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Tratamento de nódulo tireoideano com injeção percutânea de etanol

EDITORIAL

Tratamento de nódulo tireoideano com injeção percutânea de etanol

Sabrina Mendes Coelho; Mário Vaisman

Doutoranda em Endocrinologia (SMC) e Professor Adjunto (MV) da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Chefe do Serviço de Endocrinologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF), Rio de Janeiro, RJ

COM O USO CADA VEZ MAIS FREQÜENTE de métodos diagnósticos de imagem, como a ultra-sonografia, a detecção de nódulos tireoideanos está aumentando progressivamente. A grande maioria destes nódulos é benigna e, portanto, não necessita de tratamento específico. Entretanto, alguns pacientes apresentam sintomas relativos a fenômenos compressivos, ao aumento da secreção hormonal ou ainda queixa estética. Não há, até o momento, um consenso na literatura quanto à melhor opção terapêutica.

No caso de doença nodular tóxica, drogas anti-tireoideanas podem reverter o hipertireoidismo (1). No entanto, após a descontinuidade da medicação, observa-se, quase invariavelmente, recidiva do quadro. Desta maneira, o uso de drogas anti-tireoideanas está indicado como medida transitória, antecedendo o tratamento definitivo, para evitar complicações relacionadas a tireotoxicose (especialmente cardiovasculares).

Cirurgia é, obviamente, uma terapia eficaz para o bócio uninodular tóxico. Lobectomia unilateral é preferível a cirurgias mais extensas e apresenta menos risco de complicação operatória, como hipoparatireoidismo e paralisia do nervo laringeo recorrente (1). As taxas de recidiva e de hipotireoidismo são baixas, e a cirurgia está particularmente indicada para nódulos grandes (> 4cm de diâmetro).

Radioiodoterapia é, em princípio, uma alternativa atraente, uma vez que o tecido paranodular encontra-se suprimido e, portanto, parcialmente protegido. A taxa de cura varia de 75 a 90% (1,2), com redução do volume nodular de 35% em 3 meses e 45% em 2 anos (2). Entretanto, por vezes é necessário administração de mais de uma dose de radioiodo e pode ocorrer evolução para hipotireoidismo. Em geral, quanto maior a dose de iodo utilizada, menor a taxa de retratamento, maior a regressão do nódulo e a evolução para hipotireoidismo.

A utilização de injeção percutânea de etanol (IPE) tem sido proposta como uma terapia alternativa à cirurgia e à radioterapia para nódulos tireoideanos hiperfuncionantes. Os melhores resultados são geralmente obtidos em nódulos menores que 30ml de volume. Monzani e cols. (3), estudando 77 pacientes com nódulos tóxicos, observaram resposta completa (normalização do nível de T4 livre e TSH com restauração da captação de iodo paranodular) em 60 (77,9%). Falha terapêutica foi vista em 10 casos (13%), todos eles com volume inicial maior que 10ml. Resposta completa foi observada em todos os 40 pacientes com nódulos pré-tóxicos tratados. A eficácia foi semelhante entre bócio uni- e multinodular. Recorrência do hipertireoidismo não foi observada num período de até 5 anos de acompanhamento e evolução para hipotireoidismo foi vista em apenas um paciente (3). No artigo de Bianchini e cols. (4), publicado neste número dos "Arquivos", 5 pacientes com nódulo tóxico e dois com pré-tóxico foram tratados com IPE semanal (5 a 10 sessões). Reversão do hipertireoidismo em até 3 meses foi observada em todos e um paciente evoluiu com hipotireoidismo subclínico. Redução do volume nodular foi de 66% após 12 meses do tratamento (4).

Em um estudo comparativo entre radioiodo e IPE para tratamento de nódulo hiperfuncionante de 3 a 4cm de diâmetro, foi observado redução volumétrica média de 66,8% e 78,4% e eutireoidismo em 76,2 e 81,8%, respectivamente (5). Evolução para hipotireoidismo ocorreu em um paciente (4,8%) tratado com radioiodo e recidiva do hipertireoidismo em outro submetido a IPE (4,6%).

Nódulos tireoideanos císticos representam 6 a 26% dos nódulos solitários. São geralmente benignos, porém carcinoma tireoideano pode ocasionalmente apresentar-se como nódulo cístico puro. Após exclusão de malignidade, conduta expectante está indicada. Em casos sintomáticos, pode-se realizar aspiração do conteúdo; entretanto, recidiva não é infreqüente. O uso de substâncias esclerosantes diminui a taxa de recorrência. Em 20 pacientes acompanhados por 1 ano após IPE, 19 apresentaram resposta satisfatória com uma (n=15) ou duas (n=4) sessões (6). O tamanho inicial do nódulo, assim como a característica do conteúdo líquido, parecem interferir com a resposta. Del Prete e cols. (7) estudaram 98 pacientes com nódulos císticos sintomáticos com volume médio de 35,3ml. Após IPE, redução de 50% do volume foi observada em 93,8% e após 9 anos de acompanhamento 6,5% dos pacientes recidivaram. Na casuística de Bianchini e cols. (4), 17 pacientes com nódulos císticos puros ou mistos foram tratados com 1 a 4 sessões de IPE com intervalo de 15 dias. O percentual de redução foi de 92% em 1 ano, sem recidiva neste período. O alto índice de sucesso pode, pelo menos em parte, ser atribuído ao fato de que os pacientes apresentavam em média nódulos pouco volumosos (média de 10,9ml de volume).

As opções terapêuticas para nódulos sólidos, atóxicos e benignos incluem terapia de supressão de TSH com levotiroxina, cirurgia e radioiodo, além de IPE.

Ainda não há consenso sobre o valor da terapia de supressão para nódulos tireoideanos, o nível de supressão adequado e a duração do tratamento. Sabe-se que mesmo os nódulos que regridem durante o uso de levotiroxina podem crescer após a interrupção da terapia. Por outro lado, a manutenção de dose supressora de levotiroxina não está isenta de risco, especialmente cardiovascular e sobre a massa óssea. Além disso, o tratamento parece ser pouco efetivo para nódulos maiores que 10ml de volume (1).

A cirurgia é uma opção para nódulos volumosos com compressão do trato aéreo-digestivo. Além das complicações operatórias, recidiva pode ocorrer em 10 a 20% dos casos em 10 anos (1).

IPE em nódulos sólidos parece ser eficaz em regredir o volume e diminuir os sintomas compressivos. Zingrillo e cols. (8) estudaram 41 pacientes com nódulos maiores que 10ml e realizaram 2 a 8 sessões de IPE. Foi observada redução de 70%, em média, do volume do nódulo, sem recidiva em 36 meses de acompanhamento. O estudo comparativo entre IPE e supressão de TSH para tratamento de nódulos sólidos pequenos (<10ml) mostrou melhor resposta da IPE. Houve regressão de 47% do volume nodular após 12 meses de uma única sessão de IPE, contra 9% com uso de levotiroxina (9). No estudo de Bianchini e cols. (4), 26 pacientes com nódulos sólidos de 1,4 a 36ml foram tratados com 3 a 8 sessões de IPE, com regressão após 12 meses de 74% do volume inicial.

A IPE é uma boa opção para nódulos tireoideanos tóxicos e atóxicos benignos, porém não é um tratamento isento de risco. Dor local de leve a intensa ocorre invariavelmente, e às vezes hematoma, febre, paralisia transitória do nervo laringeo recorrente (com duração de horas a várias semanas) e, menos freqüentemente, hipotireoidismo. Além disto, como todo procedimento invasivo, deverá ser realizado por profissional experiente. Desta forma, pacientes com nódulos atóxicos e sem sintomas compressivos devem ser orientados quanto a conduta expectante, reservando-se tratamento mais invasivo para aqueles sintomáticos.

REFERÊNCIAS

1. Hermus AR, Huysmans DA. Treatment of benign nodular thyroid disease. N Engl J Med 1998;338:1438-47.

2. Nygaard B, Hegedüs L, Gerhard N, Ulriksen P, Hansen JM. Long-term effect of radioactive iodine on thyroid function and size in patients with solitary autonomously functioning toxic thyroid nodules. Clin Endocrinol 1999;50:197-202.

3. Monzani F, Caraccio N, Goletti O, Loppolis PV, Casolaro A, Guerra PD, et al. Five-year follow-up of percutaneous ethanol injection for the treatment of hyperfunctioning thyroid nodules: a study of 117 patients. Clin Endocrinol 1997;46:9-15.

4. Bianchini EX, Ikejiri ES, Mamone MCC, Paiva ER, Maciel RMB, Furlanetto RP. Injeção percutânea de etanol no tratamento de nódulos tiroidianos sólidos, císticos e autônomos. Arq Bras Endocrinol Metab 2003;47:543-551.

5. Zingrillo M, Torlontano M, Ghiggi MR, Frusciante V, Varraso A, Liuzzi A, et al. Radiiodine and percutaneous ethanol injection in the treatment of large toxic thyroid nodule: a long-term study. Thyroid 2000;10:985-9.

6. Monzani F, Lippi F, Goletti O, Guerra PD, Caraccio N, Lippolis PV, et al. Percutaneous aspiration and ethanol sclerotherapy for thyroid cysts. J Clin Endocrinol Metab 1994;78:800-2.

7. Del Prete S, Caraglia M, Russo D, Vitale G, Giuberti G, Marra M, et al. Percutaneous ethanol injection efficacy in the treatment of large symptomatic thyroid cystic nodules: ten-year follow-up of a large series. Thyroid 2002;12:815-21.

8. Zingrillo M, Collura D, Ghiggi MR, Nirchio V, Trischitta V. Treatment of large cold benign thyroid nodule with percutaneuos ethanol injection. J Clin Endocrinol Metab 1998;83:3905-7.

9. Bennedbaek FN, Nielsen LK, Hegedus L. Effects of percutaneous ethanol injection therapy vs. suppressive doses of l-thyroxine on benign solitary solid cold thyroid nodules: a randomized trial. J Clin Endocrinol Metab 1998;83:830-5.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Jan 2004
  • Data do Fascículo
    Out 2003
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