuição significativa da área gorda do braço e da percentagem de massa gorda após 6 meses de tratamento de uso do rhGH. Nos mesmos períodos observou-se também aumento da percentagem de massa magra. No período entre 6 e 12 meses de tratamento, foi possível observar uma inversão deste padrão inicial. Entretanto, as alterações da composição corporal retornam após 18 meses de uso de rhGH ao padrão observado nos primeiros 6 meses de tratamento. O IMC não se alterou significativamente em nenhum dos períodos analisados.

Estas modificações observadas na composição corporal acompanham em relação ao tempo de tratamento as mudanças antropométricas, e ocorrem provavelmente devido ao efeito anabólico e lipolítico do GH. Nos primeiros 6 meses há um grande ganho de massa magra, com concomitante diminuição de massa gorda, alterações que entram em equilíbrio ao longo dos 6 meses subseqüentes, e depois observa-se um novo aumento significativo de massa magra, com diminuição de massa gorda, dos 12 aos 18 meses de uso de rhGH.

No entanto, é estranho imaginar que crianças com IMC tão baixo quanto -1DP da média e peso abaixo de -2DP da média possam ainda perder massa gorda. Possivelmente deve ter ocorrido uma melhora nutricional significativa nos primeiros 2 a 3 meses de tratamento, o que não foi avaliado pela metodologia empregada neste estudo. Deve-se ressaltar que todas as mães dos pacientes estudados relataram importante melhora do apetite durante todo o período de uso do rhGH.

Ainda em relação à avaliação da composição corporal é fundamental que se saliente que neste estudo a avaliação por pregas cutâneas e a impedanciometria mostraram os mesmos resultados. Portanto, em situações como a deste estudo a impedanciometria leva vantagem em relação às pregas cutâneas na escolha de um único método não invasivo, devido à facilidade de realização e ao baixo custo, enquanto as pregas cutâneas apresentam grande variação intra e inter-observador, necessitando intenso treinamento, como já havia sido demonstrado por Schaefer e cols. (32).

A ausência de alterações na função renal e de efeitos colaterais do rhGH, bem como o avanço adequado da maturação esquelética no período de 12 meses de uso de rhGH neste grupo de crianças com IRC comprovam a segurança da terapêutica nesta patologia, desde que utilizada com critério em relação à indicação, dose e tempo de uso.

Concluindo, o uso de rhGH em doses de reposição durante 18 meses neste grupo selecionado de crianças com IRC propiciou importante incremento na altura e na velocidade de crescimento, especialmente nos primeiros 12 meses de tratamento, acompanhado de mudanças na composição corporal com aumento de massa magra, diminuição de massa gorda, com aumento do peso e do apetite, sem efeitos colaterais e sem avanço exagerado da maturação esquelética.

AGRADECIMENTOS

Os alunos FAMN e JCO tiveram o apoio do CNPq e do Serviço de Apoio ao Estudante da UNICAMP com bolsa de iniciação científica nos anos de 2000 e 2001. Gil Guerra Jr. teve apoio FAPESP (2000/09976-0) para apresentação dos dados preliminares deste estudo em Congresso da Sociedade Latinoamericana de Endocrinologia Pediátrica, realizado em Ushuaia (Argentina).

REFERÊNCIAS

Recebido em 25/03/02

Revisado em 14/05/02

Aceito em 10/06/02

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  • Endereço para correspondência
    Gil Guerra Júnior
    R. Giuseppe Máximo Scolfaro, 371, casa 18
    13083-100 Campinas, SP
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Out 2005
    • Data do Fascículo
      Dez 2002

    Histórico

    • Revisado
      14 Maio 2002
    • Recebido
      25 Mar 2002
    • Aceito
      10 Jun 2002
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