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Variante oncocítica do carcinoma medular: relato de caso

Oncocytic variant of medullary thyroid carcinoma: case report

Resumos

Tumores oncocíticos do sistema endócrino são um grupo de entidades raras descritas em diversos órgãos, incluindo a glândula tireóidea. O carcinoma medular pode excepcionalmente mostrar predomínio de células com alteração oncocítica, mas a imunorreatividade positiva para calcitonina costuma ser útil para o correto diagnóstico. Descrevemos o caso de paciente do sexo feminino, de 71 anos, com nódulo tireoidiano notado há 2 meses, de 5 cm, endurecido e sem ad'enopatia palpável significativa. A dosagem dos hormônios tireoidianos estava normal. A vascularização do nódulo, ao ultra-som com Doppler, era predominantemente central. O exame citopatológico revelou suspeita de neoplasia folicular com predomínio de células com alteração oncocítica. Foi realizada hemitireoidectomia. O exame histopatológico de congelação mostrou tratar-se de neoplasia folicular e a avaliação histopatológica do material incluído em parafina e imunoistoquímica concluíram tratar-se de carcinoma medular, variante oncocítica. A tireoidectomia foi totalizada em segundo tempo e a paciente recebeu dose terapêutica de 131I adjuvante, estando sem evidência de recidiva após 40 meses. O carcinoma medular deve ser considerado como diagnóstico diferencial nos casos incomuns de carcinoma tireoidiano com predomínio de células com alteração oxifílicas.

Neoplasia; Tireóide; Carcinoma medular; Alteração oncocítica


Oncocytic tumors of the endocrine system are a group of rare entities described in several organs, including the thyroid gland. Medullary carcinoma can seldom show the predominance of cells with oncocytic changes but the positive immunostaining for calcitonin should be helpful for the correct diagnosis. We describe the case of a 71 year-old female Caucasian patient, with a hard 5 cm thyroid nodule for 2 months. There was no significant cervical adenopathy. Thyroid hormone levels were normal. The US-Doppler examination showed a centrally vascularized nodule. Cytopathology analyses was suspicious for follicular neoplasm with predominance of oncocytic cells, and a hemithyroidectomy was performed. Frozen section examination confirmed a follicular neoplasm and the definitive histopathological and immunohistochemical analyses was conclusive for a medullary carcinoma, oncytic variant. A total thyroidectomy was then performed, followed by adjuvant 131Iodine therapy. After a 40-month follow-up the patient is alive with no evidence of disease. Medullary carcinoma should be considered in the differential diagnosis of unusual thyroid carcinomas with predominance of cells with oncocytic changes.

Neoplasm; Thyroid; Medullary carcinoma; Oncocytic change


APRESENTAÇÃO DE CASOS

Variante oncocítica do carcinoma medular. Relato de caso

Oncocytic variant of medullary thyroid carcinoma. Case report

Rogério A. Dedivitis; José Henrique Di Giovanni; Grace F.C. da Silva; Larissa C. Marinho; André V. Guimarães

Setor de Cirurgia de Cabeça e Pescoço (RAD, JHDG, AVG) e Serviço de Anatomia Patológica (LCM) da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de Santos, SP e Faculdade de Medicina da Universidade de Marília (GFCS), SP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Rogério A. Dedivitis Rua Olinto Rodrigues Dantas, 343 cj. 92 11050-220 Santos, SP Fax: (13) 3223-5550 / 3221-1514 e-mail: dedivitis.hns@uol.com.br

RESUMO

Tumores oncocíticos do sistema endócrino são um grupo de entidades raras descritas em diversos órgãos, incluindo a glândula tireóidea. O carcinoma medular pode excepcionalmente mostrar predomínio de células com alteração oncocítica, mas a imunorreatividade positiva para calcitonina costuma ser útil para o correto diagnóstico. Descrevemos o caso de paciente do sexo feminino, de 71 anos, com nódulo tireoidiano notado há 2 meses, de 5 cm, endurecido e sem ad'enopatia palpável significativa. A dosagem dos hormônios tireoidianos estava normal. A vascularização do nódulo, ao ultra-som com Doppler, era predominantemente central. O exame citopatológico revelou suspeita de neoplasia folicular com predomínio de células com alteração oncocítica. Foi realizada hemitireoidectomia. O exame histopatológico de congelação mostrou tratar-se de neoplasia folicular e a avaliação histopatológica do material incluído em parafina e imunoistoquímica concluíram tratar-se de carcinoma medular, variante oncocítica. A tireoidectomia foi totalizada em segundo tempo e a paciente recebeu dose terapêutica de 131I adjuvante, estando sem evidência de recidiva após 40 meses. O carcinoma medular deve ser considerado como diagnóstico diferencial nos casos incomuns de carcinoma tireoidiano com predomínio de células com alteração oxifílicas.

Descritores: Neoplasia; Tireóide; Carcinoma medular; Alteração oncocítica

ABSTRACT

Oncocytic tumors of the endocrine system are a group of rare entities described in several organs, including the thyroid gland. Medullary carcinoma can seldom show the predominance of cells with oncocytic changes but the positive immunostaining for calcitonin should be helpful for the correct diagnosis. We describe the case of a 71 year-old female Caucasian patient, with a hard 5 cm thyroid nodule for 2 months. There was no significant cervical adenopathy. Thyroid hormone levels were normal. The US-Doppler examination showed a centrally vascularized nodule. Cytopathology analyses was suspicious for follicular neoplasm with predominance of oncocytic cells, and a hemithyroidectomy was performed. Frozen section examination confirmed a follicular neoplasm and the definitive histopathological and immunohistochemical analyses was conclusive for a medullary carcinoma, oncytic variant. A total thyroidectomy was then performed, followed by adjuvant 131Iodine therapy. After a 40-month follow-up the patient is alive with no evidence of disease. Medullary carcinoma should be considered in the differential diagnosis of unusual thyroid carcinomas with predominance of cells with oncocytic changes.

Keywords: Neoplasm; Thyroid; Medullary carcinoma; Oncocytic change

A GLÂNDULA TIREÓIDEA POSSUI dois tipos de células. Enquanto as foliculares produzem o hormônio tireoidiano e a tireoglobulina, a chamada célula C produz a calcitonina.

O carcinoma medular de tireóide (CMT), derivado das células C, é secretor de calcitonina e apresenta amplo espectro de padrões histopatológicos (1). Tais células dispõem-se em blocos ou isoladas, podendo também apresentar substância amilóide entre si, necrose e células inflamatórias. Apresenta malignidade intermediária e é menos comum, porém, com pior prognóstico que os carcinomas bem diferenciados. Precocemente desenvolve metástases para linfonodos cervicais e requer cirurgia agressiva, que consiste em tireoidectomia total com esvaziamento cervical (2).

Lesões oncocíticas do sistema endócrino compreendem um grupo de entidades pouco usuais. A célula com alteração oncocítica (ou oxifílica) é uma célula epitelial poligonal ampla, com citoplasma eosinofílico granular e núcleo central com nucléolos proeminentes. Na tireóide, tais células são denominadas células de Hürthle, sendo derivadas das células foliculares (3).

O objetivo é apresentar uma variante rara do CMT, com predomínio de células com alteração oncocítica e imunorreatividade para calcitonina, podendo ser confundida com neoplasia folicular com alteração oncocítica.

RELATO DE CASO

Paciente de 71 anos, do sexo feminino, apresentou-se com nódulo cervical há 2 meses. O exame clínico revelou um nódulo de 5 cm no maior eixo, fazendo corpo com o lobo tireoidiano esquerdo, endurecida e móvel à deglutição, com hipótese de bócio uninodular atóxico. Não havia adenopatia palpável significativa e a mobilidade das pregas vocais estava normal.

A dosagem dos hormônios tireoidianos estava dentro da normalidade. A ultra-sonografia revelou um nódulo de 5,0 x 3,5 x 2,7cm, com vascularização, ao ultra-som Doppler, predominantemente central, hipoecóico, sem halo nem calcificações. O lobo tireoidiano contra-lateral não apresentou alterações significativas. O exame citopatológico da punção aspirativa por agulha fina revelou neoplasia folicular com predomínio de células com alteração oncocítica.

Foi realizada hemitireoidectomia esquerda. O exame histopatológico de congelação mostrou tratar-se de uma neoplasia folicular. Assim como o exame citopatológico pré-operatório, o exame de congelação não mostrou achados compatíveis com tumor medular. A avaliação histopatológica do material incluído em parafina concluiu tratar-se de um CMT (figura 1), variante oncocítica, de 4,8 x 3,0 x 2,8cm. A imunoistoquímica revelou positividade para calcitonina (figura 2), antígeno cárcino-embrionário (CEA) e cromogranina, sendo negativo para vimentina e tireoglobulina, confirmando o diagnóstico.



A paciente foi submetida à totalização da tireoidectomia e a análise do lobo contra-lateral mostrou tecido tireoidiano preservado. A dosagem de calcitonina sérica pós-operatória estava normal. Realizou-se dose terapêutica de iodo radioativo adjuvante e a paciente foi mantida sob reposição hormonal, estando sob acompanhamento ambulatorial há 40 meses, sem evidência de recidiva.

Foi realizada a dosagem de calcitonina com estímulo com pentagastrina dos parentes de primeiro grau da paciente, não se observando valores acima da normalidade. Assim, considerou-se tratar de forma esporádica da doença.

DISCUSSÃO

As variantes histológicas do CMT são: sólida, folicular, papilífera, pequenas células, células claras, oncocítica e mistas medular-folicular e medular-papilífera (4).

Nos últimos anos, o espectro morfológico do CMT na forma esporádica alargou-se consideravelmente pelo uso sistemático da microscopia eletrônica e das reações imunoistoquímicas que trouxeram maior sensibilidade ao diagnóstico deste tumor. A existência de CMT com predomínio de células oncocíticas não representa surpresa, já que tal alteração é descrita em outros tumores neuroendócrinos (3). A demonstração de imunorreatividade à calcitonina em meio a células com alteração oncocítica e a ausência de reatividade à tireoglobulina confirmou o diagnóstico de CMT puro no presente caso.

Mesmo nos casos com falta de reatividade a calcitonina, o diagnóstico de CMT não apresenta problemas se os aspectos histopatológicos característicos estiverem presentes, como padrão de agrupamentos celulares e insular, esclerose estromal e deposição focal de amilóide (5).

Os tumores tireoidianos benignos e malignos constituem uma ampla variedade de neoplasias mostrando anormalidades cromossômicas (6). Células com alteração oncocítica apresentam acúmulo anormal de mitocôndrias. Estudos citogenéticos nos tumores oncocíticos tireoidianos mostram várias aberrações de diversos padrões, como perda do cromossomo 22, por vezes associada a monossomia do cromossomo 2. Monossomias do 8 e do X são relatadas, bem como ganhos para os cromossomos 7, 12 e 17 (7), além do 5 (6) e dos 14, 16, 20 e 22 (8). As anomalias cromossômicas são independentes da ativação de mutações no Ras. Mutações no RET estão associadas com o CMT nas endocrinopatias múltiplas tipo 2 (6).

O CMT deve ser considerado como diagnóstico diferencial nos casos incomuns de carcinoma tireoidiano, mesmo que haja folículos. A análise imunoistoquímica auxilia o diagnóstico definitivo.

Recebido em 24/06/03

Revisado em 17/09/03 e 07/01/04

Aceito em 09/02/04

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  • Endereço para correspondência

    Rogério A. Dedivitis
    Rua Olinto Rodrigues Dantas, 343 cj. 92
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Jul 2004
    • Data do Fascículo
      Abr 2004

    Histórico

    • Aceito
      09 Fev 2004
    • Revisado
      07 Jan 2004
    • Recebido
      24 Jun 2003
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