Acessibilidade / Reportar erro

Papel da terapia medicamentosa na síndrome de Cushing

The role of medical therapy for Cushing's syndrome

Resumos

A terapêutica cirúrgica continua, até o momento, a ser considerada a principal, para a síndrome de Cushing endógena, qualquer que seja a causa. Entretanto em certas circunstâncias, como preparo pré-cirúrgico, ausência de cura após a cirurgia ou impossibilidade cirúrgica, a terapêutica medicamentosa tem papel importante. As drogas que inibem a esteroidogênese, como mitotane, metirapona, cetoconazol e aminoglutetimida são as drogas de escolha qualquer que seja a causa da síndrome de Cushing. Cetoconazol constitui-se em nosso meio na droga de escolha entre os inibidores da síntese de cortisol. É uma medicação que pode ser usada a longo prazo e freqüentemente não ocasiona efeitos colaterais importantes. Os chamados neuromoduladores, como ciproheptadina, bromocriptina e ácido valpróico em nossa experiência tem pouco efeito na doença de Cushing. Somatostatina de ação prolongada como Sandostatin e Sandostatin-LAR podem ter papel importante na terapêutica da síndrome de secreção ectópica de ACTH/CRH. Quimioterapia e radioterapia têm indicações especificas nas diversas causas da síndrome de Cushing.

Hipercortisolismo; Síndrome de Cushing; Doença de Cushing; Síndrome do ACTH ectópico; Inibidores da esteroidogênese; Neuromoduladores de ACTH


Surgical approach is still the optimal therapy for endogenous Cushing's syndrome. However, pharmacotherapy has a role as primary or adjunctive therapy, when surgery fails or the patient refuses or cannot be submitted to surgery. Steroidogenesis inhibitors are the main drugs used to control Cushing's syndrome by reducing cortisol levels by adrenolytic or direct blocking enzymatic actions. Ketoconazol is effective as monotherapy; methyrapone and mitotane are also effective as single on combined therapy. Neuromodulators (compounds that modulate ACTH release from a pituitary tumor) such as bromocriptine, cyproheptadine, and valproic acid have been tested in Cushing's disease with a poor response rate. Long-acting somatostatin analogs may decrease ACTH secretion in patients with ectopic ACTH producing tumors, with temporary control of Cushing's syndrome.

Hypercortisolism; Cushing's syndrome; Cushong's disease; Ectopic ACTH syndrome; steroidogenesis inhibitors; ACTH neuromodulators


REVISÃO

Papel da terapia medicamentosa na síndrome de Cushing

The role of medical therapy for Cushing's syndrome

Bernardo Liberman

Serviços de Endocrinologia do Hospital Brigadeiro e da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Bernardo Liberman Rua Itapeva, 490 conj. 52 01332-000 São Paulo, SP

RESUMO

A terapêutica cirúrgica continua, até o momento, a ser considerada a principal, para a síndrome de Cushing endógena, qualquer que seja a causa. Entretanto em certas circunstâncias, como preparo pré-cirúrgico, ausência de cura após a cirurgia ou impossibilidade cirúrgica, a terapêutica medicamentosa tem papel importante. As drogas que inibem a esteroidogênese, como mitotane, metirapona, cetoconazol e aminoglutetimida são as drogas de escolha qualquer que seja a causa da síndrome de Cushing. Cetoconazol constitui-se em nosso meio na droga de escolha entre os inibidores da síntese de cortisol. É uma medicação que pode ser usada a longo prazo e freqüentemente não ocasiona efeitos colaterais importantes. Os chamados neuromoduladores, como ciproheptadina, bromocriptina e ácido valpróico em nossa experiência tem pouco efeito na doença de Cushing. Somatostatina de ação prolongada como Sandostatin e Sandostatin-LAR podem ter papel importante na terapêutica da síndrome de secreção ectópica de ACTH/CRH. Quimioterapia e radioterapia têm indicações especificas nas diversas causas da síndrome de Cushing.

Descritores: Hipercortisolismo; Síndrome de Cushing; Doença de Cushing; Síndrome do ACTH ectópico; Inibidores da esteroidogênese; Neuromoduladores de ACTH.

ABSTRACT

Surgical approach is still the optimal therapy for endogenous Cushing's syndrome. However, pharmacotherapy has a role as primary or adjunctive therapy, when surgery fails or the patient refuses or cannot be submitted to surgery. Steroidogenesis inhibitors are the main drugs used to control Cushing's syndrome by reducing cortisol levels by adrenolytic or direct blocking enzymatic actions. Ketoconazol is effective as monotherapy; methyrapone and mitotane are also effective as single on combined therapy. Neuromodulators (compounds that modulate ACTH release from a pituitary tumor) such as bromocriptine, cyproheptadine, and valproic acid have been tested in Cushing's disease with a poor response rate. Long-acting somatostatin analogs may decrease ACTH secretion in patients with ectopic ACTH producing tumors, with temporary control of Cushing's syndrome.

Keywords: Hypercortisolism; Cushing's syndrome; Cushong's disease; Ectopic ACTH syndrome; steroidogenesis inhibitors; ACTH neuromodulators.

EMBORA UMA DOENÇA RARA, com incidência de 1:100.000 por ano, a síndrome de Cushing espontânea é uma situação devastante com morbidade e mortalidade que exigem terapêutica rápida e eficiente na maioria dos casos.

Certamente a terapêutica cirúrgica (adenomectomia hipofisária na doença de Cushing, cirurgia tumoral na síndrome de secreção ectópica de ACTH e nos tumores adrenais) apresenta estas características. No entanto, dificuldades diagnósticas e de localização do tumor (lateralização do tumor pituitário; localização de tumor com produção ectópica de CRH/ACTH), que ocorrem com frequência, tornam a investigação pré-terapêutica cirúrgica demorada, e neste período pode haver necessidade de se introduzir terapêutica medicamentosa.

Por outro lado, é frequente a não cura ou recidiva após adenomectomia pituitária, e nestas situações, enquanto se aguarda o resultado do tratamento a ser adotado, por exemplo radioterapia, a medicação também tem o seu papel na abordagem terapêutica.

Considerando-se as várias etiologias da síndrome de Cushing espontânea, nos deteremos nas terapêuticas medicamentosas utilizadas em cada situação clínica.

Doença de Cushing

A doença de Cushing representa aproximadamente 70% dos casos de síndrome de Cushing endógeno. Apesar de se considerar a presença do adenoma pituitário produtor de ACTH como a causa primária, a recidiva pós-remissão cirúrgica e a remissão espontânea descritas nesta patologia, sugerem uma causa extra pituitária (1-3). Naturalmente que erro diagnóstico e invasão de seio cavernoso podem ser causas de não remissão da síndrome clínica. Drogas que interferem na neurotransmissão foram demonstradas serem capazes de induzir remissão em alguns pacientes com doença de Cushing: ciproheptadina, valproato de sódio e bromocriptina. Finalmente, ciclicidade no quadro clínico e laboratorial tem sido descrito na doença de Cushing; em conjunto, os dados acima sugerem que alguns casos de doença de Cushing podem ser ocasionados por alterações nos mecanismos neuroregulatórios (SNC – Hipotálamo – Hipófise) (4-8).

Mais recentemente, Hogervorst e cols. (9) descreveram melhora de quadro clínico e laboratorial de hipercortisolismo em dois pacientes com doença de Cushing durante administração de ciproheptadina (24 mg/dia por 3,5 a 5,5 anos). Os dois pacientes apresentavam uma secreção de cortisol classificada como hiperpulsatil, padrão considerado por Van Cauter e Refetoff como decorrente de hipersecreção hipotalâmica de CRH (10).

Estes dados são sugestivos para os autores de que pacientes portadores de doença de Cushing, com padrão de secreção de cortisol hiperpulsatil e nos quais não se identifica lesão pituitária à ressonância magnética, podem se beneficiar da terapêutica com ciproheptadina.

Em nossa experiência o uso de ciproheptadina, bromocriptina ou valproato raramente produzem alguma melhora no padrão laboratorial da doença de Cushing, não tendo papel na terapêutica crônica deste tipo de hipercortisolismo.

A morbidade do procedimento cirúrgico (adenomectomia transfenoidal) na doença de Cushing pode ser verificada pelo sangramento profuso na sela turcica, hipertensão, diabetes mellitus, aumento da sensibilidade a infeções como meningite, cicatrização alterada, alterações psiquiátricas que contribuem para complicações (após cirurgias).

Portanto, um período de tratamento pré-operatório que controle o hipercortisolismo pode diminuir a incidência destas complicações.

CETOCONAZOL

É um antimicotico oral imidazolico, potente inibidor da transformação de lanesterol a ergosterol, inibindo o desenvolvimento da membrana fúngica. Inibindo os sistemas enzimáticos citocromo P-450 em vários órgãos (fígado, rim, adrenal, testículos e ovários), o cetoconazol inibe as enzimas 17,20-liase, 11beta-hidroxilase e a remoção da cadeia lateral colesterol. Doses de 200 a 1200 mg/dia podem normalizar a secreção de cortisol nos pacientes com doença de Cushing (11-12).

Paralelamente à queda de cortisol, ocorre diminuição dos níveis circulantes de andrógenos, o que não ocorre com outra droga utilizada na terapêutica da síndrome de Cushing, a metirapona. Por isso, esta última é pouco recomendada para mulheres. O cetoconazol é bloqueador da síntese de colesterol, podendo reduzir também o nível de colesterol circulante, contrariamente ao que ocorre com o emprego de op'DDD (outra droga utilizada na terapêutica da síndrome de Cushing), o qual pode elevar os níveis de colesterol para até 500 mg/dL.

A absorção de cetoconazol é diminuída na presença de terapêutica antiácida (13).

Distúrbios da função hepática podem ser demonstrados em 10% dos pacientes (alterações de transaminases), sendo que toxicidade hepática sintomática pode ocorrer em 1:15.000 indivíduos, entre 11 e 168 dias após inicio da terapêutica. Aparentemente, elevação de níveis de enzimas hepáticas até três vezes o normal não requer interrupção da medicação e, quando necessário, a suspensão da medicação reverte rapidamente a elevação enzimática.

A diminuição ou normalização da excreção urinária de cortisol, paralelamente à melhora clínica de pacientes com doença de Cushing, nem sempre é acompanhada de elevação dos níveis sanguíneos de ACTH, o que pode sugerir uma concomitante ação hipofisária (14).

A tabela 2 mostra a diminuição da secreção do córtex adrenal durante a administração de cetoconazol em pacientes com doença de Cushing.

Por agir diretamente na síntese de cortisol, cetoconazol tem sido empregado para diminuição da secreção deste hormônio em pacientes portadores de toda as causas de Cushing endógeno. Nós temos utilizado esta droga principalmente no pré-operatório, no preparo de pacientes aguardando cirurgia, ou nos pacientes não responsivos à terapêutica cirúrgica (por exemplo, após-cirurgia transfenoidal), mesmo naqueles com câncer adrenocortical, nestes casos geralmente associado com outras medicações.

METIRAPONA

Em baixas concentrações esta droga inibe competitivamente a 11beta-hidroxilase, responsável pela transformação da 11-deoxicorticosterona em corticosterona e de 11-desoxicortisol em cortisol e, em concentrações maiores, a quebra da cadeia lateral do colesterol (15). Embora seja utilizada há cerca de 40 anos (16), esta droga é preferencialmente utilizada de modo isolado na terapêutica clínica de síndrome de Cushing não ACTH dependente, uma vez que nesta condição, as células produtoras de cortisol aparentemente não sofrem a ação de ACTH, que poderia vencer o bloqueio enzimático.

Mais recentemente, o uso da metirapona na dose de 2 g/dia isoladamente e associada à radioterapia ocasionou remissão em 80% de pacientes com doença de Cushing (17).

O aumento induzido de 11-desoxicortisol ocasiona aumento na excreção de 17- hidroxicorticosteróides, por isso a monitorização deve ser efetuada através de cortisol urinário.

Pelo bloqueio da 11beta-hidroxilase, há aumento de precursores androgênicos e mineralocorticóides, com conseqüente hipertensão, acne e hirsutismo na terapêutica a longo prazo (18).

AMINOGLUTETIMIDA

Esta droga atua por inibição da conversão de colesterol em pregnenolona; portanto, inibe a secreção de estrógeno, aldosterona e cortisol. Pode também reduzir a capacidade de concentração de iodo da tireóide, ocasionando hipotireoidismo. Nas doses do 0,5g a 2g pode reduzir a secreção de cortisol. Entretanto, é freqüentemente associada com diversos efeitos colaterais como febre, rash maculopapular, febre e fenômenos neurológicos (sonolência, tontura), limitando substancialmente o seu emprego (19).

TRILOSTANO

É um inibidor fraco da esteroidogênese, mesmo em doses de até 1440 mg (20). Efeitos colaterais incluem diarréia e parestesias. Na monitoração do tratamento, as concentrações de trilostano devem ser avaliadas por cromatografia liquida, pois pode ser detectado em ensaios para 17-hidroxicorticóides e para dosagens de estrógeno e testosterona por RIE.

MITOTANO

(op'DDD; 9orto, para diclorodifenil dicloroetano)

É um isômero do inseticida p,p'DDD, congênere do inseticida DDT, que ocasiona atrofia adrenal em cães. Inicialmente, foi introduzido na terapêutica do carcinoma suprarrenal, porém Luton e cols. (21) relataram o emprego de altas doses de op'DDD na doença de Cushing (dose inicial de 12g/dia) com bons resultados. Posteriormente, Schteingart (22) relatou o emprego de doses menores de op'DDD (0,5g-4g/dia) sem que efeitos colaterais neurológicos ou gastrointestinais surgissem com esta posologia.

Nós empregamos op'DDD em associação com radioterapia hipofisária em pacientes com doença de Cushing: um paciente em que não houve cura após adenomectomia hipofisária e em outro onde a cirurgia hipofisária foi recusada pelo paciente.

Em ambos os casos houve remissão prolongada do quadro clínico, sem que houvesse surgimento de síndrome de Nelson.

Um dos efeitos colaterais do op'DDD é o desenvolvimento de hipercolesterolemia com elevação de LDL colesterol; pela alteração de proteínas transportadoras, o op'DDD pode também ocasionar diminuição de tiroxina total sem alteração dos níveis de T4 livre.

Outras drogas pouco utilizadas no controle da doença de Cushing, incluem: o anestésico etomidato, derivado imidazólico que inibe a 11beta-hidroxilase, e que pode ser usado em formulação parenteral (23) e o mefipristone (RU-486), que se liga competitivamente ao receptor de glicocorticóide (e de andrógeno e progesterona), inibindo a ação do cortisol endógeno (24).

Associação Cetoconazol e Octreotide no Tratamento do Hipercortisolismo ACTH-Dependente

Vignati e Loli (25) descreveram a normalização de cortisol livre urinário em 3 de 4 pacientes com hipercortisolismo ACTH-dependente através da terapêutica combinada de cetoconazol 400 mg/dia e octreotide SC 100 mg/8h – 100 mg/6h.

O efeito inibitório de cetoconazol na esteroidogênese adrenal é definitivamente comprovado; seu efeito nos níveis de ACTH plasmático é controverso. A falta de compensação no aumento de ACTH durante a diminuição da produção de cortisol é freqüentemente relatada em pacientes com doença de Cushing. Consistente com estes achados é o relato do efeito inibitório que o cetoconazol exerce nas células corticotróficas adenomatosas de ratos e humanos, descrito por Stalla e cols. (26) e Jimenez-Reina e cols. (27).

Por outro lado, apesar de evidência da presença de receptores de somatostatina em corticotrofos adenomatosos, somatostatina e octreotide aparentemente não inibem a liberação de ACTH (28).

No entanto, em pacientes com secreção ectópica de ACTH, octreotide exibe um efeito inibidor na secreção de ACTH, tendo papel relevante no tratamento do hipercortisolismo destes pacientes (29,30).

Este efeito se deve à presença de receptores de somatostatina e octreotide na maioria dos tumores neuroendócrinos. A associação de cetoconazol, diminuindo a produção de glicocorticóide em pacientes com doença de Cushing, poderia também aumentar a expressão de receptores para octreotide nas membranas dos corticotrofos normais e tumorais explicando, durante a associação, a queda de ACTH nestes pacientes (31).

Tratamento Medicamentoso na Síndrome de Nelson

Cerca de 8-38% de indivíduos adultos adrenalectomizados como terapêutica para doença de Cushing desenvolverão síndrome de Nelson (32).

Diferente dos tumores freqüentemente descritos na doença de Cushing, os tumores pituitários desenvolvidos na síndrome de Nelson são potencialmente mais agressivos e de crescimento muito maiores. Assim, em 80% dos tumores pituitários desenvolvidos após adrenalectomia, onde se optou por observação, verificou-se extensão supraselar em 50% em período relativamente curto de 5-7 anos. As dificuldades na terapêutica dos macroadenomas pituitários da síndrome de Nelson são exemplificadas pelo trabalho de Laws, que relatou, em 1993, melhora da hiperpigmentação e normalização dos níveis de ACTH em apenas 25% de seus pacientes após terapêutica cirúrgica (33).

Sugere-se na literatura que pacientes que mostrem níveis de ACTH maiores do que 200 pg/mL, com tumores em crescimento, após terapêutica da doença de Cushing por adrenalectomia bilateral, recebam terapêutica adequada antes do crescimento supra ou paraselar dos macroadenomas, quer por adenomectomia hipofisária quer por radioterapia da região (34,35).

Recentemente, foi relatado que irradiação da pituitária por gamma knife (radio-cirurgia) pode ocasionar melhora clínica com diminuição do tamanho tumoral na síndrome de Nelson (36).

Terapêutica medicamentosa não tem sido útil no tratamento da síndrome de Nelson. Bromocriptina, ciproheptadina, octreotide, valproato sódico, de modo isolado ou em associação, têm sido utilizados, porém sem resultados consistentes (37-43).

Síndrome de Cushing Associada à Produção Ectópica de ACTH e/ou CRH

O tratamento usual nos tumores produtores ectópicos de ACTH é dirigido geralmente à retirada do tumor. A hipocalemia, a hipertensão arterial e o diabetes são tratados especificamente. A intervenção farmacológica dirigida diretamente às alterações endócrinas pode ser efetuada por:

A) Inibidores de síntese adrenocortical: aminoglutetimida, metopirona e cetoconazol ou terapêutica citológica com mitotano.

A redução da produção de cortisol com cetoconazol oral tem sido relatada por vários autores (44,45). Uma vantagem sobre outras alternativas terapêuticas é a pequena incidência de efeitos colaterais que ocasiona.

Seu início de ação é rápido e altas doses são geralmente bem toleradas; ocasionalmente, pode ocorrer aumento temporário de enzimas hepáticas, alterações gastroentestinais e hipocalcemia (46-48). Cetoconazol pode diminuir os níveis de testosterona (ocasionando ginecomastia) e, também, os níveis de colesterol.

Outros inibidores da secreção de cortisol, como os descontos durante o tratamento da doença de Cushing também podem ser utilizados.

B) Inibição da secreção de ACTH: a presença de receptores de somatostatina em tumores ectópicos produtores de ACTH e/ou CRH ocasionou vários relatos de terapêutica com emprego de octreotide nestes pacientes (49). A eficácia desta terapêutica parece ser dose dependente, ocorrendo escape quando a dosagem da medicação é reduzida.

Doença Adrenal Primária Bilateral ACTH-Independente

Cerca de 15 a 20% dos casos de síndrome de Cushing endógena é ocasionada por adenomas ou carcinomas unilaterais. A doença adrenal bilateral nodular ou hiperplasia bilateral pode ser encontrada nas situações a seguir sumarizadas.

Hiperplasia Adrenal Macronodular Bilateral:

a) Associada a receptores adrenais normalmente não existentes:

1) receptores ectópicos para o polipeptídeo inibitório gástrico (GIP; polipeptídeo insulinotrópico glicose-dependente) caracteristicamente sugerido por produção de cortisol baixa em jejum e aumentada após as refeições. Está situação clínica pode ocorrer também associada a adenoma unilateral;

2) receptores responsivos a vasopressina;

3) receptores a beta-adrenérgicos. Nesta situação, a síndrome de Cushing pode ser responsiva a beta bloqueadores;

4) receptores de LH e gonadotrofina coriônica: responsivo clinicamente a leuprolide, análogo de longa ação de GnRH. Esta terapêutica foi utilizada em pacientes com esta síndrome desenvolvida após menopausa (50).

b) Causa desconhecida.

Doença Adrenocortical Pigmentada Primária Micronodular (com atrofia internodular) - Síndrome de Carney, familiar ou não familiar.

A terapêutica mais utilizada é a cirúrgica (adrenalectomia bilateral), embora os bloqueadores de síntese ou adrenolíticos possam ser considerados na terapia.

Cancer Adrenocortical

Além da terapêutica cirúrgica, os bloqueadores de síntese já mencionados podem ser utilizados.

SURAMIN

Derivado naftilurea polisulfonado, o suramin revelou-se adrenotóxico quando foi utilizado como agente anti-HIV. Em experimentação animal, a destruição adrenocortical foi relatada por Fercillan e cols. (51). Estes dados levaram à utilização do suramin no câncer adrenocortical e em câncer de próstata. Arit e cols. (52), em 1994, descreveram resultados em 9 pacientes com câncer adrenocortical, quatro dos quais com secreção de cortisol, após adrenalectomia unilateral, por metástases comprovadas. Estes autores relataram regressão de metástase pulmonares múltiplas em um dos pacientes, com níveis plasmáticos de suramin de 200 mg/L ou mais elevados. Em outros dois pacientes houve também sinais de regressão da metástase. A sobrevida após inicio da terapêutica foi de 1-36 meses (mediana de 9 meses). Efeitos colaterais incluíam coagulopatia, trombocitopemia, polineuropatia e reações dermatológicas alérgicas. Os autores concluíram que suramin não deve ser considerado como tratamento de primeira linha no carcinoma adrenocortical metastático.

O mecanismo adrenotóxico do suramin inclui interferência com ação do ACTH diretamente no córtex adrenal, alterando funções de membrana celular (53) e inativando enzimas da esteroidogenese (54).

Recebido em 18/07/03

Aceito em 23/07/03

  • 1. Dickstein G, Spindel A, Shechner C, Adawi F, Gutman H. Spontaneous remission in Cushing's disease. Arch Intern Med 1991;151:185-9.
  • 2. Kammer H, Baster M. Spontaneous remission of Cushing's disease: a case report and review of the literature. Am J Med 1979;67:519-23.
  • 3. Lamberts SWJ, Klijin JGM, De Jong FH. The true definition of true recurrence of pituitary-dependent Cushing's syndrome after transsphenoidal operation. Clin Endocrinol (Oxf) 1987;26:707-12.
  • 4. Krieger DT, Amorosa L, Linick F. Cyproheptadine induced remission in Cushing's disease. N Engl J Med 1975;293:893-6.
  • 5. Krieger DT. Pathophysiology of Cushing's disease. Endocr Rev 1983;4:22-43.
  • 6. Liberman B, Wajchenberg B, Tambascia MA, Mesquita CH. Periodic remission in Cushing's disease with paradoxical dexamethasone response: an expression of periodic hormonogenesis. J Clin Endocrinol Metab 1986;43:913-7.
  • 7. McKenna MJ, Lunares M, Mellinger RC. Prolonged remission of Cushing disease following bromocriptine therapy. Henry Ford Hosp Med J 1987;35:188-91.
  • 8. Beckers A, Stavenaert A, Pirens G, Flandray P, Sulon J, Hennen G. Cyclical Cushing's disease and its successful control under sodium valproate. J Endocrinol Invest 1990;13:923-9.
  • 9. Hogerverst COW, Koppeschaar HPF, Zehrsen PMJ, Lips CJM, Garcia BM. Cortisol secretory patterns in Cushing's disease and response to cyproheptadine treatment. J Clin Endocrinol Metab 1996;81:652-5.
  • 10. Van Cauter E, Refetoff S. Evidence for two subtypes of Cushing's disease based on the analysis of episodic cortisol secretion. N Engl J Med 1985;312:1343-9.
  • 11. Sonino N, Boscaro M, Paolette A, et al. Ketoconazole treatment in Cushing's syndrome-experience in 34 patients. Clin Endocrinol (Oxf) 1991;35:347-52.
  • 12. Knoepfelmacher M, Villares SM, Nicolau W, Liberman B. Ketoconazole in the treatment of Cushing's disease. In: Nenels R, Machado A, Povoa LC, eds. Clinical endocrinology Elsevier: Amsterdã. 1988 p.33-5.
  • 13. Van Tyle JH. Ketoconazole: Mechanism of action, spectrum of activity, pharmacokinetics, drug interations, adverse reactions and therapeutic use. Pharmacotherapy 1984;4:343-73.
  • 14. Lamberts SWJ, Vanderlely AS, De Herder WW. Transsphenoidal selective adenomectomy is the treatment of choice in patients with Cushing's disease. Considerations concerning preoperative medical treatment and the long-term followup. J Clin Endocrinol Metab 1995;80:3111-34.
  • 15. Lamberts SWJ, Bons EG, Bruining HA, De Jons FH. Differential effects of the imidazole derivatives, etomidate, ketoconazole, miconazole and metyrapone on the secretion of cortisol and its precursors by human adrenocortical cells. J Pharmac Exp Ther 1987; 240:259-64.
  • 16. Daniels H, Van Anstel WJ, Schopman W, van Dommelen C. Effect of metopyrone in a patient with adrenocortical carcinona. Acta Endocrinol (Copenh) 1963;44:346-54.
  • 17. Verhelst JA, Trainer PJ, Howlett TA, et al. Short and long term responses to metyrapone in the medical management of 91 patients with Cushing's syndrome. Clin Endocrinol 1991;5:169-78.
  • 18. Engelhardt D, Weber MM. Therapy of Cushing's syndrome with steroid biosynthesis inhibitors. J Steroid Biochem Biol 1994;49:261-7.
  • 19. Trainer PJ, Besser M. Cushing's syndrome therapy directed at the adrenal glands. Endocrinol Metab Clin North Am 1994;23:571-84.
  • 20. Dewis DC, Bullock DE, Earnshaw R, Kelly WF. Experience with trilostane in the treatment of Cushing's syndrome. Clin Endocrinol 1983;18:533-40.
  • 21. Luton JP, Mahaudean JA, Bouchard P, et al. Treatment of Cushing's disease by op'DDD. Survey of 62 cases. N Engl J Med 1979;300:459-64.
  • 22. Schetemgart DE, Conn JW, Lieberman LM. Sustained remission of Cushing's disease with mitotane and pituitary irradiation. Ann Intern Med 1980;92:613-9.
  • 23. Schulte HM, Benker G, Reinwein D, et al. Infusion of low dose etomidate: correction of hypercortisolism in patients with Cushing's syndrome and dose response relationship in normal subjects. J Clin Endocrinol Metab 1990;70:1426-30.
  • 24. Chu JW, Mathias DF, Belanoff J, Schatzberg A, Hoffman AR, Feldman D. Successful long-term treatment of refractory Cushing's disease with high dose mefipristone (RU 486) J Clin Endocrinol Metab 2000;86:3568-73.
  • 25. Vignati E, Loli P. Addictive effect of ketoconazole and octreotide in the treatment of severe adrenocorticotropin-dependent hypercortisolism. J Clin Endocrinol Metab 1996;81:2885-90.
  • 26. Stalla GK, Stalla J, Huber M, et al. Ketoconazole inhibits corticotropic cell function in vitro. Endocrinology 1998;122:618-23.
  • 27. Jimenez-Reina L, Leal-Cerro A, Garcia J, Garcia-Luna PP, Astorga R, Bernal G. In vitro effects of ketoconazole on corticotrope cell morphology and ACTH secretion of two pituitary adenomas removed from patients with Nelson's syndrome. Acta Endocrinol (Copenh) 1989;121:185-90.
  • 28. Lamberts SWJ, Vitterlinden P, Klijin JMG. The effect of the long-acting somatostatin analogue SMS 201-995 on ACTH secretion on Nelson's syndrome and Cushing's disease. Acta Endocrinol (Copenh) 1989;120:760-6.
  • 29. Bertagna X, Favrod-Coune, Escourelle H, et al. Suppression of ectopic adrenocorticotropin secretion by the long-acting somatostatin analog octreotide. J Clin Endocrinol Metab 1989;68:988-91.
  • 30. Phlipponeau M, Nocaudle M, Epelbaum J, et al. Somatostatin analogs for the localization and preoperative treatment of an adrenocorticotropin-secreting bronchial carcinoid tumor. J Clin Endocrinol Metab 1994;78:20-4.
  • 31. Lamberts SWJ, Herder VW, Krenning EP, Reubi JC (editorial). A role of (labeled) somatostatin analogs in the differential diagnosis and treatment of Cushing's syndrome. J Clin Endocrinol Metab 1994;78:17-9.
  • 32. Kemink S, Smals A, Hermus A, Pieters G, Kloppenberg P. Nelson's syndrome: a review. Endocrinologist 1997;7(1):5-9.
  • 33. Laws E. Surgical management of pituitary tumors. In: Mazzaferri E, Damaan N, eds. Endocrine tumors Blackwell Scientific: Boston, 1993 p.213.
  • 34. Kemink SAG, Grotenhuis JA, De Vries J, Pietrs GFFM, Hermus A RMM, Smals AGH. Management of Nelson's syndrome: observations in fifteen patients. Clin Endocrinol 2001;54(1):31-5.
  • 35. Albergaria-Pereira MA, Halpern A, Salgado LR, Mendonça BB, Nery M, Liberman B, et al. A study of patients with Nelson's Syndrome. Clin Endocrinol 1998;49:533-9.
  • 36. Ganz J, Backlund E, Thorsen F. The effect of gamma knife surgery of pituitary adenomas on tumor growth and endocrinopathies. Stereot Funct Neurosurg 1993;61(Suppl. 1):30-7.
  • 37. Krieger D, Lusia M. Effectiveness of cyproheptadine in decreasing plasma ACTH concentrations in Nelson's syndrome. N Engl J Med 1976;43:1179-82.
  • 38. Gwimip G, Elias A, Choi B. Failure of valproic acid to inhibit the growth of an ACTH-secreting pituitary adenoma. Acta Endocrinol 1984;105:449-54.
  • 39. Loli P, Berselli M, Franscatani, Muratori E, Tagliaferri M. Lack of ACTH lowering effect of sodium valproate in patients with ACTH hypersecretion. J Endocrinol Invest 1984;7:93-6.
  • 40. Kelly W, Adams J, Lering I, Longson D, Davies D. Long-term treatment of Nelson's syndrome with sodium valproate. Clin Endocrinol 1988;28:195-204.
  • 41. Lamberts S, Klijn J, de Quizada M, Trimmermans H, Utterlinden P, de Jong F, et al. The mechanism of the suppressive action of bromocriptine in adrenocorticotropin secretion on patients with Cushing's disease and Nelson's syndrome. J Clin Endocrinol Metab 1980;51:307-11.
  • 42. Mercado-Assis L, Yanovski J, Tracer H, Chik C, Cutler G. Acute effects of bromocriptine, cyproheptatine and valproic acid on plasma adrenocorticotropin secretion in Nelson's syndrome. J Clin Endocrinol Metab 1997;82:514-7.
  • 43. Lamberts S, Vitterlinden P, Klijn F. The effects of the long-acting somatostatin analogue SMS 201-995 on ACTH secretion in Nelson's syndrome and Cushing's disease. Acta Endocrinol (Copenh) 1989;120:760-6.
  • 44. Tabarin A, Navarrane A, Guerin J, Corcuff JB, Parneix M, Roger P. Use of ketoconazole in the treatment of Cushing's disease and ectopic ACTH syndrome. Clin Endocrinol (Oxf) 1991;34: 63-9.
  • 45. Winquist EW, Laskey J, Crump M, Khamsi F, Shephard FA. Ketoconazole in the management of paraneoplastic Cushing's syndrome secondary to ectopic adrenocorticotropin production. J Clin Oncol 1995;13:157-64.
  • 46. Sonino N. The use of ketoconazole as an inhibitor of steroid production. N Engl J Med 1987;317:812-8.
  • 47. Loose DS, Kan PB, Hirst MA, Marcus PA, Feldman D. Ketoconazole blocks adrenal steroidogenesis by inhibiting P-450-dependent enzyme. J Clin Endocrinol Metab 1986;63:1365-71.
  • 48. Pont A. Willians PL, Loose DS, et al. Ketoconazole blocks adrenal steroid synthesis. Ann Intern Med 1982;97:370-2.
  • 49. Wajchenberg BL, Mendonça BB, Liberman B, et al. Ectopic adrenocorticotropin hormone syndrome. Endocr Rev 1994;15:752-87.
  • 50. Bordean I, Lacroix A. Aberrant hormone receptors in adrenal Cushing's syndrome. Curr Opin Endocrinol Diab 2002;9:230-6.
  • 51. Fercillan P, Raffeld M, Stein CA, Lipford N, Rehanquist D, Myers CE, et al. Effects of suramin on the function and structure of the adrenal cortex in the Cynomolgus monkey. J Clin Endocrinol Metab 1987;65:153-8.
  • 52. Arit W, Reincke M, Siekmann L, Winkelman W, Allolio B. Suramin in adrenocortical cancer: limited efficacy and serious toxicity. Clin Endocrinol 1994;41:299-307.
  • 53. La Rocca RV, Stein CA, Myers CE. Suramin: prototype of a new generation of anti-tumor compounds. Cancer Cells 1990;2:106-15.
  • 54. Ashby H, Di Mattina M, Linehan WM, Robertson CN, et al. The inhibition of human adrenal steroidogenic enzyme activities by suramin. J Clin Endocrinol Metab 1989;69:505-8.
  • Endereço para correspondência
    Bernardo Liberman
    Rua Itapeva, 490 conj. 52
    01332-000 São Paulo, SP
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Nov 2003
    • Data do Fascículo
      Ago 2003

    Histórico

    • Aceito
      23 Jul 2003
    • Recebido
      18 Jul 2003
    Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia Rua Botucatu, 572 - conjunto 83, 04023-062 São Paulo, SP, Tel./Fax: (011) 5575-0311 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: abem-editoria@endocrino.org.br