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Obesidade na infância e adolescência: uma verdadeira epidemia

EDITORIAL

Obesidade na infância e adolescência –uma verdadeira epidemia

Cecília L. de OliveiraI; Mauro FisbergII

INutricionista, doutoranda em Ciências Aplicadas a Pediatria, Centro de Atendimento e Apoio ao Adolescente, Departamento de Pediatria, Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e Nutricionista da Nutrociencia Assessoria em Nutrologia

IIPediatra e nutrólogo, Chefe do Centro de Atendimento e Apoio ao Adolescente, Departamento de Pediatria Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Coordenador do Centro de Pesquisas Aplicadas a Saúde, Universidade São Marcos e diretor da Nutrociencia Assessoria em Nutrologia.

A PREVALÊNCIA MUNDIAL DA OBESIDADE infantil vem apresentando um rápido aumento nas últimas décadas, sendo caracterizada como uma verdadeira epidemia mundial. Este fato é bastante preocupante, pois a associação da obesidade com alterações metabólicas, como a dislipidemia, a hipertensão e a intolerância à glicose, considerados fatores de risco para o diabetes melitus tipo 2 e as doenças cardiovasculares até alguns anos atrás, eram mais evidentes em adultos; no entanto, hoje já podem ser observadas freqüentemente na faixa etária mais jovem (1). Além disso, alguns estudos sugerem que o tempo de duração da obesidade está diretamente associado a morbimortalidade por doenças cardiovasculares (2).

No Brasil, verifica-se nas últimas décadas um processo de transição nutricional, constatando-se que entre os anos 1974/75 e 1989, houve uma redução da prevalência da desnutrição infantil (de 19,8% para 7,6%) e um aumento na prevalência de obesidade em adultos (de 5,7% para 9,6%) (3). Em adolescentes, Neutzling (4), por meio da análise dos dados da Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição (PNSN-1989), encontrou uma prevalência de 7,6% de sobrepeso. Mais recentemente, comparando-se os dados do Estudo Nacional da Despesa Familiar (ENDEF), realizado em 1974/75 com os dados da Pesquisa sobre Padrões de Vida (PPV), realizada em 1996/97 somente nas regiões Sudeste e Nordeste, verificou-se um aumento na prevalência de sobrepeso e obesidade de 4,1% para 13,9% em crianças e adolescentes de 6 a 18 anos (5).

Estudos realizados em algumas cidades brasileiras mostram que o sobrepeso e a obesidade já atingem 30% ou mais das crianças e adolescentes, como em Recife, alcançando 35% dos escolares avaliados (6). O trabalho de Souza Leão et al. publicado neste número dos ABE&M (7), mostrou uma prevalência de 15,8% de obesidade em 387 escolares de Salvador, sendo que esta foi significativamente maior nas escolas particulares (30%) em relação às públicas (8,2%). Dados semelhantes podem ser verificados em um estudo realizado por nossa equipe na cidade de Santos, estado de São Paulo, com toda a população (10.821) de escolares da rede pública e privada, de 7 a 10 anos de idade, em que 15,7% e 18,0% apresentavam sobrepeso e obesidade, respectivamente, sendo que os maiores índices apareciam em escolares de instituições privadas (8).

Vários fatores são importantes na gênese da obesidade, como os genéticos, os fisiológicos e os metabólicos; no entanto, os que poderiam explicar este crescente aumento do número de indivíduos obesos parecem estar mais relacionados às mudanças no estilo de vida e aos hábitos alimentares (9). O aumento no consumo de alimentos ricos em açúcares simples e gordura, com alta densidade energética, e a diminuição da prática de exercícios físicos, são os principais fatores relacionados ao meio ambiente. O estudo de Oliveira et al. (10), publicado também neste número, verificou que a obesidade infantil foi inversamente relacionada com a prática da atividade física sistemática, com a presença de TV, computador e videogame nas residências, além do baixo consumo de verduras, confirmando a influência do meio ambiente sobre o desenvolvimento do excesso de peso em nosso meio. Outro achado importante foi o fato da criança estudar em escola privada e ser unigênita, como os principais fatores preditivos na determinação do ganho excessivo de peso, demonstrando a influência do fator sócio-econômico e do micro-ambiente familiar. O acesso mais fácil aos alimentos ricos em gorduras e açúcares simples, assim como, aos avanços tecnológicos, como computadores e videogames, poderia explicar de certa forma a maior prevalência da obesidade encontrada nas escolas particulares. Contudo, esses dados não estão de acordo com os encontrados em países desenvolvidos, onde existe uma relação inversa entre o nível de educação ou sócio-econômico e a obesidade.

Um outro aspecto que tem se discutido sobre os fatores relacionados à epidemia da obesidade é a contribuição do aumento das porções dos alimentos servidas em restaurantes, bares e supermercados. O artigo de Young & Nestle (11) apresenta a evolução dos tamanhos das porções de alimentos oferecidas em alguns estabelecimentos nos EUA, nas últimas décadas, e compara com as padronizadas pelo Departamento de Agricultura dos EUA (USDA). Os resultados mostraram que o tamanho da porção de carnes, massas e chocolates ultrapassavam em 224, 480 e 700%, respectivamente, o da padronizada pelo USDA. Além disso, constatou-se que foi a partir da década de 70 que se iniciou um aumento das porções, coincidindo com a atuação mais forte do marketing na indústria alimentícia. Como exemplo, o tamanho da batata-frita oferecida aos consumidores em meados dos anos 50 representava 1/3 do maior tamanho oferecido em 2001.

Diante do que foi discutido e dos números apresentados, percebe-se a importância da implementação de medidas intervencionistas no combate e prevenção a este distúrbio nutricional em indivíduos mais jovens. Algumas áreas merecem atenção, sendo a educação, a indústria alimentícia e os meios de comunicação, os principais veículos de atuação. Medidas de caráter educativo e informativo, através do currículo escolar e dos meios de comunicação de massa, assim como, o controle da propaganda de alimentos não saudáveis, dirigidos principalmente ao público infantil e, a inclusão de um percentual mínimo de alimentos in natura no programa nacional de alimentação escolar e redução de açúcares simples são ações que devem ser praticadas. Sobre a indústria alimentícia, devemos pro curar o apoio à produção e comercialização de alimentos saudáveis.

REFERÊNCIAS

1. Styne DM. Childhood and adolescent obesity. Prevalence and significance. Pediat Clin North Amer2001;48:823-53.

2. Must A, Jacques PF, Dallal GE, Bajema CJ, Dietz WH. Long-term morbidity and mortality of overweight adolescents: a follow-up of the Harvard Growth Study 1922 to 1935. N Engl J Med1992;327:1350-5.

3. Monteiro CA, Mondini L, Medeiros SAL, Popkin BM. The nutrition transition in Brazil. Eur J Clin Nutr1995;49:105-13.

4. Neutzling MB, Taddei JAAC, Rodrigues EM, Sigulem DM. Overweight and obesity in Brazilian adolescents. Int J Obes 2000;24:1-7.

5. Wang Y, Monteiro C, Popkin BM. Trends of obesity and underweight in older children and adolescents in the United States, Brazil, China, and Russia. Am J Clin Nutr 2002;75:971-7.

6. Balaban G, Silva GAP. Prevalência de sobrepeso em crianças e adolescentes de uma escola da rede privada de Recife. J Pediatr 2001;77:96-100.

7. Souza Leão SC, Araújo LMB, Moraes LTLP, Assis AM. Prevalência de obesidade em escolares de Salvador, Bahia. Arq Bras Endocrinol Metab 2003;47/2:151-7.

8. Costa R, Fisberg M, Maxta J, Sonderbergh T. UNIFESP, Secretaria Municipal de Santos e Universidade São Marcos (dados em publicação).

9. Rosenbaum M, Leibel RL. The physiology of body weight regulation: relevance to the etiology of obesity in children. Pediatrics1998;101(3):525-39.

10.Oliveira AMA, Cerqueira EMM, Souza JS, Oliveira AC. Sobrepeso e obesidade infantil: Influência dos fatores biológicos e ambientais em Feira de Santana, BA. Arq Bras Endocrinol Metab 2003;47/2:144-50.

11. Young LR, Nestle M. The contribution of expanding portion sizes to the US obesity epidemic. Am J Public Health 2002;92:246-9.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Jun 2003
  • Data do Fascículo
    Abr 2003
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