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Variabilidade intra-individual do controle glicêmico em pacientes com diabetes tipo 1

Intra-individual variability of glycemic control in patients with type 1 diabetes

Resumos

OBJETIVO: Avaliar a variabilidade do controle glicêmico em pacientes com diabetes tipo1 (DM1) em acompanhamento ambulatorial. PACIENTES E MÉTODOS: Foram estudados 100 pacientes com DM1 (55 do sexo feminino), com idade de 18,6±9 anos, idade de diagnóstico de 12 anos (1-35) e duração do diabetes de 5 anos (0,09-40), com tempo de seguimento de 4,3 anos (2-8,5). A HbA1c foi determinada por cromatografia de troca iônica (valor de referência: 2,4-6,2%). RESULTADOS: Foram analisados os dados de 94 pacientes. A HbA1c inicial e final foi de 7,6±1,8% e 8,7±2,1, com aumento absoluto de 1,1% (-7; 7,2) e anual de 0,22% (-3,5; 3,6). A HbA1c permaneceu inalterada em 2 pacientes (2,1%), aumentou em 64 (68,1%) e diminuiu em 28 (29,8%). Do grupo geral, 48 pacientes (51,1%) tiveram deterioração, 12 (12,8%) melhora, 21 (22,3%) permaneceram com controle bom ou excelente e 13 (13,8%) com controle glicêmico regular ou péssimo. O número de HbA1c realizadas no acompanhamento foi de 6 (3-10) por paciente. Houve diferença significativa quanto ao número de HbA1c realizadas entre o grupo que apresentou piora no controle glicêmico (7,2±2,1) e o que manteve controle regular ou péssimo (4,7±1) (p=0,003). A diferença intra-individual entre a maior e a menor HbA1c foi de 3,1% (0,3-9,5). O coeficiente de variação e o desvio padrão da HbA1c foi de 15,5±8,1 e 1,2±0,7%, respectivamente, sendo menor nos pacientes que mantiveram controle excelente ou bom. A correlação entre a HbA1c final e a inicial foi de r= 0,37 (p=0,000) e entre a HbA1c média durante o estudo e a inicial foi r= 0,71 (p=0,000). CONCLUSÃO: A maioria dos pacientes desta amostra apresentou piora do controle glicêmico durante acompanhamento ambulatorial de rotina havendo também grande variabilidade intra-individual do controle glicêmico. A HbA1c inicial do paciente mostrou-se um importante preditor do controle glicêmico.

Diabetes mellitus tipo 1; HbA1c; Hemoglobina glicada; Índice de massa corporal


AIM: to evaluate the variability of glycemic control in type 1 diabetes (DM1) patients under routine clinical care. PATIENTS AND METHODS: 100 patients (55 female), mean age of 18.6±9 years, age at diagnosis 12 (1-35) years and DM duration of 5 years (0.09-40), with a follow-up period of 4.3 (2-8.5) years. Glycated hemoglobin (HbA1c) was determined by HPLC (reference values: 2.4-6.2%). RESULTS: Data from 94 patients were analyzed. Baseline and final HbA1c were 7.6±1.8% and 8.7±2.1%, with an absolute increase of 1.1% (-7; 7.2) and an annual increase of 0.22% (-3.5; 3.6). On follow-up 6 (3-10) HbA1c were measured per patient. A significant difference in the number of HbA1c determinations was seen in the group whose glycemic control worsened (7.2±2.1) as compared to that whose glycemic control remained regular or bad (4.7±1) (p=0.003). HbA1c levels remained unchanged in 2 (2.1%), increased in 64 (68.1%) and decreased in 28 (29.8%) patients. 48 of the 94 patients (51.1%) worsened, 12 (12.8%) improved, 21 (22.3%) maintained good or excellent control and 13 (13.8%) remained with regular or bad control. The intra-individual difference between the highest and the lowest HbA1c during the study was 3.1% (0.3-9.5). The coefficient of variability and the SD of the HbA1c was 15.5±8.1% and 1.2±0.7%, respectively, and was lower in patients who remained with good or excellent control. The correlation between the final and initial HbA1c was r= 0.37 (p=0.000) and between the mean and initial HbA1c was r= 0.71 (p=0.000). CONCLUSION: The majority of our patients worsened the glycemic control during the follow-up. There was also a great intra-individual variability of the glycemic control. Baseline HbA1c has shown to be an important predictor of the glycemic control.

Type 1 diabetes mellitus; HbA1c; Glycated hemoglobin; Body mass index


ARTIGO ORIGINAL

Variabilidade intra-individual do controle glicêmico em pacientes com diabetes tipo 1

Intra-individual variability of glycemic control in patients with type 1 diabetes

Marília B. Gomes; Milena O. Portavales; André M. Faria; Karla R. Guerra; Edna F. da Cunha; Eliete Leão da S. Clemente

Disciplina de Diabetes e Metabologia, Hospital Universitário Pedro Ernesto, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ.

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Marília B. Gomes Estrada da Barra 1006, bloco 3, apto 502 22648-900 Rio de Janeiro, RJ Fax: (021) 204-2343 e.mail: mariliab@uerj.br

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar a variabilidade do controle glicêmico em pacientes com diabetes tipo1 (DM1) em acompanhamento ambulatorial.

PACIENTES E MÉTODOS: Foram estudados 100 pacientes com DM1 (55 do sexo feminino), com idade de 18,6±9 anos, idade de diagnóstico de 12 anos (1–35) e duração do diabetes de 5 anos (0,09-40), com tempo de seguimento de 4,3 anos (2–8,5). A HbA1c foi determinada por cromatografia de troca iônica (valor de referência: 2,4-6,2%).

RESULTADOS: Foram analisados os dados de 94 pacientes. A HbA1c inicial e final foi de 7,6±1,8% e 8,7±2,1, com aumento absoluto de 1,1% (-7; 7,2) e anual de 0,22% (-3,5; 3,6). A HbA1c permaneceu inalterada em 2 pacientes (2,1%), aumentou em 64 (68,1%) e diminuiu em 28 (29,8%). Do grupo geral, 48 pacientes (51,1%) tiveram deterioração, 12 (12,8%) melhora, 21 (22,3%) permaneceram com controle bom ou excelente e 13 (13,8%) com controle glicêmico regular ou péssimo. O número de HbA1c realizadas no acompanhamento foi de 6 (3-10) por paciente. Houve diferença significativa quanto ao número de HbA1c realizadas entre o grupo que apresentou piora no controle glicêmico (7,2±2,1) e o que manteve controle regular ou péssimo (4,7±1) (p=0,003). A diferença intra-individual entre a maior e a menor HbA1c foi de 3,1% (0,3–9,5). O coeficiente de variação e o desvio padrão da HbA1c foi de 15,5±8,1 e 1,2±0,7%, respectivamente, sendo menor nos pacientes que mantiveram controle excelente ou bom. A correlação entre a HbA1c final e a inicial foi de r= 0,37 (p=0,000) e entre a HbA1c média durante o estudo e a inicial foi r= 0,71 (p=0,000).

CONCLUSÃO: A maioria dos pacientes desta amostra apresentou piora do controle glicêmico durante acompanhamento ambulatorial de rotina havendo também grande variabilidade intra-individual do controle glicêmico. A HbA1c inicial do paciente mostrou-se um importante preditor do controle glicêmico.

Descritores: Diabetes mellitus tipo 1; HbA1c; Hemoglobina glicada; Índice de massa corporal

ABSTRACT

AIM: to evaluate the variability of glycemic control in type 1 diabetes (DM1) patients under routine clinical care.

PATIENTS AND METHODS: 100 patients (55 female), mean age of 18.6±9 years, age at diagnosis 12 (1-35) years and DM duration of 5 years (0.09-40), with a follow-up period of 4.3 (2-8.5) years. Glycated hemoglobin (HbA1c) was determined by HPLC (reference values: 2.4-6.2%).

RESULTS: Data from 94 patients were analyzed. Baseline and final HbA1c were 7.6±1.8% and 8.7±2.1%, with an absolute increase of 1.1% (-7; 7.2) and an annual increase of 0.22% (-3.5; 3.6). On follow-up 6 (3-10) HbA1c were measured per patient. A significant difference in the number of HbA1c determinations was seen in the group whose glycemic control worsened (7.2±2.1) as compared to that whose glycemic control remained regular or bad (4.7±1) (p=0.003). HbA1c levels remained unchanged in 2 (2.1%), increased in 64 (68.1%) and decreased in 28 (29.8%) patients. 48 of the 94 patients (51.1%) worsened, 12 (12.8%) improved, 21 (22.3%) maintained good or excellent control and 13 (13.8%) remained with regular or bad control. The intra-individual difference between the highest and the lowest HbA1c during the study was 3.1% (0.3-9.5). The coefficient of variability and the SD of the HbA1c was 15.5±8.1% and 1.2±0.7%, respectively, and was lower in patients who remained with good or excellent control. The correlation between the final and initial HbA1c was r= 0.37 (p=0.000) and between the mean and initial HbA1c was r= 0.71 (p=0.000).

CONCLUSION: The majority of our patients worsened the glycemic control during the follow-up. There was also a great intra-individual variability of the glycemic control. Baseline HbA1c has shown to be an important predictor of the glycemic control.

Keywords: Type 1 diabetes mellitus; HbA1c; Glycated hemoglobin; Body mass index

A IMPORTÂNCIA DO CONTROLE GLICÊMICO na prevenção das complicações crônicas do diabetes (DM) e, conseqüentemente, melhoria da qualidade de vida foi demonstrada em vários estudos prospectivos recentes (1-4). Na maioria destes estudos, os resultados foram apresentados em função da média da HbA1c, provavelmente minimizando o impacto da variabilidade do controle glicêmico nos seus desfechos. As flutuações da glicemia e, portanto, da HbA1c são eventos comuns durante o acompanhamento do paciente com DM1, dificultando a manutenção do controle glicêmico adequado (5). Este fato foi observado em dois estudos com DM1 na Bélgica com tempo de acompanhamento menor que um ano (6), e na Inglaterra com tempo de acompanhamento de 9 anos (7). Na Bélgica, 62% dos pacientes e, na Inglaterra, 3,3% dos pacientes mantiveram uma HbA1c compatível com um bom controle glicêmico. No estudo realizado na Inglaterra, flutuações da HbA1c maiores que 1 ponto percentual foram observadas em 50% dos pacientes. Este fato não foi observado na Noruega em estudo de acompanhamento de 5 anos (5). Possivelmente o tempo de acompanhamento e o tipo de abordagem terapêutica, incluindo-se o fornecimento de material necessário à automonitorização do tratamento integral, pelo sistema de saúde de cada país, influíram nos resultados.

O presente estudo teve como objetivo determinar a variabilidade intra-individual do controle glicêmico em pacientes com DM1 durante acompanhamento ambulatorial de rotina.

PACIENTES

Foram estudados 100 pacientes (55 F / 45 M) com DM1, classificados de acordo com os critérios da Associação Americana de Diabetes (ADA) (8), acompanhados pela mesma equipe multidisciplinar no período de 1991 a 1999 no ambulatório de Diabetes do Hospital Universitário Pedro Ernesto. Os pacientes tinham idade de 18,6±9 anos, idade de diagnóstico de 12 (1 – 35) anos e duração de DM de 3 (0,09 – 40) anos. Amostras de sangue em jejum foram obtidas a cada ano para determinação da hemoglobina glicada (HbA1c). Todos os pacientes eram insulino-dependentes desde o diagnóstico, sem sintomas de descompensação do DM. O desenho do estudo foi aprovado pela Comissão de Ética Local.

Os pacientes foram classificados quanto ao desenvolvimento puberal, pelos critérios de Tanner (9), consistindo, o grupo, em pacientes pré-púberes (n= 19, 19%); púberes (n= 29, 29%), e adultos (n 52, 52%). Quanto ao controle glicêmico, os pacientes foram classificados de acordo com o proposto por Chase (divisão do valor da HbA1c do paciente pelo valor do limite superior de normalidade do método) (10): controle excelente (índice de até 1,1), bom controle (>1,1 e <1,33), controle regular (>1,33 e <1,5) e controle péssimo (>1,5).

MÉTODOS

O índice de massa corporal (IMC) foi calculado dividindo-se o peso (kg) pela altura ao quadrado (m2), sendo de 19,9±3,1kg/m2 no grupo geral.

A HbA1c foi determinada pela técnica de cromatografia de troca iônica (valor de referência: 4,5 - 8%) de 1991 - 1995. Em 1996, a HbA1c foi determinada por cromatografia líquida de alta precisão no aparelho L-9100 Merck Hitachi, cujo valor de referência é de 2,4 a 6,2%, com um coeficiente de variação intraensaio de 1,5% e interensaio de 1,3% para valores baixos (4,1%) e altos (7,7%). A correlação entre as duas mensurações simultâneas foi de 0,83 resultando na seguinte fórmula de conversão: HbA1c = 0,71461 + 0,71486 ´ HbA1c. A glicose plasmática foi determinada por técnica enzimática utilizando um auto-analisador (Cobas-Mira Roche). Os pacientes foram estratificados de acordo com o grau de evolução do controle glicêmico durante o acompanhamento nos seguintes grupos: grupo 0, pacientes que mantiveram controle glicêmico bom ou excelente; grupo 1, pacientes que melhoraram o controle glicêmico; grupo 2, pacientes que pioraram o controle glicêmico, e grupo 3, pacientes que mantiveram controle glicêmico regular ou péssimo.

A análise estatística foi realizada através dos programas SPSS (versão 9.0) e Epi Info (versão 6.0). Para comparação entre grupos, utilizamos o teste de Mann Whitney ou Kruskal-Wallis com correção Bonferroni na análise intragrupo. Para análise de variáveis categóricas, utilizamos o teste do Qui-Quadrado e o teste exato de Fisher. Para análise da correlação entre as variáveis contínuas, utilizamos a correlação de Pearson. Os dados são apresentados como média (±DP) ou mediana (mínimo/máximo). Consideramos como significante um valor de p bicaudal <0,05.

RESULTADOS

As características clínicas dos pacientes são descritas na tabela 1. Dos 100 pacientes, 6 saíram do estudo por mudança residencial e 94 foram acompanhados por 4,8 anos (2 – 8,5). A média da HbA1c foi de 8,2±1,6%, com um aumento absoluto de 1,1% (-7; 7,2) e um aumento anual de 0,22% (-3,5; 3,6). A comparação dos dados iniciais de acordo com a evolução do controle glicêmico é descrita na tabela 1. Durante o acompanhamento, o número de HbA1c realizadas foi de 6 (3-10) por paciente. O número de HbA1c realizadas durante o seguimento foi associado ao grau de evolução do controle glicêmico no período, respectivamente [grupo 0 (6,0±2,0) vs. grupo 1 (5,5±2,4) vs. grupo 2 (7,2±2,1) vs. grupo 3 (4,7±1); p=0,001]. A comparação intragrupo revelou uma diferença significativa entre o grupo 2 e o grupo 3 (p=0,003). Considerando-se o nível de controle glicêmico no começo e no fim do nosso estudo, 48 pacientes (51,1%) tiveram deterioração, 13 (13,8%) permaneceram com o controle regular ou péssimo, 21 (22,3%) permaneceram com bom ou excelente controle, e 12 (12,8%) apresentaram melhora (figura 1). A alteração do nível de controle glicêmico foi associada ao estadiamento puberal, com maior número de púberes no grupo que apresentou piora no controle glicêmico durante o período de acompanhamento, respectivamente (grupo 0= 5 pacientes vs. grupo 1= 0 vs. grupo 2= 15 vs. grupo 3= 8). Considerando-se os valores absolutos de HbA1c no início e fim do seguimento, observamos um aumento em 64 pacientes (68,1%), sendo <1 ponto percentual em 12 (12,8%), >1 em 19 (20,2%), >2 em 16 (17%) e >3 em 17 (18,1%), diminuição em 28 pacientes (29,8%), sendo <1 em 14 (14,9%) e >1 em 14 (14,9%) e sem alteração em 2 pacientes (2,1%). A diferença intra-individual entre a maior e a menor HbA1c durante o estudo foi de 3,1% (0,3 – 9,5).


Durante o acompanhamento, 35 pacientes (37,2%) tiveram uma ou mais HbA1c normais, o que nunca foi observado nos demais pacientes. Nenhum paciente apresentou a totalidade das HbA1c normais. Considerando-se a média intra-individual, apenas 7 pacientes (7,4%) apresentaram a mesma normal. Na amostra estudada, o percentual de HbA1c normais foi de 13±24% por paciente, variando de 0 a 100%. O número de HbA1c normais não foi associado ao sexo, estadiamento puberal, idade, idade de diagnóstico e tempo de duração do diabetes, dose de insulina, IMC inicial e ao número total de determinações de HbA1c realizadas durante o acompanhamento. A correlação entre a HbA1c no final do estudo e a HbA1c inicial foi de r= 0,37 (p=0,000) (figura 2) e a correlação entre a média da HbA1c durante o estudo e a HbA1c inicial foi de r= 0,71 (p=0,000) (figura 3). Observamos associação entre o desvio padrão intra-individual da HbA1c e avaliação do controle glicêmico durante o acompanhamento, respectivamente [grupo 0 (0,6±0,4) vs. grupo 1 (1,2±0,94) vs. grupo 2 (1,4±0,6) vs. grupo 3 (1,2±0,7%); p=0,000]. Observamos também associação entre o coeficiente de variação intra-individual e avaliação do controle glicêmico durante o acompanhamento, respectivamente [grupo 0: 9,4 (2,1-24,0) vs grupo 1: 17,6 (6,8-50,4) vs grupo 2: 15,5 (5,3-39,1) vs grupo 3: 11 (4,8-30,3); p=0,0003]. Na análise intragrupo, o grupo que manteve bom controle glicêmico foi o que apresentou menor valor do coeficiente de variação e menor desvio padrão intra-individual da HbA1c quando em comparação aos demais grupos (p<0,008).



DISCUSSÃO

O presente trabalho consistiu em uma análise da variabilidade do controle glicêmico em pacientes com DM1 regularmente acompanhados num Centro de Referência para a doença, do município do Rio de Janeiro. Desta maneira, nossos dados possivelmente não refletem as características gerais, como também as condições de acompanhamento ambulatorial dos pacientes com DM1 em nosso município.

Um outro aspecto a ser considerado na interpretação dos resultados é o tamanho da amostra, principalmente de pré-púberes e a heterogeneidade do número de determinações de HbA1c realizadas por paciente.

Adotamos a classificação do controle glicêmico baseada no índice descrito por Chase (10), cujos parâmetros de bom controle (índice <1,33) são superiores ao proposto pela ADA como objetivo terapêutico, isto é, valores de HbA1c <7%, que corresponderiam a um índice de 1,16 (11). Esta opção foi decorrente do fato de que neste trabalho são propostos critérios que permitem classificar o controle glicêmico nas categorias bom, regular e péssimo, como também o fato de que a utilização de um índice facilita a comparação com os trabalhos que utilizam diferentes metodologias de determinação de HbA1c. Enfatizamos também que a ADA (8) propõe que somente à partir de uma HbA1c 8% (índice de 1,33), medidas terapêuticas adicionais devam ser consideradas.

No presente estudo, a média da HbA1c foi de 8,2±1,6 (índice de 1,32), havendo, na maioria de nossos pacientes, uma piora do controle glicêmico com um importante incremento da HbA1c. Nosso índice de controle foi superior ao descrito na Bélgica (6) (índice de 1,2), e inferior ao descrito em outros estudos, em corte transverso, com crianças e adolescentes realizados na França (12), de 8,97% (índice de 1,42) e multicêntrico na Europa, Japão e Estados Unidos (13), de 8,6% (índice de 1,36). No DCCT (1), pacientes com mais de 13 anos de idade em terapia e suporte multidisciplinar intensivo tinham, no final do estudo, uma HbA1c de 7,1% (índice de 1,17). A comparação de nossos resultados com os descritos acima e com a análise de dados de nossos pacientes durante um ano de acompanhamento (14) sugere que a obtenção de controle glicêmico adequado a longo prazo é difícil em qualquer país.

O controle glicêmico foi associado ao estadiamento puberal e número, média, desvio padrão e coeficiente de variação intra-individual da HbA1c durante o acompanhamento. Observamos que o grupo que apresentou piora do controle glicêmico realizou um maior número de HbA1c do que o grupo que manteve o controle glicêmico regular ou péssimo. Estes pacientes teriam indicação de um controle estrito em substituição à conduta convencional, no entanto, a demonstração de que tiveram o menor número de dosagens de HbA1c já evidencia a dificuldade que esses casos têm em seguir a rotina indicada e, portanto, inviabilizando qualquer controle mais complexo. O comportamento do controle glicêmico durante o acompanhamento foi associado ao estadiamento puberal, havendo uma menor freqüência de adolescentes no grupo que melhorou o controle glicêmico quando comparado ao grupo que piorou e ao que manteve controle regular ou péssimo. O controle glicêmico ruim entre os adolescentes poderia estar relacionado não só aos fatores biológicos, como o aumento da secreção do hormônio de crescimento, que é antagonista da insulina (15), mas também a fatores psicológicos comuns a esta faixa etária. Considerando-se o grupo geral, nenhum paciente manteve todas as HbA1c dentro da faixa de normalidade, apenas 7,4% mantiveram a média de todas as HbA1c normal, 37,2% dos pacientes tiveram um ou mais valores normais de HbA1c. Em estudo retrospectivo de 9 anos realizado na Inglaterra em adultos com DM1 (7), apenas 3,3% dos pacientes mantiveram HbA1c sempre compatível com bom controle (índice de 1,14), 21,3% mantiveram a média das HbA1c e até 43% tiveram pelo menos uma HbA1c nestes parâmetros. Estes dados ratificam a dificuldade que temos em manter, nos pacientes regularmente atendidos ambulatorialmente, a glicemia próxima ao normal. A maioria dos pacientes de nosso estudo apresentou uma importante variabilidade do controle glicêmico, o que é demonstrado pelo significante coeficiente de variação e desvio padrão intra-individual da HbA1c. Nossos dados diferem de estudo na Noruega, que demonstrou que 50% dos pacientes apresentou flutuações da HbA1c menores que 1 ponto percentual, o que permitiu aos autores concluir que houve uma estabilidade do controle glicêmico durante o seguimento (5). Apesar do grupo que permaneceu com excelente ou bom controle glicêmico ter apresentado uma menor variação da HbA1c, mesmo neste grupo tivemos pacientes com até 24% de coeficiente de variação intra-individual da HbA1c. Este dado vem ratificar que a maioria dos pacientes diabéticos provavelmente apresenta importantes flutuações da glicemia. A variabilidade da HbA1c e, portanto, da glicemia, mesmo em pacientes em bom controle, poderia resultar em risco de evolução para complicações microvasculares do diabetes, o que foi demonstrado pelos resultados do DCCT no grupo em intervenção terapêutica intensiva (1). Em nosso trabalho, observamos que a HbA1c inicial foi um importante preditor da média da HbA1c durante o seguimento e da HbA1c final, o que poderia nos auxiliar no estabelecimento da estratégia terapêutica inicial do paciente.

Concluímos pelo presente trabalho que a maioria dos pacientes atendidos em nosso centro apresentou uma piora do controle glicêmico com uma grande variabilidade intra-individual da HbA1c. A HbA1c inicial do paciente pode ser utilizada como um indicador do controle glicêmico posterior. Para obtenção e manutenção do bom controle glicêmico a longo prazo no paciente com DM1, intervenções terapêuticas mais agressivas devem ser adotadas e custeadas pelo Sistema de Saúde Público.

Recebido em 16/12/02

Revisado em 10/06/03

Aceito em 17/06/03

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Jan 2004
    • Data do Fascículo
      Out 2003

    Histórico

    • Aceito
      17 Jun 2003
    • Revisado
      10 Jun 2003
    • Recebido
      16 Dez 2002
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